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quarta-feira, 18 de abril de 2012

Guia de pesquisa e de redação

Brevemente será publicado o livro "Guia prático de leitura e escrita", de autoria e coordenação de Jorge Leite de Oliveira e coautoria de Geraldo Campetti Sobrinho e Manoel Craveiro. Os autores esperam que a obra seja um "pequeno grande livro", mas a avaliação é sua.
Segundo representante da Editora Vozes, em maio próximo a obra será editada.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Artigo - Jorge Leite de Oliveira (jlo)

                 Ainda que a justiça dos homens não puna
                 nossas faltas, nada escapa a Deus.
                 Após anos de sucesso, o concurso de artigos destinado a alunos, funcionários e professores foi, mais uma vez, lançado naquela famosa faculdade. Os alunos competiam entre si, mas os funcionários graduados concorriam com os professores. Naquele ano, um dos concorrentes do corpo docente soube de uma funcionária muito dedicada que, embora esta jamais houvesse participado do concurso antes, daquela vez seria sua vencedora, ainda que aquela fosse, também, a primeira vez que escreveria um artigo.
            O prêmio para o vencedor era bastante generoso: três mil reais. Isso equivalia a dois meses de trabalho de Marcela, a concorrente imbatível. Assim mesmo, Genebaldo, professor de História da instituição promotora do concurso, resolvera participar. Afinal, no evento do ano anterior fora o vencedor, com o ensaio intitulado A ética na educação. Por isso mesmo, confiava na lisura de sua coordenadora. Entre professores e funcionários, havia mais de trinta participantes do certame.

            Genebaldo trabalhava no mesmo departamento da exemplar funcionária, a quem devia favores mil, como o de conferir lançamentos de menções de seus alunos em diários, tirar cópias de exercícios e provas, fornecer materiais didáticos para suas aulas, etc. É certo que havia outras secretárias e secretários no local, que faziam o mesmo serviço, mas a funcionária-chefa de todos eles era Marcela. Sem sua autorização, nada de cópias, nada de material didático, nada de conferência de diários, etc.

            Dias antes de Marcela inscrever seu trabalho, a coordenadora do concurso saíra catando todos os artigos premiados dos anos anteriores e, como cedera alguns a Genebaldo, para que este os utilizasse com seus alunos no ensino de produção textual referente ao gênero, perguntou-lhe se o preclaro professor poderia devolver-lhe o material cedido, com o que este aquiesceu.

            Numa bela manhã, após o encerramento das inscrições, uma colega de Marcela, que se chamava Larissa, muito querida por todos os colegas e professores, ao atender Genebaldo com o fornecimento de pincel para anotações no quadro branco, espontaneamente, disse-lhe o seguinte: “Professor, o resultado do concurso do qual o senhor participou deve sair na próxima semana, e a Marcela, que também participou, vai ser premiada como autora do melhor trabalho, pois a coordenadora do evento está ajudando-a. Esse será também um reconhecimento público à competência profissional da colega, que trabalha aqui há mais de dez anos e está meia individada”.

            “Como assim? O regulamento prevê autoria exclusiva, os artigos ainda nem foram avaliados e você já sabe quem vai ganhar? Não sabia que era médium clarividente, pois os dados dos concorrentes são sigilosos.”

            “Não é nada disso, fessô. Acontece que a colega está passando uma grande dificuldade financeira e precisa do dinheiro para pagar suas dívidas. E ela merece...”

            “Ah, sim, já entendi. Uma semana antes de serem avaliados todos os artigos e ser publicado o resultado do concurso, com os nomes dos ganhadores dos prêmios, há uma participante, mais você e a professora coordenadora do evento que estão cientes de quem será sua vencedora, na categoria professores e funcionários, não é isso mesmo? É justo, é justíssimo... Só não sei se os demais concorrentes, se souberem disso, também acharão justo”.

            Na semana seguinte, Marcela foi declarada a vencedora do evento e, dias depois, falou, meio sem graça, a Genebaldo: “Pois é, professor, esta foi a primeira vez que participei do concurso e consegui o primeiro lugar... Muita sorte, ?”.

            “Parabéns”, respondeu-lhe o professor, abraçando-a. “Você precisa...”

            Mas não deixou de pensar: “Sorte nada, alto QI. Bem feito para nós, mestres, doutores e outros funcionários graduados que não soubemos escrever um bom artigo.”        

            Por coincidência, aquele foi o último ano do concurso. Como há coordenadores generosos neste mundo...

            A história acima foi-nos contada por um professor nostálgico dos tempos em que já se pensou em uma educação voltada para formar hábitos saudáveis, respeito à ética, aos valores fundamentais do direito, dos bons costumes e da moral. “Infelizmente - dizia-nos ele - há muita gente que faz da teoria um meio de alcançar seus objetivos espúrios, sem nenhuma preocupação em reformular seus próprios princípios duvidosos e sem cogitar sobre as consequências do mau uso do livre-arbítrio em nossas curtas vidas na Terra”.

            Segundo Allan Kardec, na questão 685 a) de O Livro dos Espíritos,

há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as consequências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos.[1]

            Infelizmente, algumas pessoas, quando investidas do poder temporal na Terra, deturpam, com seus atos, os valores mais elementares da ética, se desejam beneficiar as criaturas que estimam, com um paliativo para suas dificuldades financeiras, quando podem, perfeitamente, aumentar seus salários. Preferem fingir que premiam esse ou aquele com a criação de concursos fraudulentos do que respeitar o trabalho e o mérito de muitos outros que, ingenuamente, creem na lisura da avaliação de seus esforços.

            Vemos, com indignação, em nossa sociedade contemporânea, tornarem-se comuns situações como a descrita na história acima, seja em concursos públicos ou na iniciativa privada. Difícil é provar a falta de lisura, ainda que isso fique evidente, pois, mesmo que o consigamos, tal “atrevimento” poderá implicar em nossa demissão, caso pertençamos ao quadro de funcionários da empresa.

            Quando a educação tiver por norma criar hábitos saudáveis, preparar o caráter do educando para os benefícios perenes da prática do bem, do respeito aos direitos do próximo, tais ajudas antiéticas não mais terão lugar em nosso mundo. Para isso acontecer, é imprescindível que se invista na educação do espírito como um todo, não somente na formação de uma mente intelectual.

            A educação, segundo o educador Edgar Morin, deve basear-se nos quatro pilares seguintes: aprender a ser, a conhecer, a fazer e a conviver[2]. Os bons e os maus exemplos sempre deixam suas marcas, por isso precisamos pensar seriamente em sua força e influência. “Quantos prosseguem ou quantos desistem, influenciados, quase sempre sem consciência do fato, pelos nossos exemplos bons ou maus”[3].

            A verdadeira educação fundamenta-se na elevação moral do espírito eterno, base de todas as crenças. Ainda que muitos não creiam, a Lei de Deus retribui “a cada um segundo suas obras”, conforme os ensinamentos de Jesus confirmados pelo Espiritismo.

            Quem hoje lesa alguém, amanhã será lesado igualmente. Os que não acreditam nisso fatalmente terão sua comprovação quando menos esperarem. Por isso, é importante que busquemos sempre o bem, sem jamais esquecermos que, diante de Deus, não existem privilégios entre seus filhos; e não nos cabe tomar-Lhe o lugar. Lembremo-nos da recomendação de Jesus, para que, de futuro, não venhamos a sofrer as consequências do mau uso do nosso livre-arbítrio, tão negado pelos niilistas atuais, mas a mais certa verdade cristã, que nos esclarece sobre a existência da justiça de Deus na consciência de cada um de nós: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lhos também vós, porque esta é a lei e os profetas” (Mateus, cap. 6, v. 12).





[1]  KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 75. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1994. p. 331.
[2] OLIVEIRA, Gladis P. A missão e os missionários. Porto Alegre: Francisco Spinelli, 2009. p. 167.
[3] Idem. p. 232.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Resumo de A MÍDIA LITERATURA (GUMBRECHT, Hans Ulrich. Modernização dos sentidos. Tradução de Lawrence Flores Pereira. São Paulo: Ed. 34, 1988.

Jorge Leite de Oliveira

Gumbrecht considera real a posição da literatura como mídia. Acredita que a palavra “literatura”, atualmente, quase não mais pode ser utilizada para classificar alguma obra. O que os americanos utilizam na classificação atual são as palavras ficção e não ficção, correspondentes, em alemão, a belas letras e literatura especializada. Isso nos traz conceitos vagos de literatura. O leitor não espera ser convencido de qualquer coisa por um escritor literário, não há um objeto de referência comum entre autores e leitores. Autor e leitor não têm interesses recíprocos. Não há motivo obrigatório ou importante para tal, apenas o que se pode chamar de “pacto de magnanimidade”. Não importa se o que é narrado é real, pois a “ficcionalidade” é o componente central da literatura. Por fim, um componente que deve estar presente na literatura é o que o autor chama de “mais valia”, ou seja, “o gosto especialmente cultivado”. O conceito do autor sobre “mídia literatura” é que ela é interrompida no fim da Idade Media. A cultura medieval parecia ainda não ter desenvolvido o conceito e a modalidade da ficção, não havendo, segundo Hans Gumbrecht, um terceiro termo pra diferenciação entre verdade e mentira. A palavra “expressão” desenvolveu-se nos Séc. XV e XVI e a interpretação torna-se necessidade básica para se descobrir o que o autor sente ou pensa. Com o advento da imprensa, não somente houve uma separação entre o “corpo” do autor e o texto. Também “durante os dois primeiros séculos da história do livro impresso”, resgatou-se a idéia presente na Antigüidade Clássica de que os textos são “reflexos do mundo”. A poética de Aristóteles como imitação da realidade volta ao centro das atenções. A cultura cortesã da Idade Média era “parte de uma forma de vida e, consequentemente, de um mundo social. Os leitores modernos esperam que os textos se defrontem com o mundo e o reflitam, e somente então passa a ter relevância que os autores se refiram ao mundo, como instituição básica para a ficção. Dom Quixote seria uma paródia do leitor ingênuo que se identificava com os livros impressos contendo um mundo inacessível a ele. Mas é somente a partir do início da era moderna que a “mídia literatura” nos proporciona a identificação do leitor com o autor, sua intenção, leitura, reflexo do mundo e ficção. É então que se torna mais preciso o conceito de “mais valia”: os textos devem possuir um critério vago de “utilidade” (a literatura deve agradar os leitores e ser útil, instrutiva). Surge a “comunicação compacta”. No lugar de poemas recitados pessoalmente para a amante, surge o livro impresso sobre “Poemas para amantes”. No lugar de roda de amigos narrando seus textos literários, a moderna mídia literatura ensina seus leitores a imaginar, além das significações do texto a presença do uso dele. A mídia “literatura” teve seu ponto alto no Iluminismo do Séc. XVIII, quando se trabalhou intensamente as significações e sua validade enquanto representação do mundo.
“Por algumas décadas, o conceito de literatura, na verdade, desdobrou-se para englobar a gama de todos os textos e gêneros de textos, dos quais os leitores — seja em que modalidade específica for — podiam esperar a mais-valia de uma ampliação e complexificação de seu saber sobre o mundo.” O Iluminismo rompeu com o culto às tradições institucionais. Surgiu como proposta de mudança e de inovação. Mas o Iluminismo também não enxergava sua posição relativa, pois geralmente se apresentava como correspondente a uma natureza “cósmica” ou “puramente humana” e seus autores se julgavam acima da humanidade (autólatras). Seu distanciamento social era tido como garantia da objetividade do seu saber. A ficção se confunde com a realidade, nessa fase do conhecimento. Elimina-se a diferença entre o falso e o verdadeiro. A literatura do Séc. XVIII era “totalmente alegórica”, ou seja, dependia de uma distinção entre o que o autor queria dizer e os processos e formas literários que utilizava na construção de suas obras. “A ‘presença a distância’ característica da mídia ‘literatura, isto é, a proximidade constitutiva entre autores e leitores concretizou-se, durante o Iluminismo, sobretudo na hipótese global de que os autores (...) colocavam à disposição um saber (...)” que se opunha “às ameaças de censura e repressão”. Surge a expressão de um “saber novo e depurado de todos os preconceitos”. Surge também o romance epistolar, que conquistou o público, “ao oferecer aos leitores acesso aos sentimentos mais subjetivos e excêntricos dos protagonistas que trocavam correspondência”. Quanto mais um leitor correspondente de cartas se afastasse dos oportunismos sociais, mais desenvolvida seria sua capacidade de autorreflexão e “a heroína teria moralmente razão perante a sociedade”. Surge a necessidade da interpretação do romance epistolar do Iluminismo, “expressão” incompleta de uma interioridade “profunda” a que os textos não correspondem totalmente. Entretanto, as cartas das heroínas autorreflexivas, manipulativas e egocêntricas, pós publicação dos livros, fugiam ao controle de seus autores ficcionais e reais. É demonstrada a incompatibilidade entre a subjetividade e a reivindicação de objetividade, sobretudo por Hegel, que decreta o “fim do período da arte” na produção artística romântica cada vez mais subjetiva. No séc. XIX, a excentricidade objetiva do sujeito, isenta de preconceitos, buscada pela literatura do séc. XVIII, parecia “excêntrica demais”. O que se buscava, então, na literatura chamada realista, era superar a crise de representação. A recepção literária, no séc. XIX, não voltada para um objetivo, tornou-se “carente de função”, embora não de falta factual de função social. A mais-valia da literatura era algo específico, não “calculada em termos de funções relevantes para o cotidiano. Esta mais-valia foi amiúde associada à contribuição dos textos literários para a formação de uma imagem normativa da vida social e individual, visão quase religiosa, com papel fundamental na decisão política da educação em diversas nações europeias visando financiar uma disciplina acadêmica voltada à literatura.

sábado, 7 de abril de 2012

o trem (jlo)

lá vem o trem...
tem trem tem trem...
vem de Nilópolis
trazer meu bem
e que beleza
sua natureza

ele lá vem...
tem trem tem trem...
passou na Penha
a Circular
vem pela estrada
com minha amada

e vem também
tem trem tem trem...
passa na Penha
em Olaria
passa por Ramos
e Bonsucesso

vai volta vem
tem trem tem trem...
por toda a Zona
da Leopoldina
de São Cristóvão
a Braz de Pina

passa também
tem trem tem trem...
por Cordovil
e por Caxias
vai a Nilópolis
volta a Manguinhos

vejo meu trem
tem trem tem trem...
com emoção
minha cidade
da estação
uma saudade

saí do trem
trem trem trem trem...
faz tempo faz
cheguei ao fim
e ele jamais
saiu de mim

(Brasília, 7 de abril de 2012.)

sexta-feira, 6 de abril de 2012

"Texto acadêmico", 8ª ed. 2012, com as normas atuais da ABNT

Nosso livro, "Texto acadêmico: técnicas de redação e de pesquisa científica". 8. ed. Petrópolis, RJ, 2012, atualizado pelas normas da ABNT, estará exposto à venda na Bienal. Aproveite para dar uma olhadinha e divulgar aos amigos e amigas interessados em uma obra objetiva direcionada a pesquisas.

as tecla


as teclas nos traem muito
quando pensamos em tê-las
a nosso serviço sempre
ao digitar nossos textos
é preciso observá-las
com muito tino e cuidado
para não sermos traídos
e não virarmos uns malas
se você não pontuar
elas pontuam por ti
mas se você pontuar
elas vos fazem errar
é ponto que não foi posto
é acento fora de esquadro
é menas letras talvez
e menos de português
é meia em lugar do meio
é meio torto o voleio
é chute para escanteio
em tudo que escrevo ou leio
por isso estoy a pensar
que já não sei se estou doido
ou se doído é o que leio:
as tecla nos faz errar

domingo, 1 de abril de 2012

TO THE LIGHTHOUSE (PASSEIO AO FAROL) – Jorge Leite de Oliveira

RESENHA
AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. 4. ed. São Paulo: Perspectiva S. A., 1988 (Col. Estudos dirigidos). Cap. 20. A Meia Marrom, p. 471 – 498.

A Srª Ramsay, enquanto promete ao filho ir outro dia ao farol, se o tempo não estivesse bom no dia seguinte, divagava mentalmente. Nessa divagação, todo um mundo íntimo é revelado simultaneamente com o mundo exterior. O trecho, comentado por Erich Auerbach, é a quinta secção da primeira parte do romance de Virgínia Woolf, To the Lighthouse (Passeio ao Farol), publicado em 1927. O que faz a unidade do texto é uma sequência de atos entre mãe e filho caçula (seis anos): a medição do comprimento da meia, pela mãe, a inquietação ciumenta do filho, que não pára quieto, o primeiro pedido materno para parar de se agitar, o novo pedido, agora zangado, da mãe, para aquietar-se, quando o filho insiste em não ficar parado, a conclusão da medição da meia, na perna do filho, meia que será presenteada ao filho do faroleiro, o beijo na testa de James, filho da Sra. Ramsay e seu convite para procurarem juntos nova gravura para recorte do filho. Outros elementos são incorporados ao texto, também chamados movimentos internos, ou seja, que ocorrem na consciência dos personagens, quer estejam ou não presentes ou participantes. Há ainda o relato de eventos secundários, exteriores, de locais e tempos diversos, como o da conversa telefônica lembrada, o encanto da Srª Ramsay com os olhos de Lily Briscoe, achinesados, que nem todos os homens percebiam e o casamento desta com William Bankes. Há ainda uma frase que é repetida e não explicada: Jamais alguém pareceu tão triste. Ocorre também a citação de comentários maledicentes sobre a vida pessoal da Srª Ramsay, lembrança de um telefonema do Sr. Bankes e suas possíveis palavras à Srª Ramsay e outros movimentos internos e externos da personagem, que são citados como imaginação criadora da escritora Virgínia Woolf, que não comunica seu conhecimento sobre a essência moral da Srª Ramsay e sim expõe ao leitor os reflexos mentais desta personagem. A consciência dos personagens, em romances como o da autora, tem seu conteúdo reproduzido nos romances contemporâneos. A realidade objetiva é misturada com o que se passa na imaginação do personagem. Não existe uma introdução para expressar o pensamento do personagem, como em Goethe, Keller, Dickens, Balzac, Zola, como: “ pareceu-lhe que “, ou “sentiu nesse momento que”. O escritor estava sempre senhor da verdade objetiva. A essência do processo e estilo de Virgínia Woolf é a representação de não um, mas vários sujeitos. A realidade objetiva da Sra. Ramsay é, entretanto, assinalada, ainda que inserida na “pluralidade de sujeitos”, o que a diferencia do “subjetivismo unipessoal”, que só admite a fala de uma só pessoa na expressão de sua realidade. A realidade pluripessoal, na verdade, nasceu da representação da consciência unipessoal e subjetiva. Outra característica de estilo da autora é relacionada ao seu tratamento do tempo: a medição da meia, em si, levaria muito menos tempo para ser narrada do que ocorreu, quando esse ato foi entremeado por pensamentos da personagem. O motivo para o relato do que a personagem pensava também é casual e insignificante: a medição de uma meia que seria confeccionada para presentear o filho do faroleiro. Observa-se, então, um contraste entre o tempo exterior e o interior. Segundo Auerbach, “no caso de Virgínia Woolf, os acontecimentos exteriores perderam por completo o seu domínio; servem para deslanchar e interpretar os interiores, enquanto que, anteriormente e em muitos casos ainda hoje, os movimentos internos serviam preponderantemente para a preparação e a fundamentação dos acontecimentos exteriores importantes”. Observa-se, pois, no romance de Woolf, a característica de dissolver a realidade em múltiplos movimentos conscienciais, caracterizando aqui uma tendência de descentramento objetivo do ser humano, que passa a ser visto em sua múltipla identidade, o que implica num questionamento da subjetividade cartesiana, expressa na frase: “cogito, ergo sum”.

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