Em
dia com o Machado 288 (jÓ)
Amigo Joteli, vou contar-lhe uma história,
muito repetida por tolos, que não gostam ou não tiveram oportunidade de
estudar, quando encontram outro tolo um pouco mais letrado que eles, como você,
por exemplo. Ei-la:
Havia um barqueiro que atravessava
as pessoas de uma margem a outra de rio muito largo e fundo, o qual, certo dia,
transportava um advogado metido a sabido.
Em determinado momento, o rábula
perguntou-lhe:
— Amigo, você sabe ler e escrever?
— Não,
dotô, sou anarfabeto.
Respondeu-lhe o barqueiro.
— Que pena! você perdeu metade da sua vida.
Nisso,
uma onda mais forte virou o barco, e o barqueiro perguntou ao advogado:
— Dotô,
o sinhô sabe nadar?
Desesperado, pouco antes de se
afogar, o advogado respondeu-lhe:
— Não... glub, glub, glub...
— Qui pena,
dotô, o sinhô perdeu a vida intera.
E deixou-o morrer...
Com todo o respeito às pessoas
simples que, muitas vezes, arremetem essa história contra os que têm algum
conhecimento, tal aleivosia demonstra, principalmente, impiedade e sadismo. Por
si só, essa história não justifica a afirmativa de que “não há saberes
melhores, mas, sim, diferentes”. Ora, se por algum motivo o advogado não
aprendera nadar, o dever do barqueiro era esforçar-se para não o deixar morrer
afogado. Sua omissão foi criminosa!
Nesse momento, o amigo leitor pode
apoiar a conduta do barqueiro por este ter sido humilhado etc. Mas a questão
aqui é outra: inda que o advogado quisesse menosprezar o barqueiro, se este
houvesse manifestado desejo de aprender a ler e escrever, aquele teria plenas
condições intelectuais para socorrê-lo em sua ignorância; entretanto, à vítima
não foi dada oportunidade de salvação no momento de seu naufrágio.
Pior que humilhação, isso é
crueldade, vingança torpe contra a classe intelectual da sociedade, pelo
tratamento econômico e elitista discrepantes que há entre os operários e os
doutos. Mas pode ser também que o remador tenha optado por continuar sua vida
simples, mas cômoda, e nunca haja manifestado interesse em aprender a ler e
escrever.
— Amigo Machado, o que me causa
indignação, como cidadão brasileiro, é observar a absurda diferença entre os
rendimentos do humilde barqueiro e os do orgulhoso advogado. Nesse sentido,
nossa Carta Magna também morreu
afogada pelos legisladores.
Nela, prevê-se uma série de direitos
ao cidadão que na vida prática não vêm sendo contemplados. Há imensa
disparidade entre o que ganham uns em relação à maioria dos servidores públicos
e particulares de profissões consideradas desprezíveis no Brasil.
— Perfeitamente, Joteli. Na próxima
semana, contarei outra história mal contada, nas rodas populares, que nos
demonstra a hipocrisia de algumas pessoas que se fazem de palmatória do mundo,
mas não veem o próprio umbigo.
— É verdade, Bruxo. Deles, já dizia
Jesus: “Veem um cisco no olho do vizinho, mas não retiram a trave dos seus
olhos”.