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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 83 (jlo)


                Estávamos no último dia do ano e  vimos, pela TV, a corrida de São Silvestre; constatamos que os quenianos voltaram a vencer, que o melhor corredor brasileiro só conseguiu ser o quarto colocado e que a melhor corredora ficou em sexto lugar. O tempo de cada um? A metade do que eu ou você, amigo leitor e habitual corredor, costumamos gastar numa corrida de 15 km.
            Mas não desanimemos, continuemos correndo ou, se não pudermos correr, uma caminhadinha diária de meia hora ainda é mais vantajosa do que duas ou três corridas de 5 ou 10 km por semana.
            O mais importante, em tudo isso, é que estejamos vivos e produzindo algo, senão em prol de nós mesmos, ao menos em prol de nós mesmos, pois quando produzimos algo em benefício alheio, ainda que não o saibamos ou não pensemos nisso (o que seria ideal), estamos fazendo por nós próprios.
            Chegado um novo ano e já tendo dobrado novo século, as expectativas para 2014 são várias: os adeptos do futebol desejam ver nossa seleção campeã, para não darmos o vexame de 1950, em pleno Maracanã; os políticos desejam ver a situação mudar: os da situação para melhor, os da oposição para pior; os religiosos esperam ver o Cristo voltar, pois ainda não perceberam que quem precisa se transformar somos nós mesmos e não os outros... Enfim, deixemos a morte, pois a vida nos chama.
            Ontem, vi e ouvi na televisão um apresentador perguntando o que algumas pessoas do palco desejariam jogar fora, antes de iniciarem o ano novo. Um disse que gostaria de se livrar da sogra, o que é uma crueldade, pois há sogras melhores do que algumas mães; o outro disse que jogaria fora a pança, mas se não se esforçar em praticar exercícios e ser comedido na alimentação vai perder seu tempo; a outra se propôs jogar fora as contas a pagar, o que não resolveria o problema de suas dívidas; teve até uma jovem que sonha ficar livre do namorado chato. E eu me pergunto: como alguém consegue namorar um chato?
            A vida ruidosa chama-nos, leitor amigo, com os seus 214 milhões de reais que correram pela megassena nesta semana. Quem apostou até as 14h de 31 de dezembro de 2013 apostou, quem não o fez que o fizesse, afinal, com essa grana na mão, até o Anderson Silva se convenceria de que não vale mais a pena lutar, o que dizem que ele não aceita admitir, após quebrar os dois ossos da perna em sua última luta. A essa altura, já temos quatro ganhadores: dois do Paraná, um de Alagoas e um da Bahia. Do Paraná, as cidades de Curitiba e Palotina foram contempladas; de Alagoas, o prêmio foi para Maceió e na Bahia, Teofilândia ficou conhecida nacionalmente, graças ao seu felizardo milionário.
            O que vale a pena mesmo, amiga leitora, é investir, a partir de agora, em trabalhar incansavelmente no bem, como dissemos acima, ainda que tal propósito obedeça, antes, ao nosso bem pessoal, pois o que nos pode deixar mais felizes do que ver nosso próximo feliz? Que, após as justas comemorações de mais um ano percorrido, “trabalhemos sempre com o pensamento voltado para Jesus, reconhecendo que a preguiça, a suscetibilidade e a impaciência nunca foram atributos das almas desassombradas e valorosas” (XAVIER, Chico. Emmanuel. 27. ed. FEB, 2008, cap. 23).
            O mais importante, é continuar aprendendo e convivendo para melhor servir, pois, knowledge is everything. So we meet again in 2014.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 82 (jlo)

            Este é um dia especial, é Natal e, como tal, todos os peitos palpitam de emoções, os abraços efusivos são constantes, juntamente com os votos de felicidade, saúde, paz e prosperidade, principalmente monetária, pois, se o dinheiro não lhe traz felicidade, amigo leitor, deposite-o em minha conta e seja feliz.
            Rebusquei meus textos sobre a data e trago-lhe as duas únicas flores, dentre meus poemas e crônicas, que fiz desabrochar nesta data tão metafísica quanto os restos arrancados da terra que nos viu passar unidos, eu e Carolina.
            Uma dessas pétalas raras em minha produção literária intitulei:

Soneto de Natal
Um HOMEM, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

(ASSIS, Machado. Ocidentais (1879). In: ______. Machado de Assis: obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973, p. 167.)
           
            Esse único soneto, que dediquei, segundo Manuel Bandeira (op. cit., p. 14) à “melancolia de não encontrar mais, numa noite de Natal, as sensações da idade antiga”, tornou-se profético. Atualmente, o espírito natalino é substituído pelo excessivo consumo de bebidas alcoólicas e comilanças. Poucas famílias lembram-se de buscar a presença do aniversariante em sincera oração de agradecimento por sua incomparável exemplificação do amor entre nós.
            À atual Sociedade protetora dos animais, faço um apelo para que oremos também em prol da alma de um leitão que foi sacrificado, no Natal citado em minha crônica publicada no periódico A Semana de 1893; ou seja, há exatos 120 anos. Mas o que são 120 anos, senão, por vezes, o tempo entre uma e outra reencarnação?
            É bem verdade que alguns espíritos, como o meu, costumam ficar séculos ou milênios nesta outra dimensão da vida, observando e interferindo no orbe terrestre, buscando aperfeiçoá-lo; mas somos minoria. Talvez uns 0,00001% de toda a população terráquea atual.
            Que mais dizer do leitão? Triste leitão, pobre leitor. Se desejar ler mais sobre o assunto, clique em www.dominiopublico.gov.br e leia, na íntegra, a crônica citada. Afianço-lhe, de antemão, amiga leitora, que, de tudo o que ali está, sobrou apenas esse parágrafo, que não vou reproduzir para não lhe tirar da língua o gosto do pernil.
            O fato é que de tanto comerem leitão e peru no Natal, essa pobre ave nem ao menos comemora o dia do advento do Senhor. Morre na véspera.
            Não sejamos perus, amigos; ante os desafios da vida, ainda que venhamos a perecer, que o seja durante o combate.
            Mas que também tenho um grande dó do peru, lá isso tenho. Pobre peru, triste ser penado.
            É um dó que dá cada pena ou cada pena de dar um dó? Você decide...
            Enfim... que o Natal nos traga a doce reflexão sobre a vida do Cristo, que trouxe consigo a “mensagem da verdadeira fraternidade e, revelando-a, transitou vitorioso, do berço de palha ao madeiro sanguinolento”.
            Concluamos, pois, com a continuação desta mensagem de meu amigo Emmanuel:
Irmão, que ouves no Natal os ecos suaves do cântico milagroso dos anjos, recorda que o Mestre veio até nós para que nos amemos uns aos outros.
Natal! Boa-Nova! Boa-Vontade!...
Estendamos a simpatia para com todos e comecemos a viver realmente com Jesus, sob os esplendores de um novo dia. (XAVIER, F. C. Fonte viva. Ed. FEB.)
            Feliz Natal, amigo, e não se esqueça de que cerveja cria pança; cuidado para não engordar, amiga... E que o espírito da tolerância, a fraternidade e o amor do Cristo possam nos tornar melhores e saudáveis, desde já.
           




terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 81 (jlo)

            Amiga leitora, estou agora refletindo sobre legalidade e moralidade.
            Nem tudo que é legal é moral e, consequentemente, a recíproca é verdadeira. Quer um exemplo? Quando Jesus esteve entre nós, afirmou peremptoriamente:
            — Não vim destruir a lei, mas dar-lhe cumprimento.
            No entanto, também disse:
            — Ouviste o que foi dito: olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo, não resistais ao mal; antes, porém, amai os vossos inimigos e, ao que lhe bater na face direita, oferece também o lado esquerdo.
            — Mas, Machado, onde entram, nos casos citados, a lei divina e a lei humana?
            — Ainda não entendeu, dona Justa? Vamos, então, a novo exemplo, com base na fábula do lobo e da ovelha. Certo dia, a ovelha bebia água no rio, tranquila e despreocupada, quando o lobo se lhe aproximou e disse:
            — Por que você está bebendo água neste rio, não sabe que ele é meu?
            Ao que respondeu o ovino:
             — Não sabia que o rio era seu; mas, se é assim, prometo-lhe nunca mais beber dessa água.
            — Além do mais — disse o lobo — ouvi dizer que anda falando mal de mim.
            — Como posso estar falando mal do senhor se acabei de conhecê-lo?
            — Se não foi você, foi seu pai, foi sua mãe, seu avô ou um dos seus parentes. E nhac, abocanhou a ovelha.
            Moral da história: contra a lei do mais forte, não existe argumento.
            Essa é uma lei humana.
            Vejamos o que aconteceu, depois, com o lupino. Saindo dali com a barriga cheia, após devorar inteiramente sua vítima, o lobo começou a sentir uma terrível cólica; rolou, no chão, em terríveis convulsões e veio a falecer, em algumas horas, de indigestão.
            Essa é uma lei divina.
            A lei humana é manipulada pela força do poder, ou pelo poder da força. A lei divina é resultante da chamada causa e efeito, ou “a cada um, segundo suas obras”.
            Vou ainda ilustrar com um caso folclórico, ocorrido na Atlântida.
            Nesse país, houve um torneio em que determinado time foi rebaixado da primeira para a segunda e, em seguida, para a terceira divisão, da qual seria campeão. Essa equipe, entretanto, conseguiu voltar novamente à primeira divisão, graças ao que se chamou ali de “virada de mesa”, sem disputar a “segundona”.
            Resultado, as torcidas adversárias e a própria mídia não davam descanso a torcedores e clube, que chamaremos de F*.
            Passados treze anos, a gozação continuava:
            — Deve uma segunda divisão, dizia um torcedor.
            — Acaba de chegar um oficial de justiça à sede do F* para lhe cobrar uma “segundona”, brincava outro. E, assim por diante, as piadas continuavam implacáveis...
            Mesmo quando o time era legitimamente campeão da primeira divisão, os torcedores adversários não perdoavam a antiga “virada de mesa” e diziam:
            — Só foi campeão porque os outros times são de terceira divisão. Então, não poupavam nem seu próprio time...
            Chegou um ano em que a equipe F*, que fora campeã da primeira divisão, no ano anterior, teve suas contas bloqueadas pela justiça comum. Desse modo, não pôde pagar salários e muito menos prêmios aos seus atletas...
            O time, então, passou a jogar visivelmente desmotivado, sem contar que, ao se machucar, cada seu atleta de ponta ficava tanto tempo no departamento médico que não mais atuava durante grande número de jogos, senão em todo o resto do campeonato.
            No último jogo do torneio nacional, outro time, que chamaremos P**, escalou “equivocadamente” um jogador impedido pela justiça desportiva de atuar naquela partida; e o time F*, que novamente seria rebaixado à segunda divisão, tomou a posição do time P**, rebaixado em seu lugar.
            Antes de isso ocorrer, entretanto, o clube C***, temendo seu rebaixamento, já andava procurando “provas” na escalação pelo time P** (mera coincidência) de maior número de jogadores contratados por P** a outros clubes do que o permitido no regulamento, para rebaixar P** em seu lugar. Vendo, porém, que isso seria o mesmo que procurar chifres em cabeça de cavalo, C*** desistiu da ideia; mas P**, coitado, ainda que não corresse mais perigo de rebaixamento, “descuidou-se” do regulamento e escalou um jogador proibido na última partida, conforme dissemos atrás.
            E deu no que deu...
            Que lamentável, não é, amiga?
            Essa foi a justiça dos homens.
            — Aí tem dente de coelho... Mas, e a justiça de Deus, Machado, qual foi?
            — Um tsunami varreu a Atlântida do globo terrestre.
            Mas não falemos mais de baseball, dona Justa.

_______
F* - Por certo que não é o Fluminense, basta ler até o fim e você comprovará isso.
F* - Já lhe disse que não é o Flu... Não insista!
P** - Não, leitora, não é a Lusa.
P** - Não seja teimosa, não é a Portuguesa...
C*** - E quem lhe disse que é o Coxa?

C*** - Pelo amor de Deus, tira o Coritiba dessa lama.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 80 (jlo)

            Dizíamos, alhures, que se porventura os escritores estivessem, por aquelas horas, pesquisando documentos sobre a história do Rio de Janeiro, seriam candidatos ao fabuloso prêmio de cinquenta mil réis, alta soma à época. O prazo seria de cinco anos e o historiador deveria produzir um trabalho completo sobre a história do então Distrito Federal, desde os tempos coloniais até aqueles dias.
            O preço da obra vencedora do concurso, a ser julgado por gente competente do prefeito, era alto, o prazo também. Questionei a necessidade de tanto tempo para escrever sobre tão pouco. Afinal, o que teria de história para contar, então, a cidade maravilhosa? Quase nada. As memórias do padre Perereca e outras mais seriam trocadas pela pesquisa séria e exaustiva dos eventos memoráveis da cidade de São Sebastião.
            Mas que eventos? Como memoráveis?
            Pois bem, discordei do regulamento daquele concurso. Não somente pelo prazo dilatado dado à conclusão da pesquisa, como também sobre a competência dos julgadores, haja vista que estes seriam escolhidos por novo prefeito, que poderia ou não entender de competência literária dos críticos indicados para avaliação do melhor trabalho.
            Aqui e agora, em Brasília, cronotopicamente falando, nosso prêmio vai para A bailarina empoeirada, obra de 1500 páginas, escrita por Noemia Barbosa Boianovsky e Luiz Humberto de Faria Del’Isola.
            O conteúdo dessa obra remete-nos ao poeta e dramaturgo Bertolt Brecht, que publicou o seguinte texto, intitulado Perguntas de um operário que lê:

Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, mas foram os reis que transportaram as pedras? Babilônia, tantas vezes destruída, quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas da Lima Dourada moravam seus obreiros? No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde foram os seus pedreiros? A grande Roma está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio só tinha palácios para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida, na noite em que o mar a engoliu, viu afogados gritar por seus escravos. O jovem Alexandre conquistou as Índias sozinho? César venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço? Quando a sua armada se afundou, Filipe de Espanha chorou. E ninguém mais? Frederico II ganhou a guerra dos sete anos. Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória. Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem. Quem pagava as despesas?
Tantas histórias, quantas perguntas.
(Disponível em:< www.cecac.org.br>. Acesso em 4 abr. 2010.)
                Os autores de A bailarina empoeirada, ao pesquisarem sobre a construção de Brasília, não pretenderam destacar a obra de Juscelino Kubitschek e de toda uma vasta equipe política e técnica que o rodeavam e elevavam seus nomes ao panteão da pátria. Esses já estão por demais enaltecidos pela história.
            Noemia e Luiz Humberto resolveram fazer justiça aos que, nos anos iniciais do surgimento da nova capital brasileira, deixaram suas cidades e vieram para aqui comer o pó da edificação da nova capital brasileira, ao qual juntavam seu suor e lágrimas. Em vista disso, esclarece Humberto, em entrevista concedida a um canal de TV da OAB, que “o maior monumento da história de Brasília chama-se povo”.
            A obra A bailarina empoeirada destaca os operários da construção do Distrito Federal, que teve início na primeira cidade satélite da capital brasileira, o Núcleo dos Bandeirantes. Faz menção às condições inóspitas dos locais de vida e morte de seus  cidadãos iniciais, como a chamada “excrescência urbana”, que lembrava a insalubridade vivida pelos primitivos cariocas e seus sucessores desde o início da colonização do Brasil.
            Narra os casos inéditos de quem lutou para construir a nova capital e de quem tentou inutilmente levar de volta a capital para o Rio de Janeiro. Relata fatos pitorescos dos primeiros moradores, construtores, comerciantes, empresários e servidores públicos que para cá vieram e nunca mais retornaram aos seus estados de origem.
            É sobre essa massa de construtores e novos habitantes esquecidos, como as quase cem prostitutas, chamadas educadamente de bailarinas, deixadas no cerrado, a cerca de 40 km de Brasília, que os autores de A bailarina empoeirada chamam a atenção de historiadores e escritores que queiram narrar a saga da construção da nova capital brasileira e seus casos pitorescos.
            Então, não me falem agora sobre Juscelino, o iluminado presidente que trouxe para cá a Capital Federal, ou Oscar Niemeyer, genial arquiteto, que projetou Brasília e viveu até os 104 anos. Não me lembrem que Burle Marx foi o extraordinário paisagista que realizou notáveis obras em nossa capital. Olvidemos, por ora, o estupendo trabalho de urbanização promovido por Lúcio Costa. Desnecessário recordar Marcos Paulo Rabello, engenheiro e empreiteiro, que morreu esquecido, aos 92 anos, e deixou construídas centenas de edificações aqui. Inútil mencionar as belas obras artísticas de Athos Bulcão, Bruno Giorgi, Alfredo Ceshiatti, entre outros.
            Lembremos o humilde operário da construção do Distrito Federal e da capital do Brasil. Esse, sim, o verdadeiro herói, sem o qual o cerrado do Planalto Central não se teria tornado patrimônio cultural da humanidade. Isso porque cada um dos grandes nomes sempre lembrados acima levava consigo a força de trabalho de milhares de cidadãos anônimos e as esperanças de suas famílias na concretização de um sonho que também foi deles: o de materializar o devaneio de D. Bosco em ver surgir, em pleno cerrado do Planalto Central do Brasil, a nova Capital da República.
            Concluamos, então, com um trecho do belo poema de Vinícius de Morais: Operário em construção:

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.  […]

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 79 (jlo)

            Quando Joteli fora militar — me informa ele —, certa ocasião, o capitão comandante de sua unidade foi substituído por um major gaúcho, com o qual Joteli, seu soldado, se comunicara pelo serviço de rádio-operação entre os dois Rios: o de Janeiro e o Grande do Sul. Na época, o soldado Joteli era o único com tal graduação na escala de rádio-operadores do seu quartel do Rio de Janeiro. Os demais eram cabos e sargentos. Mas isso são detalhes que só exaltam o ego de quem não conhece a frase crística: “Aquele que se exaltar será rebaixado, aquele que se rebaixar será exaltado”.
            — Como ser rebaixado, se, sendo soldado, embora tendo sido aprovado em primeiro lugar no curso para cabos, na chamada QM 11-074, rádio-operador, não me promoveram? Protesta meu inútil secretário.
             — Deixemos isso para lá, meu caro, e continuemos o relato desta crônica. O fato é que o novo comandante, que, a distância, conversara amigavelmente com seu soldado, passados alguns dias, viajou do Rio gaúcho para o carioca e assumiu o comando do quartel.
            No primeiro dia de seu posto, na unidade militar, o major reuniu a tropa a seu comando e deu-lhe uma chamada “ordem unida”. Pôs os comandados na posição de sentido e ordenou:
            — Companhia, sentido! Ordinário, marche! (Juro que senti vontade de usar a segunda frase no plural, mas em respeito a Joteli me contive.)
            — E lá fomos nós — diz Joteli, que também estava em forma. Logo em seguida, veio nova ordem:
            — Direção à direita, marche. E todo o pelotão se dirigiu à direita. Entretanto, seja pelo nervosismo em comandar sua companhia no primeiro dia, seja por ter simplesmente esquecido da mandar seguir em frente, todos ficamos marchando na direção ordenada, mas em círculo...
            Ninguém se atreveu a rir da ordem do comandante, quando ele ordenou, após, perplexo, observar a companhia dar sete voltas no mesmo lugar:
            — Pelotão, alto.
            Sem qualquer crítica a seus comandados, o simpático major mandou que ficássemos à vontade e, com breves palavras, falou da sua satisfação em assumir o comando da 1ª Companhia de Comunicação Blindada.
            Se isso tivesse ocorrido com um subordinado, dir-se-ia que este “enfiou o pé na jaca”, não é mesmo, amiga leitora? Ou não? Ah, não? Também os chefes “enfiam o pé na jaca”? Vai falar isso para o major, leitor, pra ver se ele não te enfia é o pé na...?
            — Mas, Joteli, por que ninguém, antes, avisou ao homem de que ele precisava dar nova ordem, para que a tropa não bancasse o caracol?
            — E o medo? Afinal, o homem era nosso comandante e o regulamento era rigoroso: “somente não se executam ordem absurdas”.
            — E o que ele ordenou não era absurdo?
            — Absurdo, não. Ridículo. E quem garante que ele não estaria testando a tropa para ver até que ponto seus subordinados lhe eram obedientes?
            Na vida profissional, concordo com meu secretário, o bom empregado jamais deve deixar seu chefe de “calças curtas”. Afinal, como se diz há algum tempo, neste país, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Porém será mesmo assim?
            Há certos comportamentos profissionais que depõem contra o subordinado e mostram claramente o tipo de pessoa que se é. Outros, já escancaram o mau caráter e predileção injustificável do chefe. Uma dessas atitudes é a do chamado puxa-saco, que tanto pode agradar como desagradar a chefia. Exemplifiquemos.
            Nas comemorações de “amigo oculto”, nos finais de ano, por exemplo, o melhor presente é sempre o que é dado à chefia. E nem é preciso ser bajulador para isso. É atitude normal, e mesmo de preservação ou melhoria do conceito para com a diretoria. O problema é quando isso se torna corriqueiro, por parte de um/a empregado/a...
            O ideal, nas confraternizações de fim de ano, é que se estipule um valor mínimo e outro máximo do presente a ser dado, além de se propor uma relação com as opções possíveis; assim, ninguém poderá desconfiar de nosso presente à chefia. A não ser que o “felizardo” amigo da diretora, num “estudo de caso”, se resolva a sair com esta:
            — Chefa, foi combinado que o presente de amiga oculta seria de cinquenta reais, mas como nossa empresa duplicou seu faturamento este ano, graças à sua excelente atuação, inteligência extraordinária e competência inigualável, resolvi, infringir a norma e lhe ofertar este belo colar de pérolas, que pertenceu à minha bisavó, cujo valor é inestimável. Calculo que custe por volta de três mil reais, mas você (Olha a intimidade!) merece muito mais...
            A isso, a chefa e suas colegas não terão outras reações senão estas:
            — Oh!
            — Uh!
            — Ai!
            — Carácolis!
            E não faltará quem, mordendo o lábio, diga, baixinho: — Puxa-saco sem-vergonha...
            Outras vezes, é a chefia que importuna o/a empregado/a. Certa vez, li uma piada em que o gerente dizia para a lindíssima secretária, recém-contratada, enquanto esta digitava um documento:
            — Muito bem, só dois errinhos. Agora vamos à segunda palavra...
            Para evitar tais constrangimentos, resolvi publicar um decálogo de ética, na relação com os colegas de trabalho, clientes, fornecedores e chefia de sua instituição ou empresa:
1º Mandamento: não atacarás, falsa ou maliciosamente, a reputação profissional de teu colega ou chefe.
2º Mandamento: não assediarás sexualmente teu colega de trabalho, subordinado ou chefe.
3º Mandamento: não agirás de modo desleal ou descortês com teu chefe, colegas, clientes e fornecedores de tua empresa ou instituição.
4º Mandamento: não desrespeitarás os direitos autorais do teu próximo (Lei nº 9.610/1998).
5º Mandamento: não depreciarás a honra, a dignidade e a integridade moral ou física de teu colega ou categoria profissional.
6º Mandamento: não deixarás de cumprir os prazos estipulados por tua chefia, assim como a recíproca é verdadeira, principalmente nos acordos coletivos ou não de trabalho.
7º Mandamento: não serás individualista; lembra-te de que o trabalho em equipe é essencial ao sucesso de tua empresa ou instituição.
8º Mandamento: não serás o do contra com expressões como: — Isto não vai dar certo. — Não concordo com mudanças. Etc. etc. etc.
9º Mandamento: não serás egocêntrico; todos têm o direito de ter seu trabalho reconhecido.
10º Mandamento: aprenderás a conviver, amar e servir a todos, sem distinção de classe social, etnia, ideologia, sexo ou credo.
            — Então, meu caro, nem sempre o bom amigo é o que sempre elogia. Ou não conheces o ditado que diz: Quem avisa amigo é?


Leia o livro: PAROLIN, Sonia Regina Hierro; MORAES, Helder Boska de; PONTES, Reinaldo Nobre. Organizadores. Conviver para amar e sevir (baseado em Mário da Costa Barbosa). Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2013.

  Contador e ciência contábil (Irmão Jó)   Contador, tu não contas dor, Mas no balanço das contas O crédito há que ser superior.   Teu saldo...