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domingo, 1 de abril de 2012

TO THE LIGHTHOUSE (PASSEIO AO FAROL) – Jorge Leite de Oliveira

RESENHA
AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. 4. ed. São Paulo: Perspectiva S. A., 1988 (Col. Estudos dirigidos). Cap. 20. A Meia Marrom, p. 471 – 498.

A Srª Ramsay, enquanto promete ao filho ir outro dia ao farol, se o tempo não estivesse bom no dia seguinte, divagava mentalmente. Nessa divagação, todo um mundo íntimo é revelado simultaneamente com o mundo exterior. O trecho, comentado por Erich Auerbach, é a quinta secção da primeira parte do romance de Virgínia Woolf, To the Lighthouse (Passeio ao Farol), publicado em 1927. O que faz a unidade do texto é uma sequência de atos entre mãe e filho caçula (seis anos): a medição do comprimento da meia, pela mãe, a inquietação ciumenta do filho, que não pára quieto, o primeiro pedido materno para parar de se agitar, o novo pedido, agora zangado, da mãe, para aquietar-se, quando o filho insiste em não ficar parado, a conclusão da medição da meia, na perna do filho, meia que será presenteada ao filho do faroleiro, o beijo na testa de James, filho da Sra. Ramsay e seu convite para procurarem juntos nova gravura para recorte do filho. Outros elementos são incorporados ao texto, também chamados movimentos internos, ou seja, que ocorrem na consciência dos personagens, quer estejam ou não presentes ou participantes. Há ainda o relato de eventos secundários, exteriores, de locais e tempos diversos, como o da conversa telefônica lembrada, o encanto da Srª Ramsay com os olhos de Lily Briscoe, achinesados, que nem todos os homens percebiam e o casamento desta com William Bankes. Há ainda uma frase que é repetida e não explicada: Jamais alguém pareceu tão triste. Ocorre também a citação de comentários maledicentes sobre a vida pessoal da Srª Ramsay, lembrança de um telefonema do Sr. Bankes e suas possíveis palavras à Srª Ramsay e outros movimentos internos e externos da personagem, que são citados como imaginação criadora da escritora Virgínia Woolf, que não comunica seu conhecimento sobre a essência moral da Srª Ramsay e sim expõe ao leitor os reflexos mentais desta personagem. A consciência dos personagens, em romances como o da autora, tem seu conteúdo reproduzido nos romances contemporâneos. A realidade objetiva é misturada com o que se passa na imaginação do personagem. Não existe uma introdução para expressar o pensamento do personagem, como em Goethe, Keller, Dickens, Balzac, Zola, como: “ pareceu-lhe que “, ou “sentiu nesse momento que”. O escritor estava sempre senhor da verdade objetiva. A essência do processo e estilo de Virgínia Woolf é a representação de não um, mas vários sujeitos. A realidade objetiva da Sra. Ramsay é, entretanto, assinalada, ainda que inserida na “pluralidade de sujeitos”, o que a diferencia do “subjetivismo unipessoal”, que só admite a fala de uma só pessoa na expressão de sua realidade. A realidade pluripessoal, na verdade, nasceu da representação da consciência unipessoal e subjetiva. Outra característica de estilo da autora é relacionada ao seu tratamento do tempo: a medição da meia, em si, levaria muito menos tempo para ser narrada do que ocorreu, quando esse ato foi entremeado por pensamentos da personagem. O motivo para o relato do que a personagem pensava também é casual e insignificante: a medição de uma meia que seria confeccionada para presentear o filho do faroleiro. Observa-se, então, um contraste entre o tempo exterior e o interior. Segundo Auerbach, “no caso de Virgínia Woolf, os acontecimentos exteriores perderam por completo o seu domínio; servem para deslanchar e interpretar os interiores, enquanto que, anteriormente e em muitos casos ainda hoje, os movimentos internos serviam preponderantemente para a preparação e a fundamentação dos acontecimentos exteriores importantes”. Observa-se, pois, no romance de Woolf, a característica de dissolver a realidade em múltiplos movimentos conscienciais, caracterizando aqui uma tendência de descentramento objetivo do ser humano, que passa a ser visto em sua múltipla identidade, o que implica num questionamento da subjetividade cartesiana, expressa na frase: “cogito, ergo sum”.

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