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sábado, 26 de outubro de 2013

Em dia com o Machado 73 (jlo)

            E aquele político fariseu, vendo a multidão de manifestantes pacíficos, após enviar um e-mail convocatório aos vândalos partidários, iniciou seu discurso do alto de um morro, logo recheado de guarda-costas e comparsas armados:


— bem-aventurados os pobres de espírito que não gostam de ler, muito menos de estudar e trabalhar, pois eles apoiarão o partido da corrupção, grandes políticos serão e quiçá presidentes da República ou do partido do mensalão;
— bem-aventurados os espertos de espírito, pois é deles as riquezas minerais, vegetais e animais desta terra na qual, “em se plantando, tudo dá”;
— bem-aventurados os anarquistas, marginais e terroristas, hoje denominados eufemisticamente de vândalos, por destruírem escolas, hospitais, bancos (de praças públicas, inclusive) e, até, viaturas militares com ou sem militares, porque aqueles serão consolados pela imprensa brasileira;
— bem-aventurados os ladrões e assassinos, sejam eles políticos, jornalistas, comerciantes, banqueiros, dirigentes esportivos e membros de outras laias, pois eles serão fartos;
— bem-aventuradas as pacatas manifestações que nada fazem para evitar vandalismos, roubos e assassinatos durante suas justas reivindicações, porque elas alcançarão (ou não, se estiverem no lugar e hora errados) misericórdia e logo serão esquecidas;
— bem-aventurados os sujos de coração, porque eles verão Satã, o deus do mal que inda impera sobre a Terra;
— bem-aventurados os agitadores, pois eles serão chamados filhos do diabo, porque nada mais são do que diabinhos infernais;
— bem-aventurados os que cometem todo o tipo de atrocidades ilegais e não são alcançados pela justiça, pois a própria imprensa e sociedades protetoras dos “direitos desumanos” os defendem, para que alcancem o “reino dos céus”. Céus!;
— bem-aventurados os pregadores da palavra fácil e dos atos contrários ao bem que pregam, dos dissipadores das contribuições dos cidadãos crentes, que gastam milhões das igrejas na construção de templos suntuosos, em nome do seu deus particular, porque eles herdarão todo o tipo de vantagens materiais e comparsas no reino da Terra;
— bem-aventurados os que injuriam, perseguem e, mentindo, dizem todo o mal contra os defensores da justiça (terrena e divina), por minha causa, tais como outro político corrupto, juiz iníquo, vigarista malandro, mau policial, banqueiro inescrupuloso e falso profissional da imprensa, entre outros meus comparsas;
— exultai e alegrai-vos, haja vista ser grande o vosso galardão na Terra, porque assim procederam os falsos profetas que vieram antes de vós...
            Após o discurso, os pacifistas se dispersaram e os vândalos, nome atual de terroristas, marginais e anarquistas (nunca é demais lembrar), começaram seu trabalho...
            Cinco carros foram queimados, uma escola pública foi incendiada, um velhinho teve a cabeça quebrada, o hospital que o atenderia foi tomado por “grevistas” que se recusaram a atender quem ali ousasse entrar, a loja do Joaquim foi totalmente destruída e saqueada, sete bancas de jornal foram incineradas, dez caixas eletrônicos foram explodidos e seu dinheiro “recolhido” pelos vândalos (nome que se dá a terroristas, bandidos e anarquistas)...
            Por fim, a polícia, também atacada, conseguiu prender sete vândalos (nome que se dá etc..) que, filmados em plena prática de seus, digamos assim, atos de ocupação e recolhimento do dinheiro popular, foram ouvidos, autuados em flagrante e liberados por força dos habeas corpus impetrados a seu favor...
            Agora, estão contando, em suas casas, o dinheiro recolhido e repartido, para saberem quanto lhes sobrará após cumprirem suas “injustas” penas com a “absurda” obrigação de distribuírem cestas básicas a seus irmãos desocupados.
            Enquanto isso, aguardam nova “convocação” do seu amigo fariseu para intervirem brutalmente em novas e bem-aventuradas manifestações "pacíficas".

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Em dia com o Machado 72 (jlo)

           
            Agora eu entendo por que os brasileiros são tão bem tratados na Europa contemporânea. Acompanhei meu secretário em sua viagem a Portugal e à França, onde pude constatar como o turista brasileiro tem sido prestigiado. Assim, posso expressar minhas impressões sobre as cidades visitadas:
            Em Portugal, fomos ao Cabo da Roca e seu ponto mais ocidental da Europa continental; visitamos Lisboa, Porto, Coimbra e Sintra.
            Estivemos na

 
Universidade de Coimbra,  uma das mais famosas do mundo;

visitamos o
  Castelo dos Mouros,

                                              




os palácios
da Pena e
 

de Monserrate...

Fomos até a um passeio na  

 
casa de vinhos Adriano Ramos Pinto.
   
            Ali ficamos conhecendo a história do vinho do Porto Ramos Pinto e pudemos provar algumas doses de vinhos branco e tinto da melhor qualidade. Tudo isso acompanhado de um tratamento vip.
            O que mais nos chamou a atenção, além da beleza e história dos monumentos portugueses visitados, foi a limpeza das ruas e edificações nas quatro cidades percorridas. Onde quer que fôssemos, havia sempre a indicação de um WC e uma lixeira. Tudo sempre limpinho e, o que é digno de menção: WCs gratuitos.          
            Daqui a pouco, o amigo leitor vai entender o porquê do destaque à gratuidade do uso dos WCs portugueses.
            Na França, visitamos Paris e seus monumentos. Entre outros pontos turísticos importantes, como


                                                               os castelos de Versailles e







Trianon

                                                                 


fomos ao Palácio de Luxemburgo, 


e enfrentamos um frio de quatro graus, numa fila quilométrica, além da barreira da linguagem, para subirmos a 
Torre Eiffel.

           Foi quando Joteli resolveu batizá-la de Torre de Babel Eiffel, tal era a diversidade de línguas dos que ali estavam: ingleses, coreanos, espanhóis, alemães, japoneses... e muitos brasileiros.
            Naquele instante, refletimos sobre o quanto seria útil a adoção de uma língua neutra, simples e fácil de aprender, como o esperanto, não fossem o orgulho e a vaidade humanos.  Com a vantagem de que cada povo poderia preservar seu idioma, sem se submeter à ditadura do país dominante política e economicamente, como já o foi Roma, Espanha, Portugal, Inglaterra, França e, atualmente, o Tio Sam...
            Sim, Paris é linda...
            O mesmo não se pode dizer do asseio de suas ruas e praças. Milhares de guimbas de cigarros e lixo, espalhados pelos meios-fios, calçadas e locais públicos. Fumantes que variavam da adolescência à idade avançada...  
            Quanto aos WCs, as ofertas, ali, eram poucas e, na maioria, remuneradas. Alguns cobravam um euro pelo uso geral; outros estipulavam preços para cada tipo de dejetos que fossem lançados em seus vasos: o nº 1 era vinte centavos; o nº 2 não custava menos do que cinquenta centavos.
            Então, enquanto se dirigia a une salle de bains dans les Champs Elysées, num triciclo alugado e dirigido por seu genro, Joteli teve um devaneio. Haviam chegado ao local e, ali, havia uma tabuleta especificando os preços: nº 1: vingt centimes; nº 2: cinquant centimes.
            Na entrada, uma bruxa, vassoura na mão, saía do banheiro masculino indiferente ao fato de ali dentro haver três ou quatro usuários dos serviços dejetais.

Era ela quem recebia os pagamentos e fiscalizava a produção. Foi a ela que meu amigo pagou vingt centimesTambém foi ela quem o interrompeu na saída e lhe perguntou, num português claro e fluente:
— Meu senhor, o senhor pagou pelo nº 1, mas fez o nº 2; então, deve-me ainda trinta centavos.
— E como a senhora sabe que fiz o nº 2 e não o nº 1?
— Primeiramente, porque eu fiscalizo, in loco, cada cliente que entra no banheiro; e depois porque seu cheiro está insuportável.
            Ante tais argumentos, Joteli não teve outra saída a não ser pagar mais trinta centavos pelo serviço prestado. Nem é preciso dizer que, diante do inusitado fato, morria de vergonha... Mas era um sonho...
            Despertando do delírio mental, viu uma senhora muito feia, sorridente, com uma vassoura nas mãos, em frente ao WC masculino, no momento em que ouviu seu genro dizer:
— Chegamos. Você quer fazer o nº 1 ou o nº 2?
            Ao que lhe respondeu meu secretário:
— Deixa pra lá, perdi a vontade...
— Então, que tal tomarmos um cálice do bom vinho francês Almaviva 2008?
— Antes, porém, bebamos do legítimo vinho: Porto Ramos Pinto.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013



Em dia com o Machado 71 (jlo)

A PEC das empregadas e a Lei Áurea

Amiga leitora, você deve lembrar-se da crônica que escrevi sobre meu escravo Pancrácio, alforriado dias antes da abolição da escravidão no Brasil, certo?
Afinal, não tem muito tempo; foi em 19 de maio de 1888, ou seja, seis dias após a chamada Lei Áurea, assinada pela bondosa princesa Isabel, que falei sobre o caso.
Na época, reconheci os direitos dos negros bem antes dos abolicionistas. Tanto foi assim que, sem saber que a ilustre regente iria libertá-los, não somente decretei livre meu fiel e velho Pancrácio, de dezoito anos de idade, como também lhe instituí um salário. Ínfimo, é bem certo, mas não se deve desestimular a ambição de evoluir, gradativamente, na profissão, um bom empregado. 
Por isso, expliquei-lhe que, com o tempo e seu exemplar esforço profissional, Pancrácio teria sua remuneração majorada. Quem sabe, uns dois por cento ao ano, o que lhe daria, em dez anos, vinte por cento de aumento, ou, talvez, dez... Quem pode prever os rumos da economia em nosso país? 
Então, falei-lhe: “— Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...”.
Pancrácio tudo ouviu em silêncio e, humilde e agradecidamente, prostrou-se a meus pés em reconhecida reverência à minha extrema bondade, ao tempo que me dizia: “— Oh! meu sinhô! fico”.
Arrematei, então, minha generosa proposta, com base na remuneração da época, conforme lhes disse acima; aquele era um tempo em que nem existia a regulamentação do salário mínimo:
"— Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente. Quando nasceste, eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos..."
"— Artura num qué dizê nada, não sinhô..."
"— Pequeno ordenado, repito [...], mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha. [...] 
Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre".
Em seus dias, amiga leitora, um outro tipo de Pancrácio existe, no Brasil; ou melhor, em geral, uma Pancrácia: é a trabalhadora doméstica, que muitos gostam de tratar como secretária do lar e outros eufemismos, na tentativa de dignificar sua profissão. Mas... 
Durante muito tempo, a lei olvidou o trabalhador doméstico. Os direitos assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aos demais trabalhadores eram omitidos aos servidores domésticos, que não tinham direito a férias, horas extras, assistência à saúde e fundo de garantia. 
No atual Governo, porém, isso está sendo corrigido com a aprovação da chamada PEC d@s empregad@s doméstic@s, que ainda carece de regulamentação; mas a promessa é de que, até o fim deste ano (2013), todos os seus benefícios, deveres e obrigações serão regulamentados.
Um nosso amigo, chamado pelo estranho nome de Odacham, teve a mesma ideia que eu tive em 1888: chamou sua empregada Benedita, de 64 anos, antes mesmo que todos os artigos da PEC sejam viabilizados na prática e propôs-lhe:
— Minha querida Benê — modo carinhoso pelo qual a tratava na intimidade —, a partir de hoje, sua carteira de trabalho está assinada e aqui está um contrato com todos os direitos que lhe cabem: 13º salário, férias remuneradas, horas extras, etc., etc. etc. 
O salário é o mínimo, mas, com o tempo e sua dedicação, você terá um por cento de aumento anual. Para comemorar, convidei vinte e uma pessoas amigas para jantar conosco. Com sua dedicação, nem é preciso pedir-lhe para manter nossa mansão um brinco, não é mesmo? Afinal, são somente quinhentos metros quadrados de puro apuro dos seus relevantes serviços... Capricha na comida!
E tem mais, de ora em diante, você será chamada secretária... do lar, é bem verdade, mas secretária é secretária, não é mesmo?
— Mas patrão — respondeu-lhe, altiva, Benedita, senhora de 1,40m, que pesava uns trinta quilos — precisava despedir a copeira, o jardineiro e a cozinheira?
— Minha cara, você é como aquele sabonete da marca “vale quanto pesa”. Sua competência é tão alta que seus serviços valem por quatro. Mas não se preocupe, suas horas extras serão pagas em dia e, se desejar negociar as férias, você as receberá em dobro. 
— E se eu adoecer? 
— Ora, Benedita, para que servem as diaristas?


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Em dia com o Machado 70 (jlo)

            Vejam vocês, meus amigos, como as coisas mudam em pouco mais de um século. Em 16 de outubro de 1892, há, portanto, 111 anos, a invenção do bonde elétrico foi o acontecimento daquele século, pois se previa para breve a dispensa dos burros de carga.
            Então, comentei em crônica do jornal A semana, na citada data, uma conversa que ouvi, entre dois burros que transportavam um dos últimos bondes comuns da época. Como eu conhecia um pouco a língua dos houyhnhnms, que aprendi com o renomado Gulliver, não me foi difícil apanhar o diálogo. Bem sabia que cavalo não é burro; mas reconheci ser a mesma língua.
            Inclinei-me, ouvi e, para encurtar a conversa, resumo-a abaixo. Dizia o burro da direita para o da esquerda:
— O bonde elétrico apenas nos fará mudar de senhor.
— De que modo?
— Nós somos bens da companhia. Quando tudo andar por arames, não somos já precisos, vendem-nos. Passamos naturalmente às carroças.
— Pela burra de Balaão! exclamou o burro da esquerda. Nenhuma aposentadoria? Nenhum prêmio? Nenhum sinal de gratificação? Oh! mas onde está a justiça deste mundo?
— Passaremos às carroças — continuou o outro pacificamente —onde a nossa vida será um pouco melhor; não que nos falte pancada, mas o dono de um só burro sabe mais o que ele lhe custou. Um dia, a velhice, a lazeira, qualquer coisa que nos torne incapaz restituir-nos-á a liberdade…
— Enfim!
— Ficaremos soltos, na rua, por pouco tempo, arrancando alguma erva que aí deixem crescer para recreio da vista. Mas que valem duas dentadas de erva, que nem sempre é viçosa? Enfraqueceremos; a idade ou a lazeira ir-nos-á matando, até que, para usar esta metáfora humana — esticaremos a canela [...]. Seguiu-se uma pausa.
— Tu és lúgubre, disse o burro da esquerda. Não conheces a língua da esperança.
— Pode ser, meu colega; mas a esperança é própria das espécies fracas, como o homem e o gafanhoto; o burro distingue-se pela fortaleza sem par. A nossa raça é essencialmente filosófica. Ao homem que anda sobre dois pés, e provavelmente à águia, que voa alto, cabe a ciência da astronomia. Nós nunca seremos astrônomos. Mas a filosofia é nossa. Todas as tentativas humanas a este respeito são perfeitas quimeras. Cada século…
[...]. Tínhamos chegado ao ponto terminal. Desci e fui mirar os dois interlocutores. Não podia crer que fossem eles mesmos. Entretanto, o cocheiro e o condutor cuidaram de desatrelar a parelha para levá-la ao outro lado do carro; aproveitei a ocasião e murmurei baixinho, entre os dois burros:
— Houyhnhnnms!
Foi um choque elétrico. Ambos deram um estremeção, levantaram as patas e perguntaram-me cheios de entusiasmo:
— Que homem és tu, que sabes a nossa língua?
Mas o cocheiro, dando-lhes de rijo na lambada, bradou para mim, que lhe não espantasse os animais. Parece que a lambada devera ser em mim, se era eu que espantava os animais; mas como dizia o burro da esquerda, ainda agora:
— Onde está a justiça deste mundo?

O tempo passou, até mesmo os burros do bonde elétrico foram substituídos pelo motor à explosão e as ruas de cascalho começavam a ser cascalhadas. Aparece, então, o biciclo, depois substituído pela bicicleta.
Com o surgimento desse veículo, movido à propulsão humana, os acidentes de trânsito multiplicam-se muito, mas, como dizia Tamus Ferradus, em nossa crônica 66: “Se você pensa que as coisas vão melhorar, é por que algo lhe passou despercebido”. Era um tal de burro atropelando ciclista, ciclista atropelando burro e bonde elétrico atropelando aqueles, que os gênios das invenções precisaram pensar numa alternativa para a humanidade.
Eis que surge o automóvel.
Em 1908, quando eu ingressava na cidade dos pés juntos, é lançado o Ford Model T, maior sucesso da época, com milhares de unidades comercializadas, inclusive em nossa terra.
Resultado, cem anos depois, principalmente em São Paulo, a quantidade de automóveis é tão grande que foi preciso publicar uma lei que regula qual tipo de carro  poderia sair às ruas. No dia X, somente podem trafegar os carros de placas pares; no dia Y, rodam somente os de placa ímpares.
E, no Distrito Federal, a quantidade de carros alcançou nível tal que se tornou comum ouvirmos nosso automóvel implorar:  — Vai de bike!
Outro dia, estava num rolé com o Gol 1.0, do meu secretário, que estacionou o carro para uma corridinha no parque da cidade, quando ouvi com meus próprios olhos um atleta correndo com um estranho fio na orelha e falando sozinho. O fato foi tão inusitado que já não sabia se o via ou se o ouvia.
Apressei o passo e acompanhei-o, disfarçadamente, para escutar o que ele dizia consigo mesmo. A conversa foi a seguinte: — Bromélia, o trânsito em Brasília está tão engarrafado que se você entrar numa garrafa e sair rolando chega mais cedo do que de automóvel.
Ao que uma voz de mulher, saída do ouvido do atleta, respondeu-lhe: — É verdade, Cornélio. Outro dia, precisei ir à farmácia da minha quadra e peguei um engarrafamento tão grande que antes tivesse ido a pé.
— Mas você não mora em frente à farmácia, mulher?
— Sim, mas é mais prático descer de elevador até a garagem, entrar no carro, dar a volta na quadra e estacionar na frente da farmácia.
— E quanto tempo você gastou para chegar lá?
— Meia hora.
— E a pé? Quanto tempo levaria?
— Cinco minutos, mas ia chegar mooorta de cansada, pois malho durante uma hora na academia, antes de ir à farmácia.
— Então você vai à academia a pé, não é mesmo?
— Eeeeeu?! “Cê” quer que eu vá malhar “cansadérrima”?
— E onde fica a academia?
— Ao lado da farmácia, mas não vou a mais nenhum lugar antes de tomar um bom banho, depois de malhar. Por isso, pego o carro, vou à academia, volto de carro para a casa, tomo banho, torno a pegar o carro e vou à farmácia.
E eu fiquei pensando comigo mesmo: — Mas ele não já está levando a orelha?
Outro dia, ouvi o filho do meu secretário, desacompanhado, que portava um aparelho quadrado, do tamanho de um livro, falar para seu pai, que saía nu do banheiro: — Pai, vai para seu quarto, pois estou aqui conversando com minha namorada do Japão.
Só entendi o que ele queria dizer quando ele virou a tela do aparelho na minha direção e me apareceu a imagem viva de um rosto lindo de menina, de olhos oblíquos, que me deu uma piscadela.
É assim que está o mundo do século XXI.
Em síntese, no século XX, que sucedeu o meu, o bonde do burro foi substituído pelo bonde elétrico, que também era puxado por burro; depois apareceu o biciclo, logo substituído pela bicicleta e, com a multiplicação dos carros movidos a motor, o transporte ficou insuportável até hoje.
Mesmo assim, ainda há quem deixe de caminhar cem metros, porque acha mais cansativo ir a pé, embora não pense o mesmo de ter de malhar uma hora na academia, para a qual também percorre cem metros de carro em meia hora, quando, correndo, gastaria três minutos.
Estou agora conversando com Henry Ford, Thomas Edson, Júlio Verne e outros gênios da humanidade. A ideia é sugerir-lhes que inspirem, não mais ao homem, mas à mulher, a invenção de um motor a ser acoplado às costas da cidadã, a fim de que ela possa se transportar pelo ar sem precisar descer à garagem...
— Só tem um detalhe, Machado, os engenheiros terão de construir janelas à prova de invasão por ladrões em todos os prédios da humanidade.
— Então, esquece o que eu disse, meu amigo Walt Disney...

—  Keep moving forward, meu caro Machado.

  Brasil (Irmão Jó)   Surfando mares bravios, Saíram de Portugal 1500 navios Comandados por Cabral. Em 22 de abril Do ano de 1500 Foi descob...