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quinta-feira, 29 de setembro de 2016



Em dia com o Machado 230 (jlo)

Amiga leitora, ouvi dizer que Tancredo Neves dizia o seguinte: “Quando algum político precisa explicar, depois de dito, algo que repercutiu mal perante a nação, melhor teria sido não ter dito nada antes”. A clareza é qualidade fundamental na comunicação. Sem ela, tudo são trevas.
É exatamente assim que ocorre com os textos mal escritos: se o aluno ou uma pessoa qualquer escreve algo que só está claro para si e não para quem lê, melhor seria não ter escrito aquilo. A ambiguidade ou duplo sentido pode ser interessante na literatura, quando o narrador escreve alguma coisa com um sentido literal e outro metafórico. Era o que eu fazia, quando encarnado pela última vez, no Rio de Janeiro, após minha encarnação como Laurence Sterne, na Inglaterra, no século XVIII. Por isso mesmo, lia suas obras e imitava seu estilo burlesco e satírico. Algo ali era-me familiar...
Houve um tempo em que os animais falavam. Se os cidadãos da atualidade se inspirassem na sabedoria daqueles seres, por certo, o mundo seria bem mais prático. Cito um caso.
Acompanhei Joteli e esposa em visita a uma amiga recém-operada do ombro ontem. Ao adentrarem a casa da convalescente, sua cadela Pequinês recebeu os recém-chegados com estardalhaço, latindo insistentemente. Entretanto, logo parou de latir quando os anfitriões lhe pediram para se calar. Chama-se Lis e é bastante agitada. Acompanhou o dono da casa e seus amigos até a sala e sentou-se num dos sofás, atenta às suas conversas com os recém-chegados.
De vez em quando, latia, como quando o genro e a filha do Paulo, o anfitrião, que lá estavam há algum tempo, despediram-se. No entanto, um pouco mais tarde, fiquei impressionado com sua manifestação de respeito, no momento em que a esposa de Joteli propôs fazer uma prece de rogativa aos céus em benefício da melhora da amiga enferma que ali já estava.
Lis fechou seus olhos e manteve-se num silêncio profundo e reverencioso, assim permanecendo até o fim da prece.
Talvez seja por isso que um ex-ministro afirmou, ao lhe ser perguntado sobre a razão de seu profundo amor ao seu cãozinho de estimação: — Cachorro também é gente. O problema não é esse e, sim, o de que muita gente é tratada pior do que cachorro, mas muito cachorro demonstra ter mais respeito às coisas divinas do que nós.
Estendemos as mãos, aplicamos um passe na convalescente e em seu esposo. Lis fechou os olhinhos e nos acompanhou, enquanto orávamos, como se entendesse tudo. Certamente que não pescava uma só palavra do que dizíamos, mas sentiu as vibrações positivas e delas também desfrutou. É a alma, em processo de transformação, como disse o filósofo espírita francês Léon Denis em sua obra intitulada O problema do ser, do destino e da dor: “A alma dorme nos minerais, sonha nos vegetais, agita-se nos animais e desperta no homem”.
Eu diria que, antes, a alma já despertou nos cachorros...
Depois disso, o ser espiritual continua trabalhando os sentimentos, errando e acertando. Percorre a estrada eterna da lei de evolução, submetido à lei de ação e reação, até aprender que somente o amor é lei divina. Então, após o seu despertar, passa a se esforçar permanentemente no bem, até alcançar o objetivo máximo da recomendação do Cristo: “Brilhe a vossa luz!”

sexta-feira, 23 de setembro de 2016



Em dia com o Machado 229 (jlo)

Boa noite!
Que há vocábulos idênticos ou parecidos que se prestam a vários significados, amiga leitora, ninguém desconhece. A isso, os gramáticos chamam de homonímia e paronímia. Parônimos são palavras muito parecidas, no som, e de significação diversa. Exemplos: ratificar: confirmar; retificar: corrigir. Homônimas são palavras iguais na escrita ou na pronúncia e de significados diferentes.
Uma palavra homônima é pichar.
Primeiro significado desse vocábulo: maldizer algo ou alguém. Exemplo: o procurador pichou de propinocrata o ex-presidente. Nesse caso, temos também um neologismo, que é a palavra criada com base no substantivo propina, ou seja, benefício ilegal, mais o sufixo -crata, derivado de cracia, do grego kratía, que significa poder, força; o significado dado pelo procurador à palavra propinocrata é o de alguém que comanda o esquema do favorecimento financeiro ilegal.  O vocábulo pichar é um homônimo homógrafo e homófono, ou seja, que possui a mesma grafia e o mesmo som de pronúncia.
Segundo significado de pichar: escrever ou desenhar palavras, frases ou símbolos semelhantes a letras em muros, fachadas de edifícios, paredes de casas ou apartamentos, pontes, etc.
Outro dia, um senhor perdeu o braço e o filho dentista para um bando de pichadores surpreendidos por aquele quando pichavam o muro de sua casa. Enraivecido, por tudo observar de câmaras existentes nas dependências internas de sua casa, o senhor não refletiu e, em vez de ligar para a polícia, pegou um pedaço de pau e saiu de casa sozinho para enfrentar os quatro jovens pichadores.
Não deu outra, também armados com paus, os rapazes agrediam-no, covardemente, quando seu filho dentista, que chegara a casa naquele instante, viu o pai sendo brutalmente surrado e tentou defendê-lo. Resultado, apanhou até morrer, e seu pai acabou ficando sem um dos braços em virtude das pauladas recebidas.
Até o momento da reportagem, dois agressores estavam presos, e outros dois foragiram-se.
Outro dia, foi feita uma reportagem com pichadores, por jornalista de canal de tv. A maioria é empregada e faz esse “trabalho” por pura diversão ou, segundo diz uma pichadora, por crítica ao sistema político, em altas horas da noite.
Um deles fazia parte de dupla pioneira famosa. Hoje é advogado e não mais picha. Seu concorrente do passado tornou-se designer e também abandonou a pichação.
Caso interessante é o de outro pichador, homem maduro, que tem mulher, filha e trabalha como comerciante. Disse ao repórter que há mais de trinta anos se diverte pichando paredes altas de prédios, pontes, etc. Considera-se grande artista.
Observando, porém, que sua casa não possui qualquer marca de pichação, o profissional de imprensa perguntou-lhe o motivo disso. Sua resposta foi a de que não queria sujar o seu lar tão querido, onde residia com sua mulher, pichada no braço e perna, e sua filha, que nenhuma marca de pichação trazia no corpo, mas dizia-se admiradora da “arte” paterna.

Parodiando antigo refrão popular, diremos: “Pichação em imóvel alheio é refresco”.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016



Em dia com o Machado 228 (jlo)

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco foi um dos mais célebres e produtivos escritores portugueses que, aos 65 anos, suicidou-se com um tiro de revólver na têmpora direita. Seu gesto desesperado foi em consequência de ter ficado cego, após ter sido contaminado pela sífilis em grau avançado.
Camilo nasceu em 16 de março de 1825, em Mártires, Lisboa, e seu falecimento deu-se em 1º de junho de 1890, em Vila Nova de Famalicão, Portugal. Tivera vida boêmia e de jogatina, embora tenha escrito mais de 260 obras, com linguagem primorosa, o que lhe rendeu justas homenagens do governo português.
Despertou, cerca de seis meses depois, aprisionado num vale profundo e sombrio. Ali, ouvia insistentes uivos enfurecidos de espíritos em profundo sofrimento. O solo cheirava mal, “era imundo, pastoso, escorregadio, repugnante!” Sentia-se asfixiar num clima gelado, escuro e com nuvens de tempestade pairando no espaço enegrecido de uma gruta gigantesca, repleta de espíritos criminosos e agressivos, com os quais, inúmeras vezes, tinha de lutar e rolar na lama fluídica onde se encontrava, com os sentidos mais apurados e, consequentemente, mais sofridos.
O insulto e o ridículo, a truculência e o sarcasmo feriam-no imensamente naquele lugar, onde a palavra Deus não existia...
Percebe, então, que todos os espíritos prisioneiros, como ele, naquela região trevosa e de tormentos inauditos, não usufruiriam paz e esperança jamais. O inferno narrado por Dante Alighieri era como o paraíso, em vista do que observava e sentia em torno de si. O vale dos hansenianos, em Jerusalém, repulsivo e humilhante, seria um lugar reconfortador, em relação àquele em que eles estavam.
Lá havia, ao menos, solidariedade. Cá somente existia choro e “ranger de dentes”, em vista da dor moral sentida pelos réprobos do lugar. No vale dos hansenianos, desfrutava-se do sol benfazejo, do orvalho das madrugadas, do aconchego dos que se amavam e até... diversões. Podia-se ver e ouvir, ali, o canto dos pássaros, o voo das andorinhas, o brilho das estrelas, e até mesmo era possível namorar e sonhar com uma alvorada libertadora.
Mas no vale dos suicidas, na caverna onde Camilo fora aprisionado, só havia sombras, espectros tenebrosos, aves agourentas, risos sinistros, gritos de revolta, de loucura e de dor inauditos. Ali, não havia céu, não havia sol, não havia trégua para a dor causada pelos atos desatinados dos trânsfugas da Lei Divina, do Pai  que nos destinou a vida eterna e, com ela, a responsabilidade de colher aquilo que semeamos, de bom ou de mal.
A vida além-túmulo é real. Dali saem as inspirações para a existência no corpo físico. Dela decorrem os planejamentos para que avancemos em conhecimentos e, sobretudo, em sabedoria. Porém, todos somos dotados de livre-arbítrio e, do uso que fizermos dessa liberdade, podemos encontrar, após a vida material, o bem ou o mal, a tristeza ou a alegria, o sofrimento ou a felicidade.
E o espírito criminoso, somente após um período indefinível de tormentos espirituais, que lhe parece uma eternidade, encontra, desde que sinceramente arrependido, mas também profundamente atormentado, o socorro dos espíritos superiores, enviados de Deus, Pai amoroso que não desampara nenhum dos seus filhos.
Por isso, leitor amigo, mais uma vez, neste mês dedicado mundialmente à prevenção do suicídio, deixo consigo o alerta de quem precisou passar um longo tempo no mundo espiritual sofrendo as consequências de uma vida profana e uma “morte” voluntária: jamais se deixe levar por esse gesto extremo, em tempo algum.
Viva com alegria e lembre-se da frase citada por Chico Xavier: “Ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo, mas todos podemos começar agora e construir um novo fim”. Que esse fim seja sempre o do bem e o do respeito à vida, dom inviolável de Deus, nosso Pai Eterno.
E se você ainda tem dúvida quanto às consequências terríveis do gesto do suicídio, faço-lhe um último apelo: leia a obra psicografada pela médium Yvonne do Amaral Pereira, editada pela Federação Espírita Brasileira, intitulada Memórias de um suicida. Com certeza, após essa leitura, sua vontade de viver e de amar estará mais robustecida.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016



Em dia com o Machado 227 (jlo)

Leitor amigo, contrariamente ao que se diz,  parte dos cientistas, filósofos, poetas, artistas e escritores, de todos os tempos, são ateus, mas Deus está com eles.
Explico o paradoxo esclarecendo-lhe o significado de a-théos como a- pref. de origem latina com a acepção de afastamento, separação; e théos, elemento de composição grego com o significado de deus.  Eles não são contra Deus e também não negam que Deus possa existir. Apenas ainda não têm Deus como algo de sua preocupação, ser infinito, criador do Universo e de tudo o que nele existe; objeto de culto, de adoração ou, mesmo, como personificação masculina de uma divindade superior à criatura humana, criada por Ele.
O Espiritismo é uma Filosofia Espiritualista que, como todas as religiões deístas, crê em Deus, mas não como "personificação humana" e, sim, como "Princípio Supremo" que explica a existência, a ordem, a razão do universo e "garantia dos valores morais" (Aurélio), Nesse sentido, o conceito de Deus difere do conceito religioso teísta, pessoal. Deus não é "alguém", é "algo" que escapa ao nosso entendimento, ainda. Por isso, a primeira pergunta d'O Livro dos Espíritos (LE), escrito por Allan Kardec, substitui o pronome "quem", das questões tradicionais do Cristianismo, por "que": "Que é Deus?" E os espíritos respondem: "Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas".
Nessa acepção filosófica, diversos ateus consideram mais racional o conceito de Deus. Entretanto... continuam "afastados" dele, por não considerarem nada ainda provado. Prove que Deus existe, de modo insofismável, e nenhum ateu ficará mais "separado" de Deus.
Primeira "prova". O Universo existe desde sempre, mas ele precisa de uma causa para essa existência, por um axioma científico de que não há efeito sem causa. O nada nada produz (LE, q. nº 4). 
Segunda "prova". Todos trazemos o sentimento instintivo sobre a existência de Deus. Tanto isso é verdade que, no momento em que nossa vida corre grande perigo, instintivamente, quer sejamos ateus ou crentes, dizemos: "Valha-me, Deus" ou coisa semelhante. Quando o “ateu” Oscar Niemeyer estava com 104 anos, próximo de ir para o campo dos pés juntos, respondeu a um entrevistador que lhe perguntara sobre a saúde, após sua alta hospitalar, com a seguinte frase: "Seja o que Deus quiser".
Isso eu ouvi com os ouvidos que Deus me deu!
Um "gênio, um filósofo e um santo", nas palavras de Eça de Queirós, foi o poeta português Antero de Quental (+ 8 abr. 1842 - 11 set. 1891), que, em seus poemas, influenciado pelas teorias niilistas, questionava a existência de Deus. Até que, acometido de terrível hipocondria, julgou melhor dar fim à própria vida com dois tiros na cabeça. Em vida, um dos seus sonetos questionava

NIHIL

Homem! Homem! Mendigo do Infinito!
Abres a boca e estendes os teus braços
A ver se os astros caem dos espaços
A encher o vácuo imenso do finito!

Por que sobes à rocha de granito?
Por que é que dás no ar tantos abraços?
E cuidas amarrar com férreos laços
Um reflexo da sombra de um esp’rito?

Vê que o céu, por escárnio, a luz nos lança!
Que, à tua voz, a voz da imensidão
Responde com imensa gargalhada!

A ideia fechou a porta à esp’rança
Quando lhe foi pedir gasalho e pão...
Deixou-a cara a cara com o Nada!...

Na obra Do país da luz, vol. 2, publicada pela FEB, capítulo IX, psicografada pelo médium português Fernando de Lacerda, entre poemas que afirmam a existência de Deus, para o espírito Antero, antes, tal realidade fora apenas mera esperança e pura dúvida; agora, esse espírito volta ao mundo físico para alertá-lo sobre as consequências dolorosas do suicídio, como o que ele praticou. São nove páginas de um testemunho eloquente, que não vou reproduzir aqui, por falta de espaço.
Por trás do suicídio, além da própria tendência do espírito, há outro espírito obsessor, que se aproveita da fraqueza daquele para empurrá-lo na direção do abismo, do qual somente sairá às custas de muito sofrimento e desespero inaudito. Antero, então, concita aos desiludidos da vida fortificarem sua vontade e alegria de viver. Em sua longa mensagem esclarecedora sobre esse ato extremo, ele diz: “Ah! que se soubesse que preço pagamos a libertação pelo suicídio, ninguém se suicidaria. Os maiores martírios na Terra são doces consolações em comparação com os mais suaves sofrimentos de um suicida!”
No volume 3 da obra citada acima, Antero de Quental envia-nos, pelo médium Fernando de Lacerda, um encadeamento de três sonetos sobre a morte e outros dois sobre Deus. No último volume, que, como os demais, traz diversos poemas e mensagens de escritores finados, de Portugal e da França, encontramos outros seis poemas, de Antero, todos sobre a confirmação da imortalidade da alma e da realidade de Deus. O poeta diz-nos o seguinte, no poema do cap. III do volume 4, intitulado

                                       LUZ

A desejar mais luz passei a vida!
Toda era pouca ao meu olhar sequioso!
Achava em tudo o denso véu nubloso
Que a vida me trazia escurecida!

E a minha alma volvi, entristecida,
Para o negro caminho doloroso
Em procura da Morte e do Repouso,
Por não achar a Luz apetecida!

Eu esperei que a luz encontraria
Aí no mundo e o mundo ma negava
Como prenda que não podia dar.

Mas ao buscar a treva eterna e fria
Que no escuro da Morte me encantava,
Em vez da treva, a luz vim encontrar.

Depois, no Brasil, o espírito Antero de Quental aproximou-se de outros dois médiuns distintos, Waldo Vieira e Chico Xavier. Aqui, “mandou ver” noutros sonetos sobre a sua confirmação da existência de Deus e de que a morte não existe, pois vivemos em dois planos existenciais...
Então, o ateu convicto dirá: “E daí? Se Deus existe, também confirmarei essa verdade após a morte, desde que eu também sobreviva à extinção do corpo, que será dado aos vermes”.
Porém, eu lhe perguntarei: “Mas você não acha que essa certeza nos auxilia a viver melhor?”
Ao que ele responderá: “O que me interessa, agora, é viver com alegria, enquanto no corpo, sem abusos de qualquer espécie, e não lesar ninguém, pois me sinto bem em fazer o melhor em prol de um mundo mais justo”.
E eu lhe direi que Deus está com ele, mais do que com muitos dos que dizem estar com Deus, pois o bom ateu, mesmo “afastado de Deus”,  sabe o que fazer para ser feliz.

Graças a Deus!

quinta-feira, 1 de setembro de 2016


Em dia com o Machado 226 (jlo)

Jenecídio era um grande empresário e morava com a família em condomínio de luxo. Tudo corria bem em sua vida, até o dia em que sua empresa começou a dar prejuízo. No início, ele não deu muita importância ao caso. Afinal, em anos anteriores, já ocorrera o mesmo fenômeno. O El Niño chegava, o calor aumentava e as pessoas guardavam seus guarda-chuvas.
E Jenecídio fabricava e vendia guarda-chuvas.
Acontece que, na cidade baiana de Senhor do Bonfim, quase não chovia, embora, à noite, costumasse fazer um friozinho. Então, Jenecídio optou por também vender roupas de frio.
Foi quando sua mulher foi à igreja local orar pelo sucesso nos negócios da família.
De volta a casa, inspirada pelo Senhor do Bonfim e pelo sermão do padre, sugeriu ao esposo a mudança do ramo de negócio. Afinal, suas filhas de sete e oito anos precisavam manter o padrão elevado de vida e, na cidade, pouco se usavam roupas de inverno, pois residiam no sertão nordestino onde o clima era quente e seco.
Sugeriu-lhe, então, Jacina, a esposa, trocar seu negócio para fábrica de chocolates, pois a produção local de cacau era boa, o que motivou o apelido da cidade de Suíça do Nordeste.
Em resposta, o marido disse-lhe que tal comércio já possuía muita concorrência local, e a venda de roupas de frio dava-lhe um bom retorno financeiro nos meses em que não havia seca. Ademais, detestava esse negócio de religião.
Nesse ano, porém, a estiagem já durava dez meses, e nenhuma peça de roupa fora vendida por Jenecídio nos últimos seis meses. Os dias passavam, as contas chegavam e, quando a reserva financeira da família acabou, Jenecídio, como tantas pessoas sem esperança, neste mundo e no outro, tomou uma decisão radical.
No dia seguinte, seu corpo foi encontrado dentro do poço seco de dez metros de profundidade, depois que a esposa ligou para o corpo de bombeiros, suplicando desesperada a  localização do marido sumido de casa na noite anterior.
Sobre a cama vazia, um bilhete, escrito por ele,  continha as seguintes palavras:

Senhor do Bonfim, BA, 5 de outubro de 2013.
Querida Jacina,
Antes de mais nada, quero lhe dizer que a amo muito, tanto quanto nossas meninas.
Quando você acordar e ler esta missiva, já não mais estarei neste mundo. Mergulho no nada, para sempre.
Há três anos, pensando no seu futuro e no porvir das nossas filhas, fiz um seguro de vida, no Banco da Bahia, no valor de X, que resolverá todos os problemas financeiros de nossa loja e ainda permitir-lhe-á mudar o ramo de negócio para a sua tão sonhada fábrica de chocolates.
Meu corpo será encontrado no fundo do poço, como ocorre, atualmente, com nossa economia.
Perdoe-me e adeus!

Tão logo o corpo de Jenecídio fora encontrado, caiu uma chuva tão intensa, em Senhor do Bonfim, que seu poço transbordou. Três meses após o funeral do esposo, a viúva, morta de saudades, procurou um famoso médium baiano, em Salvador, que psicografou e lhe entregou a seguinte carta do Além:

Querida Jacina,
Como fui estúpido. A vida continua em outra dimensão, e eu desconhecia esta realidade.
Por que não esperei mais um pouco? Com o retorno das águas, vejo agora que você vendeu todo o estoque de roupas e guarda-chuvas, pois a nossa loja não tem concorrência no ramo.
O grande erro de minha vida foi nunca ter uma crença que me desse a certeza da sobrevivência da alma após a morte do corpo físico. Quando ignoramos a realidade do mundo metafísico, e cometemos o suicídio, as consequências são terríveis.
Não estamos mais no corpo de carne, porém nossos sentidos são mais apurados.
Comigo foi assim. A sensação da queda e do impacto do meu corpo, no fundo do poço, foi terrível e parecia repetir-se eternamente. Sentia-me caindo, no vão escuro, e a cabeça dividindo-se em mil pedaços... Então,  gritava inutilmente por socorro, pois tão logo chegava ao fim da queda novamente via-me projetando no vazio. E tudo recomeçava por vezes incontáveis.
Quando os bombeiros içaram meu corpo sem vida, dez horas após meu tresloucado gesto suicida, graças ao seu apelo desesperado, parecia-me já estar ali há anos, sempre com a mesma sensação de queda no vazio e o crânio se estilhaçando ao tocar o fundo, para depois todo esse horror recomeçar.
Você fez, então, uma sentida e sofrida prece por mim, e isso foi o que me aliviou. Entretanto, tão logo cheguei ao solo superior, percebi que seres semelhantes a monstros terríveis, verdadeiros vampiros, se aproximavam de meu corpo inerte, mas ao qual eu me sentia prisioneiro.
Eles então riam, pulavam em cima e em volta de mim e gritavam: — Suicida! Suicida!
Outros completavam: — Suguemos-lhe o sangue enquanto está quente!
Senti também suas bocas se fecharem sobre minha garganta e, com suas presas enormes, sugarem minhas energias. Eu queria gritar, mas não podia. Queria fugir, mas estava paralisado.
Assim se passaram os dias. Fui transportado pela malta para um lugar estranho e tenebroso e ali fiquei à mercê de todos esses Espíritos das trevas, até o dia de hoje, quando fui trazido aqui por uma corrente luminosa, que me arrebatou das garras de meus algozes. Eram as energias das preces desse médium extraordinário, aliadas às suas e às das pessoas bondosas que aqui estão. Obrigado, meu Deus!
Agora, uma senhora belíssima, com hábito de freira e intensa luz, diz-me que, daqui, serei transportado para um hospital espiritual, onde ficarei submetido a tratamento de recomposição do perispírito (corpo espiritual) que eu mesmo afetei, com minha atitude insana.
Ali passarei alguns meses em tratamento, quando então deverei fazer parte da equipe de suicidas em reabilitação e cooperação no socorro de outros Espíritos criminosos, que violaram a Lei de Deus, nosso Criador, o qual nos destinou à perfeição da vida eterna, mas com a condição de que “a cada um seja dado segundo as suas obras”, consoante as palavras de Jesus Cristo, como vim a saber aqui.
Beije nossas filhas, Carmecita e Concita, perdoe meu ato insano e ore por mim.
Adeus, sejam felizes!

Amigo leitor, quando a Humanidade estiver plenamente ciente das consequências do suicídio, cena como esta não mais ocorrerá, pois a certeza de que não há morte e de que nossos mínimos atos nos trazem consequências boas ou más, segundo a direção que lhes damos, fará com que escolhamos sempre a vida, nunca a morte, seja ela a nossa ou de outrem.

Abraço do amigo “Machado de Assis”.

  O livro   (Irmão Jó)   D esde cedo é importante I ncentivar a leitura A os nossos filhos infantes.   M ais tarde, na juventude, U ma vont...