EM DIA COM O MACHADO 256 (jlo)
Estudioso
das Escrituras Sagradas, que sempre fui, refletia na frase paulina, sem entendê-la
plenamente: “Semeia-se corpo animal, ressuscita-se corpo espiritual. Se há
corpo animal, há também corpo espiritual” (I Cor., 15:44). Então, ao iniciar-me
na Vida Espiritual, após transpor as águas do rio Lete e escapar do Hades, com
o auxílio de Caronte, pude melhor entender o que Paulo quis dizer: todos nós, quando
encarnados, possuímos o corpo físico ou animal, o corpo perispiritual,
“semimaterial”, ao qual ele chama espiritual, e a alma que, ao desencarnar, é
chamada espírito.
Agora,
sim, alcançados os Campos Elísios, tudo ficou claro como as águas de cristal.
Ainda assim, resolvi agendar uma entrevista com um espírito superior para
clarear esse assunto. Qual não foi minha surpresa quando o próprio Allan Kardec
surgiu à minha frente para responder minhas perguntas.
Após
os efusivos cumprimentos iniciais, iniciei a entrevista com a seguinte questão:
—
Quem te revelou a existência do corpo espiritual, a que chamaste perispírito?
—
Meu caro Machado, foram os próprios espíritos que me deram essa informação, e o
neologismo perispírito foi “adotado”
por eles[1].
—
Então diz-me uma coisa, para que meu curioso leitor seja mais bem esclarecido sobre
suas dúvidas quase infinitas, essa forma a que chamas perispírito pode ser
vista por uma pessoa encarnada?
—
Somente quando o Espírito deseja que isso ocorra. Nesse caso, ele como que
condensa seu perispírito, “por uma disposição molecular” apropriada a seu
objetivo. Todavia, “essa propriedade ele a pode estender, restringir e fazer
cessar à vontade” (id).
Nisso,
Joteli, que não perde a ocasião de dar seu pitaco na conversa alheia, interveio.
—
Agora entendi perfeitamente o significado da frase dita por Chico Xavier: “O
telefone toca de lá para cá”...
—
Isso mesmo, Joteli, só nos manifestamos quando, onde e a quem queremos... Concluí.
—
Ou a quem podemos, meu caro Bruxo.
—
É verdade, Kardec. Explica, então, a Joteli e demais nove ou dez leitores desta
crônica qual a forma que o espírito pode tomar, ao se manifestar a alguém
capacitado a vê-lo.
—
Então, não é a forma humana, em geral, a da última encarnação?
—
Amigo obtuso, nunca leste que “o espírito sopra onde quer”? Passo a palavra ao
Codificador para, melhor que eu, esclarecer tua dúvida, Joteli.
—
Sim, meus caros, a forma normal do perispírito é a humana. Entretanto, o
espírito pode dar ao seu corpo espiritual
a aparência que desejar.
—
Mesmo a de um animal?
—
Sim, Joteli, mesmo a de um animal ou
a de uma simples chama[2].
—
Se aparecesses para mim, agora, que forma terias, Kardec? Perguntou-lhe Joteli.
—
A forma de minha última encarnação como Allan Kardec. Naturalmente!
—
Machado, aproveito os esclarecimentos do Codificador para contar ao nosso
amável leitor um singelo caso que presenciei no tempo de minha juventude. Tendo
conhecido os pais de uma menina de seus nove ou dez anos, superdotada, fiz-lhes algumas visitas, e sua mãe relatou-me, no
primeiro encontro, que seu marido tinha visões e, por vezes, ficava louco.
Na
segunda visita, encomendei ao esposo da informante, que não me pareceu nada
aloprado, uma pequena mesinha de madeira, haja vista ser ele marceneiro.
Ao
retornar ao lar do casal, cuja marcenaria ficava nos fundos da casa, o dia já
escurecera, e sua esposa estava sentada em frente à porta que dava para a rua. Sentei-me
a seu lado e ela, apavorada, disse-me que estava vendo muitos policiais em cima
dos postes de luz, no telhado da casa, por toda a parte. A “doida” era ela, e
não o marido que, dias depois, me entregou o móvel...
O
casal conheceu o centro espírita que eu frequentava e lhes indicara. Ali, a
senhora tratou-se espiritual e fisicamente. Desse modo, perdeu o medo dos
espíritos, pois, como dizes, Kardec, os espíritos nunca nos aparecem sem um
propósito e, qualquer que seja a forma que tomem, não nos podem fazer mal algum,
se estivermos sob a proteção Divina.
—
Joteli, para que nosso leitor fique bem informado, faço ao Codificador a
seguinte pergunta: qual a finalidade da manifestação dos espíritos aos que
ainda estão na matéria?
—
Machado, além de cumprir a promessa de Jesus, contida no capítulo 14 do Evangelho
de João, nossa aparição maciça visa fazer o homem compreender que a matéria não
passa de ilusão dos sentidos, pois até mesmo quando já não estamos no corpo
físico podemos nos materializar. Entretanto, quem vive para a matéria não
consegue espiritualizar-se.
—
E se a pessoa optar por viver para a matéria, por considerar muito vaga a ideia
de se viver para o espírito?
—
Não tem ela o livre-arbítrio, Joteli? A criança, também, gostaria de ser sempre
infantil, mas, como diz Paulo de Tarso, depois que ela se torna adulta, não
mais quer saber das coisas pueris (I Coríntios, 13:11).
—
Sem ter a petulância de estar ensinando algo a Machado, pois o objetivo de sua
pergunta é esclarecer o leitor destas linhas, creio que a finalidade da
influência dos espíritos em nossas vidas, ação que pode ocorrer até mesmo pelos
sonhos, é guiar os nossos pensamentos e atos. Pelo menos é o que entendi quando
li a questão 459 d’O livro dos espíritos.
—
É isso mesmo, Joteli. Tua interpretação está correta, porém é preciso não
esquecer que as influências do influenciador dependerão sempre da assimilação
do influenciado. Tens um ditado que diz: “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem
és”. Na relação conosco, somos atraídos pelos que nos são simpáticos e
repelidos pelos que não nos têm afinidade espiritual.
—
É verdade, Kardec. Por outro lado, como a vida material poderia até mesmo
deixar de existir, pois a vida espiritual precede e sucede àquela, inteligente
é quem “aposta todas as suas fichas” na revelação espírita.
—
Quem estuda e pratica a Doutrina Espírita, Machado, não tem medo de aparições,
pois o Espiritismo é o Cristianismo redivivo sem fanatismo, sem sectarismo, sem
fé cega... Como eu disse n’O evangelho
segundo o espiritismo, sua máxima é: “Fora da caridade, não há salvação!”
—
Obrigado, Kardec. Até breve, amigos!
[1] KARDEC,
A. Revista espírita, dez. 1858. 5.
ed. Trad. Evandro Noleto Bezerra.
Brasília: FEB, 2014, p. 472.
[2]
Id., p. 473.