Em dia com o Machado 69 (jlo)
Quando eu era garoto, cheguei a
pensar que minha vida seria curta, em virtude de ter perdido uma irmãzinha
recém-nascida e influenciado pela sorte dos poetas da época, os quais, em grande
número, desencarnavam cedo. Eis o que escrevi:
Amanhã quando a lâmpada da vida
Na minha fronte se apagar, tremendo,
Ao
sopro do tufão,
Oh! derrama uma lágrima sincera
Sobre o meu peito macilento e triste,
E
reza uma oração!
Será uma saudade verdadeira,
Uma flor que me arome a sepultura,
Um
raio sobre o gelo...
Ouvirei a canção das tuas dores,
E levarei saudades bem sombrias
Deste meu pesadelo.
Lembrarei além-túmulo essas noites
Misteriosas festivais e belas
Da
estação dos amores!
Noites formosas, para amor criadas;
Que coroavam nosso amor tão puro
De
ventura e de flores!
Lembrarei nosso amor... E o teu pranto
Ardente como a luz de um sol do estio
Irá
banhar-me a campa
E as lágrimas leais que derramares,
O astro beijará — que pelas noites
No
oceano se estampa!
Um olhar, um olhar desses teus olhos!
Eu o peço, mulher! sobre o meu túmulo
Um
olhar de afeição!
Assim o sol — o ardente rei do espaço
Deixa um raio cair nas folhas secas
Que
matizam o chão!
Um olhar, uma lágrima, uma prece,
É quanto basta em única lembrança.
Teresa, ao teu cantor.
Chora, reza, e contempla-me o sepulcro
E na outra vida de um viver mais puro
Terás o mesmo amor.
Acreditava-me, antes de qualquer coisa, poeta.
Admirava Camões, Sá de Miranda, Almeida Garret, Victor Hugo e Léon Denis, entre
outros grandes vates, e imaginava-me cheio de glórias, dans les Champs-Elysées des
poesies.
Entretanto,
tanto quanto minhas peças teatrais que se seguiram aos poemas, se fiz sucesso
com tais textos, isso não passou de um gesto generoso dos amigos, que entreviam
meu futuro literário em outros gêneros.
Foi nos encontros artísticos literários da Arcádia Fluminense, criada por nós, em 1865, que me surgiram as sugestões para começar com
as crônicas, escassas as de boa qualidade, na época; em seguida, passar para os
contos e, quem sabe não tardasse a surgir o talento do grande romancista que
dizem ter sido eu.
Comecei publicando
os Contos Fluminenses, aos 31 anos, e as Histórias da Meia-Noite, aos 34; coletâneas
de contos considerados criticamente como crus. Que tais as aliterações, amada
amiga?
Verdade
seja dita, o exercício com as crônicas, mais de seiscentas, ao longo de 50 anos
de minha produção literária, aliadas a duzentos contos, proporcionaram-me
subsídios suficientes para compor, após a leitura de Laurence Sterne, Jonathan
Swift e de Xavier de Maistre, entre outros grandes escritores, principalmente,
um retrato bem humorado da sociedade de minha época, fiel aos conceitos que
publiquei no ensaio “Instinto de Nacionalidade”. Vieram, em seguida, os
romances que me imortalizaram na Terra, vez que no espaço todos somos imortais
e colhemos o que semeamos.
Não é
justa, entretanto, a alcunha que recebi de alguns críticos como a de ser ateu
ou niilista. Releiam toda a minha produção literária e vejam se a crença em
Deus e no espírito não está ali com toda a sua pujança de leitor
assíduo das escrituras desde a juventude. O que talvez seja duvidoso é a crença
no homem, mas isso é outra história.
Xavier de
Maistre, escritor francês, afirmou que “O cristianismo foi pregado por ignorantes
e acreditado por sábios. O fato de sua instituição humana é impossível; logo, essa
religião é divina”. Dizia-se amigo íntimo unicamente de Deus, o que demonstra
sua fé na divindade, embora a descrença nos homens.
Jonathan
Swift, foi o escritor irlandês que, fazendo uso da ironia irada, atacava a
influência da Inglaterra em seu país, os maus tratos a irlandeses e a
escravatura. Sem se dizer ateu, dizia: “Eu nunca vi, ouvi dizer ou li que o
clero fosse benquisto em qualquer nação onde o cristianismo era a religião do
país. Nada pode fazê-lo popular senão um elemento de perseguição”.
Laurence
Sterne foi clérigo anglicano e pastor irlandês, de humor grosseiro e irônico em
suas obras. Sua obra A vida e as opiniões do cavalheiro Tristam Shendy teve
grande influência em meu livro Memórias póstumas de Brás Cubas.
Quanto a
Léon Denis, conheci-o no mundo espiritual, por isso a estranheza de quem jamais
o viu citado entre os meus escritores favoritos no mundo físico. É o poeta
francês que sucedeu Allan Kardec, após a desencarnação deste, e publicou as
seguintes obras, que exerceram fundamental influência em meu espírito, para que
eu me tornasse adepto da nova crença: O problema do ser, do destino e da dor, O
grande enigma, Cristianismo e Espiritismo e Depois da morte, entre outras obras
primas.
Foi quando
me dei conta de que o Espiritismo não veio substituir nenhuma religião, até
porque o Cristo não pregou uma religião e, sim, veio nos dar, sobretudo pela
observação prática de sua doutrina, a certeza sobre a existência de Deus, nosso
Pai Eterno, da sobrevivência do Espírito após a morte, as muitas moradas da
Casa paterna e a lei de causa e efeito que nos retribui sempre, se não nesta,
em outra vida física, tudo aquilo que fazemos a outrem de mal, mas também de
bem. Acho justo...
Em vida,
percebi que não é a religião que nos salva e sim nossos atos de amor a todas as
criaturas de Deus. Agora, como o peixinho azul da lenda contada pelo Espírito
Emmanuel, na obra Libertação, psicografada por Chico Xavier, Ed. FEB, venho
convidá-los a refletir nas seguintes palavras do meu amigo Léon Denis, aviso que
tão pouca importância damos na vida física:
Recorda-te
de que a vida é curta; esforça-te, pois, por conquistar, enquanto o podes,
aquilo que vieste aqui realizar: o verdadeiro aperfeiçoamento. Possa teu
espírito partir desta Terra mais puro do que quando nela entrou! Pensa que a
Terra é um campo de batalha, onde a matéria e os sentidos assediam
continuamente a alma; corrige teus defeitos, modifica teu caráter, reforça a
tua vontade; eleva-te pelo pensamento, acima das vulgaridades da Terra e
contempla o espetáculo luminoso do céu. Léon Denis. Depois da morte. Ed. FEB.
Sim, amigo
leitor, minha vida não foi tão curta como imaginei, pois vivi até os 69 anos.
Posso dizer-lhes, contudo, que, sob o manto da ironia, do simbolismo e da
galhofa, sempre busquei deixar aos meus leitores a interpretação, o espírito de
indignação e as críticas veladas às hipocrisias humanas, que, sob o manto da
religião, ocultam sua verdadeira intenção: explorar as casas das viúvas e
roubar os inocentes, com sua falsa moral.
Como leitor assíduo da Bíblia e, sobretudo, como
admirador e seguidor da Boa-Nova de Jesus, reproduzo-lhe as palavras, que se
aplicam aos fariseus modernos, venham de onde vierem:
Então falou Jesus
à multidão e aos seus discípulos,
2 Dizendo: Na
cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus.
3 Observai, pois,
e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as
suas obras, porque dizem e não praticam.
4 Pois atam fardos
pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles porém,
nem com o dedo querem movê-los.
5 E fazem todas as
obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam
as franjas dos seus vestidos.
6 E amam os
primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas,
7 E as saudações
nas praças, e o serem chamados pelos homens – rabi, rabi (mestre, mestre).
8 Vós, porém, não
queirais ser chamados rabi, porque um só é o vosso Mestre a saber, o Cristo, e
todos vós sois irmãos (Mateus, 23: 1 a 8).
Alguns de vocês, irmãos, devem estar falando: — Depois de morto, o cara virou carola. Mas venham para o lado de cá e tentem continuar com as mesmas paixões, os mesmos vícios, as mesmas hipocrisias que possuem aí na Terra. Alguns vão parar no umbral, outros, mais abaixo, nos abismos infernais do plano espiritual.
Ali haverá prantos e
ranger de dentes.
Depois não digam que não
foram avisados, como o rico, o pobre e pai Abraão da história narrada por
Jesus.
Sim, meu caro amigo, há
vida depois da morte. Mas o tipo de vida que você terá vai depender do tipo de
morte que mereceu ter.
Está com medo? Ah, não
acredita e prefere continuar na farra? Com certeza não será de mim que ouvirá este
grito:
Buuuuuuuuuuuuuuuuuu!