Páginas

sábado, 31 de agosto de 2019





5.6 O suicídio e a loucura

A calma e a resignação adquiridas na maneira de considerar a vida terrestre e a fé no futuro dão ao Espírito uma serenidade que é o melhor preservativo  contra a loucura e o suicídio. Com efeito, a maior parte dos casos de loucura são provocados pelas vicissitudes que o homem não tem forças de suportar. Se, portanto, pelo modo com  que o Espiritismo o faz encarar as coisas deste mundo, ele recebe com indiferença, até mesmo com alegria, os revezes e as decepções que em outras circunstâncias o teriam desesperado, é evidente que essa força, que o eleva acima dos acontecimentos, preserva a sua razão dos abalos que, sem isso, o perturbariam.

O mesmo se dá com o suicídio. Se excetuarmos os que se verificam por força da embriaguez e da loucura, e que se podem chamar de inconscientes, é certo que, sejam quais forem os motivos particulares apontados, a causa é sempre um descontentamento. Ora, aquele que está certo de ser infeliz apenas um dia, e de que serão melhores os dias seguintes, facilmente adquire paciência. Ele só se desespera quando não vê um fim aos seus sofrimentos. 
Que é a vida humana, em relação à eternidade, senão bem menos que um dia? Mas aquele que não crê na eternidade e acredita que  tudo acabará com a vida deixa abater-se pelo desgosto e o infortúnio, então só vê na morte o fim das suas amarguras. Nada esperando, acha muito natural, muito lógico mesmo, abreviar as suas misérias pelo suicídio.
A incredulidade, a simples dúvida quanto ao futuro, as ideias materialistas, numa palavra, são os maiores incitantes ao suicídio: elas produzem a covardia moral. Quando, pois, se vêm homens de ciência, apoiando-se na autoridade do seu saber, esforçando-se para provar aos seus ouvintes ou aos seus leitores que eles nada têm a esperar depois da morte, não  estão tentando convencê-los de que, se são infelizes, o melhor que podem fazer é matar-se? Que lhes poderiam dizer para desviá-los? Que compensação poderão oferecer-lhes? Que esperanças lhes podem dar? Nenhuma outra coisa além do nada! De onde se pode concluir que, se o nada é o único remédio heroico, a única perspectiva possível, mais vale cair logo nele, e não mais tarde, para sofrer por menos tempo.
A propagação das ideias materialistas é, portanto, o veneno que inocula em muitos a ideia do suicídio, e os que se fazem seus defensores assumem terrível responsabilidade. Com o Espiritismo, a dúvida não sendo mais permitida, modifica-se a visão da vida. O crente sabe que a vida se prolonga indefinidamente para além do túmulo, mas em muito diferentes condições. Daí a paciência e a resignação, que o afastam muito naturalmente da ideia do suicídio. Daí, numa palavra, a coragem moral.
O Espiritismo tem ainda, a esse respeito, outro resultado igualmente positivo, e talvez mais decisivo. Ele mostra-nos os próprios suicidas revelando a sua situação infeliz, e prova que ninguém pode violar impunemente a lei de Deus, que proíbe ao homem abreviar a sua vida. Entre os suicidas, estão aqueles cujo sofrimento, mesmo sendo temporário, em vez de eterno, nem por isso é menos terrível, e de natureza a fazer refletir quem quer que seja tentado a deixar este mundo antes da ordem de Deus.
O espírita tem, portanto, vários motivos para contrapor  à ideia do suicídio: a certeza de uma vida futura, na qual ele sabe que será tanto mais feliz quanto mais infeliz e mais resignado tiver sido na Terra; a convicção de que, abreviando sua vida, chega a um resultado inteiramente contrário ao que esperava; que se livra de um mal para cair noutro ainda pior, mais longo e mais terrível; que se engana ao pensar que, ao se matar, irá mais depressa para o céu; que o suicídio é um obstáculo à reunião, no outro mundo, com aqueles que foram objeto  de suas afeições e aos quais esperava encontrar. A consequência de tudo isso é  que o suicídio, só lhe oferecendo decepções, é contrário aos seus próprios interesses.
Desse modo, o número de suicídios que o Espiritismo impede é considerável, e podemos concluir que, quando todos forem espíritas, não haverá mais suicídios conscientes. Comparando-se os resultados da doutrina materialista e a espírita, sob o ponto de vista do suicídio, verificamos que a lógica materialista conduz a ele, enquanto a lógica espírita o evita, o que é confirmado pela experiência.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019




EM DIA COM O MACHADO 382:
coerência, virtude difícil – I (jó)
jojorgeleite@gmail.com

Agradeço muito a Deus sua tolerância, amor e proteção desde sempre. Sobretudo, por blindar-me contra as decepções provenientes das contradições existentes entre o que as pessoas falam e o que elas fazem. E nisso não sou exceção.
Desde bem jovem, sempre acreditei nos ensinamentos lógicos do Espiritismo. Lembro-me de que, aos seis anos de idade, ouvia meu pai, pessoa simples e iletrada, criada no interior mineiro, falar sobre a justiça da reencarnação e da bondade de Deus com uma sabedoria invejável.
E a conversa paterna, pasmem!... era, por vezes, com pastor evangélico nosso vizinho, que nunca o contestava. O mesmo amigo que, antes da desencarnação de papai, após longa doença deste, toda noite visitava-nos e por ele orava. Papai ouvia, humilde, a prece e lhe agradecia o apoio espiritual sem qualquer contrariedade. Isso é coerência.
O tempo passou, e passei a frequentar uma mocidade espírita no Rio de Janeiro. Ali comecei, ano após ano, a observar quanto estamos distantes de fazer o que recomendamos a outrem.
Por vezes, falava-se lá sobre a importância da união e necessidade de exercitarmos a fraternidade com outras pessoas e instituições coirmãs, pelo bem pessoal e de nossa amada Doutrina Espírita. Isso, porém, era desmentido pelas “disputas de território” entre aqueles mesmos diretores de nossa querida casa espírita e outra, vista como sua concorrente...
Noutras ocasiões, ouvi palestras de irmãos e irmãs profundamente engajados na divulgação espírita, mas que, tão logo se encerrava um evento religioso, passavam a criticar acremente os atos alheios, em conversas pessoais. E o que é pior, até mesmo em homenagem a irmãos que já haviam desencarnado e não tinham como se defender estes eram criticados...  
É a eterna luta pelo poder temporal que nos leva a disputar as atenções alheias e os cargos, vendo “um cisco no olho do próximo, mas tendo uma trave no nosso”. Isso nos foi lembrado por nosso irmão Julião na palestra que fez, no último domingo, na Federação Espírita Brasileira.
Aprendamos com o Cristo, irmãos e irmãs, a vigiar pensamentos, palavras e atos. Não os do próximo, mas os nossos...
Sejamos mansos e humildes de coração, como Jesus, e encontraremos repouso para nossas almas, cansadas de disputas vãs. Uma única causa deve mover-nos: a do amor ao próximo como a nós mesmos, sempre atentos à recomendação de nosso Mestre querido:  

Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas (Mateus, 22: 37- 40).


sábado, 24 de agosto de 2019


Continuamos nossa livre tradução, em terceira pessoa, d'O Evangelho Segundo o Espiritismo, em sua terceira edição francesa.


5.5 Motivos de resignação

Por estas palavras: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados”, Jesus indica, ao mesmo tempo, a compensação que espera os que sofrem e a resignação que os faz bendizer o sofrimento, como o prelúdio da cura.
Essas palavras podem, também, ser traduzidas assim: Considerem-se felizes por sofrer, porque suas dores neste mundo são as dívidas de suas faltas passadas, e essas dores, quando suportadas pacientemente na Terra, poupam-lhes séculos de sofrimento na vida futura.  Sintam-se felizes, por Deus ter reduzido a sua dívida, permitindo-lhes quitá-las no presente, o que lhes assegura a tranquilidade no futuro.
O homem que sofre é semelhante a um devedor de grande soma, a quem o credor diz: "Se me pagar hoje mesmo a centésima parte, darei quitação do resto e você ficará livre; se não, vou persegui-lo até que pague o último centavo". O devedor não se sentiria feliz por suportar todo tipo de privações, para se livrar da dívida pagando somente a centésima parte dela? Em vez de queixar-se do credor, não lhe agradeceria?
Tal é o sentido das palavras: "Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados". Eles são felizes porque pagam suas dívidas, e após o pagamento estarão livres. Mas se, ao procurar quitá-las de um lado, de outro se endividarem, jamais se libertarão. Ora, cada nova falta aumenta a dívida, pois não existe uma única falta, qualquer que seja, que não traga consigo a própria punição, necessária e inevitável. Se não for hoje, será amanhã; se não for nesta vida, será em outra. Entre essas faltas, devemos colocar em primeiro lugar a falta de submissão à vontade de Deus. Desse modo, se murmurarmos nas aflições, se não as aceitarmos com resignação, como alguma coisa que merecemos, se acusamos a Deus de ser injusto, contraímos nova dívida, que nos faz perder os benefícios do sofrimento. Eis porque precisamos recomeçar, absolutamente como se, a um credor que nos atormente, pagássemos uma quantia e a tomássemos de novo por empréstimo.
Em sua entrada no mundo dos Espíritos, o homem ainda está como o trabalhador que comparece no dia de pagamento. A uns, o Senhor dirá: "Eis o salário do seu dia de trabalho". A outros, aos felizes da Terra, aos que viveram na ociosidade, que puseram sua felicidade na satisfação do amor-próprio e dos prazeres mundanos, dirá: "Vocês nada têm a receber, porque já receberam seu salário na Terra. Voltem e recomecem sua tarefa".
O homem pode abrandar ou aumentar o amargor das suas provas, pela maneira de encarar a vida terrena. Tanto mais sofre, quanto mais longa considere a duração do sofrimento. Ora, aquele que se coloca no ponto de vista da vida espiritual abarca a vida corporal num golpe de vista. Ele a vê como um ponto do infinito, compreende a sua brevidade e reconhece que esse momento penoso passará bem depressa. A certeza de um futuro próximo  mais feliz o sustenta e encoraja e, em vez de se lamentar, agradece ao Céu as dores que o fazem avançar. Para aquele, ao contrário, que somente vê a vida corpórea, esta lhe parece interminável, e a dor cai sobre ele com todo o seu peso. O resultado daquela maneira de encarar a vida é diminuir a importância das coisas deste mundo, levando o homem a moderar seus desejos e a contentar-se com sua posição, sem invejar a dos outros, atenuando a dor moral dos revezes e das decepções que experimenta. Ele se torna possuído, assim, duma calma e duma resignação tão úteis à saúde do corpo como à da alma; enquanto com a inveja, o ciúme e a ambição, se entrega voluntariamente à tortura e aumenta as misérias e as angústias de sua curta existência.

terça-feira, 20 de agosto de 2019




EM DIA COM O MACHADO 381:
 ensino e democracia (jó)

— Quando eu era mais jovem... Isso significa que ainda sou jovem, apenas me refiro à época em que era menos velho, ou, melhor dizendo, quando tinha menos idade...
— Mas agora o senhor tem mais idade e, portanto, é idoso?
— De jeito nenhum! Jovialidade é cousa que não se mensura pelos anos dum gajo...
— Está vendo, galego? Até seu vocabulário é arcaico: “cousa” e não “coisa”; “mensura” e não “mede”; “pelos anos” e não “pela idade”; “ dum gajo” e não “de uma pessoa”. Será que o senhor ainda não percebeu que estamos no tempo em que não se admite machismo, nem mesmo na linguagem?
Esse diálogo hipotético, em Lisboa, entre mim e minha interlocutora portuguesa, demonstra que até mesmo as línguas mais conservadoras evoluem com o passar do tempo. No Brasil, principalmente, a transformação da língua evolui com a velocidade da internet. Precisei elaborar um artigo, baseado em comunicado de congresso literário do qual participei, em julho deste ano, e confesso que a praticidade com que moldei meu artigo, sobre o modelo a mim remetido, pós-congresso, por E-mail, permitiu-me, em poucas horas, fazer o que levaria, há quarenta anos, dias de trabalho.
Fico imaginando a possibilidade de um cidadão comum, do século XIX, de Machado de Assis, entrar numa máquina do futuro e, desejoso de participar duma atividade literária qualquer, ver-se, hoje, diante de um computador. Após abrir a tela, aparece-lhe, no site dessa máquina, diversas palavras: home page, login, upload... O cidadão brasileiro do passado nada entenderia sobre esses vocábulos, atualmente conhecidos por nossas crianças, que já nascem segurando um fone e passando seu dedinho sobre os vários links dessa maquininha, que substitui seus pais na função de educar. Estes, por sua vez, nessa hora, estão ocupados com algum chat da rede mundial de comunicação, onde quase tudo é postado, em especial fakes.
O homem, assustado, pediria: — Moço, traduz para mim essas palavras, por favor.
— Simples assim, amigo ultrapassado: home page é página inicial, login significa entrar e upload nada mais é que envio. É o que lhe diríamos.
            E o pobre, sentindo-se indisposto, proporia: — Não seria melhor falar tudo em português? Desse jeito, prefiro retroagir ao período que antecedeu meu tempo e correr pelas planícies ledas do século XIII, em busca de Dom Dinis, o rei poeta de Portugal. Sou mais o cancioneiro desse tempo feliz, que esse linguajar de máquina ultriz.
            E não duvido muito que não lhe faltariam boas companhias.
            Aqui no Distrito Federal, o secretário de educação foi dispensado por considerar antidemocrático obrigar uma escola da região administrativa de Samambaia a adotar o sistema militar de ensino.
Nada tenho contra os militares, mas, no meu tempo de professor de língua portuguesa para crianças e jovens, duma dessas escolas de Samambaia, presenciei coisas bastante democráticas. Uma delas foi, um dia, deparar-me, no trânsito, com uma viatura da polícia acionando sua sirene, quando me aproximava, de automóvel, da escola. Ao olhar, rapidamente, para aquele carro, em alta velocidade, ainda tive tempo de ver o braço armado de um policial fora da sua janela dianteira.
            Ao chegar à instituição, soube que um professor havia levado um tiro de aluno que se evadira após o crime. Isso foi há 25 anos. Depois, pedi demissão, mas as crianças da escola eram uns amores e tinham-me o maior respeito. É certo que, por vezes, eu quase quebrava minha régua de 50 cm na mesa, exigindo silêncio, o que pouco adiantava, mas elas me adoravam...
Nunca me esqueço do dia em que a diretora daquele núcleo escolar providenciou um tratamento para erradicação de piolhos que residiam nas cabeças de lindas meninas e meninos. Quase apanhou de algumas mães... Quanto amor...
De anos para cá, tenho visto na TV notícias de que diversas professoras vêm sendo surradas por seus alunos. Alguns mestres são hospitalizados em estado grave. Há casos de alunos que vão armados para as escolas. Não somente com facas, como até mesmo com revólveres. E tanto sobram balas para os colegas como para professores e diretoras.
Isso para mim, também, nunca foi novidade, pois quando lecionei na rede de ensino particular chamada Compacto, agora extinta,  certa noite, uma de minhas alunas exibiu uma pistola 45, que retirou de sua bolsa. Ao ser questionada sobre o uso do “cospe fogo”, respondeu que era para garantia de sua própria segurança. Ainda bem!
Então, caros leitores, concluo esta já longa crônica expressando minha estranheza pela demissão do secretário de educação de Brasília. Afinal, coitadas de nossas crianças e jovens. Ensino nos moldes militares para quê? Cadê a democracia?

sexta-feira, 16 de agosto de 2019






5.4 Esquecimento do passado

É em vão que se opõe o esquecimento como obstáculo ao aproveitamento da experiência das existências anteriores. Se Deus julgou conveniente esquecer o passado, é que isso deve ser útil. Com efeito, essa lembrança traria inconvenientes muito graves. Poderia, em certos casos, humilhar-nos excessivamente, ou então exaltar nosso orgulho, e por isso mesmo entravar nosso livre-arbítrio. Em todo caso, provocaria perturbação inevitável nas relações sociais.
O Espírito renasce frequentemente no mesmo meio em que viveu, e se encontra em relação com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes tenha feito. Se reconhecesse nelas aquelas que havia odiado, talvez o ódio a elas despertasse novamente. Em todo caso, ficaria humilhado diante daqueles que houvesse ofendido.
Deus, para nos melhorarmos, deu-nos justamente o que nos é necessário e nos basta: a voz da consciência e nossas tendências instintivas; porém, tira-nos o que nos poderia prejudicar.
O homem traz, ao nascer, aquilo que adquiriu. Nasce como se fez. Cada existência é para ele um novo ponto de partida. Pouco lhe importa saber o que foi: se está sendo punido, é porque fez o mal. Suas más tendências atuais indicam o que lhe resta corrigir em si mesmo, e é sobre isso que ele deve concentrar toda a sua atenção, pois daquilo que está completamente corrigido não lhe resta mais nenhum sinal. As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, que o adverte do que é bem e do que é mal e lhe dá a força de resistir às más tentações.
De resto, esse esquecimento só existe durante a vida corpórea. De volta à vida espiritual, o Espírito relembra o passado. Trata-se, portanto, apenas de uma interrupção momentânea, como aquela que ocorre na vida terrena, durante o sono, e que não nos impede de lembrar, no outro dia, o que fizemos na véspera e nos dias anteriores.
Do mesmo modo, não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança do seu passado. Pode dizer-se que nunca a perde, pois a experiência prova que, mesmo encarnado, durante o sono do corpo, ele goza de certa liberdade e tem consciência de seus atos anteriores. Sabe por que sofre, e que sofre justamente. A lembrança só se apaga durante a vida exterior de relação. Mas, na falta de uma lembrança exata, que lhe poderia ser penosa e prejudicial às suas relações sociais, ele adquire novas forças nesses instantes de emancipação da alma, se souber aproveitá-los.

terça-feira, 13 de agosto de 2019




EM DIA COM O MACHADO 380:
A PORTA ESTREITA (jó)

                Disse o Profeta que muitos seriam chamados; mas poucos, escolhidos, pois a porta da salvação é estreita e a da perdição é larga. Após um longo caminho que já vai para o cinquentenário de estudos espíritas, tenho refletido na sabedoria do Cristo. Talvez por isso, o Convertido de Damasco, Paulo de Tarso, depois de anos de longo esforço contra as más tendências que persistiam em sua alma tenha dito: “Miserável homem que eu sou, pois o bem que desejo é o que menos faço, e o mal que não desejo é o que mais pratico”.
            No final de sua missão, porém, o Convertido de Damasco afirmou: “Já não sou eu que vivo, mas é o Cristo que vive em mim”. Começamos agora essa jornada, mas temos a esperança de colher os frutos opimos de nossa semeadura um dia, ainda que esse dia esteja muito distante.
Não vou citar onde o leitor encontrará essas frases, porque as tenho de cor, mas basta consultar as Escrituras Sagradas para lê-las. Uma dica: escreva-as no site de busca do Google. Estou um pouco indisposto...
            No último sábado, estive na assembleia da Federação Espírita Brasileira para, como sócio, votar uma mudança no seu estatuto que propunha retirar dali a proposta de estudo de uma obra muito atacada no meio espírita. Já era consenso de todos a necessidade dessa modificação. Afinal, o documento foi redigido há décadas e a Instituição, que aprendi a amar desde a juventude, há muito não mais divulgava seu estudo, em vista do combate sistemático que vinha sofrendo de adeptos do Espiritismo contrários a ideias contidas na obra.
            Pois bem, retirado o trecho polêmico, com a aprovação de 58 dos 59 membros da casa presentes, isso não satisfez a uma doutora em pedagogia, incansável adversária da FEB, inconformada com a missão dessa casa. Agora, alega que foi mantido um artigo, no estatuto, que ela, como boa crítica, diz que deveria ser retirado, pois o Conselho Federativo da FEB (CFN) propõe às sociedades espíritas brasileiras pôr em prática seu conteúdo. Nossa irmã espírita (se é que ela admite essa denominação usada pelo próprio Kardec) atribui à própria FEB esse artigo, e praticamente exige sua retirada, pois, no seu entendimento acadêmico, a obra se refere ao causador da polêmica espírita e não é muito aceita no movimento espírita, por ser “mística demais”.
            Critica a Instituição por não comparecer aos debates de sua associação, cujo nome não vou declinar. Mas será que Jesus responderia a quem não o aceitava como nosso Mestre e Senhor? Com certeza, aconselharia novamente aos que lhe exprobassem o silêncio: “Não atireis as vossas pérolas aos porcos, nem deiteis as coisas santas aos cães”.
            Como disse o Espírito Alcíone, na obra Renúncia, psicografada por Chico Xavier e ditada pelo Espírito Emmanuel: “A mensagem do Cristo precisa ser conhecida, meditada, sentida e vivida” (cap. III da 2ª parte, pág. 269 da 36. ed. da FEB, 2017). E não será com ideologias materialistas das academias que alcançaremos isso.
Para respaldar ideias de “igualdade de gênero”, “aborto” e outras, que nada têm a ver com a proposta espírita, que nos afirma coisas muito mais profundas do que polêmicas superficiais, nossa irmã cita O Livro dos Espíritos. Entretanto, é nesse mesmo livro, na questão 625, que Jesus é citado como “modelo e guia da humanidade”. E sua mensagem sempre foi a favor da vida e não do crime.
            O próximo passo seria retirar o espírito religioso da FEB e do movimento espírita, que ela denomina “progressista”, com crítica à proibição do aborto e outras coisas mais, pois, no seu conceito, o Espiritismo de Kardec não pode ser tomado pelo “misticismo religioso”. Expliquei-lhe que Kardec, tão defendido por ela, não  classifica os espíritas, n’O Livro dos Médiuns, como “conservadores”, “progressistas” e outras “novidades” atuais, disseminadas por aqueles que mais prejudicam do que contribuem para a expansão do Consolador no mundo.
Ali, explica o Codificador que o verdadeiro espírita pode ser denominado de “espírita-cristão”. E outra frase citada por Kardec, que muitos dizem e ouvem, mas não praticam é a seguinte: “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XVII, item 4).
A FEB não responde a esses ataques de pessoas que pretendem inserir no Espiritismo as ideologias materialistas e teorias humanas despropositadas, mas nós, que nos esforçamos em ser um dia considerados “verdadeiros espíritas, não nos podemos calar. A porta pode até ser estreita, mas não a mente do estudioso espírita evangelizado que, sem a intenção de agredir o materialista travestido de espírita, percebe bem a diferença entre o Materialismo, de concepção humana, e o Espiritismo, de origem Divina.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019



Dia moderno dos pais

Ele partiu... com ele, uma certeza:
A vida continua. Vida velha... vida nova...
Fazemos parte de uma grande família
Que não começa no berço e não acaba na cova

Ele partiu, após deixar no mundo
Sua viúva e mais sete filhos.
Sofreu demais, mas o que se acabou
Foi apenas o corpo que ficou...

Dentro de um barracão de sete palmos
Ficaram seis filhos e a outra filha,
Ficou sua viúva de quarenta anos
Que já perdera uma filha.

Agora, sua cabeça era uma pilha,
Uma pilha nevrótica, carregada
De uma revolta que explodia
E negava Deus e se rebelava...

Era sua viúva que gritava:
- Deus não existe ou não é justo!
Isso não podia acontecer,
Porém aconteceu. E daí?

O que importa, num mundo de mais de sete bilhões,
Sete orfãozinhos e sua mãe tão linda?
A vida continuaria, mesmo sem ele, para ela, jovem ainda,
Que nada mais podia dar senão sermões...

O filho que nem aniversário comemorou,
Agora que mais um dia vai chegar,
Prepara-se para o dia de domingo e
Cumprimenta quem tão jovem o deixou...

Senhor, por que tantos ais
No dia em que se festeja
Em casa, na rua, na igreja,
O dia de nossos pais!?

Brasília, 9 de agosto de 2019.
Antevéspera do "Dia dos Pais".


















5.3 Causas anteriores das aflições

Mas se há males de que o homem é a primeira causa, nesta vida, há também outros que, pelo menos em aparência, lhe são completamente estranhos e que parecem atingi-lo por fatalidade. Como exemplo, a perda de entes queridos e dos que são o apoio a família. Assim também os acidentes que nenhuma previsão poderia impedir; os revezes da fortuna, que frustram todas as medidas de prudência, os flagelos naturais; as enfermidades de nascença, sobretudo as que tiram a tantos infelizes a possibilidade de ganhar a vida pelo trabalho: as deformidades, a idiotia, o cretinismo etc.
Quem nasce nessas condições, certamente, nada fez nesta vida para merecer, sem compensação, uma sorte tão triste, que não podia evitar, que é impotente para mudar e que o põe à mercê da comiseração pública. Por que, então, seres tão desgraçados, enquanto ao seu lado, sob o mesmo teto, na mesma família, outros são favorecidos sob todos os aspectos?
Que dizer, enfim, dessas crianças que morrem em tenra idade e só conheceram da vida sofrimentos? Problemas que nenhuma filosofia resolveu até agora, anomalias que nenhuma religião pôde justificar, e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, na hipótese da alma ser criada e de estar sua sorte irrevogavelmente fixada após um período de alguns instantes na Terra. Que fizeram essas almas que acabam de sair das mãos do Criador, para sofrerem tantas misérias, neste mundo, e receberem, no futuro, uma recompensa ou uma punição qualquer, se não puderam praticar nem o bem nem o mal?
Contudo, em virtude do axioma de que todo efeito tem uma causa, essas misérias são efeitos que devem ter a sua causa, e desde que se admita a existência de um Deus justo, essa causa deve ser justa. Ora, a causa precedendo sempre ao efeito, se ela não se encontra na vida atual, deve ser anterior a esta vida, isto é, há de estar numa existência precedente. Por outro lado, Deus não podendo punir pelo bem que se fez, nem pelo mal que não se fez, se somos punidos, é que fizemos o mal. Se não fizemos o mal nesta existência, o fizemos noutra. Essa é uma alternativa a que ninguém pode fugir, e na qual a lógica diz de que lado está a Justiça de Deus.
O homem nem sempre é punido, ou completamente punido, na sua existência atual, mas nunca escapa às consequências de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea, e se ele não expia hoje, expiará amanhã, ao passo que aquele que sofre está expiando seu passado. O infortúnio que, à primeira vista, parece imerecido, tem, então, sua razão de ser, e aquele que sofre pode sempre dizer: "Perdoe-me, Senhor, porque pequei".
Os sofrimentos devidos a causas anteriores são sempre, como os decorrentes de faltas atuais, uma consequência natural da falta cometida. Quer dizer que, em virtude de uma rigorosa justiça distributiva, o homem sofre aquilo que fez os outros sofrerem. Se foi duro e desumano, poderá ser, também, tratado com dureza e desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer numa condição humilhante; se foi avaro, egoísta, ou se empregou mal a sua fortuna, poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer com os próprios filhos etc.
Assim se explicam, pela pluralidade das existências e pela destinação da Terra, como mundo expiatório, as anomalias que apresenta a distribuição da ventura e da desventura entre os bons e os maus neste planeta. Essa anomalia é apenas aparente, porque só a consideramos sob o ponto de vista da vida presente; mas quem se elevar, pelo pensamento, de maneira a abranger uma série de existências, verá que a cada um é dado o que merece, sem prejuízo do que lhe cabe no mundo dos Espíritos, e que a justiça de Deus jamais se interrompe.
O homem não deve jamais se esquecer de que está num mundo inferior, onde é retido por suas imperfeições. A cada vicissitude, deve lembrar-se que, se pertencesse a um mundo mais avançado, isso não se daria, e que só de si depende não voltar aqui, trabalhando para se melhorar.
As tribulações da vida podem ser impostas aos Espíritos endurecidos, ou demasiado ignorantes para fazerem uma escolha consciente, mas são livremente escolhidas e aceitas pelos Espíritos arrependidos, que querem reparar o mal que fizeram e tentar fazer melhor. Tal é aquele que, tendo feito mal a sua tarefa, pede para recomeçá-la, a fim de não perder os benefícios do seu trabalho. Essas tribulações, portanto, são ao mesmo tempo expiações do passado, que recebe nelas o merecido castigo, e provas para o futuro, que elas preparam. Rendamos graças a Deus que, na sua bondade, faculta ao homem reparar seus erros e não o condena irrevogavelmente pela primeira falta.
Não se deve crer, entretanto, que todo sofrimento porque se passa neste mundo seja necessariamente o indício de uma determinada falta: trata-se frequentemente de simples provas escolhidas pelo Espírito, para acabar a sua purificação e acelerar o seu adiantamento. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas a prova nem sempre é uma expiação. Mas provas e expiações são sempre sinais de uma inferioridade relativa, pois aquele que é perfeito não precisa ser provado. Um Espírito pode, pois, haver adquirido um certo grau de elevação, mas querendo avançar mais, solicita uma missão, uma tarefa a executar, pela qual será tanto mais recompensado, se sair vitorioso, quanto mais penosa haja sido a sua luta. Tais são, especialmente, essas pessoas de instintos naturalmente bons, de alma elevada, de sentimentos nobres inatos, que parecem nada trazer de mau de suas precedentes existências, e que sofrem, com resignação toda cristã, as maiores dores, pedindo a Deus para suportá-las sem murmurar. Pode-se, ao contrário, considerar como expiações as aflições que excitam queixas e levam o homem à revolta contra Deus.
O sofrimento que não provoca queixas pode ser, sem dúvida, uma expiação, mas é indício de que foi buscada voluntariamente, antes que imposta, é a prova de uma firme resolução, o que é sinal de progresso.
Os Espíritos não podem aspirar à perfeita felicidade enquanto não estão puros; toda mancha lhes impede a entrada nos mundos felizes. Tais são os passageiros de um navio tomado pela peste, aos quais fica impedida a entrada numa cidade, até que estejam saudáveis. É nas diversas existências corpóreas que os Espíritos se livram, pouco a pouco, de suas imperfeições. As provas da vida os fazem progredir, quando bem suportadas. Como expiações, apagam as faltas e purificam. É o remédio que limpa a ferida e cura o doente. Quanto mais grave é o mal, mais enérgico deve ser o remédio. Aquele, pois, que muito sofre deve dizer que tinha muito a expiar e regozijar-se de ser curado logo. Dele depende, pela resignação, tornar proveitoso seu sofrimento e não lhe perder os frutos por causa de reclamações e, com isso, ter de recomeçar.

terça-feira, 6 de agosto de 2019




Em dia com o Machado 379:
Caridade, o mais longo poema de Parnaso de Além-Túmulo (jó)

Caía a noite em paz. Crepúsculo. Horas quedas.
Horas de solidão. Pelas planícies ledas,
A asa ruflando inquieta, os meigos passarinhos
Recolhiam-se à pressa, em busca dos seus ninhos.

Assim começa Caridade. O mais longo poema do Espírito Guerra Junqueiro, em Parnaso de Além-Túmulo, livro psicografado por Chico Xavier. Parnaso, em sua primeira edição, continha poemas ditados por quatorze poetas desencarnados ao jovem, que na época estava com 21 anos. Tempos depois, subiu para 56 o número de poetas do Além... Quatro vezes mais do que em 1932, quando a obra já chamara a atenção de críticos e dos renomados escritores Monteiro Lobato e Humberto de Campos.
A obra que possuo está em sua 19ª ed. e quarta reimpressão. Essa edição de 737 páginas, embora publicada em 2016, comemora os cem anos de renascimento de Chico. Mas o médium mineiro, caso ainda estivesse entre nós, teria completado um século em 2010. Tenho outra publicação da mesma obra que já estava em sua 16ª edição em 2002, data da desencarnação de Francisco Cândido aos 92 anos. Essas 35 edições e suas reimpressões foram publicadas pela Federação Espírita Brasileira.
As poesias são analisadas e comentadas por Elias Barbosa, o que enriquece muito os textos líricos dessa antologia. Entre poetas pouco conhecidos, destacam-se brasileiros e portugueses do quilate literário de Castro Alves, Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimarães, Alberto de Oliveira, Augusto dos Anjos, Auta de Sousa, Olavo Bilac, Antero de Quental etc.
O poema Caridade, ao qual me refiro, ocupa oito páginas do livro atual e contém 260 versos de doze sílabas métricas, também chamados alexandrinos. Curiosamente, Caridade possui o número de versos alexandrinos equivalente à quantidade de poemas contidos na obra.
 Somente sobre essa poesia, daria para se escrever um livro, se a fôssemos analisar em todos os seus aspectos rítmicos, em suas rimas, estrofes, vocabulário e conteúdo.
O Espírito Guerra Junqueiro foi poeta português nascido em 1850 e desencarnado em 1923. Pela psicografia de Chico Xavier, legou-nos seis poemas nessa obra: O padre João; Caridade; Romaria; Eterna vítima; A um padre; e Um quadro da quaresma.
Todos esses poemas são longos, mas nenhum se compara, em tamanho, com Caridade. Esse poema, de acordo com a edição de 2002, que comemorou 70 anos da primeira edição, possui 13 estrofes de versos alexandrinos: a primeira com 30 versos, a segunda com 4, a terceira com 8, a quarta, quinta e sexta com 26 versos em cada estrofe, a sétima estrofe com 12 versos, a oitava com 38, a nona com 60, a décima com 18 e, da 11ª à 13ª, cada estrofe contém quatro versos.
Na edição comemorativa atual, publicada em 2016, a segunda estrofe de quatro versos foi agrupada, por equívoco, à primeira que, desse modo, ficou com 34 versos. Na próxima edição, esperamos corrigir essa falha.
O conteúdo do poema, resumidamente falando, aborda o diálogo do poeta com a Caridade, entidade que se apresenta em visão ao vate português. O sublime Espírito Caridade diz agir como ensinava Jesus. Compadece-se dos maus e os socorre, tanto quanto aos bons. Sua mensagem contrasta com a indiferença e o egoísmo humanos citados pelo poeta. Por fim, o autor espiritual enaltece a grandiosidade do amor expresso pela Caridade, que termina dizendo-lhe: “Minha missão é amar os vermes e os países!...”
Extasiado, conclui o poeta:

Muito tempo passara e a noite inda era escura.
Noite de neve atroz, noite de desventura!
Foi-se a linda visão, dissipando as neblinas,
Repartindo o seu pão de carícias divinas.

Tudo voltou à paz silenciosa e calma...
O inverno e o pesar; e aos olhos da minh’alma,
O mundo famulento, a Terra, parecia
O planeta da sombra e a mansão da agonia.

Para entender por que o poema termina assim, convido o leitor e a leitora curiosos a lerem toda essa obra-prima da poesia mediúnica no livro citado.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019


Continuação da tradução livre da terceira edição de L'Evangile selon Le Spiritisme. Por Jorge Leite de Oliveira. Cap. 5 BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

5.2 Causas atuais das aflições

As vicissitudes da vida são de duas espécies, ou, se o preferirem, vêm de duas fontes bem diferentes, que importa distinguir: umas têm sua causa na vida presente; outras, fora desta vida.
Remontando-se à origem dos males terrenos, reconhece-se que muitos são a consequência natural do caráter e da conduta daqueles que os sofrem.
Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição!
Quantos se arruínam por falta de ordem, de perseverança, pelo mal proceder, ou por não terem limitado os seus desejos!
Quantas uniões infelizes, porque resultaram dos cálculos do interesse ou da vaidade, e nas quais o coração não tomou parte!
Quantas dissensões e disputas funestas poderiam ser evitadas com mais moderação e menos suscetibilidade!
Quantos vícios e enfermidades são o efeito da intemperança e dos excessos de todos os gêneros!
Quantos pais são infelizes com seus filhos, por não lhes terem combatido as más tendências desde o princípio. Por fraqueza ou indiferença, deixaram que se desenvolvessem neles os germes do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que ressecam o coração. Mais tarde, colhendo o que semearam, admiram-se e afligem-se da falta de respeito e da ingratidão com que são tratados por eles.
Que todos os que têm o coração ferido pelas vicissitudes e pelas decepções da vida, interroguem friamente a própria consciência. Que remontem passo a passo à origem dos males que os afligem, e verão se, na maioria das vezes, não poderão dizer: "Se eu houvesse feito, ou deixado de fazer tal coisa, não estaria nesta situação".
A quem, então, se devem todas essas aflições, senão a si mesmo? O homem é, assim, num grande número de casos, o causador de seus próprios infortúnios. Mas, em vez de reconhecê-lo, acha mais simples, e menos humilhante para a sua vaidade, acusar a sorte, a Providência, a falta de oportunidade, sua má sorte, enquanto, na verdade, sua má estrela é a sua própria incúria.
Os males dessa natureza fornecem, certamente, um notável contingente das vicissitudes da vida. O homem as evitará, quando trabalhar para o seu adiantamento moral e intelectual.
A lei humana alcança certas faltas e as pune. O condenado pode então reconhecer que sofreu a consequência do que fez. Mas a lei não alcança nem pode alcançar a todas as faltas. Incide, especialmente, sobre as que causam prejuízos à sociedade, e não sobre as que prejudicam apenas os que as cometem. Deus, porém, quer que toda as suas criaturas progridam e, portanto, não deixa impune nenhum desvio do caminho reto. Não há uma só falta, por mais leve que seja, uma única infração à sua lei, que não acarrete consequências forçosas e inevitáveis, mais ou menos desagradáveis. Donde se segue que, nas pequenas como nas grandes coisas, o homem é sempre punido naquilo em que pecou. Os sofrimentos consequentes do pecado são então uma advertência de que agiu mal. Dão-lhe experiência e o fazem sentir a diferença entre o bem e o mal e a necessidade de se melhorar, para evitar no futuro o que já foi para ele uma causa de mágoas. Sem isso, ele não teria motivo para se emendar. Confiante na impunidade, retardaria o seu adiantamento, e, em consequência, sua felicidade futura.
Mas a experiência chega, algumas vezes, um pouco tarde. E quando a vida já foi desperdiçada e turbada, quando as forças já estão gastas e o mal é irremediável, então o homem se põe a dizer: "Se no começo dos meus dias eu soubesse o que hoje sei, quantos passos em falso teria evitado; se tivesse de recomeçar, eu me portaria de outra maneira; mas não há mais tempo!" Como o trabalhador preguiçoso que diz: "Perdi o meu dia", ele também diz: "Perdi a minha \/ida". Porém, assim como para o trabalhador o sol se levanta no dia seguinte, e uma nova jornada começa, que lhe permite reparar o tempo perdido, para o homem também, após a noite do túmulo, brilhará o sol de uma nova vida, em que lhe será possível aproveitar a experiência do passado e suas boas resoluções para o futuro.


  Quando o texto é escorreito (Irmão Jó)   Atento à escrita correta É o olho do revisor, Mas pôr tudo em linha certa É com o diagramador.   ...