Em dia com o Machado 87 (jlo)
—
E então, meu caro Machado, podemos continuar a ouvi-lo?
—
Ora, Joteli, como você sabe, nunca gostei de falar sobre mim, em todos os
tempos: pretérito, presente e futuro do presente e do pretérito.
—
Isso significa que não nos revelará nada sobre seu retorno à vida?
—
Como, retorno à vida, se ela é única?
—
É verdade, amigo, esqueci-me do que concluíramos, na crônica anterior...
—
Isso mesmo! Só se vive uma vez... Para sempre!
—
Mas... E a reencarnação, também não é eterna?
—
Meu caro, sobre isso, sei menos do que você. Todavia, como diz Allan Kardec, a
reencarnação só é necessária enquanto o espírito é imperfeito.
—
Ih, então vou ter que reencarnar ainda muuuuito...
—
E eu também... Mas não nos preocupemos com isso. Falemos, ainda, sobre a
brevidade de cada existência na Terra. Um simples vírus pode causar mais mortes
do que as duas últimas guerras mundiais, como ocorreu durante o surto de gripe
espanhola, pandemia que matou mais de 20 milhões de pessoas no mundo.
— Mudemos
de assunto, Machado, como se deu sua transição da poesia para a prosa?
—
Bem... Isso aconteceu naturalmente. Todo
bom profissional sabe que, para ele se dar bem no negócio, é preciso diversificá-lo.
Assim, além da poesia, passei a ocupar a função de tradutor, cronista,
dramaturgo, crítico, censor cultural, contista e, por fim, romancista...
Aliás,
a função de censor cultural custou-me a antipatia de Sílvio Romero, que me
qualificou de tartamudo, entre outros apodos pouco lisonjeiros em seu livro crítico
sobre os escritores brasileiros. Isso, porém, faz parte da vida de todos nós.
Se só recebermos elogio ao que fizermos, como vamos corrigir e aperfeiçoar
nossa obra?
—
Em compensação, Machado, não faltou quem o considerasse “a mais alta expressão
do nosso gênero literário”, como José Veríssimo e Alfredo Bosi, entre muitos
outros críticos. Sem falar em críticos e escritores internacionais, como John
Gledson e Harold Bloom... O próprio Romero reconheceu você como um dos nossos
melhores escritores.
— Ainda
na adolescência, comecei meus primeiros ensaios literários em prosa...
— Sempre fugindo aos elogios e às polêmicas, principalmente quando se trata de Sílvio Romero, não é mesmo, Bruxo?
— Sempre fugindo aos elogios e às polêmicas, principalmente quando se trata de Sílvio Romero, não é mesmo, Bruxo?
— O
Sr. me desculpe as idas e voltas em meu retrato biográfico, mas é que meus
relatos não obedecem a uma ordem cronológica, pois a memória deste seu amigo
não é linear, e, sim, espiralada, como nosso Dna.
—
E no corpo espiritual, também existe Dna, Machado? Você disse nosso...
—
Sua matriz está no períspirito. Leia os livros Espiritismo e genética, do Eurípedes Kühl, Evolução em dois mundos, psicografado pelo Chico Xavier, e outros
do gênero, publicados pela Federação Espírita Brasileira e outras editoras.
— Como
diz Einstein, meu caro Bruxo do Cosme Velho, “a mente que se abre a uma nova
ideia jamais voltará ao seu tamanho original”.
— Voltando
ao assunto autobiográfico...
Aos
17 anos incompletos (10 jun. 1856), iniciei, na Marmota Fluminense, meus ensaios prosaicos, na seção intitulada Ideias vagas. Meu primeiro texto
publicado ali foi, na realidade, além da tradução de pequeno trecho, em francês,
de Alphonse de Lamartine, intitulado Méditations
Poétiques, também um apelo ao leitor para que valorizasse poemas e poetas,
como o autor do título, ou seja, eu, jovem estreante nas letras que requeria,
em causa própria, o reconhecimento e a benevolência para seu primeiro ensaio. (MAGALHÃES
JÚNIOR, 2008, v. 1., p. 53- 54.)
O
segundo trabalho, publicado 51 dias depois (boa ideia!), intitulei A comédia moderna. Tal artigo serviria
de mote, 43 anos após, para a elaboração do capítulo nono daquela que é minha
obra prima: Dom Casmurro (1899)[1].
Comentei, então, que, para mim, o teatro era “o verdadeiro lugar de distração e
de ensino, o verdadeiro meio de civilizar a sociedade e os povos”. E convoquei
o povo: “Ao teatro! Ao teatro!” (Id., ibid., p. 56.). Foi quando resolveram me
chamar para integrar a equipe de censores teatrais.
O
terceiro artigo em prosa deste articulador, na Marmota, foi uma apologia a frei Francisco de Mont’Alverne, o
melhor orador sacro do meu e do seu século, ó Joteli. Na época, tive como amigo
e mestre o padre Antônio José da Silveira Sarmento, que durante um ano foi meu
“modesto preceptor[2] e
um agradável companheiro” (Id., ibid., p. 59), a quem dediquei um longo poema
quando, a 2 de dezembro de 1858, ele faleceu.
Aos
dezessete anos, pois, já me iniciara na prosa. A essas três “ideias vagas”,
outras se sucederiam, como ocorreu com minha nova tradução de alguns tópicos de
um texto do poeta francês Alphonse de Lamartine, publicado na revista de Paula
Brito, de agosto a dezembro de 1857. Diz Magalhães Júnior (2008, p. 60), que,
com certeza, essa minha proeza serviu para que eu fosse convidado a ser um dos
cinco tradutores de O Brasil pitoresco,
obra planejada pelo fotógrafo Victor Frond e Charles Ribeyrolles, ambos meus admiradores
e amigos.
Veja
você, leitor, que já aos dezessete anos, autodidata, possuía este seu amigo
aqui um razoável conhecimento, não só do idioma português, como também do
francês.
E
você, o que tem feito em seus dezessete, vinte anos, além de torcer pelo seu
time do coração, bater papos intermináveis com outros internautas e gastar
horas vendo programas duvidosos na TV?
— Pois,
amigo Bruxo, de minha parte, por ora, prefiro continuar entrevistando-o sobre a
brevidade da vida... Ops, da existência física.
—
Então, convido-o a continuar nosso diálogo sobre trivialidades de minha última
passagem pela Terra, como as que ocorreram “no tempo da Petalógica” e outros tempos. É assim que construímos,
paulatinamente, nossa cultura e abrimos nossa mente a uma grande ideia, como
propôs o amigo Einstein.
—
E o que era a Petalógica?
—
Calma, amigo, semana que vem, eu digo... A bientôt!
REFERÊNCIA
MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Machado de Assis: vida e obra. Rio de
Janeiro: Record, 2008, v. 1.