Páginas

domingo, 29 de setembro de 2013


Em dia com o Machado 69 (jlo)

            Quando eu era garoto, cheguei a pensar que minha vida seria curta, em virtude de ter perdido uma irmãzinha recém-nascida e influenciado pela sorte dos poetas da época, os quais, em grande número, desencarnavam cedo. Eis o que escrevi:
           
            AMANHÃ

Amanhã quando a lâmpada da vida
               Na minha fronte se apagar, tremendo,
       Ao sopro do tufão,
Oh! derrama uma lágrima sincera
Sobre o meu peito macilento e triste,
                       E reza uma oração!
Será uma saudade verdadeira,
Uma flor que me arome a sepultura,
       Um raio sobre o gelo...
Ouvirei a canção das tuas dores,
E levarei saudades bem sombrias
       Deste meu pesadelo.

Lembrarei além-túmulo essas noites
Misteriosas festivais e belas
       Da estação dos amores!
Noites formosas, para amor criadas;
Que coroavam nosso amor tão puro
       De ventura e de flores!

Lembrarei nosso amor... E o teu pranto
Ardente como a luz de um sol do estio
       Irá banhar-me a campa
E as lágrimas leais que derramares,
O astro beijará — que pelas noites
       No oceano se estampa!

 Um olhar, um olhar desses teus olhos!
Eu o peço, mulher! sobre o meu túmulo
       Um olhar de afeição!
Assim o sol — o ardente rei do espaço
Deixa um raio cair nas folhas secas
       Que matizam o chão!

 Um olhar, uma lágrima, uma prece,
É quanto basta em única lembrança.
       Teresa, ao teu cantor.
Chora, reza, e contempla-me o sepulcro
E na outra vida de um viver mais puro
       Terás o mesmo amor.

             Acreditava-me, antes de qualquer coisa, poeta. Admirava Camões, Sá de Miranda, Almeida Garret, Victor Hugo e Léon Denis, entre outros grandes vates, e imaginava-me cheio de glórias, dans les Champs-Elysées des poesies.
            Entretanto, tanto quanto minhas peças teatrais que se seguiram aos poemas, se fiz sucesso com tais textos, isso não passou de um gesto generoso dos amigos, que entreviam meu futuro literário em outros gêneros.
            Foi nos encontros artísticos literários da Arcádia Fluminense, criada por nós, em 1865, que me surgiram as sugestões para começar com as crônicas, escassas as de boa qualidade, na época; em seguida, passar para os contos e, quem sabe não tardasse a surgir o talento do grande romancista que dizem ter sido eu.
            Comecei publicando os Contos Fluminenses, aos 31 anos, e as Histórias da Meia-Noite, aos 34; coletâneas de contos considerados criticamente como crus. Que tais as aliterações, amada amiga?
            Verdade seja dita, o exercício com as crônicas, mais de seiscentas, ao longo de 50 anos de minha produção literária, aliadas a duzentos contos, proporcionaram-me subsídios suficientes para compor, após a leitura de Laurence Sterne, Jonathan Swift e de Xavier de Maistre, entre outros grandes escritores, principalmente, um retrato bem humorado da sociedade de minha época, fiel aos conceitos que publiquei no ensaio “Instinto de Nacionalidade”. Vieram, em seguida, os romances que me imortalizaram na Terra, vez que no espaço todos somos imortais e colhemos o que semeamos.
            Não é justa, entretanto, a alcunha que recebi de alguns críticos como a de ser ateu ou niilista. Releiam toda a minha produção literária e vejam se a crença em Deus e  no espírito  não está ali com toda a sua pujança de leitor assíduo das escrituras desde a juventude. O que talvez seja duvidoso é a crença no homem, mas isso é outra história.
            Xavier de Maistre, escritor francês, afirmou que “O cristianismo foi pregado por ignorantes e acreditado por sábios. O fato de sua instituição humana é impossível; logo, essa religião é divina”. Dizia-se amigo íntimo unicamente de Deus, o que demonstra sua fé na divindade, embora a descrença nos homens.
            Jonathan Swift, foi o escritor irlandês que, fazendo uso da ironia irada, atacava a influência da Inglaterra em seu país, os maus tratos a irlandeses e a escravatura. Sem se dizer ateu, dizia: “Eu nunca vi, ouvi dizer ou li que o clero fosse benquisto em qualquer nação onde o cristianismo era a religião do país. Nada pode fazê-lo popular senão um elemento de perseguição”.
            Laurence Sterne foi clérigo anglicano e pastor irlandês, de humor grosseiro e irônico em suas obras. Sua obra A vida e as opiniões do cavalheiro Tristam Shendy teve grande influência em meu livro Memórias póstumas de Brás Cubas.
            Quanto a Léon Denis, conheci-o no mundo espiritual, por isso a estranheza de quem jamais o viu citado entre os meus escritores favoritos no mundo físico. É o poeta francês que sucedeu Allan Kardec, após a desencarnação deste, e publicou as seguintes obras, que exerceram fundamental influência em meu espírito, para que eu me tornasse adepto da nova crença: O problema do ser, do destino e da dor, O grande enigma, Cristianismo e Espiritismo e Depois da morte, entre outras obras primas.
            Foi quando me dei conta de que o Espiritismo não veio substituir nenhuma religião, até porque o Cristo não pregou uma religião e, sim, veio nos dar, sobretudo pela observação prática de sua doutrina, a certeza sobre a existência de Deus, nosso Pai Eterno, da sobrevivência do Espírito após a morte, as muitas moradas da Casa paterna e a lei de causa e efeito que nos retribui sempre, se não nesta, em outra vida física, tudo aquilo que fazemos a outrem de mal, mas também de bem. Acho justo...
            Em vida, percebi que não é a religião que nos salva e sim nossos atos de amor a todas as criaturas de Deus. Agora, como o peixinho azul da lenda contada pelo Espírito Emmanuel, na obra Libertação, psicografada por Chico Xavier, Ed. FEB, venho convidá-los a refletir nas seguintes palavras do meu amigo Léon Denis, aviso que tão pouca importância damos na vida física:
Recorda-te de que a vida é curta; esforça-te, pois, por conquistar, enquanto o podes, aquilo que vieste aqui realizar: o verdadeiro aperfeiçoamento. Possa teu espírito partir desta Terra mais puro do que quando nela entrou! Pensa que a Terra é um campo de batalha, onde a matéria e os sentidos assediam continuamente a alma; corrige teus defeitos, modifica teu caráter, reforça a tua vontade; eleva-te pelo pensamento, acima das vulgaridades da Terra e contempla o espetáculo luminoso do céu. Léon Denis. Depois da morte. Ed. FEB.
            Sim, amigo leitor, minha vida não foi tão curta como imaginei, pois vivi até os 69 anos. Posso dizer-lhes, contudo, que, sob o manto da ironia, do simbolismo e da galhofa, sempre busquei deixar aos meus leitores a interpretação, o espírito de indignação e as críticas veladas às hipocrisias humanas, que, sob o manto da religião, ocultam sua verdadeira intenção: explorar as casas das viúvas e roubar os inocentes, com sua falsa moral.
         Como leitor assíduo da Bíblia e, sobretudo, como admirador e seguidor da Boa-Nova de Jesus, reproduzo-lhe as palavras, que se aplicam aos fariseus modernos, venham de onde vierem:
                                      Então falou Jesus à multidão e aos seus discípulos,
2 Dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus.
3 Observai, pois, e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam.
4 Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles porém, nem com o dedo querem movê-los.
5 E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas dos seus vestidos.
6 E amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas,
7 E as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens – rabi, rabi (mestre, mestre).
8 Vós, porém, não queirais ser chamados rabi, porque um só é o vosso Mestre a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos (Mateus, 23: 1 a 8).

           Alguns de vocês, irmãos, devem estar falando: — Depois de morto, o cara virou carola. Mas venham para o lado de cá e tentem continuar com as mesmas paixões, os mesmos vícios, as mesmas hipocrisias que possuem aí na Terra. Alguns vão parar no umbral, outros, mais abaixo, nos abismos infernais do plano espiritual.
Ali haverá prantos e ranger de dentes.
Depois não digam que não foram avisados, como o rico, o pobre e pai Abraão da história narrada por Jesus.
Sim, meu caro amigo, há vida depois da morte. Mas o tipo de vida que você terá vai depender do tipo de morte que mereceu ter. 
Está com medo? Ah, não acredita e prefere continuar na farra?  Com certeza não será de mim que ouvirá este grito:
Buuuuuuuuuuuuuuuuuu!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

  Os trabalhos domésticos (Irmão Jó)   Nos domésticos trabalhos Temos de valorizar, Seja homem ou mulher, Quem nos serve em nosso lar.   Fel...