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quarta-feira, 29 de março de 2017

EM DIA COM O MACHADO 256 (jlo)

Estudioso das Escrituras Sagradas, que sempre fui, refletia na frase paulina, sem entendê-la plenamente: “Semeia-se corpo animal, ressuscita-se corpo espiritual. Se há corpo animal, há também corpo espiritual” (I Cor., 15:44). Então, ao iniciar-me na Vida Espiritual, após transpor as águas do rio Lete e escapar do Hades, com o auxílio de Caronte, pude melhor entender o que Paulo quis dizer: todos nós, quando encarnados, possuímos o corpo físico ou animal, o corpo perispiritual, “semimaterial”, ao qual ele chama espiritual, e a alma que, ao desencarnar, é chamada espírito.
Agora, sim, alcançados os Campos Elísios, tudo ficou claro como as águas de cristal. Ainda assim, resolvi agendar uma entrevista com um espírito superior para clarear esse assunto. Qual não foi minha surpresa quando o próprio Allan Kardec surgiu à minha frente para responder minhas perguntas.
Após os efusivos cumprimentos iniciais, iniciei a entrevista com a seguinte questão:
— Quem te revelou a existência do corpo espiritual, a que chamaste perispírito?
— Meu caro Machado, foram os próprios espíritos que me deram essa informação, e o neologismo perispírito foi “adotado” por eles[1].
— Então diz-me uma coisa, para que meu curioso leitor seja mais bem esclarecido sobre suas dúvidas quase infinitas, essa forma a que chamas perispírito pode ser vista por uma pessoa encarnada?
— Somente quando o Espírito deseja que isso ocorra. Nesse caso, ele como que condensa seu perispírito, “por uma disposição molecular” apropriada a seu objetivo. Todavia, “essa propriedade ele a pode estender, restringir e fazer cessar à vontade” (id).
Nisso, Joteli, que não perde a ocasião de dar seu pitaco na conversa alheia, interveio.
— Agora entendi perfeitamente o significado da frase dita por Chico Xavier: “O telefone toca de lá para cá”...
— Isso mesmo, Joteli, só nos manifestamos quando, onde e a quem queremos... Concluí.
— Ou a quem podemos, meu caro Bruxo.
— É verdade, Kardec. Explica, então, a Joteli e demais nove ou dez leitores desta crônica qual a forma que o espírito pode tomar, ao se manifestar a alguém capacitado a vê-lo.
— Então, não é a forma humana, em geral, a da última encarnação?
— Amigo obtuso, nunca leste que “o espírito sopra onde quer”? Passo a palavra ao Codificador para, melhor que eu, esclarecer tua dúvida, Joteli.
— Sim, meus caros, a forma normal do perispírito é a humana. Entretanto, o espírito pode dar ao seu corpo espiritual a aparência que desejar.
— Mesmo a de um animal?
— Sim, Joteli, mesmo a de um animal ou a de uma simples chama[2].
— Se aparecesses para mim, agora, que forma terias, Kardec? Perguntou-lhe Joteli.
— A forma de minha última encarnação como Allan Kardec. Naturalmente!
— Machado, aproveito os esclarecimentos do Codificador para contar ao nosso amável leitor um singelo caso que presenciei no tempo de minha juventude. Tendo conhecido os pais de uma menina de seus nove ou dez anos, superdotada, fiz-lhes algumas visitas, e sua mãe relatou-me, no primeiro encontro, que seu marido tinha visões e, por vezes, ficava louco.
Na segunda visita, encomendei ao esposo da informante, que não me pareceu nada aloprado, uma pequena mesinha de madeira, haja vista ser ele marceneiro.
Ao retornar ao lar do casal, cuja marcenaria ficava nos fundos da casa, o dia já escurecera, e sua esposa estava sentada em frente à porta que dava para a rua. Sentei-me a seu lado e ela, apavorada, disse-me que estava vendo muitos policiais em cima dos postes de luz, no telhado da casa, por toda a parte. A “doida” era ela, e não o marido que, dias depois, me entregou o móvel...
O casal conheceu o centro espírita que eu frequentava e lhes indicara. Ali, a senhora tratou-se espiritual e fisicamente. Desse modo, perdeu o medo dos espíritos, pois, como dizes, Kardec, os espíritos nunca nos aparecem sem um propósito e, qualquer que seja a forma que tomem, não nos podem fazer mal algum, se estivermos sob a proteção Divina.
— Joteli, para que nosso leitor fique bem informado, faço ao Codificador a seguinte pergunta: qual a finalidade da manifestação dos espíritos aos que ainda estão na matéria?
— Machado, além de cumprir a promessa de Jesus, contida no capítulo 14 do Evangelho de João, nossa aparição maciça visa fazer o homem compreender que a matéria não passa de ilusão dos sentidos, pois até mesmo quando já não estamos no corpo físico podemos nos materializar. Entretanto, quem vive para a matéria não consegue espiritualizar-se.
— E se a pessoa optar por viver para a matéria, por considerar muito vaga a ideia de se viver para o espírito?
— Não tem ela o livre-arbítrio, Joteli? A criança, também, gostaria de ser sempre infantil, mas, como diz Paulo de Tarso, depois que ela se torna adulta, não mais quer saber das coisas pueris (I Coríntios, 13:11).
— Sem ter a petulância de estar ensinando algo a Machado, pois o objetivo de sua pergunta é esclarecer o leitor destas linhas, creio que a finalidade da influência dos espíritos em nossas vidas, ação que pode ocorrer até mesmo pelos sonhos, é guiar os nossos pensamentos e atos. Pelo menos é o que entendi quando li a questão 459 d’O livro dos espíritos.
— É isso mesmo, Joteli. Tua interpretação está correta, porém é preciso não esquecer que as influências do influenciador dependerão sempre da assimilação do influenciado. Tens um ditado que diz: “Diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és”. Na relação conosco, somos atraídos pelos que nos são simpáticos e repelidos pelos que não nos têm afinidade espiritual.
— É verdade, Kardec. Por outro lado, como a vida material poderia até mesmo deixar de existir, pois a vida espiritual precede e sucede àquela, inteligente é quem “aposta todas as suas fichas” na revelação espírita.
— Quem estuda e pratica a Doutrina Espírita, Machado, não tem medo de aparições, pois o Espiritismo é o Cristianismo redivivo sem fanatismo, sem sectarismo, sem fé cega... Como eu disse n’O evangelho segundo o espiritismo, sua máxima é: “Fora da caridade, não há salvação!”
— Obrigado, Kardec. Até breve, amigos!




[1] KARDEC, A. Revista espírita, dez. 1858. 5. ed.  Trad. Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2014, p. 472.
[2] Id., p. 473.















quinta-feira, 23 de março de 2017


Em dia com o machado 255 (jlo)


— É... Joteli, foi ali que Victor Hugo realizou suas inúmeras experiências...
— Ali onde e que experiências, amigo?
— Na ilha de Jersey, para onde foi desterrado em 5 de agosto de 1852 por Napoléon le Petit, como ousara chamar o Imperador francês, Napoleão III.
Quanto às experiências, trata-se de sessões mediúnicas com base nas respostas de uma “mesa falante”, que em sua época respondia por pancadas às perguntas feitas a uma entidade invisível. Esse ser, que dizia ser o espírito de alguém falecido, satisfazia à curiosidade de todas as pessoas com respostas inteligentes às questões a ele propostas.
            Victor Hugo estudou obras de Pitágoras, de Swedenborg e da Cabala, que, antes mesmo de Allan Kardec publicar as obras espíritas, demonstravam sua crença em seus pontos básicos, como a sobrevivência do espírito à morte do corpo físico, sua manifestação a nós, a elevação gradual do espírito e mesmo suas “migrações sucessivas”...
            Uma de suas frases, publicada no Journal de l’Exil de agosto de 1852, que parece ter sido parafraseada por Léon Denis, na obra O problema do ser, do destino e da dor, é a seguinte: “A vida mineral passa à vida orgânica vegetal; a vida vegetal torna-se vida animal, cujo espécime mais elevado é o macaco. Acima do macaco, começa a vida intelectual, escala invisível e infinita pela qual cada espírito se eleva na eternidade, tendo Deus por coroamento”.[i]
            Anos depois, residindo em Marine-Terrace, Hugo comunicou-se com o espírito chamado Dama Branca, que desenhou seu retrato com um lápis adaptado a uma mesinha. Dias após, indo a um enterro, o grande poeta francês, ao curvar-se sobre a cova do falecido, viu a forma do desenho da Dama Branca, suavemente luminosa, deitada na cova ainda vazia.
— E ele... não tinha medo?
— Até que tinha, mas, com o tempo, foi acostumando-se... O fato é que Victor Hugo foi secretário de várias manifestações mediúnicas, reunindo em três cadernos suas anotações provenientes das perguntas e respostas dadas pelos espíritos...
            Nessas reuniões, foram anunciadas as visitas das mais variadas personalidades desencarnadas que, ora estavam presentes, ora não... Ainda darei notícias delas aos nossos leitores ávidos das novidades do Além.
— E o que mais disse o genial poeta, Bruxo do Cosme Velho?
— Dentre outras frases estupendas, separei esta:

Há meio século que escrevo meu pensamento em prosa e em verso: história, filosofia, dramas, romances, lendas, sátiras, odes, canções etc.; tudo tenho tentado, mas sinto que não disse a milésima parte do que está em mim. Quando me curvar para o túmulo, não direi como tantos outros: terminei minha jornada. Não, a sepultura não é um beco sem saída, é uma avenida; ela se fecha no crepúsculo, ela se reabre na aurora (Victor Hugo).[ii]

Carácoles, Machado! genial, poesia pura. Só mesmo Victor Hugo e você para escreverem algo tão profundo e belo.
— Sou mais irônico e frio prosador do que poeta; Hugo é mais poesia em prosa e em verso do que ironia. Ambos, porém, refletimos sobre a ignorância e as incoerências humanas...
A bientôt, mon ami!
— Au revoir, ami; merci.





[i] WANTUIL, Zêus. As mesas girantes e o espiritismo. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978, p. 156.
[ii] Id., p. 158.

quarta-feira, 15 de março de 2017



REIS E TRANCREDO
                 - jlo -


Eu tinha dívidas perante as leis
Que quitaria pela delação,
Por isso, enlameei, pela traição,
Meu próprio nome: Silvério dos Reis.

Por consumar um desrespeito às leis
E acatar a  minha delação
O imperialismo de um país irmão
Extrapolou o são poder dos reis...

Assassinar, em julgamento vil,
É uma afronta contra faltas leves...
De quem só via o bem para o Brasil.

Na Lei Divina não se perde um til
E, no porvir, nosso Tancredo Neves,
Morre também em vinte e um de abril.

segunda-feira, 13 de março de 2017



Em dia com o Machado 254 (jlo)

Dia destes, conversando com meu mestre Machado, que agora se recusa tratar-me como seu secretário, e sim como amigo, ouvi dele a explicação de que, muitas vezes, foi considerado injustamente, pela crítica, como absenteísta. Repeli veementemente aquela imerecida consideração, mas tal foi sua insistência que, muito constrangido, disse-lhe o seguinte:
— Machado, sinto-me ainda anos-luz de tão relevante distinção... Segundo o Espírito Emmanuel, precisamos de duas asas para irmos a Deus:

Uma chama-se amor; a outra, sabedoria. Pelo amor, que, acima de tudo, é serviço ao semelhante, a criatura se ilumina e aformoseia por dentro, emitindo em favor dos outros o reflexo de suas virtudes; e pela sabedoria, que começa na aquisição do conhecimento, recolhe a influência dos vanguardeiros do progresso, que lhes comunicam os reflexos da própria grandeza, impelindo-a ao Alto (XAVIER, 2016, cap. 4).

Em resposta, ouvi do Bruxo a seguinte reflexão:
— Podemos também simbolizar modernamente,  no avião, o corpo e, no Espírito, o piloto. Essa “ave metálica”, assim como necessita das asas do amor e da sabedoria, também requer o motor da vontade e o combustível da humildade para elevar-se acima dos píncaros. Continue simples, e jamais me afastarei de você.
— É verdade, concluí. Vontade e humildade impulsionam o amor e a sabedoria. Somente assim, o Espírito terá forças suficientes para superar a horizontalidade da matéria pela verticalidade do anjo, quando então estará em condição de “ver Deus”. Mas, responda-me agora: onde podemos identificar, em sua obra, provas incontestes do seu empenho em favor da causa abolicionista?
— Cito apenas dois exemplos: em meus trabalhos nos Ministérios sempre que esteve em pauta o direito de qualquer negro e sua família, manifestei-me favoravelmente a estes; e, dias após a chamada Lei Áurea, ironizei em crônica a hipocrisia do homem branco em relação ao negro alforriado. Releia minha crônica de 19 de maio de 1988, publicada no jornal Gazeta de Notícias. É, principalmente, nas minhas crônicas que você encontrará a “fina ironia” deste neto de escravos sobre o tratamento desumano e humilhante sofrido por minha etnia no Brasil.
 — E na política, onde você se fez presente?
— Não somente nos romances, como em diversas crônicas e em alguns  contos... Leia, amigo, leia muito! Afinal, para que lhe servem mil obras em suas estantes?
Antes de despedir-se com um afetuoso piparote em minha orelha esquerda, arrematou:
— O amor precisa transcender o apelo das paixões e fraquezas materiais; a sabedoria precisa exercitar a caridade sob o impulso do motor da vontade; mas o sublime combustível que nos permitirá a subida é a humildade, sem a qual podemos despencar das alturas.
Agradeci-lhe as sábias palavras e prometi-lhe meu esforço em continuar sendo-lhe fiel servidor.
Ao afastar-se, ele sorriu-me, generoso como sempre, e lembrou-me, ainda, estes versos do poeta Cruz e Sousa: “[...] as almas irmãs, almas perfeitas,/ Hão de trocar, nas Regiões eleitas,/ Largos profundos, imortais abraços!”
E eu ali estupefato e mudo:
Ainda plano longe desses laços!
Perto das estrelas. Longe de tudo!

Referências

XAVIER, Francisco Cândido. Pensamento e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016, cap. 4, p. 19.
SOUZA, Cruz e. Poema intitulado Longe de tudo.


Obs.: as referências a Machado de Assis, em todas as nossas crônicas, são puramente fictícias, salvo quando se tratam de fatos notórios.

terça-feira, 7 de março de 2017

Em dia com o Machado 253 (jlo)

— Queres saber de uma coisa, Machado? Teu mais belo poema foi, indubitavelmente, o soneto intitulado A Carolina. Nele, toda a expressão do amor que um ser sente por outro está sintetizada.
— Concordo contigo, meu caro Joteli. Por que não expressares, igualmente, teu sentimento, em versos, à tua amada? Já li tuas diversas homenagens em prosa a ela, e também não te digo que jamais a tenhas enaltecido na poesia, mas ainda te falta escrever sobre algo que sintetize todo o teu amor a ela, desde que a viste pela primeira vez.
— Tudo bem, Bruxo amigo, vou atender-te com meu relato lírico, não sobre o encontro com minha amada, mas sobre

O reencontro com ela

Meu amor, nunca me esqueci do dia
Em que te vi pela primeira vez...
Vieste acompanhada e então sorrias,
Ao avistar-me ali, sem altivez.

Senti que há muito já te conhecia
E precisava agir com sensatez,
Mas não pude furtar-me à alegria
De contemplar-te a linda candidez.

Dissimulaste bem teu sentimento,
Mas tua imagem, como fonte viva,
Jorrava sempre no meu pensamento.

Uma atração mais forte que a do vento
Nos enlaçou depois por toda a vida.
Nosso reencontro foi naquele centro...

— Muito bem, Joteli, estás ficando bom nisso, mas, como eu, tua melhor praia é a prosa.
— Mas... e aqueles meus poemas premiados?
— Quanta modéstia! Também escrevi, na juventude, uma dúzia de poemas exaltados pela crítica, mas jamais alcancei o brilho de um Cruz e Sousa, no Simbolismo, de um Olavo Bilac, no Parnasianismo, ou de um Carlos Drummond de Andrade, no Modernismo.
Mete um poeminha, de vez em quando, em teu texto prosaico, mas não troques este por aquele. Vai por mim, amigo; vai por mim que não te arrependerás.
— Obrigado, Machado, mas não tenho a pretensão de agradar a todo o mundo. Desse modo, pago-te a sugestão com um piparote.



  Quando o texto é escorreito (Irmão Jó)   Atento à escrita correta É o olho do revisor, Mas pôr tudo em linha certa É com o diagramador.   ...