Páginas

sábado, 25 de maio de 2013


Em dia com o Machado 51 (jlo)
             Boa-noite, amigos!
            A vida é meio estranha. Não estranhemos, pois, as coincidências da novela Amor à vida. Quantas vezes, a fortuna ou a desgraça passam rente a nós sem que o percebamos. Há poucos dias, foi anunciada a morte, pela imprensa, de uma digna dona de casa, sequestrada dentro da garagem de um grande shopping em Brasília. Preso, o marginal disse que outra senhora escapou por pouco de sua sanha assassina, pois o vigilante do shopping passara de moto próximo a ele, que, então, resolvera aguardar a próxima incauta.
            É esquisito como as pessoas que, aparentemente, menos condições físicas têm para desempenhar determinadas profissões, em grande número de casos, são exatamente as que ali estão ou, ao menos, desejariam estar ou nunca ter dali saído.
            Exemplo 1. Quando fui professor de um centro universitário, na Baviera, é claro, observei que diversos mestres tinham ou passaram a ter problemas auditivos. Logo eles, que tanto precisam de uma acuidade auricular elevada... E eram excelentes e dedicados profissionais. Não sei se poderia me enquadrar nessa categoria, mas também sofria com a audição oscilante, após 22 anos de magistério, até que entreguei o boné e passei a escrever abobrinhas para leitores pacientes como você.
            Exemplo 2. Conheci um palestrante de temas filosóficos brilhante. Sua palavra arrebatava multidões, pela facilidade de expressão e eloquência. Após quarenta anos de atuação, em pleno voo para os EUA, onde era aguardado por grande número de admiradores, sofreu um AVC e agora, ao conversar, mal consegue concatenar as ideias em uma única frase curta. Sua dor moral deve ser duríssima de suportar, mas ele, denodada e humildemente, aproveita as palestras de outras grandes almas que o convidam, atualmente, para autografar as dezenas de obras de alto nível que publicou antes do AVC. Força, Raul Teixeira! És um vencedor!
            Exemplo 3. Parece que os acontecimentos e nossas vidas se entrelaçam com pessoas as mais longínquas, as quais passam a se relacionar conosco de uma forma aparentemente programada, cujo conteúdo desconhecemos, mas reside no nosso inconsciente. Distante 2.000 km da cidade onde nasci e de onde me afastara há mais de trinta anos, constituí família e, certa ocasião, fomos hospedados em outro estado, diverso do estado natal e daquele em que residia outros 2.000 quilômetros. Pois bem, em dado momento, minha esposa, em conversa com a mulher do tio do agora nosso genro, descobriu que essa senhora fora colega de trabalho de um dos meus irmãos, sete anos atrás, e até foto com ele ela nos mostrou. Isso ocorreu em Pernambuco, onde meu irmão residira por dois anos com a família, mas agora retornara para o Rio de Janeiro, nossa cidade de origem. Jamais o ouvíramos falar dessa sua ex-colega e fora a primeira vez que lá estivemos. Quantos milhões de habitantes tem Recife?
            Assim se multiplicam os exemplos e as “coincidências” em nossas vidas. Não estranhemos, pois, que a mãe conviva anos próximo à filha roubada sem a reconhecer. Um dia, a verdade virá à tona e então nada do que estava oculto deixará de ser descoberto. Procure nos seus registros da memória, leitora amiga, e você descobrirá “coincidências” tão fantásticas que aceitará de boa vontade aquelas narradas nas novelas, filmes, contos e romances. Por vezes, a realidade suplanta a ficção.
            Também, se for boa observadora, perceberá que a lei de causa e efeito e a influência espiritual em nossas vidas é muito maior do que se possa imaginar. Não foi à toa que o personagem shakespeariano disse aquela célebre frase, tão conhecida que não preciso repetir: “Há muito mais coisas entre o céu e a terra do que possa imaginar vossa vá filosofia”.
            É por isso que devemos ser honestos com nossa consciência. Nela reside o dedo de Deus a nos abençoar ou nos responsabilizar por cada ato nosso, mínimo que seja. Ele nos diz, Alma para alma:
— Sê bom, pois o bem é Minha Lei. Se tentares fraudá-la e não pagares teu erro ainda nesta encarnação, terás de retornar em condições penosas para reparar teus equívocos. Desse modo, a eternidade te será penosa, enquanto não viveres em harmonia com Meus propósitos em relação a ti: a felicidade, que só é verdadeira quando se sabe ser. E, para tal, é preciso conhecer, conviver e fazer.
            Ou seja, é preciso servir para vir a ser.
            Bom fim de semana!

sábado, 18 de maio de 2013


Em dia com o Machado 50 (jlo)

            Well, my friends, lhegamos, finalmente, a la crônica cinquante.

            Prometo-lhes que na próxima encarnação, meu secretário começará, desde cedo, a falar e escrever, também, em inglês, espanhol e francês. Nesta, seu metier é o português e, como quem não tem cão caça com gato, vamos continuar empregando esta “última flor do lácio, inculta e bela”, pero también tan poco conocida: el portugués.

            Trabalhar com o nosso idioma, dominá-lo (completamente é algo impossível, mesmo para os gramáticos) razoavelmente, a ponto de escrever algumas obras de considerável sucesso acadêmico (Mirante: poesia, ed. própria esgotada; Texto técnico, três edições do autor; Texto acadêmico, oito edições pela Ed. Vozes; e Guia prático de leitura e escrita, em coautoria com Geraldo Campetti e Manoel Craveiro, já na segunda edição da Vozes, em dois anos), tudo isso, acrescido de diversos outros trabalhos revisionais em obras diversas, são atividades desse meu secretário de que me orgulho, mas quero mais.

            Uma importante constatação, porém, é a de que, mesmo com o domínio considerável de nossa língua pátria, não podemos ficar de olhos fechados para a área das ciências exatas. Para isso, não basta o conhecimento das quatro operações fundamentais da matemática... — Agora é opcional a grafia das disciplinas com inicial minúscula ou maiúscula. — Veja, amiga leitora, que até quando enveredamos pelas ciências exatas não perdemos o vício de vigiar de perto a escrita, o que não significa ser perfeito, naturalmente.

            E por que nos referimos à questão dos cálculos? Porque, no meu caso, que tive o controle financeiro de meus rendimentos, pelo governo, afianço-lhe o seguinte: o infeliz que ainda tem a ideia de, mesmo aposentado, assumir um trabalho extra, pensando continuar produtivo e ganhar um dinheirinho a mais, he his in the shit. (Por favor, Machado, não me obrigue a escrever palavras de baixo calão... Isso não combina conosco.)

            Eis o nosso “crime”:

Em (...), recebi a módica quantia de R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais) por ter realizado um trabalho que me pareceu relevante para uma grande universidade pública. Não, não vou dizer a ninguém que foi para a U... Foram cerca de dois meses de trabalho desgastante, com frequência a treinamento intensivo, leituras por horas a fio, mas fiquei satisfeito com o resultado, afinal, contribuí com a educação de nossos irmãozinhos patriotas.

            Agora vamos às consequências: como não fui informado do dinheirinho extra recebido, pois a declaração de rendimentos fica num site que me esqueci de consultar, não lancei o produto financeiro de meu trabalho no imposto do ano de ... Resultado, caí na “malha fina”. Mas se houvesse informado esse ganho extra, as consequências seriam as mesmas, pois para o leão a caça somos nós.

            Agora, pasmem, senhoras e senhores sobre o que lhes vou contar: na declaração daquele ano, apenas com meus rendimentos do órgão pagador oficial, teria a receber em torno de R$ 6.500,00 (seis mil e quinhentos reais). Como a Receita Federal obrigou-me a lançar os R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais) recebidos do segundo órgão, fui bitributado e, em vez de receber, tive de pagar cerca de R$ 500,00.

            Façamos uma continha de aritmética simples: 6.500, que deixei de receber, mais 500 que tive de pagar, menos 2800 que recebi da instituição é igual a 4.200. Ou seja, por ter realizado um serviço para o Governo, tive de pagar-lhe, aproximadamente, R$ 4.200,00 (quatro mil e duzentos reais).

            Nossa crônica número cinquenta é um protesto e um aviso. Não se atreva a fazer nenhum trabalho extra para o Governo. Se desejar combater a depressão da falta de inatividade profissional e utilizar seus conhecimentos profissionais em prol de qualquer causa, faça outra coisa, mas faça-a.

            Uma sugestão é ter um blog e postar, toda a semana um protesto, como este, ou realizar um trabalho filantrópico qualquer que lhe proporcione a satisfação de ajudar o próximo, de contribuir para uma causa de alta relevância humanitária.

            Ter dois empregos assalariados, nem pensar, pois o que se ganha num deles é para o leão levar e contar com o desgaste de sua saúde, aquisição de remédios, tratamentos hospitalares, perda do lazer e dos convívios sociais, com prejuízos graves para a família (talvez por isso haja tantos divórcios...)

            E viva a República Federal da Baviera!

            Para quem não entendeu a frase final, releia a crônica número 26 no meu blog.

            Aqui também se paga para trabalhar...

            Boa semana a todos e a todas vocês!

           

            Ps.: Em tempo: na Baviera também a moeda era o real e lá igualmente havia sites.

sábado, 11 de maio de 2013


Em dia com o Machado 49 (jlo)

               

                Boa-noite!

                Amigo leitor, hoje quero testar minha capacidade de comovê-lo. Se conseguir que ao menos um dos meus cinco ou seis leitores derrame uma só lágrima no que escrever, dou-me por satisfeito.
                Aliás, já deves ter notado que meus recados raramente provocam o riso e escassamente a ironia, não é mesmo, amiga leitora? Do lado de cá, descobri que o sentimento pode ser trabalhado sem subterfúgios. E resolvi tirar o véu da letra que mata e trabalhar o espírito que edifica.
                Vamos, pois, ao que interessa! Conversemos um pouco sobre aquela que é a verdadeira desgraça da humanidade: o consumo das drogas.
                No meu tempo, esse era um assunto quase completamente ignorado, pois pouco se sabia sobre a influência das drogas nas dopaminas, noradrenalinas, fenilalanina...
                Na época de minha adolescência, o máximo que presenciei, no morro do Livramento, nas proximidades da chácara de d. Maria, minha madrinha, foi o uso de marijuana, vulgo, maconha. Ainda assim, os poucos cidadãos que faziam uso do baseado, escondiam-se atrás das árvores, mortos de medo de serem presos pela polícia, que já naquele século baixava o porrete nos vagabundos que encontrava burlando a lei.
                O simples fato de não ter uma ocupação já era falta grave, punida com o xilindró.
                Infelizmente, porém, o tempo é cúmplice da inoperância das autoridades. No decurso dos anos, a repressão foi diminuindo, o contrabando das drogas foi aumentando, junto com seus usuários, e as drogas tornaram-se donas do pedaço.
                Com as informações sobre o barato dos entorpecentes, a adesão da classe média e alta crescendo cada vez mais, outras drogas foram surgindo, muito mais poderosas. Agora, o chique era consumir cocaína, mais tarde, LSD...
                Por fim, o crac se popularizou, e a miséria moral da sociedade ficou exposta nas ruas do meu belo Rio de Janeiro.
                Com o desencanto mundial sobre a finalidade mais elevada da vida, em virtude da falência da filosofia e das religiões e, consequentemente, do crescimento cada vez maior do materialismo, muitas pessoas perderam o entusiasmo pela conquista de um ideal superior e entraram em depressão. Não se sentindo confiantes nas aparências falaciosas dos templos religiosos e de seus correligionários, optaram pela autodestruição e buscaram, nas drogas, escapar das responsabilidades pessoais.
                Nem mesmo o sofrimento dos seus familiares, a angústia materna comoveu tais pessoas. Quem tinha algum bem consumia-o nos entorpecentes; quem não o tinha, sujeitava-se em ser usado por traficantes inescrupulosos. Surgem as mulas, verdadeiros trapos humanos, bestializados, vivendo como animais de carga, em troca de um pouco de crac, que os aliena deste mundo sem sentido em sua visão limitada pelo materialismo.
                Passados os anos, a maioria, senão todos, percebem que entraram num beco sem saída. Agora já não têm família, nem dignidade própria e vivem como verdadeiros zumbis, não sabendo se estão no corpo ou fora dele, se na vida terrena ou na espiritual que tanto negaram, mas que já a entrevêm pelo seu lado mais tenebroso: um verdadeiro inferno de espectros horripilantes, de animais e seres des-humanos, monstruosos. Não conseguem discernir nem mesmo a figura do provável companheiro ou companheira de infelicidade que está à sua frente e, não mais que de repente, transformam-se em um horripilantes monstros prontos a matar ou serem mortos. É quando, perdendo a noção da realidade, o filho mata o próprio pai, ou a própria mãe e vice-versa.
                Muitos já não têm residência fixa, vivem pelas ruas, anos a fio, do que conseguem por bem ou por mal, pois quando não lhes dão o suficiente para a compra das drogas não veem outra saída senão a de roubar ou assaltar. Até que, um dia, percebem estar num abismo sem fim, então querem socorro, mas não conseguem subsistir sem o tóxico que os consome.
                Se você, amiga leitora, deseja saber o que é o sofrimento moral levado ao extremo da resistência nas zonas umbralinas, confundidas com o inferno dantesco, sente, por alguns segundos que seja, o drama de uma mãe, que vagava, esqueleticamente, pelas ruas, quando foi encontrada por sua filha, escoltada pelos bons samaritanos de uma ONG voltada à desintoxicação e reabilitação social de drogados.
                Aquela criatura, negra, esquelética, desdentada, há dias que deambulava pelas encruzilhadas e becos, viadutos e sarjetas, disputando a tapas um pouco de crac para cheirar. Já não sabia o que era alimento para o corpo esquálido, só pensava em cheirar e viajar às regiões sombrias, para, depois, estirar-se, extenuada,  dormir um pouco, e, logo em seguida recomeçar sua interminável via-crucis.
                Não temos conta de quantas vezes, a filha a procurara, levara para seu modesto e digno lar, tentando tirá-la daquela vida e ela fugira. Quantas vezes a filha já a submetera a tratamento de desintoxicação química contra a sua vontade... Tudo isso agora lhe passava rapidamente pela vaga lembrança.
                Estava no fundo do poço... Ah, se pudesse encontrar novamente a filha querida...
                Da última vez, saíra de casa e dissera-lhe:
                — Vê se me esquece. Se estou nessa é porque gosto. Não se meta na minha vida... Fui... E foi-se, para não mais retornar.
                Isso ocorrera há alguns anos, mas agora lhe pareciam séculos.
                A filha, esgotados todos os recursos, apenas lhe deu o que pôde em roupas e dinheiro e pediu-lhe que ao menos não abandonasse o barraquinho onde ainda tinha alguns móveis velhos, um fogão, uma cama para dormir... Não sabia a jovem que a infeliz mulher optara por vender o que tinha para poder continuar sua vida de drogada, inclusive o próprio barraco.
                Agora, quando já nada possuía, quando até alguns dentes lhe foram arrancados por outros dependentes, agora, que até a roupa do corpo era a única que tinha, agora que sua vida era tão triste quanto a da mais triste mendiga, pensava na filha e vagava, chorava e caminhava sem rumo, desesperançada de qualquer amparo de quem quer que fosse vivo neste mundo. Pois, há dias, que lhe pareciam séculos, perambulava como um trapo, pelas ruas, dementada, faminta, intoxicada e  suplicava mentalmente:
                 — Socorro, meu Deus, socorro!... Não sou digna de procurar minha filha, de receber de novo seu carinho, pois infernizei sua vida, mas agora já não sei se estou viva ou morta... socoooro... soc...
                De repente, vê a distância um vulto, robusto, que se aproxima, acompanhado de perto por diversas pessoas com uma expressão de piedade no olhar. Era ela, meu Deus, era ela... Então diz-lhe, nas vascas da agonia, fala-lhe do fundo da alma, como se já não estivesse na terra. Sua voz soa como se viesse do além, comovendo-nos e levando-nos ao choro convulsivo:
                 — KELLY, KELLY... ME TIRA DAQUI! Tenho fome, minha filha... socorro... socorro...
                A filha abraça-a, chorando, e lhe diz, com profundo amor:
                — Sim, mamãe, nunca mais quero vê-la nesse estado...
                — Você está com nojo de mim, Kelly?
                — Não, mamãe, eu te amo...
                — E essas pessoas que estão atrás de você, quem são elas?
                — São médicos e enfermeiros que vão tratá-la com todo o carinho, para que a senhora nunca mais sofra.
                A Bondade Divina, mais uma vez, compensara, em sentimento, a Justiça! E a compaixão humana, novamente, renovara as esperanças num mundo melhor e mais fraterno.
 
               Passemos a palavra a Cruz e Sousa, vez que, na arte da poesia, tiro-lhe o chapéu:
 
                               Piedade
               O coração de todo ser humano
                Foi concebido para ter piedade,
                Para olhar e sentir com caridade,
                Ficar mais doce o eterno desengano.
 
Para da vida em cada rude oceano
Arrojar, através da imensidade,
Tábuas de salvação, de suavidade
De consolo e de afeto soberano.
 
               Sim! Que não ter um coração profundo
               É os olhos fechar à dor do mundo,
               Ficar inútil nos amargos trilhos.
 
É como se o meu ser compadecido,
Não tivesse um soluço comovido
Para sentir e para amar meus filhos!
 
                Ao que nós completamos: Ou para amar e socorrer mamãe!
               
                Feliz dia das mães, leitora mãe!
 
                 Até a quinquagésima crônica, amigos leitores!

domingo, 5 de maio de 2013

Em dia com o Machado 48 (jlo)
 
                Boa-noite!
                Amigos, hoje começarei a falar-lhes sobre o retorno de alguns dos grandes pensadores à Terra, mormente daqueles que, por muito pensarem, pensaram que quem pensava não era eles e sim o cérebro. Coitados, confundiram o efeito com a causa, pois esta não é a matéria e, sim, o Espírito.
                Aliás, cadê a matéria? Está provado que tudo é energia, a qual, condensada, se torna palpável e visível, olfativa, auditiva e gustativa... E dá-lhe espaço! E dá-lhe dimensão!
                Vamos começar por Nietzsche. Segundo fui informado aqui, ele está por aí, reencarnado como Zaratustra, para explicar melhor a lei do “eterno retorno” e a “morte de deus”.
                Comecemos da segunda teoria. Na obra nietzscheana, Zaratustra foi informado pelo último papa de que aquele deus duro, vingativo, dos profetas antigos, fora substituído pelo deus compassivo, velho e fraco dos cristãos.
                Nenhum dos dois logrou sucesso com sua criação: o deus vingativo não conseguiu frear o mal e implantar o bem pelo temor; o deus compassivo não conseguiu tornar bom o mau, pelo amor, pois o amor foi confundido, pelo ser humano, com a paixão carnal, o apego ao poder, ao dinheiro, etc.
                Foi então que, numa crise de fúria, Zaratustra gritou: “Chega de um deus como este!” Ocorreu, porém, que o personagem, matando Deus, quem despencou no vazio da própria consciência e também morreu foi o autor da obra. Não o divino, mas o humano.
                Há dezenove anos, Nietzsche renasceu, no Brasil, numa família ateia que admirava tanto a obra do filósofo alemão, que resolveu pôr o nome de seu protagonista no filho. E eis ressurgido Zaratustra em pele e osso.
                Acontece, porém que o garoto, desde os sete anos, passou a ler com inusitado interesse as teorias nietzscheanas, e, quanto mais as lia, mais compreendia que as pessoas não a compreendiam. Depois, passou a ler outras teorias niilistas, a Bíblia, o Budismo e outras filosofias orientais.
                Até que, um belo dia, saindo da adolescência, deparou-se com a Doutrina Espírita e disse:
                — Eureka! Aqui está a chave de todas as dúvidas humanas. Agora entendi por que não entendia o deus cristão em minha existência anterior. Efetivamente, o deus antropomórfico não existe. É isto mesmo que é Deus: puro Espírito, como dizia Cristo à samaritana! Ele é a Inteligência Suprema, causa inicial de tudo o que existe. É o Motor Inteligente do Universo. E a Física Quântica está certa. Há outras dimensões de espaço que nos tornam relativas as contagens do tempo.
                E saiu por aí a estudar Kardec, meditar Kardec, refletir Kardec, divulgar Kardec, assim como André Luiz, Emmanuel e, mais recentemente, Manoel Philomeno de Miranda, Joanna de Ângelis, Maria Dolores e Amélia Rodrigues entre outros seres imortais como ele mesmo.
                Ampliou, então, Zaratustra, sua lei do “eterno retorno” com as noções da reencarnação, que explicam, claramente, o porquê das desigualdades sociais e pessoais na Terra. Emociona-se sempre com os poemas mediúnicos ditados por Cruz e Sousa, o Cisne Negro do meu tempo (não se esqueça de que sou Machado), chora com a poesia de Antero de Quental, desfere voos alcandoreiros com o Espírito Castro Alves, abraça espiritualmente Vítor Hugo e seus romances mediúnicos, o qual até me deu um conselho:
                — Machado! desce lá e diga àquela gente boa do Brasil que mudaste de time. Fale mais, que os antigos filósofos alemães estão voltando para retificar o entendimento de suas doutrinas. Diga-lhes que agora estás ao lado da Verdade.
                — Do Espírito Verdade, guia espiritual de Allan Kardec? O Enviado de Jesus?
                — Nem tanto... nem tanto... Ainda não tens todo esse mérito, mas podes confabular comigo e outros equivocados como tu, que chegaste a abraçar suas ideias negativistas, e agora, todos arrependidos, estão retornando para explicar melhor suas teorias.
                — Não é o seu caso, ilustre Hugo. Gênio da literatura francesa, desde cedo investigaste o Espiritismo, realizaste sessões espíritas e cedeste à evidência de que os chamados mortos vivem. E vivem melhor do que os que se supõem vivos na carne, mas estão mortos em espírito.
                — Victor agradeceu-me os encômios, com sua modéstia, e saiu de fininho à procura de um médium seguro que lhe pudesse pôr no papel as ideias de um novo romance espírita extraordinário, cujo tema prometeu informar-me dentro de alguns dias.
                Passemos agora ao filósofo alemão que nos ensinou a escrever com arte e que, segundo Thomas Mann, é o “pai de toda a psicologia moderna”:  Schopenhauer.
                Segundo esse filósofo, “deve-se evitar toda prolixidade e todo entrelaçamento de observações que não valem o esforço da leitura. É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor [...], se quisermos que ele se dê ao trabalho de ler o que escrevemos”. Talvez por isso é que o twitter (chilreio ou breve canto de um pássaro) e os sites de relacionamentos têm feito tanto sucesso no mundo atual.
                Schopenhauer reencarnou na China, com o nome de Chervir de Vircher. Seu objetivo atual é mostrar ao mundo a excelência de uma escrita simples, direta e, por isso mesmo, clara e objetiva. Dizia ele, em sua vida na Alemanha, que, quando alguém se torna profundo conhecedor de uma área específica do conhecimento e despreza os demais campos do saber, não passa de uma pessoa comum, em relação às demais áreas intelectuais. Desse modo, um profundo conhecedor de uma Ciência qualquer, mas sem qualquer autoridade em outras áreas do conhecimento, ainda que com a pretensão de servir, no que foge à sua especialização, vem a ser uma verdadeira “besta”.
                É preciso conhecer de tudo um pouco, falava ele. Então, comparava certos especialistas com o Quasímodo de Victor Hugo, o corcunda de Notre-Dame, que conhecia tudo sobre a catedral, mas fora dela nada sabia.
                — Qual a finalidade de sua reencarnação chinesa? Perguntei-lhe.
                — Ensinar o ser humano a pensar por si só, pois somente uma mente criativa é capaz de nos proporcionar algo digno de ser lido. A forma é mais importante que a matéria. Talvez por isso, uma mesma piada contada por duas pessoas poderá ser indiferente à primeira e hilária à segunda, em virtude do  modo de contar de cada uma delas.
                Só com a valorização da forma, sem, contudo, desprezar a matéria, podemos servir para vir a ser. Concluiu, filosoficamente, Chervir de Vircher.
                Por fim, faz uma referência a Rousseau, que diz: “Todo homem honesto deve assinar o que publica”. Pois se o que é bom deve ser apreciado e, mesmo elogiado, o que é ruim deve ser desprezado e, mesmo rejeitado.
                Acredita o filósofo que a tão decantada biblioteca de Alexandria, destruída por Júlio César, talvez não contivesse mais do que trinta por cento de obras dignas de serem lidas. Portanto, não se deve chorar tanto por ela, quanto a Argentina por Evita, conforme diz a letra de Tim Rice.
                — Ainda assim, disse-lhe, foi uma lastimável perda cultural para a humanidade.
                — Maior perda cultural é alguém passar toda a vida especializando-se numa coisa só e permanecer estúpido em todas as demais. Disse-me ele, com o que concordei.
                Mas é preciso saber escolher o que ler, pois não ler também é uma arte. Obras ruins são nocivas para nosso intelecto e podem nos trazer grande fraqueza espiritual.
                Concluiu, então, meu amigo Schopenhauer, em sua última vida, que a vida é curta, nosso tempo e energia têm limites e, portanto, é preciso discernir o que se deve ler do que não se deve.
                Extremamente pessimista na interpretação do Cristianismo e do Budismo, em sua encarnação como Schopenhauer, para ele, o amor seria a meta da vida; porém não entendeu a diferença entre paixão e desejos, vinculados às glândulas e órgãos corporais, com os mesmos sentimentos canalizados para o bem, como aspectos positivos do amor espiritual.
                Aprendeu, então, no Astral, que, no corpo, possuímos duas naturezas: a animal por parte do corpo; a espiritual por parte da alma. O objetivo é subjugar a primeira e desenvolver a segunda.
                Reencarnou, portanto, para refazer suas conclusões à luz da certeza de que somos eternos; fomos criados para a felicidade, que se torna tanto maior quanto maior for a soma do bem que fizermos.
                Muito inteligente, agora está com dezoito anos, mas, aos sete, certo dia, disse à sua mãe:
                — Mamãe, sabia que somos imortais e que fomos feitos à imagem e semelhança do Espírito de Deus e, portanto, percorreremos todo o universo rumando para a eterna perfeição espiritual?
                Ao que sua mãe, espantada, lhe respondeu:
                — Chervir, meu filho, vai brincar com Zaratustra, seu amiguinho brasileiro, e deixa a Filosofia para quando cresceres.
                — Mas, mamãe, foi ele mesmo quem me ensinou isso...
                Pois é, leitor amigo, há muito mais gente boa retornando para ensinar aos humanos da Terra o que ouviu dos Espíritos do Além do que possa imaginar sua vã Filosofia.
                Cuide-se.

  Contador e ciência contábil (Irmão Jó)   Contador, tu não contas dor, Mas no balanço das contas O crédito há que ser superior.   Teu saldo...