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terça-feira, 10 de abril de 2012

Resumo de A MÍDIA LITERATURA (GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos sentidos. Tradução de Lawrence Flores Pereira. São Paulo: Ed. 34, 1988.

Jorge Leite de Oliveira

Gumbrecht considera real a posição da literatura como mídia. Acredita que a palavra “literatura”, atualmente, quase não mais pode ser utilizada para classificar alguma obra. O que os americanos utilizam na classificação atual são as palavras ficção e não ficção, correspondentes, em alemão, a belas letras e literatura especializada. Isso nos traz conceitos vagos de literatura. O leitor não espera ser convencido de qualquer coisa por um escritor literário, não há um objeto de referência comum entre autores e leitores. Autor e leitor não têm interesses recíprocos. Não há motivo obrigatório ou importante para tal, apenas o que se pode chamar de “pacto de magnanimidade”. Não importa se o que é narrado é real, pois a “ficcionalidade” é o componente central da literatura. Por fim, um componente que deve estar presente na literatura é o que o autor chama de “mais valia”, ou seja, “o gosto especialmente cultivado”. O conceito do autor sobre “mídia literatura” é que ela é interrompida no fim da Idade Media. A cultura medieval parecia ainda não ter desenvolvido o conceito e a modalidade da ficção, não havendo, segundo Hans Gumbrecht, um terceiro termo pra diferenciação entre verdade e mentira. A palavra “expressão” desenvolveu-se nos Séc. XV e XVI e a interpretação torna-se necessidade básica para se descobrir o que o autor sente ou pensa. Com o advento da imprensa, não somente houve uma separação entre o “corpo” do autor e o texto. Também “durante os dois primeiros séculos da história do livro impresso”, resgatou-se a idéia presente na Antigüidade Clássica de que os textos são “reflexos do mundo”. A poética de Aristóteles como imitação da realidade volta ao centro das atenções. A cultura cortesã da Idade Média era “parte de uma forma de vida e, consequentemente, de um mundo social. Os leitores modernos esperam que os textos se defrontem com o mundo e o reflitam, e somente então passa a ter relevância que os autores se refiram ao mundo, como instituição básica para a ficção. Dom Quixote seria uma paródia do leitor ingênuo que se identificava com os livros impressos contendo um mundo inacessível a ele. Mas é somente a partir do início da era moderna que a “mídia literatura” nos proporciona a identificação do leitor com o autor, sua intenção, leitura, reflexo do mundo e ficção. É então que se torna mais preciso o conceito de “mais valia”: os textos devem possuir um critério vago de “utilidade” (a literatura deve agradar os leitores e ser útil, instrutiva). Surge a “comunicação compacta”. No lugar de poemas recitados pessoalmente para a amante, surge o livro impresso sobre “Poemas para amantes”. No lugar de roda de amigos narrando seus textos literários, a moderna mídia literatura ensina seus leitores a imaginar, além das significações do texto a presença do uso dele. A mídia “literatura” teve seu ponto alto no Iluminismo do Séc. XVIII, quando se trabalhou intensamente as significações e sua validade enquanto representação do mundo.
“Por algumas décadas, o conceito de literatura, na verdade, desdobrou-se para englobar a gama de todos os textos e gêneros de textos, dos quais os leitores — seja em que modalidade específica for — podiam esperar a mais-valia de uma ampliação e complexificação de seu saber sobre o mundo.” O Iluminismo rompeu com o culto às tradições institucionais. Surgiu como proposta de mudança e de inovação. Mas o Iluminismo também não enxergava sua posição relativa, pois geralmente se apresentava como correspondente a uma natureza “cósmica” ou “puramente humana” e seus autores se julgavam acima da humanidade (autólatras). Seu distanciamento social era tido como garantia da objetividade do seu saber. A ficção se confunde com a realidade, nessa fase do conhecimento. Elimina-se a diferença entre o falso e o verdadeiro. A literatura do Séc. XVIII era “totalmente alegórica”, ou seja, dependia de uma distinção entre o que o autor queria dizer e os processos e formas literários que utilizava na construção de suas obras. “A ‘presença a distância’ característica da mídia ‘literatura, isto é, a proximidade constitutiva entre autores e leitores concretizou-se, durante o Iluminismo, sobretudo na hipótese global de que os autores (...) colocavam à disposição um saber (...)” que se opunha “às ameaças de censura e repressão”. Surge a expressão de um “saber novo e depurado de todos os preconceitos”. Surge também o romance epistolar, que conquistou o público, “ao oferecer aos leitores acesso aos sentimentos mais subjetivos e excêntricos dos protagonistas que trocavam correspondência”. Quanto mais um leitor correspondente de cartas se afastasse dos oportunismos sociais, mais desenvolvida seria sua capacidade de autorreflexão e “a heroína teria moralmente razão perante a sociedade”. Surge a necessidade da interpretação do romance epistolar do Iluminismo, “expressão” incompleta de uma interioridade “profunda” a que os textos não correspondem totalmente. Entretanto, as cartas das heroínas autorreflexivas, manipulativas e egocêntricas, pós publicação dos livros, fugiam ao controle de seus autores ficcionais e reais. É demonstrada a incompatibilidade entre a subjetividade e a reivindicação de objetividade, sobretudo por Hegel, que decreta o “fim do período da arte” na produção artística romântica cada vez mais subjetiva. No séc. XIX, a excentricidade objetiva do sujeito, isenta de preconceitos, buscada pela literatura do séc. XVIII, parecia “excêntrica demais”. O que se buscava, então, na literatura chamada realista, era superar a crise de representação. A recepção literária, no séc. XIX, não voltada para um objetivo, tornou-se “carente de função”, embora não de falta factual de função social. A mais-valia da literatura era algo específico, não “calculada em termos de funções relevantes para o cotidiano. Esta mais-valia foi amiúde associada à contribuição dos textos literários para a formação de uma imagem normativa da vida social e individual, visão quase religiosa, com papel fundamental na decisão política da educação em diversas nações europeias visando financiar uma disciplina acadêmica voltada à literatura.

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