5.3
Causas anteriores das aflições
Mas se há males de que o homem é a primeira causa, nesta vida, há
também outros que, pelo menos em aparência, lhe são completamente estranhos e
que parecem atingi-lo por fatalidade. Como exemplo, a perda de entes queridos e
dos que são o apoio a família. Assim também os acidentes que nenhuma previsão
poderia impedir; os revezes da fortuna, que frustram todas as medidas de
prudência, os flagelos naturais; as enfermidades de nascença, sobretudo as que
tiram a tantos infelizes a possibilidade de ganhar a vida pelo trabalho: as
deformidades, a idiotia, o cretinismo etc.
Quem nasce nessas condições, certamente, nada fez nesta vida
para merecer, sem compensação, uma sorte tão triste, que não podia evitar, que
é impotente para mudar e que o põe à mercê da comiseração pública. Por que, então,
seres tão desgraçados, enquanto ao seu lado, sob o mesmo teto, na mesma
família, outros são favorecidos sob todos os aspectos?
Que dizer, enfim, dessas crianças que morrem em tenra idade e só
conheceram da vida sofrimentos?
Problemas que nenhuma filosofia resolveu até agora, anomalias que nenhuma religião
pôde justificar, e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência
de Deus, na hipótese da alma ser criada e de estar sua sorte irrevogavelmente
fixada após um período de alguns instantes na Terra. Que fizeram essas almas
que acabam de sair das mãos do Criador, para sofrerem tantas misérias, neste
mundo, e receberem, no futuro, uma recompensa ou uma punição qualquer, se não
puderam praticar nem o bem nem o mal?
Contudo, em virtude do axioma de que todo efeito tem uma causa,
essas misérias são efeitos que devem ter a sua causa, e desde que se admita a
existência de um Deus justo, essa causa deve ser justa. Ora, a causa precedendo
sempre ao efeito, se ela não se encontra na vida atual, deve ser anterior a
esta vida, isto é, há de estar numa existência precedente. Por outro lado, Deus
não podendo punir pelo bem que se fez, nem pelo mal que não se fez, se somos
punidos, é que fizemos o mal. Se não fizemos o mal nesta existência, o fizemos noutra.
Essa é uma alternativa a que ninguém pode fugir, e na qual a lógica diz de que
lado está a Justiça de Deus.
O homem nem sempre é punido, ou completamente punido, na sua
existência atual, mas nunca escapa às consequências de suas faltas. A
prosperidade do mau é apenas momentânea, e se ele não expia hoje, expiará
amanhã, ao passo que aquele que sofre está expiando seu passado. O infortúnio
que, à primeira vista, parece imerecido, tem, então, sua razão de ser, e aquele
que sofre pode sempre dizer: "Perdoe-me, Senhor, porque pequei".
Os sofrimentos devidos a causas anteriores são sempre, como os
decorrentes de faltas atuais, uma consequência natural da falta cometida. Quer
dizer que, em virtude de uma rigorosa justiça distributiva, o homem sofre
aquilo que fez os outros sofrerem. Se foi duro e desumano, poderá ser, também,
tratado com dureza e desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer numa
condição humilhante; se foi avaro, egoísta, ou se empregou mal a sua fortuna,
poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer com os
próprios filhos etc.
Assim se explicam, pela pluralidade das existências e pela
destinação da Terra, como mundo expiatório, as anomalias que apresenta a
distribuição da ventura e da desventura entre os bons e os maus neste planeta.
Essa anomalia é apenas aparente, porque só a consideramos sob o ponto de vista
da vida presente; mas quem se elevar, pelo pensamento, de maneira a abranger
uma série de existências, verá que a cada um é dado o que merece, sem prejuízo
do que lhe cabe no mundo dos Espíritos, e que a justiça de Deus jamais se
interrompe.
O homem não deve jamais se esquecer de que está num mundo
inferior, onde é retido por suas imperfeições. A cada vicissitude, deve lembrar-se
que, se pertencesse a um mundo mais avançado, isso não se daria, e que só de si
depende não voltar aqui, trabalhando para se melhorar.
As tribulações da vida podem ser impostas aos Espíritos
endurecidos, ou demasiado ignorantes para fazerem uma escolha consciente, mas
são livremente escolhidas e aceitas pelos Espíritos arrependidos, que querem
reparar o mal que fizeram e tentar fazer melhor. Tal é aquele que, tendo feito
mal a sua tarefa, pede para recomeçá-la, a fim de não perder os benefícios do
seu trabalho. Essas tribulações, portanto, são ao mesmo tempo expiações do passado,
que recebe nelas o merecido castigo, e provas para o futuro, que elas preparam.
Rendamos graças a Deus que, na sua bondade, faculta ao homem reparar seus erros
e não o condena irrevogavelmente pela primeira falta.
Não se deve crer, entretanto, que todo sofrimento porque se
passa neste mundo seja necessariamente o indício de uma determinada falta: trata-se
frequentemente de simples provas escolhidas pelo Espírito, para acabar a sua
purificação e acelerar o seu adiantamento. Assim, a expiação serve sempre de
prova, mas a prova nem sempre é uma expiação. Mas provas e expiações são sempre
sinais de uma inferioridade relativa, pois aquele que é perfeito não precisa
ser provado. Um Espírito pode, pois, haver adquirido um certo grau de elevação,
mas querendo avançar mais, solicita uma missão, uma tarefa a executar, pela
qual será tanto mais recompensado, se sair vitorioso, quanto mais penosa haja
sido a sua luta. Tais são, especialmente, essas pessoas de instintos
naturalmente bons, de alma elevada, de sentimentos nobres inatos, que parecem
nada trazer de mau de suas precedentes existências, e que sofrem, com
resignação toda cristã, as maiores dores, pedindo a Deus para suportá-las sem murmurar.
Pode-se, ao contrário, considerar como expiações as aflições que excitam
queixas e levam o homem à revolta contra Deus.
O sofrimento que não provoca queixas pode ser, sem dúvida, uma
expiação, mas é indício de que foi buscada voluntariamente, antes que imposta,
é a prova de uma firme resolução, o que é sinal de progresso.
Os Espíritos não podem aspirar à perfeita felicidade enquanto
não estão puros; toda mancha lhes impede a entrada nos mundos felizes. Tais são
os passageiros de um navio tomado pela peste, aos quais fica impedida a entrada
numa cidade, até que estejam saudáveis. É nas diversas existências
corpóreas que os Espíritos se livram, pouco a pouco, de suas imperfeições. As
provas da vida os fazem progredir, quando bem suportadas. Como expiações,
apagam as faltas e purificam. É o remédio que limpa a ferida e cura o doente. Quanto
mais grave é o mal, mais enérgico deve ser o remédio. Aquele, pois, que muito
sofre deve dizer que tinha muito a expiar e regozijar-se de ser curado logo.
Dele depende, pela resignação, tornar proveitoso seu sofrimento e não lhe perder
os frutos por causa de reclamações e, com isso, ter de recomeçar.
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