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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Em dia com o Machado 132 (jlo)

Amiga leitora e prezado leitor, sem querer criar polêmicas com minhas crônicas, e já criando, parodiando Jô Soares, ao deparar-me com um blog cujo objetivo principal do seu autor é tentar descobrir fraudes e plágios em obras espíritas, resolvi responder-lhe.
A última crítica do blogueiro, cujo nome e sítio não vêm ao caso divulgar, foi a de que, com base em algumas coincidências nas mensagens psicografadas por Chico Xavier e Divaldo Franco, este teria plagiado aquele. Até palavras idênticas, o polemista destacou nas mensagens para induzir o leitor a acreditar em plágio. Ora, se assim for, praticamente tudo o que se pesquisa e escreve é plágio. Nesse caso, cem por cento das monografias escolares.
Vejamos, a seguir, alguns trechos selecionados das mensagens, com destaques do cético, lembrando que os textos de Divaldo costumam ser psicografados na presença de várias pessoas. Este, nove anos após o anterior, escrito pelo Chico:

Mensagem do Espírito Isabel de Castro, psicografada por Chico Xavier. Obra: Falando à Terra. Rio de Janeiro: FEB, 1951.
Espírito Vianna de Carvalho, noite, 15 set. 1960, em Salvador, BA, public. na revista Reformador, mar. 1962. Médium: Divaldo Franco.
UM DIA 
[...]
Um dia, Colombo resolveu empreender a viagem ao Mundo Novo e desvelou o caminho para a América. 
A gloriosa missão de Jesus começou para os homens no dia da Manjedoura.
[...] 
Das resoluções de uma hora podem sobrevir acontecimentos para mil anos.
[...] 
Se acreditas no bem e a ele atendes, cedo atingirás a messe da felicidade perfeita; mas se agora mofas do dia, entre a indiferença e o sarcasmo, guarda a certeza de que, a seu turno, o dia se rirá de ti. 

UM DIA 
[...]
Um dia, resolvendo lutar contra o pessimismo das cortes europeias e do povo, Colombo descobriu a América.
[...]
Um dia mentiste e todo um programa nefando teve início.
Um dia prometeste, olvidando logo mais a palavra empenhada, e o caráter foi afetado.
Um dia, na vida, pode constituir-se início de um milênio diferente para tua alma.
Como a reflexão é a mãe de todas as virtudes, pensa bem e o teu caminho atravessará o portal de luz para a imortalidade. 

Não estamos defendendo que tudo o que se nos apresenta como mensagem do Além deve ser aceito cegamente por nós. Ao contrário, o espírita consciente, examina tudo e retém o bem, como aconselha o Evangelho de Jesus. Além disso, são os próprios Espíritos superiores que nos aconselham separar atentamente o bom trigo do joio das mensagens. N'O livro dos médiuns há uma mensagem do Espírito Erasto que nos sugere ser preferível rejeitar dez verdades a aceitar uma única informação falsa, supostamente provinda de Espírito elevado (cap. XX, it. 230).
Por fim, nunca é demais lembrar que o Espírito lança a ideia e o médium a capta de acordo com os seus conhecimentos e possibilidades, quase sempre havendo algo de animismo involuntário na comunicação mediúnica, principalmente quando o médium é estudioso assíduo, como é o caso do Divaldo Franco e também como ocorria com o Chico Xavier. "Espíritas! amai-vos, este o primeiro mandamento; instruí-vos, este o segundo" (O Espírito de Verdade, cap. VI d'O evangelho segundo o espiritismo). Por vezes, imaginamos estar dizendo algo inédito que já foi dito por outra pessoa. Ora, o que são os Espíritos senão nós mesmos, em outra dimensão da vida eterna?
Quem não conhece o processo de comunicação da mediunidade e a questão da sintonia sempre vai duvidar de tudo o que ouve ou lê atribuído aos Espíritos, embora haja, realmente, pseudos médiuns que, sem qualquer preparo e estudo, atribuem aos Espíritos tudo o que sua imaginação exaltada aprove. Não é o caso dos médiuns aqui citados.
Então, o bom espírita nem é totalmente incrédulo, nem aceita o que supostamente venha dos Espíritos, pois, conforme diz também Allan Kardec, "fé verdadeira" é a que se submete ao crivo da razão e da lógica "em todas as épocas da humanidade". Desse modo, com todo o respeito ao polemista cético, dissemos-lhe o seguinte:

Seu problema e de outros internautas que se empenham em combater o Espiritismo está num detalhe único: ideias preconcebidas. Allan Kardec nunca disse que o Espiritismo fosse essa “ciência” que você conhece e, sim, “ciência do espírito”, baseada em experimentações e observações. Quanto ao pseudo plágio do Divaldo, repudio veementemente tal conclusão. Existem 6,5 bilhões de mentes no mundo. Se apenas um por cento delas resolver falar sobre um assunto, a possibilidade de haver coincidências é enorme. Kardec também explicou que aos céticos sistemáticos é inútil tentar convencer de coisa alguma, pois mesmo que vissem não acreditariam. Por que você não se preocupa com outros assuntos, ao invés de ficar especulando sobre a vida de cidadãos que dedicaram toda uma existência ao bem da humanidade e, desde criança, aprenderam a distinguir o que era seu do que não o era? A pessoas como você, se referem as palavras do próprio Jesus Cristo, em quem, aliás, também não acreditam: "Não atireis vossas pérolas aos porcos e nem deiteis as coisas santas aos cães". Agora procure no Evangelho onde se encontra essa passagem e discorde dela… [...].

Conhecedor da absoluta perda de tempo em se tentar convencer aos ateus sistemáticos sobre a sobrevivência do Espírito após a morte do corpo físico, o próprio Allan Kardec já nos orientava sobre o que postamos acima.
Aliás, dirigindo-se ao apóstolo Tomé, Jesus, após sua ressurreição, convida-o a colocar o dedo num dos furos de suas mãos e faz-lhe a seguinte advertência: "Bem-aventurados os que não precisam ver para crer" (João, 20:29).  
Igualmente, são inumeráveis as obras sérias que tratam sobre as conclusões positivas dos sábios de todos os tempos e os depoimentos de pessoas idôneas sobre comprovações da imortalidade da alma, por meio de reuniões de materializações. Por que, então, não convencem a tais ateus? Por que eles não querem se convencer e substituem as ideias lidas, os fenômenos vistos, por teorias estapafúrdias. Alguns, até mesmo sendo médiuns, passam a vida tratando-se exclusivamente com psiquiatras e negam a existência de sua própria alma. Desse modo, cavam o próprio abismo.
Os fenômenos estão aí, os médiuns também, os testemunhos são inumeráveis: sábios como William Crookes, Ernesto Bozzano, Gustave Jung, Alexandre Aksakof, e muitos outros, viram e creram. Escritores como Victor Hugo, Arthur Conan Doyle e Vergílio Ferreira também... Uma nuvem de pesquisadores, muitos deles antes incrédulos, examinaram, observaram, experimentaram e creram. Outros, nem tanto, pois diversas causas podem estar presentes na incredulidade pessoal, como a do interesse próprio em continuar esta efêmera vida sem a preocupação com as consequências post-mortem dos seus atos. Sua filosofia é a do laissez faire, laissez aller, laissez passer, não se importando com as consequências de seus atos, por que, para eles, o futuro é agora.

Não devemos nos preocupar com tais céticos, pois um dia confirmarão, a seu pesar, as palavras de Vergílio Ferreira, que já citamos em outra crônica: "Deus existe, sim, infelizmente". Ao que acrescentamos: assim como somos imortais, felizmente.

sábado, 22 de novembro de 2014

Em dia com o Machado 131 (jlo)

Nos meios literários acadêmicos, é bastante comum a referência à obra A história de Joana D'Arc contada por ela mesma. Esse livro foi psicografado pela médium Ermance de la Jonchére Dufaux, médium desde os doze anos de idade, mais conhecida como Ermance Dufaux,  e publicado quando esta tinha 14 anos. Em 1855. Na época, os neologismos psicografia, médium e mediunidade ainda não tinham sido criados por Allan Kardec, que conheceu a jovem no dia da publicação da primeira edição de O livro dos espíritos, em 18 de abril de 1857.
A partir desse dia, Ermance Dufaux passou a colaborar ativamente com Kardec, na segunda edição d'O livro dos espíritos, que foi ampliado de 508 para 1019 questões. São Luís, seu guia espiritual, também transmitiu-lhe mediunicamente a obra Confissões de Luís IX. História de sua vida ditada por ele mesmo, escrita em 1857, mas somente publicada em 1864, devido à censura da época, que proibiu sua publicação antes desse ano.
Outras médiuns que também colaboraram com as obras da Codificação Espírita foram as jovens Caroline Baudin (18 anos), Julie Baudin (16 anos) e Ruth Celine Japhet (20 anos) e a Sra. De Plainemaison.
Devido à intolerância religiosa da época, Kardec, cujo nome era Hippolyte-Léon Denizard Rivail, adotou o pseudônimo Allan Kardec e omitiu o nome dessas e outros médiuns, em um total de mais de dez pessoas, que colaboraram na elaboração das obras da codificação espírita, cuja autoria, já sugerida no próprio título do primeiro livro, era, em essência, dos Espíritos.
Mas como começou a missão de Kardec?
O Sr. Fortier, em dez de 1854, falou, entusiasticamente, com o professor Rivail (Allan Kardec) sobre os fenômenos das mesas girantes e falantes; mas este fez pouco caso do assunto, considerando-o um absurdo, pois mesa não tem "nervos para sentir nem cérebro para pensar".
Em 6 de janeiro de 1855, o Sr. Carlótti foi quem primeiro falou a Kardec sobre a intervenção das almas no "fenômeno da mesa". Como estudioso do magnetismo durante 35 anos, o prof. Rivail julgou que tudo não passava de animismo, ou seja, influência da própria alma do magnetizado. Ainda assim, resolveu conferir pessoalmente a informação.
E foi, então, na casa da Sra. Roger, em 1º de maio de 1855, que Kardec teve os primeiros contatos com o fenômeno intitulado "das mesas girantes". (O espiritualismo americano, decorrente dos chamados fenômenos de Hydesville, já vinha sendo praticado na França desde abril de 1853[1].) A Sra. Roger evocou o Espírito de um amigo do Sr. Pâtier e foi atendida. Nesse dia, a Sra. Plainemaison convidou Rivail (Kardec) para assistir a próxima sessão na casa dela. Ele compareceu, em 8 de maio de 1855, e, ante os fenômenos extraordinários e de alta elevação espiritual que presenciou, pela mediunidade da Sra. Plainemaison, passou a estudar e reunir-se com os demais médiuns para construir o edifício da elevada Doutrina Espírita, sob a coordenação maior do Espírito Verdade.
Começava ali o surgimento de outras grandes e extraordinárias obras literárias mediúnicas, cujo propósito principal é o de convencer-nos sobre a realidade da vida espiritual e aprimorar nossos espíritos na eterna ascensão no rumo da perfeição.
Ainda falar-vos-ei, amigo leitor, das fantásticas obras literárias derivadas das narrações do Infinito: romances, contos, poemas, crônicas...
Por ora, ficamos por aqui, eu e meu secretário, que dobrou a noite para captar de minha inspiração e de Canuto Abreu (ABREU, Canuto. O livro dos espíritos e sua tradição histórica e lendária. São Paulo: LFU, 1992) essas notas auspiciosas para vossas almas sedentas de espiritualidade.
Por ora, adeus!




[1] Os fenômenos ocorridos na pequena cidade de Hydesville, na casa da família Fox, em que o Espírito de um mascate se comunicou por meio de pancadas nas paredes da casa, onde anos antes fora assassinado e emparedado tiveram início em 31 de março de 1848.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Em dia com o Machado 130 (jlo)

— Meu nome é Dickens, Charles Dickens.
— Prazer, Machado... Mas o que tendes a nos dizer, grande escritor britânico?  What can I get for you?
— I met a new chapter  for my story.
— Como assim, Charles?
— Vós estais lembrado de que, antes de minha desencarnação, eu havia iniciado o romance O mistério de Edwin Drood, que não concluí, pois a indesejada de todas as gentes me surpreendeu primeiro e me levou a morar nos campos santos?
— É verdade, até hoje não sei o que ocorreu depois do capítulo...
— Pois agora já podeis saber. Conheci, daqui onde nós estamos agora, um jovem que, desde os 13 anos, não mais estudara e não gostava de literatura; porém, possuía perfeita sintonia espiritual comigo. Seu nome era Thomas P. James. Trabalhava numa oficina mecânica, mas quando lhe apareci e perguntei se poderia ser meu "escrivão", na continuação dessa obra, ele ficou entusiasmado e aceitou na hora o desafio.
Desse modo, passou alguns meses escrevendo cerca de 1200 páginas que, digitadas, dão umas quatrocentas. Com isso, dou por concluído meu romance, o qual, antes de minha desencarnação estava com um terço das 624 páginas atuais...
— Mas qual a causa do entusiasmo de James, se ele nem ao menos gostava de literatura?
— Imaginai alguém que, até a juventude, nunca escrevera mais de meia dúzia de páginas, com inúmeros erros de concordância, ortografia e pontuação e, "de repente, não mais que de repente", como diria o vosso poetinha Vinícius de Moraes, se vê diante de vós, que lhe pedis para escrever quinze, vinte páginas, sem nenhum erro gramatical, diariamente, após o expediente dele em sua oficina, onde trabalha dez horas por dia?
— Essa pessoa sairia correndo, pois jamais ouvira meu nome antes...
— No século XIX, não, certamente, mas hoje, que sois tão conhecido como eu, no mundo...
— Nem tanto, Dickens, nem tanto... Entretanto, deixai comigo os originais, para uma análise estilística entre o que escrevestes antes e o que, supostamente, concluístes, mediunicamente. Como crítico que sou, pouco condescendente com amadores, certamente não esperareis confirmação ao mundo de que fostes vós quem concluístes a obra.
— Não façais cerimônia, Machado amigo, lede a obra, do começo ao fim. Após isso, emiti a vossa abalizada opinião.  We met again in your blog.
— I hope so! Good bye!
— Good bye!
Esta foi a conversa que tive, leitor amigo, com Charles Dickens, há um mês. Agora, o espanto! Nada no texto post-mortem desmerece esse grande escritor, nas 400 páginas psicografadas. Na dúvida sobre minhas próprias impressões, consultei Sir Arthur Conan Doyle, o simplesmente autor de Sherlock Holmes, sobre o que achara da obra. Eis o que ele me disse:
— Sendo este o que seria o primeiro romance policial de Dickens, consagrado romancista inglês, talvez o maior deles, segundo alguns críticos, após atenta leitura de todo o livro, fiz minuciosa investigação do estilo do autor, continuação e conclusão da obra, em sua segunda parte, que julguei coerente com a primeira.
— E o jovem médium, continuou psicografando obras de grandes escritores?
— Nunca mais.
— Agradeci a Conan Doyle, e agora, ante a confirmação de minhas impressões por esse que é um dos maiores escritores mundiais no gênero, desafio o leitor a ler, sem pausa, o romance policial de Dickens, continuado por ele daqui e psicografado daí por James.

Tentai dizer, antes de ver a resposta no final do livro, onde termina o escrito de Charles por ele mesmo e onde continua Dickens escrevendo pelas mãos de James. Se conseguirdes isso sem "cola", amigo leitor e inteligente leitora, indico-vos para a Academia de Letras...

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Em dia com o Machado 129 (jlo)

Numa famosa República, em 1889, conhecida pela corrupção, certo dia, inventaram uma forma de apurar os votos de candidatos à Câmara dos comuns. A Câmara alta, constituída pela burguesia, indicava seus representantes ao governo, mas não votava. Como ainda não havia internet, nem muito menos urna eletrônica, a apuração far-se-ia pela cor da tinta predominante nas cédulas eleitorais distribuídas à população. Os inventores do processo, respaldados pelos governantes, garantiam que a máquina era à prova de fraude, tanto quanto a cédula, que imediatamente somava mais um à cor escolhida pelo votante. O candidato da cor mais votada seria o vencedor.
No primeiro turno daquele ano inesquecível, três partidos principais concorriam com seus candidatos ao cargo de primeiro ministro: o vermelho, da situação, o azul e o verde, da oposição. Houvera ainda um quarto partido, o amarelo, cujo candidato morrera acidentado no helicóptero que mergulhou em parafuso com ele e seus correligionários. Assim, os eleitores do extinto partido amarelo juntaram-se ao verde e este se fortaleceu.
Na campanha eleitoral de primeiro turno (a votação era em dois turnos), o partido verde fora de tal modo atacado pelo partido vermelho, que seus eleitores mudaram de opinião e apoiaram maciçamente o partido azul. Outros votaram em branco ou anularam seus votos. Agiram como Pilatos, que lavou suas mãos, mas carrega a culpa do Cristo crucificado.
No início da campanha do segundo turno, os ataques vermelhos se intensificaram contra o partido azul, mas este resistiu bravamente e preveniu seus eleitores contra o que, segundo se dizia, o partido vermelho ameaçava o povo, caso votassem no outro candidato.
O candidato azul surpreendia seus adversários, perplexos com sua capacidade de desfazer as intrigas armadas contra ele. Havia, entretanto, um acordo, quase secreto, dos membros do partido vermelho, na situação há 24 anos, que juraram fazer de tudo para se perpetuarem no governo.
Na reunião rubra que decidiu definitivamente o que fazer para se manter no poder, acompanhei de perto, sem ser visto, a conversa e os planos mefistofélicos do partido (Afinal, não se esqueçam de que estou em outra dimensão, a dos espíritos, que os ingênuos insistem em chamar de alma do outro mundo. Coitados, somos deste mundo mesmo, por enquanto...).
— Ao menos setenta anos, dizia um dos correligionários. Pois então já não estaremos mais vivos e, após nós, que venha o dilúvio.
— Negativo, contestou outro; se fizermos a coisa certa, nunca mais haverá alternância de partidos, neste governo. Apenas nós permaneceremos no poder, sendo reeleitos a cada quatro anos.
— Mas não estamos numa democracia? Disse linda deputada. É preciso dar oportunidade a outrem de propor novo representante popular, ainda que utilizemos todos os instrumentos legais para elegermos nosso primeiro ministro.
— Concordo contigo, falou o senador presente ao debate. Qual é a maior empresa deste país, cujos órgãos exportadores se multiplicam aos milhares?
— É a Mineralópolis, respondeu a deputada.
— Pois bem, nomeemos, legalmente, seu presidente, seus diretores, seus contadores, enfim, para ocuparem cargos-chave e abramos contas em bancos do exterior, conhecidos por seu sigilo absoluto. Como sabemos, em nosso país, têm sido achadas muitas minas de ouro e pedras preciosas, cujo valor é incalculável. Tudo isso está sob o controle governamental. Negociemos esses minérios, depositemos esses valores nas contas abertas e digamos ao povo que só temos encontrado pedras de pouco valor, cuja utilidade maior é fabricar bijuterias.
— E o que será feito da fortuna depositada nesses bancos, senador? Perguntou, ingenuamente, outro deputado.
— Será empregada numa causa nobre. Repartiremos os valores, em cotas iguais para nossos correligionários, sob a condição de utilizarem parte do dinheiro na reeleição de nosso primeiro ministro e o restante na distribuição de pães para todas as famílias pobres deste país.
— Mas, senador, e o investimento em educação, saúde e segurança, que tanto têm sido prometidos nas campanhas eleitorais por todos os candidatos?
— Minha bela deputada, enquanto houver pão na mesa do pobre, não precisamos nos preocupar com a saúde, pois uma pessoa bem alimentada não adoece. Se todos receberem a mesma cota de pão, para que pensarmos em segurança? Ladrão só rouba de quem tem...
— E a educação? E os burgueses da Câmara alta?
— Ora, minha ingênua companheira, se instruirmos nosso povo, adeus plano de poder ad aeternum. Não queremos reforçar a concorrência e, sim, governar com todos os poderes materiais e espirituais sob nosso controle. Quanto aos burgueses de outros partidos, ficarão tão enfraquecidos que, de resto, só restaremos nós, os burgueses vermelhos. Gostou do trocadilho? E gargalhou...
— O povo, porém, pode se cansar de viver de auxílio, sem perspectiva de progresso econômico e intelectual. Não se esqueça, senador, que ainda temos na Câmara alta as elites não vermelhas, que se sentirão ameaçadas e procurarão perverter, principalmente as mentes jovens e sonhadoras.
— Podemos fazer um julgamento semelhante ao de Sócrates e condenar os que se atreverem a isso a tomar cicuta, curare ou enfrentar o pelotão de fuzilamento. Propôs um douto parlamentar, que até então estivera calado.
— Ora, meu amigo, disse o líder do debate, há uma forma mais prática de resolver tudo isso, sem colocar a população contra nós, caso apelemos para a força. Usemos a inteligência.
            — Como assim? Perguntaram todos a uma só voz.
— Não estamos no controle da situação? Pois bem, façamos cédulas nas cores azul e vermelha, com códigos específicos para ninguém desconfiar de fraudes; porém, contratemos um especialista da mais alta confiança, não por ser meu filho, mas por ser filiado ao partido vermelho, para criar um mecanismo oculto nas máquinas de votação, a fim de que as células vermelhas sejam computadas em dobro. Meu garoto é um gênio da mecânica e já me propôs fazer o trabalho pela bagatela de um bilhão de dólares. E o que é isso em vista dos trilhões?...
— Como assim computadas se ainda não temos computadores? Perguntou um corvo que tudo ouvia, atento, pousado no ombro de um dos deputados.
— É modo de falar, mané. - Grunhiu um gato preto, dono da linda deputada, confortavelmente deitado em bela almofada de veludo trazida por ela. - Atualmente, computar é o mesmo que adicionar, somar, contar, entendeu?
— Ah, sim, responderam todos os presentes... Mas isso será o suficiente para ganharmos as eleições? E se houver unanimidade contra o poder em nossas mãos?
— Façamos o seguinte, utilizemos todos os correligionários de confiança do partido para que supervisionem a votação e orientem os camaradas para só liberarem seu resultado após minuciosa apuração de todas as urnas. Entenderam?
— Sim, sim, camarada senador. Com a rapidez desse nosso sistema de captação de votos, em apenas uma hora a mais, decorrente de fuso horário, poderemos substituir milhões de cédulas "defeituosas", desde que não sejam as vermelhas...
— Todos aplaudiram-no entusiasticamente com crepitante gargalhada.
— Ainda assim, senhores, pode haver o caso do outro partido pedir auditoria para apuração rigorosa dos votos. Disse o candidato, que estivera presente e calado até então.
— Nosso relator já está instruído a ser contrário ao procedimento, alegando que tal conduta poderá prejudicar a confiança do povo em nosso sistema único na Terra, infalível e absolutamente confiável de apuração de votos. E, como os nossos adversários são completamente leigos em matéria mecânica, mesmo que haja auditoria, ninguém, a não ser fulano, eu e nosso próprio candidato, descobrirá o segredo da máquina.
— Por que somente vocês? Atreveu-se a perguntar o gato.
— Você parece que não tem religião – respondeu-lhe o corvo -. Nunca ouviu falar da trindade universal?
— Isso mesmo! - gritou um cachorro vira-latas que passava por ali - executivo, legislativo e judiciário. Tudo pela democracia.

Todos aplaudiram-no de pé; e o país das falcatruas continuou fingindo ser a mais inteligente democracia do mundo...

  Dia Mundial da Voz (Irmão Jó )  Voz velada e veludosa Vela pacientemente O paciente doente Sem um momento de prosa... Foi cantor o ser vel...