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domingo, 29 de setembro de 2013


Em dia com o Machado 69 (jlo)

            Quando eu era garoto, cheguei a pensar que minha vida seria curta, em virtude de ter perdido uma irmãzinha recém-nascida e influenciado pela sorte dos poetas da época, os quais, em grande número, desencarnavam cedo. Eis o que escrevi:
           
            AMANHÃ

Amanhã quando a lâmpada da vida
               Na minha fronte se apagar, tremendo,
       Ao sopro do tufão,
Oh! derrama uma lágrima sincera
Sobre o meu peito macilento e triste,
                       E reza uma oração!
Será uma saudade verdadeira,
Uma flor que me arome a sepultura,
       Um raio sobre o gelo...
Ouvirei a canção das tuas dores,
E levarei saudades bem sombrias
       Deste meu pesadelo.

Lembrarei além-túmulo essas noites
Misteriosas festivais e belas
       Da estação dos amores!
Noites formosas, para amor criadas;
Que coroavam nosso amor tão puro
       De ventura e de flores!

Lembrarei nosso amor... E o teu pranto
Ardente como a luz de um sol do estio
       Irá banhar-me a campa
E as lágrimas leais que derramares,
O astro beijará — que pelas noites
       No oceano se estampa!

 Um olhar, um olhar desses teus olhos!
Eu o peço, mulher! sobre o meu túmulo
       Um olhar de afeição!
Assim o sol — o ardente rei do espaço
Deixa um raio cair nas folhas secas
       Que matizam o chão!

 Um olhar, uma lágrima, uma prece,
É quanto basta em única lembrança.
       Teresa, ao teu cantor.
Chora, reza, e contempla-me o sepulcro
E na outra vida de um viver mais puro
       Terás o mesmo amor.

             Acreditava-me, antes de qualquer coisa, poeta. Admirava Camões, Sá de Miranda, Almeida Garret, Victor Hugo e Léon Denis, entre outros grandes vates, e imaginava-me cheio de glórias, dans les Champs-Elysées des poesies.
            Entretanto, tanto quanto minhas peças teatrais que se seguiram aos poemas, se fiz sucesso com tais textos, isso não passou de um gesto generoso dos amigos, que entreviam meu futuro literário em outros gêneros.
            Foi nos encontros artísticos literários da Arcádia Fluminense, criada por nós, em 1865, que me surgiram as sugestões para começar com as crônicas, escassas as de boa qualidade, na época; em seguida, passar para os contos e, quem sabe não tardasse a surgir o talento do grande romancista que dizem ter sido eu.
            Comecei publicando os Contos Fluminenses, aos 31 anos, e as Histórias da Meia-Noite, aos 34; coletâneas de contos considerados criticamente como crus. Que tais as aliterações, amada amiga?
            Verdade seja dita, o exercício com as crônicas, mais de seiscentas, ao longo de 50 anos de minha produção literária, aliadas a duzentos contos, proporcionaram-me subsídios suficientes para compor, após a leitura de Laurence Sterne, Jonathan Swift e de Xavier de Maistre, entre outros grandes escritores, principalmente, um retrato bem humorado da sociedade de minha época, fiel aos conceitos que publiquei no ensaio “Instinto de Nacionalidade”. Vieram, em seguida, os romances que me imortalizaram na Terra, vez que no espaço todos somos imortais e colhemos o que semeamos.
            Não é justa, entretanto, a alcunha que recebi de alguns críticos como a de ser ateu ou niilista. Releiam toda a minha produção literária e vejam se a crença em Deus e  no espírito  não está ali com toda a sua pujança de leitor assíduo das escrituras desde a juventude. O que talvez seja duvidoso é a crença no homem, mas isso é outra história.
            Xavier de Maistre, escritor francês, afirmou que “O cristianismo foi pregado por ignorantes e acreditado por sábios. O fato de sua instituição humana é impossível; logo, essa religião é divina”. Dizia-se amigo íntimo unicamente de Deus, o que demonstra sua fé na divindade, embora a descrença nos homens.
            Jonathan Swift, foi o escritor irlandês que, fazendo uso da ironia irada, atacava a influência da Inglaterra em seu país, os maus tratos a irlandeses e a escravatura. Sem se dizer ateu, dizia: “Eu nunca vi, ouvi dizer ou li que o clero fosse benquisto em qualquer nação onde o cristianismo era a religião do país. Nada pode fazê-lo popular senão um elemento de perseguição”.
            Laurence Sterne foi clérigo anglicano e pastor irlandês, de humor grosseiro e irônico em suas obras. Sua obra A vida e as opiniões do cavalheiro Tristam Shendy teve grande influência em meu livro Memórias póstumas de Brás Cubas.
            Quanto a Léon Denis, conheci-o no mundo espiritual, por isso a estranheza de quem jamais o viu citado entre os meus escritores favoritos no mundo físico. É o poeta francês que sucedeu Allan Kardec, após a desencarnação deste, e publicou as seguintes obras, que exerceram fundamental influência em meu espírito, para que eu me tornasse adepto da nova crença: O problema do ser, do destino e da dor, O grande enigma, Cristianismo e Espiritismo e Depois da morte, entre outras obras primas.
            Foi quando me dei conta de que o Espiritismo não veio substituir nenhuma religião, até porque o Cristo não pregou uma religião e, sim, veio nos dar, sobretudo pela observação prática de sua doutrina, a certeza sobre a existência de Deus, nosso Pai Eterno, da sobrevivência do Espírito após a morte, as muitas moradas da Casa paterna e a lei de causa e efeito que nos retribui sempre, se não nesta, em outra vida física, tudo aquilo que fazemos a outrem de mal, mas também de bem. Acho justo...
            Em vida, percebi que não é a religião que nos salva e sim nossos atos de amor a todas as criaturas de Deus. Agora, como o peixinho azul da lenda contada pelo Espírito Emmanuel, na obra Libertação, psicografada por Chico Xavier, Ed. FEB, venho convidá-los a refletir nas seguintes palavras do meu amigo Léon Denis, aviso que tão pouca importância damos na vida física:
Recorda-te de que a vida é curta; esforça-te, pois, por conquistar, enquanto o podes, aquilo que vieste aqui realizar: o verdadeiro aperfeiçoamento. Possa teu espírito partir desta Terra mais puro do que quando nela entrou! Pensa que a Terra é um campo de batalha, onde a matéria e os sentidos assediam continuamente a alma; corrige teus defeitos, modifica teu caráter, reforça a tua vontade; eleva-te pelo pensamento, acima das vulgaridades da Terra e contempla o espetáculo luminoso do céu. Léon Denis. Depois da morte. Ed. FEB.
            Sim, amigo leitor, minha vida não foi tão curta como imaginei, pois vivi até os 69 anos. Posso dizer-lhes, contudo, que, sob o manto da ironia, do simbolismo e da galhofa, sempre busquei deixar aos meus leitores a interpretação, o espírito de indignação e as críticas veladas às hipocrisias humanas, que, sob o manto da religião, ocultam sua verdadeira intenção: explorar as casas das viúvas e roubar os inocentes, com sua falsa moral.
         Como leitor assíduo da Bíblia e, sobretudo, como admirador e seguidor da Boa-Nova de Jesus, reproduzo-lhe as palavras, que se aplicam aos fariseus modernos, venham de onde vierem:
                                      Então falou Jesus à multidão e aos seus discípulos,
2 Dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus.
3 Observai, pois, e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam.
4 Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles porém, nem com o dedo querem movê-los.
5 E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas dos seus vestidos.
6 E amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas,
7 E as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens – rabi, rabi (mestre, mestre).
8 Vós, porém, não queirais ser chamados rabi, porque um só é o vosso Mestre a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos (Mateus, 23: 1 a 8).

           Alguns de vocês, irmãos, devem estar falando: — Depois de morto, o cara virou carola. Mas venham para o lado de cá e tentem continuar com as mesmas paixões, os mesmos vícios, as mesmas hipocrisias que possuem aí na Terra. Alguns vão parar no umbral, outros, mais abaixo, nos abismos infernais do plano espiritual.
Ali haverá prantos e ranger de dentes.
Depois não digam que não foram avisados, como o rico, o pobre e pai Abraão da história narrada por Jesus.
Sim, meu caro amigo, há vida depois da morte. Mas o tipo de vida que você terá vai depender do tipo de morte que mereceu ter. 
Está com medo? Ah, não acredita e prefere continuar na farra?  Com certeza não será de mim que ouvirá este grito:
Buuuuuuuuuuuuuuuuuu!

domingo, 22 de setembro de 2013

Em dia com o Machado 68 (jlo)


            Morí ayer, cerca siete horas de la noche. Fica entendido que não fui eu, muito menos Brás Cubas, que expirou às duas horas da tarde de 1869. Tudo não passou de um sonho, mas um tão real devaneio que supus ser o tal verdadeiro.
            Vi o Senhor passar a Pedro uma lanterna e, ao longe, avistei a Terra, em plena escuridão. Então, ouvi quando aquele disse a este:
            — Pedro, desce à Terra e procura entre seus 7 bilhões, 243 milhões, 980 mil e 101 habitantes, até este exato instante, uma pessoa verdadeiramente boa.
            — Senhor - respondeu-lhe Pedro – que critérios usarei para identificar esse homem ou essa mulher do bem? Estará esse ser excelso entre os religiosos?
            — Não, Cefas, em verdade te digo, não necessariamente entre esses.
            — Seria um político destacado?
            — Ainda não será aí que acharás a virtude excelsa.
            — Já sei, poderei encontrá-la entre as pessoas pobres, humildes e resignadas, que “esperam pelo Senhor, têm bom ânimo e fortificam o seu coração”, como recomenda o salmista.
            — A essas pode ser que falte o esforço próprio que lhes dê o merecimento.
            — Um cientista famoso, uma enfermeira dedicada, um médico brasileiro, uma professora tupiniquim, um servidor do botequim, uma faxineira da Maria, um dono de hospedaria, um artista, uma atleta, um sábio ou um poeta...
            — Chega, Pedro, não seja pateta...
            — Eureka! Mestre, li n’O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 17, item 3, as características do homem de bem. Com base no que ali está, encontrarei o homem ou a mulher que procuras.
            — Digo-te, em verdade, que não é preciso tanto, Pedro. Ser do bem é necessário, mas sem a coerência entre o que se fala e o que se faz, estaremos diante de novos fariseus.
            Acordei assustado, abri o Evangelho no capítulo e item citados, e disse ao meu secretário:
            — Caracas! Jeteli, será que ainda dá tempo para tal transformação?
            — Como não? — respondeu-me ele — os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos. Leia as escrituras, leia o livro sagrado, mas pratique seus elevados preceitos morais com espírito de humildade, coerência e serviço incansável ao próximo.
            Então, resolvi escrever-lhe leitor e leitora amiga, um poeminha singelo, que aguarda há 2.013 anos, 9 meses e 21 dias para ser entendido, acrescido dos 4.612 anos dos profetas, em suas várias encadernações, que antecederam nosso Mestre:
           
            Quem já sentiu, em si, o Cristo,
            Quem já vive com Jesus,
            Nada teme, segue avante,
            Leva, humilde, sua cruz.

            Quem se entrega com amor
            Ao Evangelho do Senhor,
            Nada teme, sempre vai
            Caminhando rumo ao Pai.
           
            Quem já vive o Evangelho
            Que nos ensinou Jesus
            Nada teme, segue em frente,
            Pois consigo tem sua luz.

            Quem já sabe o que é o bem
            Não procura ser servido
            Serve sempre destemido
            Vence as trevas, segue Além.

            Quem quer vencer a impiedade
            Nunca esquece esta verdade:
            Ser leal à consciência
            É viver com coerência.


            Perceberam, irmãos, que as duas últimas estrofes se aplicam a religiosos e ateus? Então, fazei isso e vivereis, quer creiais ou não. Pois viver para o bem, com coerência, é a verdadeira salvação.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Em dia com o Machado 67  (jlo)



Reflexão sobre os impostos, as multas e o corvo, de Edgar Allan Poe


            Amigos, hoje estou triste com a história que conheci. Queres sabê-la? Então vamos aos fatos, pois contra estes não há argumentos, já dizia Nietzsche. (Mentirinha, a frase é de outrem.)
            Certo amigo meu, lutador incansável na arte de transmitir o conhecimento, estava há duas décadas no magistério superior, em geral à noite, e, como acumulava outra fonte de renda, durante o dia, todo ano, ao declarar seus impostos, como legítimo cidadão portador de direitos e deveres, percebia que, enquanto ele trabalhava duro para ganhar uns trocados a mais, seus colegas de profissão só se preocupavam com suas atividades cotidianas e se regalavam no tempo restante.
            Curtiam sua vida sem outra preocupação que não a do trabalho único e, desse modo, viajavam, compravam bens móveis, iam a festas com amigos e familiares, participavam de eventos culturais, vestiam as melhores roupas, comiam, dormiam bem e, ao declarar seus impostos de renda, ainda recebiam um bom troco de restituição.
            Nosso amigo bitributado, ao contrário, deixava metade de seu salário para o leão; o restante era gasto com os médicos. É esse o preço que paga, em nosso país, quem faz do trabalho uma prioridade em sua vida.
            Já citei esse caso aqui, mas vou repeti-lo. Em determinado ano, nosso amigo foi convidado por um órgão do governo a fazer correções de milhares de provas, com a remuneração de centavos para cada redação corrigida. Passou por um treinamento de um mês e outros dois meses fez correções, dia e noite. Ao final, estava exausto, mas satisfeito por ter “colaborado com a educação de seu país”. O retorno financeiro era mínimo, mas servia para a compra dos remédios...
            O resultado foi que ele teve de pagar, naquele ano, ao leão, o dobro do que recebeu em remuneração ao seu trabalho, quando, se não o tivesse prestado, receberia o mesmo valor do serviço em restituição de imposto. Algo assim como: “recebi 2 mil, tinha de restituição quatro mil, mas como recebi 2 mil, tive que pagar 4 mil...”. Engraçado, não?
            Ri-se o leão, mas é por que não foi ele quem trabalhou três meses, como escravo...  
            É como diria um debochado amigo meu: — Quem manda...?
            Como diria meu amigo, o poeta Edgar Allan Poe:

(...)
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

            Sim, meu amigo, quem manda ser besta e estudar como um condenado para tentar construir uma sociedade melhor, se o primeiro a ser massacrado é você?
            Quem manda trabalhar que nem um cavalo para ser tratado com capim vulgar, enquanto os cavalos de raça são alimentados com feno importado?
            Quem manda votar em políticos que têm a ficha suja e passam a vida lesando a população para beneficiar seus parentes, amigos, gatos e cachorros? (Que a sociedade protetora dos animais me perdoe, não me refiro a estes.)
            Quem manda trabalhar para uma ave de rapina? (Também não é à que você pensa que me refiro, obviamente.)
            Agora inventaram uma faixa única na W3 e, se você quiser dobrar à direita, na altura da 711 Sul, para ter acesso ao setor hospitalar, ainda que não venha ônibus nenhum, será multado por um pardal oculto nesse trecho. Cuidado!
            Meu amigo estava atrasado para uma consulta médica, passou no lugar e, mais adiante, não pôde prosseguir por estar o trânsito bloqueado; então voltou a passar ali e, como da vez anterior, avançou a faixa para fazer o retorno, vez que não havia qualquer ônibus rodando ali. Resultado, um mês depois recebeu duas notificações de multa, emitidos pelo pardal oculto, que nem ao menos deu um pio de alerta ao infeliz.
            O canto da pardalada veio um mês depois, em forma de duas belas notificações do Detran.
            Se você for sócio de uma determinada instituição representante da lei em seu país e, ainda que pela primeira vez, deixar de votar nos candidatos à situação, meses depois receberá uma multa eleitoral. Abaixo o voto obrigatório!
            Ironicamente, meu amigo, de uma só vez, recebeu as três multas. Esse é pé frio mesmo.
            Mas em compensação, espera há cinco anos pelo pagamento de uns precatoriozinhos que ganhou na justiça. “— Oh, Deus; oh céus; oh, Lua;  oh, mar; ó Terra!”
            Tanto trabalho, tanta preocupação, tanto cuidado em não ser escorchado para, no fim, tudo continuar como dantes... E olha que nem me refiro aqui ao quartel de Abrantes.
            Hoje, como veem vocês, amigos e amigas, meu fígado está obnubilado.
            Chega de falar na Bavária.

         

sábado, 7 de setembro de 2013

Em dia com o Machado 66 (jlo)

            — Amigos, não é novidade para ninguém que a escravidão foi abolida do Brasil por meio da chamada Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel no dia 13 de maio de 1888.   
            — Mas... que tipo de escravidão, Machado, se nem a dos negros foi abolida? Há tantos grilhões prendendo corpos e mentes neste mundo ímpio, que já não se contam os ais que se elevam aos espaços, mais altos que os condores poéticos de Castro Alves.
            — Digam-me, então, meus caros Silva de Oliveira Costa, Costa de Oliveira Silva e Oliveira Costa e Silva, que outras escravidões vocês conhecem?  
            — A escravidão a um nome insuportável é uma delas, Bruxo! Outro dia, minha mulher foi fazer uma consulta ginecológica e foi atendida pelo ginecologista chamado Gênese Boceta. Antes os nossos nomes que este, né?
            — Concordo com você, Silva, que tal nome, atualmente, é estranho; antes, porém, devo esclarecer-lhe que boceta, no meu tempo, era um nome como outro qualquer, com o significado de caixinha ovalada. Quer conferir? Leia em Conto de Escola (In: ASSIS, Machado. Várias Histórias), terceiro parágrafo: “Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé (...)”.
            — Pois eu conheci um alfaiate que colocou os seguintes nomes em seus três filhos: Índio Curupira, Cacique Morubixaba e Águia da Pena Branca. Perguntei-lhe por que escolhera tais nomes e sua resposta foi curta e grossa:
            — Quem mandou...?
            — É verdade, Costa, quem mandou ser filho de um filho da...
            — Calma, do Cosme... Quer que chame Dom Casmurro para acalmá-lo? Mas, eu concordo com o Silva. Há nomes de uma simploriedade sinistra.
            — Exemplifique, Oliveira...
            — Pois não, Velho, ouça este: Simplício Simplório da Simplicidade Simples.
            — Meu caro, não lhe pedi para fazer aliteração poética e, sim, citar nome...
            — Pois esse é o nome que um pai teve a coragem de pôr em seu filho.
            — Há frases que justificam o nome do seu autor, como, por exemplo, a citada por Kika Gadha: “A probabilidade de você se sujar comendo é diretamente proporcional à roupa clara que precise usar”.
            Estoutra é do japonês chamado Kitonto Kifostes: “Quando, após anos sem necessitar usar algo, você o joga no lixo, no dia seguinte você precisa daquilo”.
            Agora, uma do Tamus Ferradus: “Se você pensa que as coisas vão melhorar, é por que algo lhe passou despercebido”.
            Ring Allan Bell chegou à seguinte conclusão: “Você vai pegar o telefone exatamente a tempo de dizer alô quando alguém acabou de desligá-lo”.
            Conheci um homem chamado Colapso Cardíaco da Silva. Morreu do coração.
            Um menino de nome José Catarrinho vivia gripado; porém o soldado Carabino Tiro Certo, contrariamente ao nome, foi reprovado na prova de tiro do seu quartel...
            — Coisas da vida, Bruxo do Cosme Velho!
            — Isso é apelido, meu nome é Joaquim Maria...
            — Está vendo só? Há Maria no seu nome. Homenagem a sua mãe?
            — Não somente a ela, Roge, como a todas as Marias humilhadas pelos canalhas que tiveram a coragem de se vingar em seus filhos, frutos indesejados e inocentes de sua paixão, com nomes como Pancrácio, meu escravo alforriado.
            — E como justificar a vingança paterna, Bruxo, quando o pai dá nome a seu filho de Produto do Amor Conjugal de Marichá e Maribel?
            — Deixa eu responder, Machado! Esse é idiota completo, e deveria, como os demais abestalhados que se lhe assemelham, passar o dia lendo e corrigindo, em cartório, todos esses nomes ilegais, até não mais haver um só servo da safadeza satânica desses Sátrapas!
            — Obrigado, Emeil Antivírus.

domingo, 1 de setembro de 2013

Em dia com o Machado 65 (jlo)

            Amiga leitora, boa-noite.

            Muitas pessoas desconhecem a grafia de algumas palavras. Por exemplo, ignoram que as palavras bom-dia, boa-tarde, boa-noite se escrevem com hífen. Conheço mesmo o caso de uma pessoa que deixou de ser selecionada para o curso de Mestrado em renomada Universidade sob a alegação, da banca avaliadora, de ter escrito, algumas vezes, as palavras socioeconômico, sociopolítica e sociolinguística sem hífen. Tal é a ignorância de muitos doutos professores sobre a importância de se consultar o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras (VOLP/ABL), norma maior sobre a ortografia em nosso país, em caso de dúvidas, haja vista a ocorrência corriqueira do registro equivocado desses e outros vocábulos, se se dessem ao trabalho de consultar o VOLP/ABL.
            E nem nos referirmos, ainda, à ortoépia ou ortoepia, que é a pronúncia correta das palavras. Sobre isso, falaremos outro dia.
            É assim que, de alienação em alienação, vemos, por aí, pessoas doutas dizerem e, o que é pior, escreverem de forma errada determinadas palavras as quais, muitas vezes, fazem mesmo parte do vocabulário cotidiano de sua formação profissional.
            Quer exemplo? Não faz muito tempo, um juiz de direito disse a sua secretária, no final de um julgamento em que deveria emitir uma sentença condenatória ao réu:
             — Dona Solange, peça aos senhores promotor e “defensor da ativa” para “oporem” suas “rúbricas” no processo, cuja sentença condenatória do réu foi “retificada” por mim. Depois que eles “porem” suas “rúbricas” eu assino a sentença.
            Ao que a secretária, mais douta no idioma português que seu Exmº chefe, corrigiu-o serenamente:
            — Pois não, excelência, o promotor e defensor dativo aporão suas rubricas, após tomarem conhecimento da ratificação de sua sentença.
            Depois que eles puserem suas rubricas, V. Eª assinará a sentença.
            E outra coisa, excelência, “defensor da ativa” é aquele militar que não quer ir para a reserva, porque não sabe o que fazer com os conhecimentos sobre disciplina militar e outras normas de conduta ética abolidas pelos petistas corruptos de sua grei, que o puseram num posto indigno de sua “grandeza”, sem precisar prestar concurso para tal. O que temos é defensor dativo.
            E olha que ela só disse isso por ser amante dele, caso contrário, teria de ficar calada, para não perder o emprego.
            E a falta de vocabulário do nosso povo? É um tal de coisa pra cá, coisa pra lá, que dá um baita dó em nós. A começar pelo gênero da própria palavra dó, que muitos pensam que é feminina. Outro dia, ouvi de um torcedor de um time o seguinte:
            — Estou com uma dó tão grande desse time...
            Desconhecimento puro do gênero masculino de . Fiquei com um dó dele, que só vendo.
            O mesmo ocorre com palavras terminada em –ema: telefonema, fonema, morfema, teorema. Muita gente pensa que, por terminar em “a” essas palavras são femininas. Então, não é raro ouvirmos:
            — Espera um pouco, Machado, vou dar uma telefonema, e volto já.
            — Não precisa voltar, sinto vontade de dizer-lhe, dou-lhe um telefonema de despedida e... fui!
            E a tal palavra “coisa”?
            A coisa mais chata que existe é a gente pensar numa coisa, lembrar da coisa, mas não saber de que coisa se lembrou. Então, na hora de falar, é uma coisa...
            Verbos muito comuns na linguagem nordestina interiorana são, por exemplo: caçar, no sentido de procurar algo; embrulhar, significando cobrir com cobertor; bolinar, com o sentido de apalpar alguém visando fim libidinoso; e palavras como: menina, aplicadas a homens; porreta, com o significado de muito boa; cabra, que tanto pode ser um bom como um mau homem; peixeira, ou seja, facão; e “fio”, “fia”, em vez de filho, filha; raparigueiro é o mesmo que mulherengo.
            Quer mais um exemplo? Veja o que disse uma paraibana para seu marido:
            — Sivirino, outro dia, à noitinha, fui caçar uma coisa pra comer, dispois de embrulhar o Juninho na cama e... menina! Que susto que tomei quando vi, da janela, entrar pela porteira do vizinho um cabra safado que queria bolinar com a fia dele. Mas seu Antônio pegou uma peixeira des tamaño e botou o cabra pra correr. Deve de está correno inté agora.
            Resposta do marido:
            — É por que seu Antônio é um cabra porreta, se não ele metia o porrete na filha, que ficou dando bola para aquele raparigueiro.
            E vamos ficando por aqui, antes que algum linguista caia de pau em cima de nós, alegando que estamos discriminando os falantes da “última flor do Lácio”, que Camões já defendia, e que Olavo Bilac afirmava ser “inculta e bela”.

            — Pois eu lhe afirmo, meu amigo: não há língua mais democrática que a brasileira, como propôs meu amigo Mário de Andrade em sua Gramatiquinha. Quer um exemplo? Au revoir!

  Quando o texto é escorreito (Irmão Jó)   Atento à escrita correta É o olho do revisor, Mas pôr tudo em linha certa É com o diagramador.   ...