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sexta-feira, 9 de agosto de 2019




5.3 Causas anteriores das aflições

Mas se há males de que o homem é a primeira causa, nesta vida, há também outros que, pelo menos em aparência, lhe são completamente estranhos e que parecem atingi-lo por fatalidade. Como exemplo, a perda de entes queridos e dos que são o apoio a família. Assim também os acidentes que nenhuma previsão poderia impedir; os revezes da fortuna, que frustram todas as medidas de prudência, os flagelos naturais; as enfermidades de nascença, sobretudo as que tiram a tantos infelizes a possibilidade de ganhar a vida pelo trabalho: as deformidades, a idiotia, o cretinismo etc.
Quem nasce nessas condições, certamente, nada fez nesta vida para merecer, sem compensação, uma sorte tão triste, que não podia evitar, que é impotente para mudar e que o põe à mercê da comiseração pública. Por que, então, seres tão desgraçados, enquanto ao seu lado, sob o mesmo teto, na mesma família, outros são favorecidos sob todos os aspectos?
Que dizer, enfim, dessas crianças que morrem em tenra idade e só conheceram da vida sofrimentos? Problemas que nenhuma filosofia resolveu até agora, anomalias que nenhuma religião pôde justificar, e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, na hipótese da alma ser criada e de estar sua sorte irrevogavelmente fixada após um período de alguns instantes na Terra. Que fizeram essas almas que acabam de sair das mãos do Criador, para sofrerem tantas misérias, neste mundo, e receberem, no futuro, uma recompensa ou uma punição qualquer, se não puderam praticar nem o bem nem o mal?
Contudo, em virtude do axioma de que todo efeito tem uma causa, essas misérias são efeitos que devem ter a sua causa, e desde que se admita a existência de um Deus justo, essa causa deve ser justa. Ora, a causa precedendo sempre ao efeito, se ela não se encontra na vida atual, deve ser anterior a esta vida, isto é, há de estar numa existência precedente. Por outro lado, Deus não podendo punir pelo bem que se fez, nem pelo mal que não se fez, se somos punidos, é que fizemos o mal. Se não fizemos o mal nesta existência, o fizemos noutra. Essa é uma alternativa a que ninguém pode fugir, e na qual a lógica diz de que lado está a Justiça de Deus.
O homem nem sempre é punido, ou completamente punido, na sua existência atual, mas nunca escapa às consequências de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea, e se ele não expia hoje, expiará amanhã, ao passo que aquele que sofre está expiando seu passado. O infortúnio que, à primeira vista, parece imerecido, tem, então, sua razão de ser, e aquele que sofre pode sempre dizer: "Perdoe-me, Senhor, porque pequei".
Os sofrimentos devidos a causas anteriores são sempre, como os decorrentes de faltas atuais, uma consequência natural da falta cometida. Quer dizer que, em virtude de uma rigorosa justiça distributiva, o homem sofre aquilo que fez os outros sofrerem. Se foi duro e desumano, poderá ser, também, tratado com dureza e desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer numa condição humilhante; se foi avaro, egoísta, ou se empregou mal a sua fortuna, poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer com os próprios filhos etc.
Assim se explicam, pela pluralidade das existências e pela destinação da Terra, como mundo expiatório, as anomalias que apresenta a distribuição da ventura e da desventura entre os bons e os maus neste planeta. Essa anomalia é apenas aparente, porque só a consideramos sob o ponto de vista da vida presente; mas quem se elevar, pelo pensamento, de maneira a abranger uma série de existências, verá que a cada um é dado o que merece, sem prejuízo do que lhe cabe no mundo dos Espíritos, e que a justiça de Deus jamais se interrompe.
O homem não deve jamais se esquecer de que está num mundo inferior, onde é retido por suas imperfeições. A cada vicissitude, deve lembrar-se que, se pertencesse a um mundo mais avançado, isso não se daria, e que só de si depende não voltar aqui, trabalhando para se melhorar.
As tribulações da vida podem ser impostas aos Espíritos endurecidos, ou demasiado ignorantes para fazerem uma escolha consciente, mas são livremente escolhidas e aceitas pelos Espíritos arrependidos, que querem reparar o mal que fizeram e tentar fazer melhor. Tal é aquele que, tendo feito mal a sua tarefa, pede para recomeçá-la, a fim de não perder os benefícios do seu trabalho. Essas tribulações, portanto, são ao mesmo tempo expiações do passado, que recebe nelas o merecido castigo, e provas para o futuro, que elas preparam. Rendamos graças a Deus que, na sua bondade, faculta ao homem reparar seus erros e não o condena irrevogavelmente pela primeira falta.
Não se deve crer, entretanto, que todo sofrimento porque se passa neste mundo seja necessariamente o indício de uma determinada falta: trata-se frequentemente de simples provas escolhidas pelo Espírito, para acabar a sua purificação e acelerar o seu adiantamento. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas a prova nem sempre é uma expiação. Mas provas e expiações são sempre sinais de uma inferioridade relativa, pois aquele que é perfeito não precisa ser provado. Um Espírito pode, pois, haver adquirido um certo grau de elevação, mas querendo avançar mais, solicita uma missão, uma tarefa a executar, pela qual será tanto mais recompensado, se sair vitorioso, quanto mais penosa haja sido a sua luta. Tais são, especialmente, essas pessoas de instintos naturalmente bons, de alma elevada, de sentimentos nobres inatos, que parecem nada trazer de mau de suas precedentes existências, e que sofrem, com resignação toda cristã, as maiores dores, pedindo a Deus para suportá-las sem murmurar. Pode-se, ao contrário, considerar como expiações as aflições que excitam queixas e levam o homem à revolta contra Deus.
O sofrimento que não provoca queixas pode ser, sem dúvida, uma expiação, mas é indício de que foi buscada voluntariamente, antes que imposta, é a prova de uma firme resolução, o que é sinal de progresso.
Os Espíritos não podem aspirar à perfeita felicidade enquanto não estão puros; toda mancha lhes impede a entrada nos mundos felizes. Tais são os passageiros de um navio tomado pela peste, aos quais fica impedida a entrada numa cidade, até que estejam saudáveis. É nas diversas existências corpóreas que os Espíritos se livram, pouco a pouco, de suas imperfeições. As provas da vida os fazem progredir, quando bem suportadas. Como expiações, apagam as faltas e purificam. É o remédio que limpa a ferida e cura o doente. Quanto mais grave é o mal, mais enérgico deve ser o remédio. Aquele, pois, que muito sofre deve dizer que tinha muito a expiar e regozijar-se de ser curado logo. Dele depende, pela resignação, tornar proveitoso seu sofrimento e não lhe perder os frutos por causa de reclamações e, com isso, ter de recomeçar.

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