ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – 10
Cruz e Sousa era um autêntico nefelibata, mas
nefelibata sublime, daqueles que estão acima das nuvens, além do céu visível,
para lá do infinito. Este soneto expressa bem seu anseio de imortalidade:
Triunfo
supremo
- Quem anda pelas lágrimas perdido,
- Sonâmbulo dos trágicos flagelos,
- É quem deixou para sempre esquecido
- O mundo e os fúteis ouropéis mais belos!
- É quem ficou do mundo redimido,
- Expurgado dos vícios mais singelos
- E disse a tudo o adeus indefinido
- E desprendeu-se dos carnais anelos!
- É quem entrou por todas as batalhas
- As mãos e os pés e o flanco ensanguentando,
- Amortalhado em todas as mortalhas.
- Quem florestas e mares foi rasgando
- E entre raios, pedradas e metralhas,
- Ficou gemendo, mas ficou sonhando!
Walter M. Barbosa, no artigo
intitulado Aspectos Metafísicos no Simbolismo de Cruz e Sousa, compara a poesia
deste à de Antero de Quental e Augusto dos Anjos, no que se refere ao destaque
elevado da angústia metafísica presente nos sonetos desses três grandes poetas.
Mas se Quental não conseguiu conciliar sua alma religiosa com o negativismo
filosófico, e Anjos via, na filosofia de Haeckel, o alimento vital fecundante
do espírito, Sousa ascendeu do "efêmero para o eterno", conclui
Barbosa (1979, p. 354). Para nós, Cruz e Sousa identificou-se tanto com a filosofia
socrática e platônica quanto com a do Espiritismo, ainda que, no último caso, inconscientemente.
Em nota de rodapé, na obra Cruz
e Sousa: poesia, Tasso da Silveira (1982, p. 90) refere-se aos dois últimos
versos deste soneto como sintetizadores do destino do poeta na expressão de "[...]
sua total dignidade de sentimento e de espírito". Por isso, foram "recortados
em bronze" e inseridos "[...] como legenda no monumento funerário erguido
à memória do poeta no Cemitério de S. Francisco Xavier [...]" no Rio de
Janeiro.
E
que diríamos, se na prática da alteridade, como nos propõe Mikhail Bakhtin, nos
víssemos, como o poeta, em corpo espiritual semelhante ao que deixamos sob a
terra? Se percebêssemos, como nos ensina Platão, que o mundo das ideias é real
e que nossa alma, liberta do casulo carnal, o conserva, ao adentrar em um plano
de existência maravilhoso, como o idealizado pelos santos? Com certeza, nos
incentivaríamos, como Cruz e Sousa, a expressar nossa gratidão ao Ser Supremo
por nos confirmar tudo o que, enquanto no corpo, sonhamos ser verdadeiro. É o
que o poeta faz neste poema psicografado por Chico Xavier:
Página de
louvor
Glória
aos heróis da crença soberana
Em cujo amor
a terra se redime,
Portadores
da fé pura e sublime
De que a
luz evangélica se ufana!
Glória à
dilacerada caravana
Que
combate a impiedade, a sombra e o crime,
Embora o
mundo que a persegue e oprime
Sob as
pedradas de miséria humana!
Louvor
eterno aos grandes infelizes
Que se
cobrem de estranhas cicatrizes
Sem
abrigo de paz que os reconforte!
São
vanguardeiros a que o Céu se ajusta
Resplandecendo
de beleza augusta,
Na
passagem divina, além da morte...
Diz-nos Jorge de Souza que:
"Cruz e Souza [...] retorna do Além pela psicografia para ensinar-nos as
verdades capazes de explicar e, sobretudo, de possibilitar-nos uma autêntica
postura cristã diante dos verdadeiros desgraçados das tragédias humanas"
(SOUZA, 2004, p. 53). Em seguida, completa ensinando que desgraçado, mesmo, é
quem pratica crimes e semeia o mal. Esses colherão os frutos do que, por ora,
estão plantando. Os grandes missionários, porém, escolhem uma existência de
lutas, de perseguições, "pedradas" para nos exemplificar a renúncia,
exercitar o perdão e o amor, qualidades que nos farão felizes antes mesmo de retornarmos
ao mundo espiritual, onde se situa nossa pátria verdadeira.
Referências
BARBOSA, Walter M. Aspectos Metafísicos no Simbolismo de Cruz e
Sousa. In: COUTINHO, Afrânio. Cruz e Sousa. Coletânea organizada
por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL,
1979 (Coleção Fortuna crítica, v. 4).
GERALDO, José. Cem anos com Cruz e Sousa. 2. ed. Brasília: CEUB:
LGE Editora, 1998, p. 115.
SOUSA, Cruz e. Cruz e Sousa: poesia. Por Tasso da Silveira. 6.
ed. Rio de Janeiro: Agir (Nossos clássicos; 4), 1982.
SOUSA, Cruz e. (Espírito). In: ESPÍRITOS Diversos. Relicário de luz.
Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 7. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014,
p. 98.
SOUZA, Jorge de. Quem é o autor? Bragança Paulista, SP: Lachâtre,
2004.