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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014


Em dia com o Machado 92 (jlo)

 
            Aquela família de gatos tivera oito filhotes, um morrera ainda muito jovem, com poucos meses de idade. Falecera de um surto de varíola ocorrido na cidade de Pirapiranga- BA.
            A mãe era católica apostólico-espírita e o pai somente espírita, o que não os impediu de batizar e crismar todos os seus gatinhos na Igreja Católica, sob as bênçãos da água benta e do gato padre, que com eles e demais fiéis repartia pães e peixes...         
            Como moravam no interior, a vida era dura ali. O pai chamava-se Jean e a mãe, Sessi. Os filhotes foram batizados, por ordem da maior à menor idade como Tekinha, Raelte, Dinis, Charles, Pablo, Jau e Jack.
            Todos eram bons filhos, mas um, em especial, dava muito trabalho ao gato Jean: dom Dinis, como o pai costumava chamá-lo, em virtude de seu porte altivo e valente.
            Certo dia, quando dom Dinis ainda tinha quatro meses, seus irmãos mais velhos, Tekinha e Raelte, oito e seis meses, respectivamente, chegaram a casa miando desesperados.
            Da porta de sua casa, assustada, dona Sessi perguntou-lhes:
            — Mas o que está acontecendo aqui?
            — Dom Dinis está ali na esquina enfrentando sozinho três cachorrinhos vira-latas bem maiores que ele.
            — Chamem seus irmãos e vamos ajudá-lo, pois seu pai foi caçar ratos e ainda não voltou do trabalho até agora.
            Reunida a família, encontraram Dinis todo arrepiado, cercado de cães pelos três costados, mas com as garras de fora, pronto para arranhar o primeiro que se metesse com ele.    Contudo, ao verem outros seis gatos aproximarem-se em posição de ataque a eles, os três cãezinhos não pensaram duas vezes, ganindo de medo, saíram correndo.
            A família felina voltou para casa sã e salva, mas a partir desse dia Dinis ficou com a fama de valentão, embora nem ele se lembrasse do que acontecera naquela tarde ensolarada.
            Papai Jean, ao voltar a casa com o alimento da família, sabedor do acontecimento do dia, recomendou a Dinis:
            — Meu gatinho, papai o ama muito e não quer vê-lo brincando com gatos vadios da rua, muito menos brigando com cães, que são muito perigosos. Se você for pego desprevenido por um cão grande e feroz, suba na primeira árvore que encontrar, pois cachorros não sobem em árvore.
            — É claro, papai, que farei isso, não nasci ontem e não sou bobo.
            — Dom Dinis! Isso é modo de falar com seu pai? Não repita essa palavra; diga, está bem, papai... Vamos, fale!
            Como era tímido, mas tido como teimoso, Dinis ficou mudo, enquanto o pai insistia:
            — Fale, Dinis, o que lhe pedi, vamos...
            — Claro...
            — Claro, nãããooo, agora ficou escuro... Diga, apenas: “Está bem, papai...”
            Nada respondia o filhote, até que o pai, cansado de insistir, disse-lhe, amigavelmente, não sem antes ouvi-lo murmurar, quase inaudível: — Está bem... É claro...
            — Muito bem, não vou castigá-lo por uma bobagem dessas, mas comporte-se, seja educado, respeite seus pais, trate bem seus irmãos e não brinque com gatos moleques na rua, pois você já tem uma irmã e cinco irmãos para brincar. Não quero que as más influências estraguem a educação que lhes estou dando.
            Assim passou-se o tempo, com Dinis amando cada vez mais seu pai, mas observando que o velho gato já não tinha forças para alimentar a família e adoecera gravemente.
            Nem por isso, todavia, Jean deixava de conversar muito com alguns vizinhos de sua confiança, residentes poucas casas abaixo da sua. Em especial com um deles, pastor evangélico a quem muito admirava e era o chefe da única família de gatos de sua confiança, que também tivera sete gatos. Aliás, gatas, pois contrariamente à família de Jean e Sessi, a família do pastor era composta por seis gatinhas e apenas um gatinho.
            Com esses felinos, Jean deixava seus filhotes brincar livremente.
            Em especial quando ficaram mais velhos, à noite, as gatas e os gatos amiguinhos tinham o hábito de subir nos telhados das casas. Então miavam tanto que acordavam a vizinhança toda. Isso, porém, só aconteceria anos depois, quando Jean desencarnara após uma crise asmática e de pneumonia que o fizeram tossir e gemer dia e noite, durante vários meses.
            Os diálogos de Jean com Josias, o gato pastor, eram bem interessantes, pois cada um respeitava a crença do outro. Ambos, contudo, não se davam conta de que Dinis, alheio aparentemente às suas conversas, registrava e apoiava o que seu pai dizia:
            — Josias, admiro muito você e a educação que dá a sua família, mas, com todo o respeito, se Deus é bom e justo, como explicar que, numa vida tão curta como a nossa, haja no mundo tantas desigualdades? Como explicar a situação dos gatos de madame, que têm veterinários a sua disposição, as melhores comidas, nunca precisaram caçar ratos para se alimentar, vivem em casas confortáveis, cercados de carinhos e mimos, têm almofadas macias para arranhar e dormir, enquanto nós vivemos aqui, nessa dificuldade imensa, tendo que caçar rato todo dia para nos alimentar e à nossa família?
            — E ainda tendo que fugir dos cães das vizinhanças, que não são poucos, adoram nos perseguir e se divertem latindo quando nos veem em cima das árvores, sob os gritos e o riso das crianças e a indiferença dos adultos humanos... Dizia Josias.
            — É, meu amigo, como explicar que haja gatos que são adestrados pelos melhores profissionais, são alimentados com leite, além de peixe de primeira qualidade, ao passo que só nos resta caçar e comer ratos?
            — Há gatos que assistem, na TV, dos colos de seus donos, aos melhores programas, enquanto nós somos enxotados de casa, o tempo todo, por nossos patrões. Concordou Josias.
            — Há aqueles que passam o dia dormindo, comendo do bom e do melhor, têm as melhores companhias e todo o cuidado e amor a suas crias... Quanto a nós, nossos patrões nem nos agradecem quando os livramos dos ratos que infestam seus quintais e residências. Dizia Jean.     
            — Como se justifica isso? Refletia Josias.   
            — Ó dura escravidão! Só mesmo a reencarnação explica tantas diferenças. Concluía Jean.
            — E ainda há gatos que ou são mortos pelos próprios donos, que fazem churrasquinho deles, ou são devorados por cães, sem que seus proprietários liguem a mínima para isso... Confirmava Josias. Mas tudo isso está na vontade do Senhor, que temos de temer e obedecer. Louvado seja Deus! arrematava o pastor.
            Até que, um dia, Jean veio a falecer, após ouvir, em silencioso respeito, as preces que Josias fazia em seu benefício. Desencarnou aos nove anos, deixando Sessi viúva, com sete anos e sete filhotes ainda jovens para alimentar.
            Sessi, então, passou a trabalhar duro e contou com a ajuda de seus gatinhos e gatinha para continuarem a saga de sua última existência.
            Dom Dinis, porém, ao crescer, precisou ir para outras terras, onde se casou com uma gata profeta, teve treze filhotes e vários netos.
            Seus irmãos e irmã casaram-se e também tiveram filhotes e netos. Dinis, entretanto, nunca esquecera seu pai e jamais olvidara o esforço do velho para proporcionar à sua felina família uma educação primorosa.
            Aconteceu que, durante anos, Lulu, esposa de Dinis, que era médium, passara a receber mensagens espirituais do espírito do sogro Jean, as quais muito confortavam Dinis e o orientavam a bem educar seus filhos.
            Após anos de contato mediúnico, quando alguns gatos da família já estavam casados e tiverem filhotes, Dinis informou a sua nora que iria reencarnar, sem que dissesse em qual família iria renascer.
            Depois disso, nunca mais deu qualquer notícia do Além.
            Desde então, dom Dinis, entre uma e outra caça ao rato, passa dias e noites à sua procura, miando no claro ou no escuro, sem saber que o gato amado está tão perto...

 
            Nota machadiana: Essa é uma crônica de ficção. Qualquer semelhança com a realidade de seu leitor ou leitora e respectiva família é mera coincidência. Mas, como murmurou Galileu Galilei, ao ser obrigado a renegar, diante da Inquisição, sua crença de que a Terra se move em torno do Sol: E pur si muove.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014


 

 

Em dia com o Machado 91 (jlo)

 
            Amigo leitor, começo parafraseando Fernando Pessoa, que tomou para si o espírito da frase “Navegar é preciso, viver não é preciso” do italiano Petrarca, que, por sua vez a parafraseou de um general romano chamado Pompeu, o qual, para encorajar os marinheiros medrosos, dizia-lhes: Navegare necesse, vivere non est necesse.
            Pois bem, navegar é uma viagem que exige precisão no percurso, o que, desde os tempos antigos se alcançava com o uso dos astrolábios, depois, das bússolas e, atualmente, por meio dos GPS.
           Quanto à navegação via internet, world wide web, abreviada para www, essa viagem nem sempre é precisa... Muitas vezes, não é preciso.
           E viver, é preciso? Não, pois, na vida, temos altos e baixos, não há precisão. Viver exige coragem, determinação, escolhas e tentativas nem sempre as mais certas.
            Agora, mudando um pouco a paráfrase, já não sei se lhe digo que comunicar é preciso ou que é preciso comunicar, mas o certo é que ocorre cada coisa na comunicação que até os defuntos pulam de seus túmulos. Quer um exemplo? Leia isto:

Avisos paroquiais

 Atenção, amados irmãos, neste mês de fevereiro, haverá uma missa cantada por todos os defuntos de nossa paróquia.
            Outro aviso:
Por favor, coloquem suas esmolas no envelope, junto com os defuntos que desejem que sejam lembrados.
 
            Leiam também estes:
Prezadas senhoras, não esqueçam a próxima venda beneficente. É uma boa ocasião para se livrarem de coisas inúteis. Tragam seus maridos.
O preço do curso sobre oração e jejum não inclui as refeições.
Para todos os que têm filhos e não sabem, temos na paróquia uma área especial para crianças.

Frases jornalísticas
Esta nova terapia traz esperanças a todos aqueles que morrem de câncer a cada ano.
Ela contraiu a doença na época em que estava viva.
A polícia e a justiça são as duas mãos de um mesmo braço.
O presidente é um jovem sexagenário de 80 anos.

                                                           Redações escolares
Maria viu seu irmão sentado em sua cadeira

             De quem é a cadeira, dele, ou dela?

As mulheres não compram só os maridos.

            Para quem não gosta de pontuar fica o aviso: a falta de uma vírgula pode mudar completamente o sentido de uma frase. Se houvesse sido colocada a vírgula após “compram”, no contexto da frase, apenas os maridos seriam os compradores de algo.

José ficou no banco, quando viu Joana com os binóculos.
         Na frase acima, não se sabe em que banco José ficou. No banco da praça? No banco comercial? No banco da escola? Ó mistério!
            E Joana, foi vista por José quando estava com binóculos ou José estava com binóculos quando viu Joana? Ó dúvida cruel. É quando o aluno que escreveu tal “pérola literária” ameaça até de morte a pobre professora com a justificativa de que, para ele, a frase só tem um sentido. Para ele...

            Outro dia, um amigo de meu secretário falou-lhe o seguinte:
           — Estou com vontade novamente de ir a Paris.

            Ao que Joteli perguntou-lhe:
          — Quando você foi lá a última vez?

            Resposta do amigo:
          — Nunca fui a Paris.

         — Mas você não disse que queria ir lá novamente?
        — Não, o que eu disse foi que “estava com vontade novamente” de ir lá; mas como não tenho dinheiro, fico só na vontade.

            Como podemos observar, amigo leitor, a ambiguidade tanto pode servir para fazer humor, produzir textos literários ou comerciais propositadamente com duplo sentido, como também expressa ignorância crassa de quem fala ou escreve.
            Para Pessoa, porém, o que é preciso é criar; enquanto, para nós, para criar é preciso aprender, e, para aprender, é preciso, é necessário viver, pois “Viver é aprender!”

            Au revoir.

 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Dor da saudade (jlo)

Ah! esta dor que me invade
 Que procura me extinguir
 Estruge-se em mim ardente
 Sem nunca me consumir

 Esta dor de uma procura
 De algo que não sei dizer
 Quase me leva à loucura
 Sem, porém, loucura ser

 É a dor do meu desencanto
 Que não se extingue falando
 E nem se expressa num canto

 É sofrimento da gente
 Que vai nos aniquilando
 Saudades que a gente sente!

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014


Em dia com o Machado 90 (jlo)

 

            O grande cantor Júlio Iglesias recusou os devaneios de sua indecisa namorada numa de suas músicas: “Não me interessas com teus devaneios”.

            Martin Luther King também teve seu sonho: ver todo o mundo dar-se as mãos e abraçar-se, sem distinção de cor da pele, condição social ou crença.

            Jacó também sonhou com a escada que levava ao céu; e a Voz do Senhor lhe destinou uma nação: Israel (Reconheço que a rima céu/Israel é pobre, mas rima é rima).

            Agora, falar-lhes-ei dos meus sonhos, amigos leitores. Sonhos sonhados.

            Sonhei que homens e mulheres passaram a ser, incondicionalmente, respeitados em suas opiniões, atitudes e diferenças, ainda que não concordássemos com elas, pois o amor fora, finalmente, compreendido e praticado como a lei maior da vida.

            Confirmei que a continuação da vida, no mundo espiritual, se tornara tão patente que deixara de existir ateus no mundo.

            Sonhei que todas as crenças, mesmo aquelas que nos pareciam estar em completo desacordo com nosso modo de compreendê-las, também tinham o respeito de todas as pessoas, pois fomos criados, simplesmente, para amar e servir.

            Observei que a corrupção, a mentira, a violência moral ou física foram banidas da Terra para sempre.

            Sonhei que todas as manifestações pacíficas, reivindicando direitos, continuaram pacificamente ouvidas e atendidas pelas nossas autoridades e governantes mundiais.

            Constatei que todas as crianças, jovens e adultos passaram a usufruir de escolas em três turnos diários, cinco dias na semana, com direito a tempo razoável para recreação, alimentação e lazer, além de professores do mais alto nível moral e intelectual que amavam educar e educar-se durante toda a vida.

            Comprovei que passara a existir uma ocupação útil, mais conhecida como trabalho, para todas as pessoas que desejassem trabalhar e com as opções compatíveis com a habilidade e capacitação individuais. E também que todo o trabalho recebia uma justa remuneração, o que dispensava a greve e tornava injustificada qualquer queixa trabalhista.

            Descobri que, durante e nos fins de semana, as famílias dedicavam algumas horas para o culto a Deus com cânticos e orações maravilhosos.

            Sonhei que em cada esquina, ou em cada quadra onde não havia esquina, havia um posto de saúde para atendimento às necessidades básicas de todas as pessoas e animais. E mais, que os hospitais estavam quase sempre vazios, por falta de doentes.

            Verifiquei que a segurança se tornara algo relacionado à proteção constante dos pais, educadores e amigos junto de todas as pessoas, em especial, crianças ou idosas.

            Sonhei que, sem deixar de existir o mérito próprio para as aquisições de bens, a vizinha pobre da vizinha rica não lhe tinha qualquer inveja. E também que o vizinho rico do vizinho pobre tratava este com a simplicidade, a atenção e o carinho dos bons amigos.

            Vi, ainda, que o ideal de toda a humanidade passara a ser a prática do bem incessante e que a vida tornara-se abençoada e respeitada em todas as suas formas de manifestação.

            Percebi que se acabaram os congestionamentos do trânsito. Como ninguém mais pensava em se apropriar de quaisquer coisas que não fossem suas, Deus permitira a toda a humanidade deslocar-se pelo ar, pela terra e pelo mar com a velocidade variável de 5 a 55.000 km por hora. E, além disso, que a felicidade da volitação reunia dezenas, centenas de homens e mulheres em longos e inolvidáveis passeios pelo ar, como um bando de andorinhas felizes.

            Sonhei, enfim, que a alimentação de todo ser humano passou a evoluir segundo o seguinte esquema: animal>vegetal>mineral>energia. De tal forma que, ao alcançarmos a essência energética, todos os corpos estariam sempre belos, malhados, sadios e jovens, sem qualquer necessidade de regime, sem idas ao banheiro; e que o amor seria o verdadeiro alimento de qualquer de nós, espíritos criados para o aperfeiçoamento e felicidade eternos.

            Acordei e constatei que tudo isso era verdade, mas que esses devaneios, por enquanto, só existiam nesta outra dimensão em que me situo: a do Espírito imortal.

            Boa-noite! Tenham bons sonhos, amigos e amigas.
            E... jamais desistam de seus sonhos.


 

            

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Antes  que seja tarde... (jlo)

Enquanto as horas passam dia a dia,
Há pássaros que cantam das palmeiras
Desde a manhã às horas derradeiras
Mas sem jamais abandonar a cria.

Ao seu trabalho o canto sempre alia
Quem deseje servir a vida inteira
E faz da caridade a companheira,
Pois no bem tem a força que auxilia.

Não posterguemos, pois, este convite
De atender com a amor seja quem for
Antes que seja tarde em demasia.

Quando se faz o bem, quem nos assiste
Canta como essas aves do Senhor
E traz ao próprio ser grande harmonia.


Brasília, 22 de abril de 2012.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Em dia com o Machado 89

            Amiga leitora, você deve estar curiosa para saber algo sobre o Clube Beethoven. Afinal, a que se destinava esse clube? O que um jovem que mal concluíra quatro anos na escola poderia oferecer a tal clube?
            Vamos com calma. A primeira resposta é a de que o clube tinha por finalidade promover saraus musicais. Foi ali que disputei belas partidas de xadrez e ouvi, ao piano, excelentes interpretações de música clássica compostas por Joaquim Antônio Callado, Ernesto Nazareth, Robert Schumann, Frederic Chopin, entre outros grandes autores clássicos. “Mas tudo acaba, e o Clube Beethoven, como outras instituições idênticas, acabou”.
            Em meu tempo, a criatividade cultural humana era algo “simples como as pombas e prudente como as serpentes”, como o Mestre Jesus nos aconselha ser. Paula Brito, meu primeiro incentivador literário, costumava postar em seu jornal alguns motes para serem glosados por seus leitores. Outro dia, saudoso dos seus incentivos literários, pedi-lhe:
            — Vem cá, Brito, diga-me uma coisa, que tal propor um mote para ser glosado por este seu amigo?
            O cabrito não se fez de rogado e mandou esta:

Qual dos dois tinha mais fé:
O que diz de Assis Augusto
Sobre o que escreveu Machado,
Ou a resposta do Bruxo?

            Lendo isso, Augusto dos Anjos escreveu este soneto:

Eu sou um ser originado das profundas
regiões abissais deste imenso universo...
Já fui molécula atômica, já fui tundras,
perpassei todos os mil reinos que há num verso.

Por fim, parei na existência das nauseabundas
excrescências mentais que teimei  descrever,
cujo mau cheiro era pior que sujas bundas,
mas a vaidade e o orgulho me impediam ver.

Vivi no tempo das carroças vis puxadas
por pangarés metidos a corcéis famosos
que carregavam vermes vãos, insidiosos.

Morri descrente, as esperanças malogradas
clamavam vivas contra os fatos mentirosos
que, desde então, propalam seres malcheirosos.

            Como adoro um desafio literário, respondera-lhe deste modo metafrásico:

Como vida surgida dos abismos,
fui pedra, mineral, fui vegetal...
Já fui de tudo um pouco, e o animal
que em mim reside viu mil cataclismos.

Enfim, tornei-me, sem anacronismos,
este moderno e velho ser mental
que, sendo antigo, também é atual,
avassalado pelos ironismos.

Porém, se o orgulho tanto inda me açoda,
já houve tempo em que puxava roda
como se fora carroceiro ateu.

Pressinto agora que ainda está na moda
a crença que neguei e me incomoda,
pois vejo, após a morte, o riso teu.

            Imediatamente, o enxerido do meu secretário arrematou com esta paródia:

Como um ser que dizia ter nascido
das profundas dos vermes putrescíveis,
até que não foi mal eu ter vivido
escarnecendo das mazelas cíveis.

Por fim, cansei de ter oferecido
meu tempo precioso a tão horríveis
e verminosos seres que, de ouvido,
sonhei estar melhor com meretrizes...

Ouvi do Conselheiro, meu bom Aires,
que endurecer-se hay, pero no mucho
estou pra mim que está em Buenos Aires...

Chamei Brás Cubas e pedi-lhe: — Venha!
Vou dar-lhe um piparote bem no bucho.
Do jeito que isto está parece lenha.


            Depois dessa, confesso-lhes, meus cinco leitores amigos, que senti uma vontade imensa de ir correndo ao Clube Beethoven escutar a 5ª Sinfonia, enquanto jogo uma partida de xadrez com Robert James Fischer, o Bobby Fischer.
            — Ó Joteli, vá ver se estou ali na esquina!








            

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Em dia com o Machado 88 (jlo)

            — E então, Machado, vamos continuar seus dados biográficos e falar sobre a Sociedade Petalógica?
            — Meu caro Joteli, creio seja melhor falar de outra coisa. Embora o número de acessos a seu blog já ultrapasse 7.000, falar de alguém que já foi tema de milhares de biografias é chover no molhado. Falemos de coisas amenas. Copa do Mundo, eleições e segurança, por exemplo.
            Comecemos pelo fim: a segurança no Brasil. Conforme tem sido noticiado, o sistema penitenciário brasileiro é um dos mais desumanos da humanidade desde que se construiu a primeira cadeia em nosso país.
            Mas dele falaremos mais adiante. Comecemos pela questão sempre recorrente da violência brasileira. Iniciado junto com as reivindicações de passagens de ônibus mais baratas, em São Paulo, e outros pleitos, o vandalismo tem comovido muito nossas autoridades, que ficam muito receosas em causar qualquer dano físico aos manifestantes revoltados. Coitados, a raiva desses cidadãos e cidadãs é tão intensa que, só para se ter uma ideia, apenas num dia, 13 de janeiro de 2014, ocorreram doze assassinatos na madrugada de Campinas, acompanhados por vandalismo de três ônibus queimados e outros sete carros depredados.
            Durante todo o mês de janeiro deste ano, 33 ônibus foram queimados em São Paulo.
            A Secretaria de Segurança Pública vem trabalhando duro, para o combate a tais vandalismos, com a instauração de inquéritos, inclusive administrativos. Algumas teorias vêm sendo apresentadas à população sobressaltada. Seria uma invasão de alienígenas? Estaríamos retrocedendo ao tempo dos bárbaros? Quem o saberá?
            Já sei o que você, leitor amigo, acaba de pensar: “— Respeite os bárbaros, meu caro Machado”.
            — Pois, meu caro, como se sabe, em várias penitenciárias brasileiras, há alguns anos, o crime vem sendo comandado por facções criminosas dentro e fora dos presídios. Estudos intensos vêm sendo feitos pelas autoridades constituídas, no sentido de, em vez de punir, educar esses “elementos”. Aliás, tem sido proposto não chamarmos nossos irmãos justamente revoltados por não disporem de cadeias humanitárias com essa denominação ignominiosa: “elemento”. Muito justa, muito oportuna observação.
            Também não concordo com punição, é preciso educação. E nisso nosso Governo vem sendo um exemplo mundial, você não concorda, amigo?
            Por isso mesmo, não creio que se deva divulgar apenas o lado negativo das políticas públicas. As cestas básicas, as bolsas escolas, as próprias escolas, os serviços de abrigos, o combate ao consumo de drogas são algumas medidas profiláticas do mais alto nível, adotadas pelo Governo atual em prol de uma sociedade mais justa e tolerante. Afinal, 2014 é o ano das eleições presidenciais.
            Todavia, não posso deixar de falar, ainda de um estado que, durante muitos anos, quase não era lembrado, a não ser pelo fato de nos ter dado um presidente da República e uma governadora. Nem é preciso dizer que nos referimos ao Maranhão, não é mesmo, leitora amiga bem informada?
            Pois bem, em 2013, segundo as notícias mais recentes da imprensa brasileira e mundial, ocorreram sessenta assassinatos na penitenciária de Pedrinhas-MA. No dia 2 de janeiro de 2014 houve ali dois assassinatos bárbaros e no dia 20 desse mesmo mês, outro crime, em que as cabeças das vítimas, já vitimadas por estarem em um presídio com cerca do dobro de sua lotação, foram cortadas e utilizadas como bolas de futebol. Afinal, estamos no ano da Copa no Brasil e precisamos dar o exemplo, não é mesmo?
            Nada mais tenho a lhe comentar, amigo leitor, a não ser que acabo de sentir um pouco de náusea e vou tomar um sonrisal. Por que será? Será por quê?
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            — Joteli, traga uma cerveja sem álcool para tomarmos em comemoração a este feliz ano de futebol e eleição. Quem sabe, tirando o álcool do copo, melhore a escolha do nosso representante maior, o presidente da escola de samba Unidos do Brasil.
            — E sobre a Petalógica, Machado, nada a declarar?
            — Declaro que um dos grandes feitos da sociedade foi aplaudir a construção das estradas de ferro, a iluminação a gás, a transformação do carnaval e a reconstrução dos teatros. Ou seja, nessa época, acreditávamos num futuro grandioso para o nosso país.
          — Esperemos, então, meu caro Bruxo, que o futebol, grande teatro brasileiro, em 2014 seja um palco de aplauso mundial.
            — Se as obras não atrasarem muito, meu amigo...
            — Bota fé nisso, Machado, com o jeitinho brasileiro, tudo há de dar certo.
            — Então vamos orar, como propus na quadra final do poema que dediquei ao meu mestre falecido, o padre Silveira Sarmento, no tempo da Petalógica:

Ide, ao som das sagradas melodias,
Orar junto do Cristo como irmãos,
Que os espinhos da fronte do Messias
São as rosas das frontes dos cristãos.


            Na próxima crônica, falaremos sobre o clube Beethoven. Até lá, amig@s!

  O livro   (Irmão Jó)   D esde cedo é importante I ncentivar a leitura A os nossos filhos infantes.   M ais tarde, na juventude, U ma vont...