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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016



Em dia com o Machado 200 (jlo)

Quando os historiadores, antropólogos e biólogos se empenham em pesquisar a “história da humanidade”, como o fez o dr. Harari (2015), descobrem, com base na determinação da idade estabelecida pelo carbono e pelos fósseis, que nossa suposta primeira mãe nasceu há 6 milhões de anos. E era chimpanzé. Seríamos, pois, primatas, com ancestral comum aos chimpanzés, embora estes não tivessem tido a mesma sorte que a nossa de nascer com algo mais na estrutura cerebral. Daí as duas ramificações de chimpanzés, propriamente ditos e homo, gênero humano que originou diversas espécies, como a do Homo neanderthalensis, Homo erectus, Homo soloensis, Homo floresiensis e Homo sapiens, só para citar algumas e tendo restado apenas a última.
O Homo sapiens teria exterminado todas as outras espécies humanas e, de 12.000 anos para cá vem reinando absoluto e destruindo a natureza e diversos gêneros de animais como nunca isso ocorrera em milhões de anos.
Mas no que toca ao cérebro mais desenvolvido ser a causa desse predomínio, isso não é bem assim... A causa primordial está nas leis que regem o espírito, desconhecidas pelos cientistas e pesquisadores que somente levam em conta o elemento material das leis universais e não os três elementos citados pelos espíritos a Allan Kardec: Deus, espírito e matéria (O livro dos espíritos, questão 27).
Amiga leitora, você que é cocriadora divina, que está apta a nos proporcionar um corpo físico, quando desejamos reencarnar, certamente entenderá, quando eu lhe disser que o ser humano possui duas naturezas: participa da natureza animal, pelo corpo com seus instintos e da natureza espiritual por sua alma (KARDEC, op. cit, questão 605). Entretanto, somos seres à parte, que tanto podemos nos rebaixar ao nível dos “brutos”, como também elevar-nos aos píncaros da luz espiritual (Id., q. 592).
Minha teoria é a de que todas as chamadas espécies de homens existentes, até o predomínio total do Homo sapiens, nos últimos doze mil anos, nada mais foram do que a evolução de uma mesma espécie que passou a se intitular sapiens. Por outro lado, o que Harari chama de chimpanzé é o primeiro protótipo de ser humano criado na Terra por Deus, cujos elementos espirituais formadores não derivaram de primatas, mas sim de um organismo apropriado a espírito simples e ignorante. O homem, embora fisicamente provenha de uma espécie aperfeiçoada dos primatas, há milhões de anos, pelo que toca à alma, é um ser à parte, doutor Harari.
O sapiens, foi o resultado da evolução desse chamado hominídeo ao longo de milhões de anos, até chegar ao estágio atual. Harari afirma que o seu predomínio sobre todos os demais animais se deveu à característica única da linguagem fictícia e à cooperação grupal superior ao número de 150 indivíduos, o que não ocorre com os demais animais. Segundo esse historiador, a ficção é o que há de mais “singular na linguagem do sapiens” (2015, p. 32) e, junto com a “fofoca”, esse poder de comunicação torna-nos imbatíveis. Entretanto, o que ele chama de ficção é, na realidade, a influência do mundo espiritual, que sempre existiu, no mundo físico, e o que ele denomina “fofoca” é o uso inteligente das faculdades cognitivas do homem, inspirado por essas entidades invisíveis, para reagir contra tudo aquilo que lhe prejudica os interesses individuais e coletivos. Daí surgir a lei de ação e reação ou de causa e efeito, única lei a explicar racionalmente as provas e expiações individuais e coletivas, bem como a superioridade intelectual e moral de algumas pessoas sobre outras, como fruto do merecimento proveniente do bom uso do livre arbítrio e do seu desenvolvimento  cognitivo.
A revolução cognitiva, ocorrida há 70.000 anos, teria sido o começo da ascensão do sapiens sobre todos os demais gêneros e espécies animais. Depois dela, a revolução agrícola fez do homem caçador-coletor o “rei da criação”. O sapiens também domesticou animais, como o cão, cujo vínculo conosco data de, no mínimo, 15.000 anos. A evolução e não a revolução cognitiva humana ocorre desde tempos imemoriais, ou seja, desde que este surgiu na Terra, há milhões de anos, como nos explicam os espíritos superiores. É lenta porque o espírito, antes de se revestir de um corpo hominal, estagia pelos demais reinos, como bem explica o filósofo Léon Denis na obra O problema do ser, do destino e da dor, publicada pela Federação Espírita Brasileira.
Chegamos ao estágio em que a ligação espírito e matéria é observada pelo nosso amigo historiador, assim como muitos outros pesquisadores que se ressentem de conhecimentos básicos sobre a evolução do espírito, concomitante à do corpo. Nesse ponto, conclui Harari que os caçadores-coletores, ou seja, nossos antepassados, eram animistas. Para eles, “todo lugar, todo animal, toda planta e todo fenômeno natural têm consciência e sentimentos”. Além disso, seria possível nossa comunicação com todos esses seres animados ou inanimados, e também ser possível nossa comunicação com os chamados mortos. Veja, leitor, que a informação dos espíritos a Allan Kardec simplesmente ratifica esse eterno intercâmbio entre os chamados “vivos” e “mortos”.
Pronto, está confirmada a informação dos espíritos superiores, sob a direção de Jesus Cristo, de que os fenômenos mediúnicos, portanto, o contato dos homens com os espíritos, existe desde que o homem adquiriu consciência, na Terra, de sua origem distinta da dos demais animais e a certeza de que seu destino é a perfeição. Mas para isso, é preciso complementar as pesquisas do livro Sapiens, Doutor Yuval Noah Harari, com o que nos dizem os espíritos superiores nas cinco obras codificadas por Allan Kardec, acrescidas de obras complementares de inúmeros pesquisadores do tema, como o citado León Denis, Victor Hugo, Arthur Conan Doyle, César Lombroso, William Crookes e médiuns de todos os tempos, entre os quais, no Brasil, se destacam Chico Xavier, Zilda Gama, Yvonne Pereira e Divaldo Franco.
Por isso, disse-nos o Cristo: Brilhe a vossa luz! (Mateus, 5:16).
Então, despeço-me de todos vocês, muitíssimo agradecido por todos esses cerca de 7000 acessos a este blog, prometendo-lhes que breve retornarei, ou seja, na próxima semana, pois depois que me "encostei" nesse "médium", não mais o largo.
Saúde e luz!


quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016




Em dia com o Machado 199 (jlo)

Em visita à TV Globo, entrei pelo buraco da fechadura da porta, para ver e ouvir, sem ser visto, a reprise de antigo programa humorístico, dessa emissora, com sátira do Jô à entrevista do antigo programa governamental para financiamento carioca de casa própria. Então resolvi parodiá-lo:
– O que deseja? – pergunta o corretor da agência financiadora.
– Eu quero comprá uma casa na avenida Vieira Souto – responde o proletário iludido.
– Ah, o senhor quer uma casa de frente para a praia e com o metro quadrado mais caro da América Latina?
– Isso mermo qui eu queria...
– Sei, mas o senhor tem renda suficiente?
Dispois que o sinhô falô, si eu não tivé, minha mulé completa.
– E qual é o trabalho da sua mulher?
– Ela vende picolé na praia, por isso vai ótimo comprá esse imóvel, pois ela vai trabaiá di frente da nossa casa.
– E quanto é que o senhor ganha por mês?
– Três salários mínimos!
O agente financeiro puxa um mapa do Rio de Janeiro e começa a percorrê-lo com os dedos, até parar em Itaperuna, que fica do outro lado do mapa, a 313 km da capital carioca. Então, diz para o proletário:
– É aqui que você deve morar, com o salário-família apresentado. Percebeu, leitora atenta, a mudança no tratamento ao proletário? O “senhor” virou “você”, mas o proletário...
– É mermo? Intonce eu num posso morá na Vieira Souto? Pergunta o desiludido sonhador.
– Não, mas o bairro onde você e sua mulher vão morar é excelente!
Cum certeza, lá tem mar e praia pra minha mulé vendê picolé, não é, doutô?
– Não, mas tem o rio Muriaé e a segunda maior estátua do Cristo Redentor do Brasil, com vinte metros de altura.
– Ah, bão... Só tem um porblema, doutô, a estátua num chupa picolé e no rio num tem praia...
– Sim, mas isso são meros detalhes. O importante é que você vai poder comprar sua casa ali, de longos 30m², incluído um jardim na frente, onde cabe uma bananeira.
– Mas nós não come só banana, doutô...
– Então vá plantar batatas!
– Doutô, nós vai morar na Vieira Souto nem que seja debaixo da ponte.
– Só tem um problema, meu jovem...
– Qual?
– Não existe ponte na Vieira Souto!
...
Que saudades do Jô humorista!
Em solidariedade aos proletários de todo o mundo, acrescento o poema joteliano, que revisei após edição em Poemas e poetas II: antologia poética. Rio de Janeiro: Littteris, 1990; “prêmio de edição”. A renda será utilizada para comprar o apartamento dos sonhos da Maria e de você, proletário sonhador:



Maria de Ponte (Joteli)



Seu nome é Maria...      
Debaixo da ponte,                                      
Maria ficou
Sem teto e sem fonte...

As suas crianças,         
Coitadas, também...                                     
Maria e os filhos
Estão sem ninguém.

Ninguém que socorra 
A pobre – na cruz –                                   
Que foi despejada
Após dar à luz.

Maria, coitada,
Perdeu o seu lar                            
E sonha voltar
Lá para o Pará...

Pois eis que uma empresa
Com base em sentença...                
Tombou sua casa
Sem sua licença.

E, desanimada,
Sem grana, sem nada,                                
Contando seis filhos,
Se sente cansada...

Miséria total,
Jamais poderia                                                   
Pagar pra morar
A pobre Maria.

O seu barracão
De sobras de tábuas             
Foi fruto do amor
De bondosas almas.

E agora, Maria,
Que deixou nascer                              
Seu novo bebê,
Nem pode morrer...

Oh! Deus, diga aonde
Pode esta coitada                              
Ter dignidade
Com a filharada...

A pobre Maria
Outrora tão linda,                            
Sem ter trinta anos
Jaz envelhecida.

Outrora sonhara
Poder se casar,                               
Ter vida tranquila,
Ter filho, ter lar...

Outrora viera
Lá do seu Pará                                       
E fora estuprada
No Paranoá.

Agora, enjeitada,
Com rugas na fronte,                    
Está com seis filhos
Debaixo da ponte.






domingo, 14 de fevereiro de 2016



Em dia com o Machado 198 (jlo)

Em nosso país, lê-se pouco, volto a essa antiga toada, pois a boa leitura dá o brilho das estrelas aos olhos, repercute os sons do universo nos ouvidos e põe favos de mel nos lábios do leitor. Segundo estatística da TV Brasil, no programa de 4 fev. 2016 intitulado Arte da Leitura, a média de livros lidos anualmente, no Brasil, é de quatro livros. Na Argentina, a média é de cinco livros, e na Espanha e Portugal é de dez...
Algumas razões para a pouca leitura: falta de compreensão do que se lê e preço alto da obra literária.
São louváveis, as iniciativas particulares para o incentivo à leitura em nosso país. Em São Paulo, o gaúcho Robson Mendonça criou a Bicicloteca, uma bicicleta que transporta um armário carregado de livros, cuja leitura é proporcionada gratuitamente, desde a criança ao adulto.
Outro cidadão que, voluntariamente, oferece livros para a leitura, na Rua dos Romeiros e no Largo do Bicão, na Penha, Rio de Janeiro, é Evandro dos Santos, que aprendeu a ler aos dezoito anos e faz questão de tentar ajudar todo o mundo a desenvolver o prazer da leitura. Percebeu, nosso amigo, uma coisa: quando se trata de revista em quadrinho, o famoso gibi, o interesse é grande. Certo dia, deixou em uma caixa pública dezoito gibis, pela manhã. Ao meio-dia, quando lá voltou, não havia uma só revista.
Evandro foi o criador da Biblioteca Comunitária Tobias Barreto, no Rio de Janeiro, que atualmente possui um acervo de 17.000 obras. Ele repete a frase, de autoria desconhecida, que “O livro deve ser sentido, cheirado, aberto e lido”.
Outra reportagem muito boa do programa transmitido pela TV Brasil foi com a menina Kaciane Marques, que criou uma biblioteca em cômodo externo de sua própria casa, com acesso direto aos leitores interessados. Sua mãe a ajuda a manter a biblioteca e os registros de empréstimos em ordem. Quando a devolução demora mais de dez dias, a menina pede à mãe para ligar cobrando a devolução da obra ou prorrogando o tempo do empréstimo. Sua biblioteca contém 4.000 livros dos mais variados gêneros literários e gibis.
Kaciane foi estimulada a ler, na 2ª série do ensino fundamental por sua professora Cristina Augusta, que propõe a seus alunos escolher um livro do seu agrado e anotar, num bloco de papel, dados básicos sobre a obra, tais como nome do autor, título do livro, nome da editora, número e ano de edição, além de um pequeno resumo da obra lida. Diz a professora que, no dia seguinte ao empréstimo do primeiro livro à Kaciane, esta devolveu-lhe o livro encantada com sua história e já pediu outro. O prazo de leitura é de uma semana. Atualmente, em seu caderno de anotações de leitura, a menina já anotou a leitura de cerca de 500 obras. E ela não parece ter mais do que dez anos...
Diz a professora, encantada com a principal leitora de sua escola que “a leitura é tudo na vida do ser humano”. Pura verdade. Conheci o mundo sem sair do Rio de Janeiro, apenas lendo, do Gabinete Português de Leitura, obras de grandes escritores e poetas d’além-mar, como Charles Dickens, Victor Hugo, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Rousseau, Byron, Musset, H. Sterne, Stendhal, a bíblia e obras de literatura greco-romana, esotérica e espírita. Esta última foi um rico filão para minhas produções literárias.
Por fim, cito Lucas Rafael que, em Brasília, criou o projeto “Refresque suas ideias”, o qual se trata de geladeira grafitada com diversos tipos de obras, inclusive gibis, que o interessado pode pegar sem a obrigação de devolver, embora a devolução seja sempre bem-vinda, além de doações de obras para seu projeto. Diz Rafael que sua paixão pela leitura começou na infância e ele espera despertar em outras pessoas, de qualquer idade, o gosto pela leitura. Temos também, na Capital, disponibilidade de livros nos pontos de ônibus e um açougue literário, cujas informações futuras ainda lhe daremos, leitor curioso.
Que livro estou lendo atualmente? Sem contar as obras da Federação Espírita Brasileira, que encantam qualquer leitor ávido por notícias daqui e do além, já adentrei o terceiro capítulo do best-seller internacional Sapiens, uma breve história da humanidade, do doutor em história Yuval Noah Harari, que, desde seu lançamento, de janeiro a novembro de 2015 já teve oito edições. Presente do dr. Plotino ao Joteli. O resto são teorias e mais teorias literárias. Ufa!
Saudações “Machadianas”.

domingo, 7 de fevereiro de 2016


Em dia com o Machado 197 (jlo)


Parafraseando Cíntia Schwantes, como diria Jack, o estripador, “vamos por partes”. Segundo meu ordinário (marche!) secretário Joteli, em seu tempo de militar, ouviu de um colega de farda o seguinte relato:
– Eu não queria servir ao Exército, mas como minha família era de prole numerosa, com mãe viúva e sete filhos, incluindo eu, quatro deles ainda crianças e os dois mais velhos com empregos salários-mínimos, alistei-me... No dia da seleção, fui logo prevenindo o oficial encarregado das entrevistas sobre minha situação, além de colocá-lo a par de uma otite crônica nos meus dois ouvidos.
– E o que ele lhe respondeu? Perguntou Joteli, a quem passo a palavra daqui por diante.
– Só te dispenso do serviço militar obrigatório se voltares aqui com um atestado médico que constate teu problema auditivo. (O cara era gaúcho, tchê.)
– E em relação à sua condição social, o que ele disse?
– Disse que, se eu já tinha outros dois irmãos mais velhos ajudando no sustento da família, isso bastava. O Brasil precisava de mim. Além do mais, no quartel, eu receberia alojamento, colegas que dormiriam comigo no alojamento, a farda, comida, toalha de banho, banheiro com água fria e até um soldo de um salário mínimo para as despesas próprias. Portanto, nada me faltaria.
– Isso me faz lembrar o salmo 23 de Davi, Joteli: “O senhor é o meu pastor, e nada me faltará...”
– Posso continuar, Machado?
Em frente, Joteli. O que mais lhe disse seu colega de farda?
– Oliveira, este era seu nome de guerra, disse-me que, naquele momento, um sentimento patriótico assomou seu espírito e ele, antes mesmo de aprender os movimentos militares, tomou a posição de sentido, prestou continência ao coronel, deu meia volta e... foi em... frente! Anos depois, escreveria um poema intitulado “A marcha”, que recebeu medalha de bronze em concurso nacional de poesia, promovido pela Revista Brasília, que nem sei se ainda existe no Distrito Federal.
– Mas, Oliveira, disse-lhe eu, por que você não levou um atestado médico?
– Porque para quem estava desempregado, Joteli, na minha situação, as condições oferecidas eram promissoras. Além disso, poderia, ao final do mês, repassar meu soldo para minha mãe e dar-lhe mais uma ajuda no sustento de sua numerosa prole.
– Pelo que vejo, o serviço militar obrigatório lhe foi muito útil, Oliveira. Mais alguma lembrança inesquecível?
– Sim, Joteli. Dois anos depois, já engajado e pensando fazer “carreira” no Exército, fui aprovado em concurso para sargento na área de comunicação. No ano anterior, já fora aprovado no curso para cabo, em primeiro lugar dentre os soldados inscritos, sem ter tido o prazer de colocar as divisas nos ombros. Mas essa é outra história.
– Muito bem! Concluído o curso, naturalmente, você pôde continuar em sua terra natal e ajudar um pouco mais sua mãe.
– Certo, quanto à segunda parte; errado na primeira, porque fui transferido para Salvador, na Bahia. Como meu problema de otite crônica bilateral nunca havia sido curado, depois de um ano nesse estado e nesse estado, compreendeu?, voltei ao Rio de Janeiro, de férias, e busquei tratamento otorrinolaringológico no Hospital Central do Exército.
– Muito bem! Com certeza, ante a gravidade do seu caso, o médico que o atendeu recomendou sua transferência para perto da família, a fim de receber os cuidados médicos e familiares, não é mesmo, Oliveira?
– Quem me dera, Joteli! Era um coronel otorrino que, ao ouvir minha história, ficou tão comovido que, antes de ordenar (Militar não pede, ordena.) a uma enfermeira que fizesse uma lavagem nos meus dois ouvidos, alertou-me com as seguintes doces palavras:
– Sargento, não me venha com a tentativa do golpe da saúde para forçar sua transferência para cá. Você não tem nada! Aproveite e lave a boca, além dos ouvidos dele, enfermeira.
– Gente boa, esse coronel, não é mesmo?
– Com certeza! Décadas depois, soube que em meus ouvidos não poderia entrar uma só gota d’água. Mas, como diz a música de Chico Buarque, transformada em peça teatral: “Pode ser a gota d’água”... Prometi a mim mesmo que um dia eu voltaria para agradecer ao nobre oficial por seus cuidados médicos.
– E você voltou?
– Estou voltando agora, quarenta anos depois, nas asas dos devaneios literários. Ele lerá isto, tenho certeza, como também foi certo o reencontro do seu amigo Machado com sua amada Carolina, após transpostas as águas do rio Lete.
Ainda em Salvador, após passar dias tratando soldados com febre alta, no quartel, fui acometido de uma labirintite tão forte que perdi os sentidos e, quando despertei, estava internado no Hospital Geral de Salvador, com um soro correndo em minha veia do braço. Ao meu lado, o médico do quartel, quase chorando, pediu-me perdão por não me ter dado atenção quando eu, dois dias antes, o procurei para lhe dizer que, embora fosse dia de sol a pino, via tudo às escuras...
Duas semanas depois, tive alta e voltei às atividades normais do quartel. A otite continuava... Firme! como um soldado que recebesse ordens de seu superior, após o primeiro comando: Cobrir! No primeiro dia de alta, retornando ao quartel, ao participar de uma marcha matutina, sob o comando do tenente Cláudion, este percebeu que eu marchava que nem um bêbado e gritou, para eu e a tropa ouvirmos:
– Sargento Oliveira, acerte o passo!
Não perdi tempo e lhe respondi:
– O senhor não está vendo que estou com problema de equilíbrio, tenente?
Ao que ele retrucou, ainda durante a marcha:
– Sargento Oliveira, ao final do desfile, procure-me no meu posto de comando (PC).
Não lhe dei resposta, nem também obedeci a sua ordem, mas, dias depois, soube do Raulindo, um velho sargento que me tratava quase como um filho, que o tenente Cláudion o procurara e lhe perguntara:
– O que está acontecendo com o sargento Oliveira e por que ele não obedeceu à minha ordem de ir falar comigo no meu PC?
Resposta do Raulindo:
– O Oliveira é um bom rapaz, mas não pisa no calo dele não, pois ele vira uma fera.
Nunca mais fiquei sabendo o que o tenente Cláudion desejava falar comigo em seu PC, embora, por muito tempo, eu tivesse a impressão de que, ao final do expediente, ao ser lida a ordem do dia, o sargenteante dissesse: “Quarta parte, justiça e disciplina: fica detido no quartel, por trinta dias, o sargento Oliveira por desacato ao comandante da companhia X”. Tal, porém, não ocorreu... Por que será?
– Oliveira, sentido! Como você se atreve a tanto?
– Agora, quem entra na conversa sou eu, Joteli. Por que você fica remoendo essas remotas histórias do Oliveira?
– Então você não sabe que “água parada não move moinho”, Machado?
Vamos em frente, Oliveira, faça de conta que sou seu analista do Rio, assim como houve um “analista de Bagé”. Põe tudo para fora.
– Sim, meu camarada! Da capital, fui transferido para o interior da Bahia, sem que meu problema crônico de otite bilateral fosse descoberto. Até o dia em que, recém-casado, fui encaminhado ao Hospital Geral do Exército em São Paulo, com indicação cirúrgica, após ter sido descoberto, no Hospital das Forças Armadas, em Brasília, que minha otite era proveniente de colesteatomas bilaterais gigantes (sic).
– Sei... lá em São Paulo você foi internado e, dias depois, operado de ambos os ouvidos, já estava em casa, recuperado e nos braços da amada recém-casada...
– Quisera, Joteli, quisera. Deixei minha mulher na casa de minha mãe, no Rio, e fiquei aguardando atendimento médico, pacientemente, em enfermaria do hospital, na companhia de outros colegas de farda. Após cerca de quinze dias, no último final de semana em que, às sextas-feiras, ao término do expediente, todos recebíamos uma dispensa para ficar com a família, vi que a enfermeira entregou a autorização para saída a todos, menos a mim. Questionada, ela respondeu-me, agressivamente, que eu não precisava de dispensa, pois passava o dia todo na boa vida, só comendo, dormindo e lendo.
Revoltado, disse-lhe poucas e boas, mas, hora depois, recebi a dispensa de uma raivosa enfermeira. Meu pecado era simplesmente ser paciente por fora e doente por dentro...
A briga fora promissora. Na semana seguinte, fui levado ao centro cirúrgico para o primeiro procedimento operatório.
Antes de ser operado, seu namorado (sic), que era o coronel anestesista, indagou-me sobre os motivos da briga com a enfermeira. Após minha breve explicação, sem eu saber, até então, do seu relacionamento com a profissional da enfermagem, contei-lhe minha versão rapidamente e chorei como criança, imaginando-me em muito boas mãos, como de fato estava. Nada senti, nem antes, nem após o ato cirúrgico.
É bem verdade que a cirurgia não resolveu meu problema, mas que fui muito bem tratado ali, lá isso é certo. Tão certo que, após a operação, ao se saber que eu não possuía recursos para levar minha esposa do Rio de Janeiro para o hospital onde me encontrava internado, reservaram-nos um quarto particular e pude ficar em sua companhia até o dia de minha alta hospitalar.
– Mas como você conseguiu sobreviver no estado em que estava?
– Mistérios de Deus, Joteli, mistérios divinos... Transferido para Brasília, a meu pedido, um ano depois, ali descobriram os tumores que me levaram a tanta guerra, ainda que em tempo de paz. Meses após, fui internado mais duas vezes para cirurgia nos ouvidos. Na primeira, operado por uma cirurgiã famosa, no Hospital das Forças Armadas, despertei da anestesia geral em pleno procedimento cirúrgico e, enquanto sentia uma serra cortar o colesteatoma, ouvia a conversa da cirurgiã com o oficial anestesista. Em dado momento, a médica lhe disse:
– Ele está acordado, pois está se mexendo muito...
Nada mais ouvi. Quando despertei, antes que me fosse perguntado algo, relatei, chorando, que havia sentido tudo o que ocorrera no ato cirúrgico. Então, tornei a “dormir”. Até hoje, lembro-me, emocionado, do carinho recebido dos militares responsáveis por minha cirurgia naquele dia inesquecível. Nem uma palavra de justificativa ou pedido de desculpa!
– Sei... mas o importante é que você ficou curado.
– Com certeza. Nunca mais tive nada no ouvido esquerdo, nem mesmo a audição.
– E o outro ouvido?
– O ouvido direito foi operado, cerca de três anos depois, por um famoso cirurgião, no mesmo hospital.
– E correu tudo bem com a anestesia e cirurgia?
– Sim, pois antes de ser operado, o novo anestesista conversou comigo e eu lhe pedi que tivesse um pouco mais de cuidado com o procedimento anestésico, após lhe contar, rapidamente, o que ocorrera na cirurgia anterior.
– E a audição?
– Nem o cirurgião entende o que aconteceu, pois, embora minha “oficina auditiva” tenha sido removida, preservei cerca de 70% da audição desse ouvido, se é que pode dizer isso quem usa aparelho auditivo há muito tempo na orelha direita.
É por isso que detesto a esquerda!
Nada mais disse Oliveira e nada mais lhe perguntei, ó Machado.
– É o que eu sempre digo, Joteli, enquanto elementos estúpidos como você e esse seu colega não se calarem, a democracia estará salva.
– Mas ainda acho, Bruxo, que uma intervenção militar como a ocorrida em sua época e narrada em sua crônica, na Argentina, quando os militares afastaram os governantes corruptos e entregaram o governo aos civis, é o ideal para o Brasil. O que você fala agora sobre isso?
– Os mortos não falam, meu caro Joteli...


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016



Em dia com o Machado 196 (jlo)

Amigo leitor, hoje vou falar-lhe sobre a importância da literatura em sua formação cultural. Oscar Niemeyer criticava os acadêmicos que somente se interessam por assuntos relacionados à sua formação e atuação profissional. Se é certo que se pode perfeitamente viver sem muita leitura, vive bem melhor quem desenvolve o gosto de ler. Está sempre bem informado, é admirado e não passa vergonha quando a conversa muda do futebol para a poesia, dos acontecimentos cotidianos para a crônica, dos casamentos para os romances, dos políticos fracassados e ditadores para a história, da linguagem popular ou coloquial para a culta, sem os exageros do eruditismo...
Há excelentes profissionais que, como desculpa para sua insipiência, dizem que não faz muita diferença deixar de acentuar uma palavra ou trocar um e por um i ou um s por um c numa petição ou numa receita.
Fas cim, ocê podi mata de reiva o meretríssimo juiz ô desqualifica o dotô...
– Quem disse isso não fui eu e, sim, o estrupício do meu secretário. É que ele lecionou português, redação, linguística e sociolinguística durante 22 anos... E admite que, na literatura, a representação de sua fala, quando morou no morro da Penha, no Rio de Janeiro, é plenamente justificável no ato comunicativo. Traduzindo: Faz, sim, você pode matar de raiva o meritíssimo juiz ou desqualificar o doutor...
– Calma aí, “Machado”, também não é assim. Fui e sou pobre, mas nem por isso falava “errado”. Mamãe dizia, mesmo, que eu gostava de falar “difícil”.
– Esse é um outro equívoco linguístico, o de se considerar apenas a norma culta como a correta e as demais “erradas”. Todas as línguas: popular, coloquial e culta são variações da linguagem que dependem de quem, onde e quando se fala ou escreve. Daí ser considerado pelos estudiosos da linguística um baita preconceito você dizer que fulano ou sicrana falam “errado” por não utilizarem a norma culta em sua conversa sobre a pintura de sua sala ou a lavagem de sua rica louça burguesa.
O que não se pode é redigir o texto de um relatório médico ou administrativo, por exemplo, de uma obra didática, ou de uma petição jurídica que estejam repletos de desvios gramaticais, como o do uso da palavra houveram, opondo-se a existiram, este no lugar de esse, menas em vez de menos, mais no lugar de mas, mau em vez de mal, uso da segunda pessoa na concordância com o tratamento V.Sa ou V.Ex.ª, erros de concordância, de regência, de pontuação, ortografia. Ou seja, tudo o que esteja em desacordo com a gramática oficial.
– Você quer dizer que fora desses casos “oficiais” a linguagem pode, como se diz na gíria, “soltar a franga”?
– Não, energúmeno, na literatura, há momentos em que todas as modalidades linguísticas têm seu espaço. Entretanto, ninguém pode se expressar como bem entender, em especial nas correspondências administrativas e oficiais, nas obras didáticas, mas também nos e-mails, blogs, twitters, etc. Porque as palavras, o vento leva, entretanto, “escreveu, não leu, pau comeu”. Você só não precisa é se preocupar em “falar difícil”...
– Já entendi. A linguagem deve ser culta, mas não necessariamente erudita... E como falar e escrever na língua culta?
– Comece pela leitura das revistas em quadrinhos...
– Inclusive Chico Bento?
– Inclusive Chico Bento...  Mas vá além, leia os clássicos e os escritores atuais. Por fim, escreva, reescreva, corte o supérfluo e mantenha a essência. Leia e escreva sempre criticamente.

  O livro   (Irmão Jó)   D esde cedo é importante I ncentivar a leitura A os nossos filhos infantes.   M ais tarde, na juventude, U ma vont...