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quinta-feira, 30 de setembro de 2021

 

Filosofia Cristã: Interioridade e Dever

Filosofia Cristã: Interioridade e Dever

por Alexsandro M. Medeiros

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postado em abr. 2016

            Na Idade Média a Filosofia sofrerá uma forte influência da tradição cristã. Os filósofos deste período são, ao mesmo tempo, teólogos, bispos, abades, padres. Ao tentar conciliar fé e razão, a filosofia permanecerá, ao longo de todo período medieval, subordinada à teologia, de tal modo que, neste período, é impossível separar o pensamento filosófico da tradição grega, do pensamento teológico cristão.

            Os primeiros filósofos cristãos, ao procurar conciliar fé e razão, procuraram interpretar, de forma racional, aquilo que era justificado pela fé através da revelação. Se somos seres dotados de razão, não poderíamos então utilizar esta mesma razão como instrumento de análise e reflexão sobre os pressupostos fundamentais da fé cristã? É assim que a filosofia se insurge no campo da ética cristã, como tentativa racional de justificar seus princípios e normas de comportamento, submetendo a lei divina revelada ao crivo da razão.

            Em um contexto de intensa relação entre filosofia e teologia, a ética cristã assume um lugar de destaque sendo definida por sua relação espiritual e interior com Deus (através da fé) e com o próximo (pela caridade). Além disso, por meio da revelação divina (Antigo e Novo Testamento), Deus manifestou aos homens sua vontade e suas leis, definindo o que é o bem e o mal, felicidade e infelicidade, salvação e castigo. Esta revelação é fundamento para a vida ética do cristão que deve obedecê-la reconhecendo nela a vontade e a lei de Deus, introduzindo assim no campo da moral a ideia do dever. Desta forma, uma conduta será considerada ética ou moral se realizada de acordo com as normas impostas pelo dever e imoral ou antiética, se realizada em contrariedade com tais normas. No cristianismo, o que o Homem seria ou deveria ser definia-se em relação à divindade. A essência da felicidade tornou-se a contemplação de Deus; a ordem sobrenatural passou a ter primazia sobre a natural.

            Vale salientar que a moral cristã, ao destacar a interioridade dos seres humanos, introduziu um outro conceito na constituição da moralidade ocidental que é a ideia de intenção. O dever se refere, inclusive, àquilo que pode ser chamado de ações invisíveis (e não apenas visíveis), que devem ser julgadas eticamente. Isto quer dizer que deve ser levado em consideração no julgamento ético não apenas os atos, mas as intenções que nos levaram a praticar determinado ato. E o cristão tem tanto mais razão para levar em consideração suas próprias intenções quanto sabe que mesmo aquilo que é invisível aos olhos humanos, é visível aos olhos de Deus. Nada Lhe está oculto, nem mesmo o que acontece no interior dos homens.

            O cristianismo se afirma ainda na ideia do livre-arbítrio, sendo que o primeiro impulso da liberdade dirige-se para o mal (pecado). O homem passa a ser fraco, pecador, dividido entre o bem e o mal. O auxílio para a melhor conduta é a lei divina. Também é possível afirmar que a ética cristã se fundamenta no amor: “ainda que eu fale a língua, dos homens e dos anjos, se eu não tiver amor... eu nada sou”. O amor foi colocado como o primeiro e maior mandamento: o amor a Deus acima de todas as coisas e o amor ao próximo. É no amor que o cristianismo encontra sua realização espiritual mais profunda.

            O cristianismo se apresenta muito mais como uma religião, uma sabedoria do que como uma filosofia, mas que pressupõe uma específica concepção do mundo e da vida, pressupõe uma precisa solução do problema filosófico. O cristianismo fornece uma imprescindível integração à filosofia, no tocante à solução do problema do bem e do mal, mediante os dogmas do pecado original e da redenção pela cruz. E, enfim, além de uma justificação histórica e doutrinal da revelação judaico-cristã em geral, o cristianismo implica uma determinação, elucidação, sistematização racional do próprio conteúdo sobrenatural da Revelação, mediante uma disciplina específica, que será a teologia dogmática.

            Sob a influência da Igreja, as especulações se concentraram em questões filosófico-teológicas, tentando conciliar a fé e a razão. E é nesse esforço que Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, dois dos maiores expoentes da filosofia cristã, trouxeram à luz reflexões fundamentais para a história do pensamento cristão. Santo Agostinho e Tomás de Aquino foram os principais responsáveis pelo resgate cristão das filosofias de Platão e de Aristóteles, respectivamente. O primeiro é um dos maiores representantes do período da filosofia cristã conhecido como Patrística, e o segundo, da Escolástica.

Disponível em: Blog Entremundos (Acessado em 26/03/2016)

 

Santo Agostinho

            A aproximação entre Platão e o cristianismo constitui a primeira grande síntese entre a filosofia grega e o pensamento cristão, o assim chamado: platonismo cristão. A Filosofia de Santo Agostinho foi elaborada com base em uma aproximação entre o neoplatonismo de Plotino e Porfírio e a doutrina cristã. Mas o verdadeiro e legítimo conhecimento é o da teologia, e é a esses ensinamentos que o homem deve dedicar-se, pois só ele prepara sua alma para a salvação e para a visão de Deus.

            Tal como Sócrates e PlatãoAgostinho é um homem profundamente voltado para a sua interioridade, para esse grande mistério que é o homem, e sua obra prima, as Confissões (AGOSTINHO, 1955), põe a nu o seu espírito e o intenso drama vivido interiormente por ele mesmo, para alcançar um mais alto grau de espiritualidade, uma vez que é nessa interioridade, ou se se preferir, nas profundezas do nosso eu, que podemos realizar nosso encontro com Deus e nossa verdadeira essência. Assim, esse mergulho na nossa interioridade mostra-nos a nossa real essência, revela-nos que há dentro de nós algo de mais profundo que o nosso eu exterior e é dentro desta perspectiva de uma filosofia introspectiva que Agostinho agrega uma série de conceitos fundamentais.

            Evidentemente, a moral agostiniana é teísta e cristã e, desta forma, a virtude não é uma ordem de razão, hábito conforme a razão, como dizia Aristóteles, mas uma ordem do amor. É fácil constatar em sua obra Confissões que a essência do homem está no amor: “ama et fac quod vis” – ama e faça o que quiseres[1]Santo Agostinho fundamenta seu conceito de ética no Amor a Deus (amar a Deus acima de todas as coisas) que se desdobra no amor da criatura pelo Criador, no amor a si mesmo e ao próximo (ama ao teu próximo como a ti mesmo): o amor é o primado da vida moral. O princípio da supremacia de Deus é significativo por que assim consta nas Escrituras e, consequentemente, visa o respeito à lei de Deus que ordena todos os homens a amarem-se como irmãos.

            Os livros 7 e 8 das Confissões merecem aqui maior destaque pois que retratam os dois momentos cruciais da experiência mística agostiniana: sua conversão intelectual e sua conversão moral. O livro 7 trata do encontro decisivo de Agostinho com Platão, através do neoplatonismo. Agostinho percebe muitos traços de semelhança entre o neoplatonismo e o cristianismo. A sabedoria antiga pôde pressentir a finalidade da vida humana: sua união com Deus. Mas os filósofos antigos não viram (e nem poderiam ver) o caminho para alcançar esta felicidade: Cristo, o único caminho pelo qual os homens alcançam a salvação. Agostinho afirma que o neoplatonismo e o cristianismo se assemelham, por exemplo, no que diz respeito a uma metafísica do ser e do não-ser, a doutrina do mal como privação do bem, a divina providência e uma teoria epistemológica da iluminação divina. Todavia, o que Agostinho não encontrava era a encarnação de Cristo e a salvação por meio desta encarnação. O livro 8 é o ponto culminante da obra. Agostinho narra de forma até poética as experiências que o conduziram definitivamente a conversão ao cristianismo: “tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova; estavas comigo e não eu contigo; seguravam-me longe de ti as coisas que não existiriam senão em ti, chamaste, clamaste por mim, afugentaste minha solidão, e eu ardi por tua paz”.

            No pensamento agostiniano, tal como no platonismo, encontramos igualmente a ideia de purificação da alma através da necessidade de uma elevação ascética para se compreender os desígnios de Deus (veja, por exemplo, a Alegoria da Caverna). O homem precisa se libertar de suas paixões para poder alcançar o equilíbrio espiritual, elevando-se à Deus, ao qual também é necessário o auto-conhecimento. Estando a alma purificada, está preparado o terreno para o verdadeiro conhecimento.

 

São Tomás de Aquino

            A Filosofia de São Tomás de Aquino (1224-1274) representa uma aproximação entre o cristianismo e o aristotelismo, assim como Santo Agostinho representou uma aproximação com o platonismo.

            Os filósofos medievais herdaram alguns elementos da tradição filosófica grega, reconfigurando-os no interior de uma ética cristã. São Tomás de Aquino recuperou da ética aristotélica a ideia de um agir racional teleológico e de que a felicidade é o fim último dos homens, mas cristianizou essa noção quando identificou Deus como a fonte dessa felicidade. A Filosofia de São Tomás de Aquino representa uma aproximação entre o cristianismo e o aristotelismo, assim como Santo Agostinho representou uma aproximação com o platonismo.

Tomás de Aquino assumirá diversos elementos fundamentais da filosofia aristotélica. Por exemplo, ele assume a ideia segundo a qual todos tendemos a um fim, sendo tal fim a nossa felicidade. Ele assume, também, a perspectiva teleológica. Também está em Tomás de Aquino a divisão entre as três funções anímicas: vegetativa, sensitiva e intelectual/racional. Isso se insere na divisão mais geral entre alma e corpo. Para Tomás de Aquino, o corpo é mutável e perecível. Mas, apesar de seu aspecto corruptível, ele pode colaborar para com o aperfeiçoamento humano. Na linguagem aristotélica, dir-se-ia que assim como a potência está para o ato, o corpo está para a alma (FERRAZ, 2014, p. 94).

            Assim como a quase totalidade dos teólogos medievais, para São Tomás, tudo o que existe é bom, porque é fruto e expressão da bondade suprema e livremente difundida por Deus. Todas as coisas, singularmente e em seu conjunto, são boas, porque de origem Divina. Por isso a ética tomista parte do princípio da existência de Deus, porque nenhuma ética seria possível sem pensar Sua existência. Além dessa bondade divina, é preciso levar em consideração também que o homem é de natureza racional, e é essa concepção de homem que vamos encontrar na base da ética tomista (uma clara influência do racionalismo aristotélico).

            Por isso alguns autores afirmam que a moral tomista é essencialmente intelectualista. A ordem moral depende da necessidade racional da divina essência, isto é, a ordem moral é imanente, essencial, inseparável da natureza humana, que é uma determinada imagem da essência divina, que Deus quis realizar no mundo. Desta sorte, agir moralmente significa agir racionalmente, em harmonia com a natureza racional do homem.

            Mas além da razão é preciso considerar o fator “vontade”, pois mesmo que a vontade não determine a ordem moral, é a vontade todavia que executa livremente esta ordem. Tomás afirma e demonstra a liberdade da vontade, recorrendo a um argumento metafísico fundamental. A vontade tende necessariamente para o bem em geral. Se o intelecto tivesse a intuição do bem absoluto, isto é, de Deus, a vontade seria determinada por este bem infinito, conhecido intuitivamente pelo intelecto. Porém, no mundo, a vontade está em relação imediata apenas com seres e bens finitos que, portanto, não podem determinar a sua infinita capacidade de bem e que pode conduzir ao mal e ao erro. É mister acrescentar que, para a integridade do ato moral, são necessários dois elementos: o elemento objetivo, a lei, que se atinge mediante a razão; e o elemento subjetivo, a intenção, que depende da vontade.

            Vemos assim que Tomás de Aquino destaca, como raiz do mal (concebido como em Agostinho como falta de bem), a ausência do conhecimento da ordem estabelecida por Deus. Se o intelecto humano pudesse oferecer a visão beatífica de Deus, a vontade humana não poderia deixar de desejar o fim ao qual está destinada sua natureza, que tende para Deus como bem supremo. Mas na vida terrena o intelecto só conhece o bem e o mal de coisas e ações que não são de Deus e a vontade é livre para querê-las ou não querê-las. Assim, podemos dizer que a raiz do mal está não apenas nesta ausência de conhecimento, como também na nossa liberdade, na vontade de poder escolher livremente o bem ou o mal. O homem, porque é livre, peca quando se afasta deliberadamente e infringe as leis de Deus que a razão lhe dá a conhecer e Deus a manifesta por meio da revelação. Nesse sentido, o mal é desobediência, e sua raiz está na liberdade, que pode ou não reconhecer nossa dependência em relação a Deus.

         

 

Referências Bibliográficas

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução de J. Oliveira e A. Ambrósio de Pina. 5. ed. Porto: Portugal, 1955.

BONINO, José Miguez. Ama e faze o que quiseres: uma ética para o novo homem. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1982. Versão digital disponível em: Igreja Metodista de Vila Isabel. Acessado em 19/03/2016.

FERRAZ, Carlos Adriano. Elementos de ética. Pelotas: NEPFil online, 2014. Acessado em 18/03/2016.


[1] Segundo José Bonino esta frase aparece nas “Exposições da Epístola de S. João aos Partos” (AGOSTINHO, Exp. VII, 8) e expressa a ideia de que o amor constitui, simultaneamente, “[...] a motivação de nossas ações e possibilita o discernimento para realizá-las concretamente. O amor a Deus e ao próximo constituem uma só realidade” (BONINO, 1982, p. 150 – nota 9).

 

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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

 


A Literatura em Vários Escritos de Antônio Cândido - Post de Ana Cláudia


Função humanizadora da literatura está no post da Profª Drª  de Literatura da UnB Ana Cláudia. Recomendo muito a leitura em:

https://anchor.fm/ana-claudia-da-silva2/episodes/Literatura-e-direitos-humanos-e181ojc

Vale a pena ouvir e reouvir. Exposição maravilhosa que nos motiva a ler e conhecer a literatura como direito fundamental de todos e seus objetivos éticos, políticos, religiosos e sociais.

terça-feira, 28 de setembro de 2021

 

EM DIA COM O MACHADO 490:
o diário dos invisíveis de Zilda Gama (Jó)

 

Salve, leitores!

 

Dias após o primeiro encontro, fui recebido por Zilda Gama no gabinete da diretoria. Continuando nossa entrevista, ela disse-me que, finalizando suas orientações, Kardec lhe recomendou: "Cinge-te de coragem, fé, benevolência, cumpre sem desfalecimento, e sem deslizes, todos os teus deveres sociais e divinos, e conseguirás ser triunfante.”

— Zilda, as orientações de Kardec foram úteis para você? — perguntei-lhe.

— Tudo quanto me foi revelado, na época, ocorreu como Kardec disse. Passei por grandes dificuldades para imprimir as primeiras obras mediúnicas, entretanto, ao serem publicadas, elas obtiveram grande sucesso. Milhares de leitores enviaram-me cartas comoventes, em que prometiam pôr em prática seus elevados ensinamentos.

— Que outros espíritos se comunicaram em Diário dos Invisíveis, além de Allan Kardec?

— Recebi mensagens de grande elevação dos espíritos Victor Hugo, D. Pedro II, Maria, Pedro, Marietta (Maria Antonietta Gama, irmã falecida), Mercedes e Affonso.

— É verdade que o Espírito Marietta lhe ditou vários poemas?

— Sim. Minha irmã desencarnada sempre gostou de ler e escrever poemas. Sua poesia mediúnica é de grande beleza e consolo para nós, os que ainda transitamos na matéria.

— Você poderia citar-nos um dos  poemas dela que nos oriente sobre a prece antes de adormecermos à noite, para que tenhamos a proteção divina contra as más influências espirituais durante nosso sono?

— Boa pergunta. Muitas pessoas deitam-se, a cada noite, sem a preocupação com o que lhes poderá ocorrer nessas horas em que já não se encontram despertas. Não nos podemos esquecer de que algumas pessoas desencarnam durante esse período da vida. Caso não se preparem para sua desencarnação, em especial à noite, poderão passar por grande confusão mental. Além disso, a prece atrai a companhia dos bons espíritos que simpatizam conosco, assim como a proteção divina. Então, o Pai Nosso ou este soneto de Marietta são modelos de súplicas a Deus recomendáveis à noite:

 

Prece Noturna

.

Pai, minh'alma contrita e reverente,

após do dia as lutas tormentosas,

eleva-se à amplidão resplandecente

onde abrolhastes sóis e nebulosas...

 

Acolhei-a, Senhor, piedosamente,

tal como um ninho, às aves temerosas;

Não na deixeis rolar penosamente

ao abismo das faltas tenebrosas...

 

Dai-lhe, Senhor, conforto às duras penas,

dai-lhe coragem, fé, tenacidade,

pra resistir às turbações terrenas;

 

Inundai-a de bênçãos e de luz,

dai-lhe pureza, paz, serenidade,

até depor no Céu a sua cruz !

 

— Que linda prece, Zilda! Preciso refletir em cada estrofe dela, para que possa dormir sob a proteção divina. Muito obrigado. Entretanto, como da vez anterior, em virtude do limite do espaço, precisamos despedir-nos.

  Agradeço-lhe igualmente, Jó, pelo seu carinho e alta consideração. Também preciso preparar uma aula sobre a prece, que pedirei à minha irmã Marietta  ajudar-me a expor a todos os nossos irmãos que, neste momento, dormem.

— Adeus, irmã, breve nos reencontraremos.

— Saúde, paz e caridade, Jó. Você ainda precisa trabalhar bastante, antes de nos reencontrarmos. Então, sempre a sua disposição, despeço-me com fraternal abraço.

— Disso não tenho dúvida. Até breve.

 

 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

 

Ética e Política na Filosofia Antiga

Ética e Política na Filosofia Antiga

por Alexsandro M. Medeiros

lattes.cnpq.br/6947356140810110

postado em abr. 2016

Breve Resumo da Ética Grega Clássica

            Se examinarmos o pensamento filosófico dos antigos veremos que nele a ética apresenta alguns princípios básicos da vida moral e social:

1. por natureza, os seres humanos aspiram ao bem e à felicidade, que só podem ser alcançados pela conduta virtuosa;

2. a virtude é uma força interior do caráter, que consiste na consciência do bem e na conduta definida pela vontade guiada pela razão (racionalismo), pois cabe a esta última o controle sobre instintos e impulsos irracionais descontrolados que existem na natureza de todo ser humano;

3. a conduta ética é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar, referindo-se, portanto, ao que é possível e desejável para um ser humano. Saber o que está em nosso poder significa, principalmente, não se deixar arrastar pelas circunstâncias, nem pelos instintos, nem por uma vontade alheia, mas afirmar nossa independência e nossa capacidade de autodeterminação.

4. nos tempos áureos da filosofia a justiça e todas as demais virtudes éticas eram virtudes políticas e sociais, referiam-se à polis, o que denota uma certa inseparabilidade entre ética e política, ou seja, entre a conduta do indivíduo e os valores da sociedade, pois somente na existência compartilhada com outros encontramos liberdade, justiça e felicidade. Em certo sentido, o lema máximo da ética coincide com o da política que é o bem comum.

 

            O sujeito ético ou moral não se submete aos acasos da sorte, à vontade e aos desejos de um outro, à tirania das paixões, mas obedece apenas à sua consciência – que conhece o bem e as virtudes – e à sua vontade racional – que conhece os meios adequados para chegar aos fins morais. A busca do bem e da felicidade são a essência da vida ética.

            Os filósofos antigos consideravam a vida ética transcorrendo como um embate contínuo entre nossos apetites e desejos – as paixões – e nossa razão. Por natureza, somos passionais e a tarefa primeira da ética é a educação de nosso caráter ou de nossa natureza, para seguirmos a orientação da razão. A vontade possuía um lugar fundamental nessa educação, pois era ela que deveria ser fortalecida para permitir que a razão controlasse e dominasse as paixões.

            O passional é aquele que se deixa arrastar por tudo quanto satisfaça imediatamente seus apetites e desejos, tornando-se escravo deles. Desconhece a moderação, busca tudo imoderadamente, acabando vítima de si mesmo.

            A ética, portanto, era concebida como educação do caráter do sujeito moral para dominar racionalmente impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade, e para formá-lo como membro da coletividade sociopolítica. Sua finalidade era a harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser virtuosos.

 

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terça-feira, 21 de setembro de 2021

 

EM DIA COM O MACHADO 489:
Entrevista com Zilda Gama (Jó)

 


Salve, leitor!

Como escrevi sobre a médium Zilda Gama aqui, há pouco tempo, e por admirar esse espírito, resolvi entrevistá-la num dos meus devaneios lúcidos. Desse modo, vi-me na escola do plano espiritual, dirigida por ela, e, ao entrar no corredor que dá para a diretoria, avistei-a. Ela estava belíssima. Trazia nas mãos um exemplar da obra Diário dos Invisíveis, ainda em sua primeira edição, de 1929. Na capa, li o seguinte, ainda na ortografia antiga: "Livro psychographado pela autora". Essa edição da obra foi publicada pela Editora O Pensamento, de São Paulo.

Aproximando-me, perguntei-lhe se ela poderia responder-me duas ou três perguntas. Ela disse-me que sim e acrescentou:

— Fique à vontade para perguntar o que quiser. Responderei o que souber.

Agradeci-lhe e fiz a primeira pergunta:

— Quando foi que a senhora se tornou espírita?

— Meu jovem... Posso chamá-lo assim, pois se somados  91 anos, aproximados, que tive em minha última encarnação, com 52 em que estou no plano espiritual, tenho mais do que o dobro da sua idade atualmente. Então, dispense o "senhora", menino. Desde que fui criança, sentia a presença e influência dos espíritos. Filha de pais católicos, embora eu já estudasse as obras de Allan Kardec e houvesse psicografado algumas mensagens, ainda receava dizer-me espírita, principalmente naquela época, em que se demonizavam os espíritas e nossa santa doutrina. Um dia, porém, conversando com o doutor Cunha Salles, médico, médium e músico muito conhecido em Minas Gerais, ele perguntou-me:

— Você é espírita?

— Não! — respondi-lhe, vacilante. Ele olhou fixamente nos meus olhos e falou-me com grave entonação:

— Você não somente é espírita, como ainda vai psicografar algumas obras de grande valor espiritual. Detalhe: o Dr. Cunha acabara de conhecer-me...

Poucos anos depois dessa conversa, o espírito Mercedes, um dos meus guias espirituais, confirmou as palavras do Dr. Cunha Salles, anunciando-me que espíritos elevados iriam transmitir-me, pela psicografia, obras de grande cunho moral... Dias após essa revelação, passei a psicografar as belas novelas mediúnicas ditadas pelo espírito Victor Hugo.

— Que espíritos narram essa obra que você traz nas mãos? – Perguntei-lhe novamente, e Zilda respondeu-me:

— O primeiro é Allan Kardec, cuja mensagem inicial ele ditou-me em 1912.

— Quê?! Você foi médium do Codificador da Doutrina Espírita?

— Sim. Nesse primeiro contato, que me emocionou, ele preveniu-me: "Sobre tua fronte está suspenso um raio luminoso, que te guiará através de todas as dificuldades, de todos os obstáculos, e será a tua glória ou tua condenação — conforme o desempenho que deres aos teus encargos psíquicos..."

— Querida Zilda Gama, esta entrevista está fantástica, mas o espaço é pequeno. Podemos continuar na próxima semana? — Perguntei-lhe...

— Indubitavelmente — respondeu-me —, será um prazer continuar estes esclarecimentos, de grande importância para os tempos atuais...

Agradeci-lhe e nos despedimos com um abraço espiritual, de doce vibração, seguido de minha prece de agradecimento a Deus por tão sublime oportunidade.


P.s.: Lembro ao leitor que tudo o que publico neste blog é fruto de meus devaneios literários espíritas, ainda que baseados em fatos reais, que adapto aos objetivos da crônica, como as narrações da personagem acima, extraídas e adaptadas da obra citada.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Filosofia, Ética e Sociedade

Filosofia, Ética e Sociedade

por Joelma Coêlho dos Santos,

Ranessa Lira Teixeira,

Nory Lana Godinho de Souza

postado em 2013

atualizado em jun. 2017

            Existe uma profunda ligação entre ética (do grego: εθος – ethos) e filosofia (do grego: Φιλοσοφία): o εθος (ética) nunca pode deixar de ter como fundamento uma concepção filosófica do homem que nos dá uma visão total deste como um ser social e histórico. Dentre os vários conceitos com os quais o εθος trabalha e que pressupõe um prévio esclarecimento filosófico, como os de liberdade, necessidade, valor, consciência, vamos dar ênfase ao de sociabilidade, ou seja, como o εθος deve estar inserido nas relações humanas em sociedade:

            A ação humana é fruto de uma escolha entre o certo e o errado, e entre o que é bom e o que é mal. O indivíduo procura se basear em parâmetros socialmente aceitos que lhe permite conviver com as outras pessoas, em outras palavras, ele busca sempre se guiar pelos conceitos que norteiam a prática dos valores positivos e das qualidades humanas. A ética não somente serve de base para as relações humanas, mas, trata também das relações sociais dos homens na medida em que os Φιλοσοφος (filósofos) consideram a ética como base da justiça ou do direito, e até mesmo das leis que regulam a convivência entre todos que vivem na sociedade - basta lembrar que um dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública no Brasil é o princípio da moralidade, ou seja, os atos da Administração Pública, direta e indireta, devem ser norteados por valores que a sociedade considera como moralmente válidos.

 

A Ética como teoria Filosófica e suas implicações para a vida em Sociedade

            Primeiramente para entendermos sobre o εθος devemos iniciar pelo conceito filosófico. Entender que é a área que investiga o comportamento humano em suas relações entre si, considerando conceitos utilizados para avaliá-las como: valor, virtude, justiça, moral, bem, normas morais, dever, liberdade e responsabilidade; promove também reflexões sobre a busca humana pelas melhores formas de agir, viver e conviver. De forma mais específica, segundo Cotrim (2004, p. 264),

A ética é uma disciplina teórica sobre uma prática humana, que é o comportamento moral... A ética tem também preocupações práticas. Ela orienta-se pelo desejo de unir o saber ao fazer. Como filosofia prática, isto é, disciplina teórica com preocupações práticas, a ética busca aplicar o conhecimento sobre o ser para construir aquilo que deve ser.

            Como θεωρία (teoria) filosófica, o εθος se caracteriza como estudo das ações individuais dos homens, cuja finalidade consiste em elaborar uma orientação normativa para as ações humanas que seja estabelecido como bem. Com o Φιλοσοφος (filósofo) grego Aristóteles o εθος passou a ser a “ciência do moral”, ou seja do caráter e das disposições do espírito. Enfatizamos que o εθος é um conjunto de argumentos que são utilizados pelos indivíduos para justificar suas ações, solucionando com diferentes problemas em que há o conflito de interesses com bases em argumentos universais. Ou salientamos que o εθος é uma Φιλοσοφία responsável por estudar a moral, contestando e identificando o que podemos chamar de regras morais vigentes, as quais são alteradas com o tempo. O εθος como θεωρία (teoria) filosófica tem por objetivo estudar o comportamento dos indivíduos frente aos apelos morais da sociedade em que este vive. Ele se manifesta de diferentes maneiras conforme a cultura, costumes e hábitos de determinadas populações.

            As reflexões da ética abrangem aspectos da vida pública e das leis estabelecidas no plano social para a existência humana. Envolvem questões ligadas ao direito, ao poder, a cidadania e a política (veja a este respeito a seção Ética e Política), e abrange também aspectos da vida privada, analisando algumas questões morais de foro íntimo ligadas as condutas e escolhas de indivíduos em nosso cotidiano, e são elas que determinam o modo como cada um convive consigo próprio e com os outros.

            As respostas filosóficas para as questões éticas variam no tempo e no espaço, e ainda apresentam uma característica fundamental que envolve a posição dos indivíduos em relação ao valor e as virtudes que são defendidos em seu meio cultural. Com isso, os Φιλοσοφος (filósofos) investigam o que leva diferentes grupos sociais a se indagarem sobre questões e valores semelhantes, sem ignorar que, os significados atribuídos a eles nem sempre são os mesmos. Há Φιλοσοφος que concebem o homem como um ser dotado de um senso moral inato, ou seja, da capacidade natural para avaliar como as coisas são e como elas deveriam ser. Alguns acreditam que as diversas tendências culturais e individuais atuam sempre sobre a capacidade comum entre os seres humanos e são determinantes da formação do caráter e da personalidade. E há Φιλοσοφος que afirmam a existência da liberdade, ressaltando sempre que, apesar da pressão de costumes e leis, nós sempre podemos refletir sobre as questões éticas e sobre a moral aprendida, e que, segundo eles, há uma possibilidade que nos faz responsáveis por nossas próprias escolhas e que nos permite contribuir para a renovação com as normas com que nos deparamos no dia a dia. Vejamos agora, em breves linhas, alguns posicionamentos filosóficos de pensadores consagrados ao longo da História da Filosofia.

            Nos tempos áureos da Φιλοσοφία grega todas as virtudes eram políticas e sociais, o que denota uma certa inseparabilidade entre a ética e política, ou seja, não havia separação entre ética e política senão no campo conceitual e estavam relacionadas a conduta do indivíduo e os valores da sociedade.

            No pensamento dos Antigos filósofos a existência humana só pode ser pensada em sociedade onde os seres humanos aspiram ao bem e a felicidade, que só pode ser alcançada pela conduta virtuosa. Além disso, existe uma preocupação constante com a busca dos valores morais inscritos no interior do próprio homem, como acreditava Sócrates. Dessa forma – para ser ético – o homem deveria entrar em contato com a sua própria essência, a fim de alcançar a perfeição. O homem, como qualquer ser, busca a sua perfeição, que acontecerá quando sua essência estiver plenamente realizada.  E como afirma Mondin (1980, p.91), “A ética ou moral... é o estudo da atividade humana com relação a seu fim último que é a realização plena da humanidade”.

            Sócrates, que se tornou símbolo da própria Φιλοσοφία, dedicou atenção especial as questões éticas, sendo que ele julgava o ser humano que era dotado de uma natureza racional e voltada para o bem. Ele tentava sempre compreender a essência das virtudes e do bem, tal como a justiça, a prudência, a coragem, e entre outras. Sócrates de alguma forma procurava saber dos cidadãos atenienses sobre a virtude, a essência, saber se uma conduta é boa ou não, e porque o bem é uma virtude e o mal um erro, e com tudo isso as perguntas ética-socráticas não estão destinadas somente ao indivíduo, mas também a sociedade.

            Pode-se resumir a ética dos antigos em pelo menos dois aspectos: o agir em conformidade com a razão e a união permanente entre ética (a conduta do indivíduo) e política (valores da sociedade). A ética é uma maneira de educar o sujeito moral (seu caráter) no intuito de propiciar a harmonia entre o mesmo e os valores coletivos.

            Na Idade Média a Φιλοσοφία sofrerá uma forte influência da tradição cristã. Uma vez, que todos os Φιλοσοφος deste período são teólogos, bispos, abades e padres. Dessa forma a Φιλοσοφία permanecerá, ao longo de todo período medieval, subordinada a teologia, de tal modo, que é impossível separar o pensamento filosófico da tradição grega, do pensamento teológico cristão. Neste caso a vida ética era definida por sua relação espiritual e interior com Deus e pela caridade com o seu próximo, por meio da revelação divina. A ética cristã se fundamenta no amor, no qual foi colocado como primeiro e maior mandamento: o amor a Deus acima de todas as coisas e o amor ao próximo. É no amor que o cristianismo encontra sua realização espiritual mais profunda e as bases fundamentais para a vida em sociedade.

            Os primeiros Φιλοσοφος cristãos procuravam conciliar fé e razão como instrumento de análise e reflexão. A partir desse pressuposto a Φιλοσοφία insurge no campo da ética cristã, como tentativa de justificar seus princípios e normas de comportamento, se submetendo a lei divina revelada pelas Sagradas Escrituras implicando uma determinação racional do próprio conteúdo sobrenatural da Revelação, mediante uma disciplina específica, a teologia dogmática (veja mais em: Filosofia Cristã: Interioridade e Dever).

            Assim como Sócrates e Platão, o bispo, teólogo e filósofo do início da Idade Média, Santo Agostinho, foi um homem profundamente voltado para a sua interioridade, uma vez que é nessa interioridade que podemos realizar nosso encontro com Deus e nossa verdadeira essência. É dentro desta perspectiva de uma Φιλοσοφία introspectiva que Agostinho agrega uma série de conceitos fundamentais. Os Φιλοσοφος medievais herdaram elementos da tradição filosófica grega, reconfigurando-se no interior de uma ética cristã e tal como Santo Agostinho, a Φιλοσοφία de São Tomás de Aquino representa uma aproximação entre fé e razão mas, neste caso, usando o pensamento aristotélico como base fundamental. Inspirado na filosofia aristotélica e amparado na visão cristã de mundo, Aquino reflete sobre a conduta ética que é aquela na qual o agente sabe o que está e o que não está em seu poder realizar, referindo-se, ao que é possível e desejável para um ser humano. A ética tomista também deve ser trabalhada no âmbito da sociedade. Analisando a natureza humana, resulta que o homem é um animal social (político) e, portanto, forçado a viver em sociedade com os outros homens. A primeira forma da sociedade humana é a família, de que depende a conservação do gênero humano; a segunda forma é o Estado, de que depende o bem comum dos indivíduos. Sendo que apenas o indivíduo tem realidade substancial e transcendente, se compreende como o indivíduo não é um meio para o Estado, mas o Estado um meio para o indivíduo. Segundo Tomás de Aquino, o Estado não tem apenas função negativa (repressiva) e material (econômica), mas também positiva (organizadora) e espiritual (moral). Embora o Estado seja completo em seu gênero, fica, porém, subordinado, em tudo quanto diz respeito à religião e à moral, à Igreja, que tem como escopo o bem eterno das almas, ao passo que o Estado tem apenas como escopo o bem temporal dos indivíduos.

            Mas não foi apenas na antiguidade e na Idade Média que os Φιλοσοφος tiveram essa preocupação ética e social. Longe de pretender fazer uma análise sistemática das mais diferentes visões filosóficas sobre o assunto vamos apenas ressaltar as duas correntes que já mencionamos no início do texto. A primeira sobre a qual já falamos, corresponde às ideias de Φιλοσοφος como Sócrates e Santo Agostinho que acreditam que o ser humano é dotado de um senso moral inato, ou seja, da capacidade natural para avaliar como as coisas e como elas deveriam ser e, desta forma, a questão de como devemos nos comportar e agir em sociedade passa por uma questão de foro íntimo e espiritual, introspectivo, que pode ser resumida na frase: “conhece-te a ti mesmo”. Mas essa visão não é a única e Φιλοσοφος há que acreditam que que as diversas tendências culturais são determinantes da formação do caráter e da personalidade e por isso dão uma ênfase maior em como os aspectos sociais e culturais são determinantes das relações humanas.

            Um exemplo desta perspectiva nós encontramos no século XIX, com o filósofo alemão Friedrich Hegel, que aprofundou de maneira ímpar a perspectiva Homem – Cultura e História, sendo que a ética deve ser determinada pelas relações sociais. Como sujeitos históricos culturais, nossas ações devem ser determinadas pela harmonia entre vontade subjetiva individual e a vontade objetiva cultural. O homem é visto como sujeito histórico-social, e como tal sua ação não pode mais ser analisada fora da coletividade, por isso a ética ganha um dimensionamento político: uma ação eticamente boa é politicamente boa, e contribui para o aumento da justiça e distribuição igualitária do poder entre os homens. O ideal ético para Hegel estava numa vida livre dentro de um Estado livre, um Estado de direito, que preservasse os direitos dos homens e lhes cobrasse seus deveres, onde a consciência moral e as leis do direito não estivessem nem separadas e nem em contradição. E os grandes problemas éticos se encontram em três momentos da eticidade que são a família, a sociedade civil e o Estado, e uma ética concreta não pode ignorá-los (VALLS, 1994).

            Em relação à sociedade civil os problemas atuais continuam os mais urgentes: referem-se ao trabalho e à propriedade. Não é um problema ético a falta de trabalho, o desemprego, as formas escravizadoras do trabalho, quando a maioria não recebe as condições mínimas nem de salário nem de infra estrutura para sobreviver? Em relação ao Estado, os problemas, éticos são muito ricos e complexos. A liberdade do indivíduo só se completa como liberdade do cidadão de um Estado livre e de direito. As leis, a Constituição, as declarações de direitos, a definição dos poderes, a divisão destes poderes para evitar abusos, e a própria prática das eleições periódicas aparecem hoje como questões éticas fundamentais.

            Uma outra perspectiva de uma moral social encontramos no sociólogo Émile Durkheim. A comparação que Durkheim faz da sociedade com um organismo biológico traz ricas analogias. A sociedade é um imenso corpo social, como um “organismo biológico” (o conjunto das instituições sociais formam este corpo), possuindo vários órgãos (entre eles: a família, o Estado, a escola, a Igreja), cada qual com suas funções específicas de modo que a “anatomia social” será saudável se todos os órgãos funcionarem bem. Durkheim leva essa analogia ainda mais além quando afirma que a partir do momento em que um desses órgãos deixa de funcionar convenientemente, todo corpo social se ressente e adoece. E o que torna saudável uma sociedade, fazendo com que ela funcione harmoniosamente, é a existência de uma moral social. Cabe aos indivíduos desenvolver planos de ação que possam influir na transformação dos aspectos deficientes da sociedade a partir de valores que possam orientar, efetivamente, a conduta social dos indivíduos. Vale destacar aqui, a importância que a ideia de solidariedade representa no pensamento do sociólogo francês. A solidariedade, dentro do contexto das regras morais e sociais, pode e deve contribuir para a harmonia da sociedade.

            Enfim, qual a contribuição que a Φιλοσοφία e, por sua vez, a Ética, podem oferecer para nós, homens e mulheres do século XXI? No momento histórico em que vivemos existe um problema ético-político grave. O Brasil sempre quis ser visto o país dos justos, da democracia, da ética acima de tudo, porém não é bem essa a realidade vivida por todos (veja mais em: Ética na democracia brasileira). Verifica-se uma realidade conflitante fundamentada em uma crise de sentido e de valores que se apresenta na vida pessoal e nas relações sociais das pessoas. A partir desse contexto percebe-se uma inquietação acerca do sentido da vida e do papel do “ser no mundo”, vindo assim a reaparecer com mais força o interesse pelo tema da ética, enquanto coluna vertebral da reflexão sobre a conduta do ser humano e seus valores. Não é suficiente para o homem comum e contemporâneo superar a crise da ética atual conhecendo o outro e suas necessidades para se chegar a sua convivência harmônica. Não há como superar esta crise sem um modelo de ética voltada para uma comunidade, como na polis grega. Hoje se aposta no individualismo, na competição, na sociedade do espetáculo e do consumo.

            Acerca das reflexões sobre o ponto de vista dos Φιλοσοφος, fica claro o entendimento sobre a ética, sendo um elemento imprescindível na sociedade. Somos formados por princípios e valores que estão relacionados a nossa cultura e esses fatores são essenciais, para a formação do nosso caráter no que diz respeito a nossa conduta ética e moral de modo que, irremediavelmente, o que se entende por Φιλοσοφία e Ética está relacionado ao conhecimento e comportamento do indivíduo na sociedade.

 

Referências Bibliográficas

COTRIM, Gilberto. Fundamentos de Filosofia. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva 2004.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. Tradução de J. Renard. São Paulo: Paulus, 1980.

VALLS, Álvaro L. M. O que é ética. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos, 177). Em nosso website você encontra uma resenha da obra de Álvaro Valls: acesse o link: O que é Ética (resenha).

 

Filosofia Política → Filosofia, Ética e Sociedade



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terça-feira, 14 de setembro de 2021

 

Em dia com o machado 488:

Duas histórias: uma para rir, outra para chorar(Jó)

 

        Na última quinta-feira, 9 de setembro de 2021, fui ao salão de beleza onde corto meus cabelos ondulados: uns dum lado, outros doutro... Após sentar-me, enquanto aguardava a chegada de nossa cabeleireira, que chegaria cinco minutos depois, fiquei ouvindo uma senhora conversar com a filha da dona do salão, que pintava os cabelos da senhora.

        De início, a dona, máscara no rosto, dizia assuntos relacionados a um aluguel caro, no valor de doze mil reais. Em seguida, passou a comentar temas relacionados à área da saúde pública onde trabalha. Então, reclamou de uma norma pública existente há anos, que limitava a doze afastamentos médicos por ano aos servidores concursados, e citou toda a dificuldade da colega do hospital, que mora afastada do centro de Brasília, para homologar uma dispensa médica. O deslocamento de sua cidade, Santa Maria, para o centro, e a espera para atendimento duram o dia todo. Por isso, justificou a decisão de sua colega em não pedir dispensa médica do serviço, a não ser por longo período.

        Depois, quando Selma, minha cabeleireira, já chegara e eu me havia postado em cadeira ao lado da citada cliente, esta passou a falar sobre caso ocorrido com o ex-governador do Distrito Federal chamado Roriz, falecido há vários anos, mas de quem ainda hoje se ouvem "causos" pitorescos. O que ela disse e nos fez sorrir foi o seguinte:

        — Você sabia, Selma, que o Roriz era devoto de Santa Maria? Por isso criou essa cidade e batizou-a com esse nome. Até hoje, os lotes que ele deu às famílias do lugar não foram regularizados. Há quanto tempo ele foi governador? E Selma respondeu:

        — Já faz mais de vinte anos.

        A cliente prosseguiu falando, após concordar comigo que, pelo tempo de uso, os moradores já faziam jus ao direito de usucapião. Detalhe: não existe usucapião de bem público.

        — Pois é — continuou —, ele adorava tanto a santa, que resolveu dar o nome à cidade de Santa Maria. Mas algum tempo depois disso, ele desceu lá de helicóptero com a santa e a hélice do helicóptero cortou a cabeça dela. Ouvindo isso, quase caí da cadeira... Selma e a filha, que pintava o cabelo de nossa narradora, acorreram ao seu auxílio, explicando o que de fato havia acontecido:

        — Não foi a cabeça da santa que foi cortada, foi a da irmã do governador!

        Como eu já conhecia a história, acrescentei:

        — Antes fosse a cabeça da imagem da santa... que é de barro!

        Com isso, todos concordamos. E a narradora sorriu, um pouco sem graça, no que foi acompanhada...

        Dava para perceber, entretanto, no tom da voz da cliente, a ironia e o preconceito contra a  crença do folclórico ex-governador de Brasília. A cliente, então, passou a falar de outro assunto, após o riso geral em virtude de sua troca da vítima real, que lastimamos, pela cabeça da imagem. E agora, o assunto era muito, muito sério...

        — Na sala de aula da escola em que meu filho estuda, foi matriculado um menino negro. Todos os seus colegas eram brancos, e só ele era negro. Então, meu filho fez amizade com ele, mas seus colegas se afastavam do garoto, que discriminavam. Um dia, a mãe duma menina que estuda na mesma sala me disse: "Você sabia que matricularam um menino preto na sala dos nossos filhos?" Ouvindo isso, fiquei indignada e respondi-lhe: "Ele tem o mesmo direito de estudar ali que nossos filhos; e meu filho é seu amigo. Além disso, o pai desse menino é um rico empresário. Sua situação econômica é muito melhor que a nossa."

        Indignado pelo que ouvi, em defesa da dignidade dos negros, falei-lhe que o maior poeta da escola simbolista brasileira era negro, filho de escravos, e chamava-se Cruz e Sousa. A senhora, que nunca houvera falar desse grande poeta, embora dissesse que apreciava poesia, anotou seu nome e disse-me que iria ler seus poemas no Google.

        Finalizando sua fala, já não mais tão animada, a senhora disse que o pai do menino negro retirou-o daquela escola, onde apenas o filho dela era seu amigo.

        Terminado o corte de meus cabelos, precisei fazer a transferência do pagamento com os olhos baixos. Não só por compaixão, como por tristeza, duas lágrimas insistiam em permanecer em meus olhos.

        Mais do que nunca, solidarizo-me com os nossos irmãos afrodescendentes! Mais do que nunca, minha alma manifesta sua indignação contra o preconceito sofrido por eles. Mais do que nunca, reconheço quanto o Brasil, último país a extinguir a escravidão oficial, é devedor de uma dívida moral e material imensa para com essa etnia tão vilipendiada, tão perseguida, tão sofrida.

        Ainda hoje, quando assistimos a cenas brutais de espancamento, de trabalho semelhante ao de escravos, em nosso pais, quem é que, em 90 por cento dos casos, é vítima desses abusos? A negra e o negro. Que o Congresso Nacional e a sanção do Presidente da República corrijam a incompleta Lei Áurea e criem nova lei com seu complemento assim:

        "Fica decretado que, a partir de agora, nenhum negro ficará segregado, em nenhuma instituição pública ou particular, e que todos os negros sejam tratados com dignidade, respeito e idênticos direitos possuídos pelas pessoas das demais raças e etnias.

        Parágrafo único. Nenhuma pessoa negra deixará de possuir casa, lazer, educação nos melhores colégios e emprego com remuneração mínima suficiente a lhe proporcionar boa alimentação, vestuário, e direito à manifestação cultural livre, de ora em diante, que não atente contra os costumes e a legislação vigente.

        Revogam-se as disposições em contrário.

        Esta lei será regulamentada no prazo de 30 dias.

        Brasília, 13 de setembro de 2021."

        Saravá!

               

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

 

Cidadão do Século XXI

Cidadão do Século XXI

por Alexsandro M. Medeiros

lattes.cnpq.br/6947356140810110

postado em 2015

atualizado em: jul. 2019

            O ser humano dá os seus primeiros passos no século XXI, e hoje o seu mundo é marcado por uma intensa crise. O seu cotidiano é marcado pela crise do trabalho, desigualdades sociais, das imigrações, do xenofobismo, da violência, do consumo, do neonazismo, do aquecimento global, crise do petróleo, crise da água, enfim, crise da sociedade humana. Mas, não devemos esquecer que ele ainda é o ator transformador de sua própria história. No seu status de cidadão existe a perspectiva da mudança, da revolução, no seu cotidiano traduzido pela dinâmica das relações sociais, estabelecendo uma possibilidade de convivência dos diferentes. Assim, na construção de sua práxis, baseado na luta e conflitos sociais que o impulsionam as suas conquistas, buscando um ideal de mundo. Todos os momentos da história contaram com a participação desse ator, o cidadão. Não poderia ser diferente na atualidade.

            É preciso considerar que a cidadania é algo construído no cotidiano dos seres humanos e que, se não nos educamos, pensamos e refletimos, somos facilmente manipulados. É no ato da cidadania e de sua reflexão que ela é construída.

            Apoiando-nos na visão aristotélica diríamos que a definição mais correta para esse novo cidadão do século XXI é o zoon politikon, ou o animal político. Isolados, o raciocínio ou a socialização não dariam a condição necessária para a sua sobrevivência; é na conjunção desses dois fatores, juntamente com o poder do debate através da discussão e do direito à fala, que ele inicia sua história. Ser cidadão na concepção aristotélica implica não bastar simplesmente ser homem livre; é necessário também ter qualidades que estejam em conformidade com as designações do Estado, com aquilo que o constitui como tal e que deve ser obedecido.

            A imagem que temos do filósofo Sócrates também nos ajuda a entender como podemos exercer a nossa cidadania. A imagem que predomina de Sócrates

é a de um filósofo em ação e sobretudo da ação: um cidadão que agiu sobre outros cidadãos falando, conversando e discutindo com eles; um cidadão que sustentou e defendeu a palavra falada, viva (em contraposição à palavra escrita, que tinha na conta de morta), como meio de ação na e para a pólis (GOTO, 2010, p. 114). 

            Se por um lado Sócrates se absteve da política de Estado, por outro lado tomou para si, como missão, a tarefa de exortar os atenienses a buscarem a verdade, a sabedoria e a virtude: “parte da missão de que se considerava investido e que o fazia exortar os concidadãos a buscarem a areté [virtude]. Nesses casos, justamente, ele os educava politicamente pela ação, pelo exemplo – mais por atos do que por palavras” (GOTO, 2010, p. 113 grifo do autor).

            Sócrates não era um animal político no sentido restrito do termo, daquele que toma parte da administração da cidade, mas em um sentido amplo, de cidadão da polis, “de sua convivência com os concidadãos, o que compreende necessariamente o trabalho socrático com os valores e os conceitos, simultaneamente ético e epistemológico” (GOTO, 2010, p. 113).

            O agir de Sócrates é um agir próprio de uma sociedade democrática. Com sua retórica e oratória, exortando os cidadãos atenienses a que hajam de tal forma e não de outra. Sócrates coloca em prática sua liberdade de expressão. Não há outra filosofia que não seja mais conforme uma sociedade democrática do que a filosofia socrática:

que na verdade não contém nada, nenhuma doutrina, nenhuma escrita, a não ser uma prática, uma ação que se efetiva pela fala, abrindo espaço em meio aos preconceitos mediante o trabalho de “interrogar, examinar e confundir” (ibidem, 29e), mantendo-se ela própria sempre aberta, já que, no fim das contas, não afirma nada – apenas que nada sabe... (GOTO, 2010, p. 120).

            Sócrates era um modelo de filósofo público, da praça pública, que exerce a filosofia como um exercício de cidadania, um agir cidadão e uma prática democrática.

            Esse procedimento pode não ser agradável a todos, como sucedeu com Sócrates, que por isso foi condenado à morte. As acusações contra Sócrates de impiedade, ateísmo ou corruptor da juventude eram apenas uma cortina de fumaça: “Meleto, Ânito e Lícon se mancomunam para atacar Sócrates porque tomam as dores daqueles que ele submetera ao seu interrogatório inquiridor” (GOTO, 2010, p. 118).

a tese que o Sócrates da Apologia platônica apresenta e sustenta do começo ao fim de sua defesa, inalterável e inabalavelmente, é o procedimento que adota no cumprimento de sua missão que atiça “a calúnia e o rancor de tanta gente” (Defesa de Sócrates, 28a). É também ao procedimento dos concidadãos que ele visa, ao “andar por aí” procurando persuadi-los, “moços e velhos, a não cuidar tão aferradamente do corpo e das riquezas, como de melhorar o mais possível a alma” (ibidem, 30a). Igualmente, era seu agir e proceder que desmentia que pudesse ser ímpio ou corromper a juventude, pois sua prática investigativa estava a serviço do deus Apolo e ele, Sócrates, “nunca” foi “mestre de ninguém” (ibidem, 33a) (GOTO, 2010, p. 118).

            Sócrates tinha essa tarefa na conta de uma missão, uma tarefa que lhe fora confiada pelo deus Apolo: “assim agindo, contribui para o bem da pólis, a despeito da oposição e do ódio que muitos cidadãos lhe votam; é assim que exerce sua cidadania, publicamente, não ofendendo as leis da cidade” (GOTO, 2010, p. 121).

            Filósofos como SócratesPlatãoAristótelesRousseau e Karl Marx entendiam que o homem é um ser social. E hoje sabemos que este ser social é dotado de direitos fundamentais, que o permitem ser ativo na sociedade. Assim, como agente social que é, deve ter assegurados determinados direitos, como os políticos, sociais e econômicos, que o transformam em ator da história de sua cidadania. O homem, ao longo da evolução das relações sociais, se viu transformado em “coisa”, sendo usado como escravo, servo ou mesmo depois, através do trabalho assalariado, ainda tem vivido uma condição de explorado.

            A condição da cidadania é política, não uma política Ideológica, mas aquela que é construtora da expressão humana. Mas a perspectiva de uma “nova” cidadania é que ela se torne participante (cidadania participativa dentro de um modelo de Democracia Participativa) não só no âmbito da política, mas que esteja também envolvida na preservação do meio-ambiente, da solidariedade entre os povos, na tolerância religiosa e racial. A cidadania do século XXI necessita de ética e de esperança para que possa realmente haver uma transformação de fato que atinja a todos no presente e nas gerações futuras.

            É preciso salientar que não se pode compreender a cidadania como uma condição estática, definitiva ou acabada. Ela é dinâmica e está em constante construção; assim como o mundo não pára, ela deve ser a representação desse mundo. As transformações têm uma grande probabilidade de sucesso quando os cidadãos fazem parte do seu processo. O dinamismo da sociedade implica um processo transformador com o cidadão desempenhando seu papel, bem definido e assumido.

            A cidadania se concretiza na efetiva participação (que pressupõe responsabilidade e assunção da coletividade) e no gozo dos direitos individuais e sociais. A participação se faz real quando adquirimos a consciência de que o bem comum é a garantia do individual. Por isso, é imprescindível ouvir a sociedade organizada: Movimentos Sociais, sindicatos, partidos, organizações sociais, Organizações Não-Governamentais (ONGs), processos eletivos etc., tendo na representatividade, uma forma de ação política em que a coletividade se sobrepõe ao individual.

            O indivíduo que se anula perante a coletividade não se faz partícipe do processo, não assume seu papel de ator social, falta-lhe um mínimo de cultura política necessária para a conscientização do processo do qual faz parte. Ele necessita da reflexão sobre quem é e a que grupo pertence. Quando realmente se encontra como cidadão participante de uma sociedade, ou tem consciência de que a sua participação tem importância na construção dessa sociedade, deixa de se anular para participar dela.

            Ao refletirmos sobre a construção de uma nova cidadania do século XXI percebemos que ela é uma construção histórica da representação social e política da nossa cultura ocidental. Vivemos em crise, é verdade, mas afinal, quando o ser humano não esteve em crise? Essa manifestação de insatisfação nada mais é do que a marca de um momento histórico: crise da fé, crise da liberdade, crise da ciência, crise da razão enfim, crise humana. No entanto, o ser humano sobreviveu a todas as crises às quais já esteve submetido e (re)construiu o mundo em que vive. E a perspectiva de um novo século traz também a esperança de uma nova proposta humana.

 

Referência

GOTO, Roberto. O cidadão Sócrates e o filosofar numa democraciaPro-Posições, Campinas, v. 21, n. 1 (61), p. 107-125, jan./abr. 2010. Acesso em: 28 jul. 2019.

 

 

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