Em dia com o
Machado 123 (jlo)
Que
lástima! amiga leitora, que catástrofe, meu caro leitor!
O
que ocorreu em Brasília é tão terrível quanto o é a escolha equivocada de
nossos representantes na política. Em países que valorizam a educação, a
informação e, consequentemente, a cultura, tal absurdo não ocorre jamais.
A
coisa está preta.
Pergunto
a Shakespeare, o que acha da situação e eis que ele repete:
— To be or not to be:
that's the question.
— Como assim, ó grande dramaturgo? Ó criador de Otelo, ó meu
nobre inspirador de Dom Casmurro!
E o imortal a mim me responde:
— Qual de vós criastes a frase: "Quem não lê, mal ouve,
mal fala, mal vê"?
— Essa é do Monteiro Lobato...
— Faltou completar: e não existe... Pois se as autoridades de
vosso país não valorizam o acesso à informação, certamente desejam manter sua
população ignorante. E o ignaro desconhece até mesmo a própria existência.
— Verdade pura, meu prezado bardo. Também não escreve e nem
digita quem não tem acesso à informação.
Continuemos, porém, a informar ao leitor o que nos causa
espécie. Por vezes, algumas propostas na área do incentivo à produção
intelectual, com vistas a proporcionar à sociedade mais cultura e arte, é algo
que passa despercebido e até mesmo não prospera, por não gerar rendimentos
políticos de vulto.
Atualmente, até mesmo iniciativas relacionadas a concursos
literários, por exemplo, não são confiáveis, dado à tendenciosidade dos seus
organizadores que, muitas vezes, fraudam os concursos e elegem, entre seus
ganhadores, os nepotes.
Mas já houve tempo em que se podia acreditar em alguns
concursos. Refiro-me aqui aos concursos literários que distribuíam prêmios,
diplomas e publicavam as melhores produções literárias.
Exemplo disso ocorreu há vinte anos, aproximadamente, em
concurso promovido pela Biblioteca Pública do Cruzeiro, aqui em Brasília, que
premiou, em dinheiro vivo, os três melhores poemas. Sim, fomos três os vencedores.
Não sei se todos vivos...
Na época, o prêmio foi bom, seiscentos reais para cada um: uma
senhora, que escreveu um longo poema lírico; um jovem, que escreveu um poema
pornográfico e eu, que fui representado por meu secretário com um soneto.
Um dos avaliadores das centenas de poemas inscritos
afirmou-me que a banca avaliadora ficara na dúvida se premiaria "meu
soneto" ou se só daria o prêmio aos outros dois...
Afinal, dizia ele, a poesia contemporânea praticamente aboliu
os poemas de forma fixa de suas produções literárias. Enfim...
"Mas afinal, o que aconteceu de tão horrível?" Perguntas-me
tu, leitor estranhado, estranhando já que eu use a segunda pessoa do singular e
não a segunda do plural.
Ao que te explico que, nos dias atuais, o vós só é usado nas
orações: "Perdoai, vós, as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos
nossos ofensores. E não nos deixeis, vós, cair em tentação, mas livrai-nos, vós,
do mal. Amém".
Fecharam a Biblioteca Demonstrativa da 506 Sul! Oh! Céus, oh!
Lua, oh! Terra...
Se assim fazem com nossa amiga silenciosa que nos faz ouvir e
ver um mundo de fantasias, o que não farão com a realidade? Oh! Céus etc. etc.
etc.
O fechamento da biblioteca demonstra, sobejamente, o pouco
caso de nossos governantes com a educação de nossa gente.
Se isso acontece em Brasília, o que não ocorrerá no restante
do país?
Mas, contudo, todavia dentro de poucos dias haverá eleições
para a escolha dos novos representantes do Executivo e do Legislativo.
Só não será eleita a nova direção da biblioteca que já não
existe, assim como não é cidadão quem não sabe ler, escrever e
votar...
Por isso, meu amigo Shakespeare sai de cabeça baixa, triste,
desiludido mesmo com o futuro de um povo cuja biblioteca é fechada:
"Fecham-se as bibliotecas e mata-se um povo!" É o que ainda brada o
bardo, antes de escafeder-se.
Vou passar uns dias em Portugal, contrariamente à minha
antiga índole bairrista do Rio de Janeiro, o qual é o espaço universal do meu
mundo físico e mental, pois dali não me afastava fisicamente, mas viajava,
pelas asas da imaginação, graças às obras de Camões, Garrett, Cervantes, Shakespeare,
Hugo, Voltaire, Poe, Dickens, Sterne, Shopenhauer, Allan Kardec, Jorge Leite de
Oliveira, entre algumas das produções literárias de muitas outras pessoas
d'antanho, as quais me permitiram conhecer os continentes sem jamais me afastar
de minha terra natal.
Saudades da Biblioteca Nacional, saudades do Club Beethoven, saudades dos eventos
literários, saudades da rua do Ouvidor, saudades de Dom Pedro II, amigo das
artes e da cultura... Saudades das bibliotecas, tão caras à minha formação
literária.
Quando retornar com Carola, prometo-lhes trazer ares novos e
um cálice do vinho do Porto.
Por ora, só me resta pegar do lenço e enxugar esta lágrima
que insiste em cair: snif...
Ah!, sim, o soneto... Para muitos, não lhes é desconhecido,
mas como talvez a amiga leitora ainda aprecie versos medidos e rimados, aqui
vai...
Elegia à biblioteca
"Quem bebe de minha caneca tem sede de liberdade." — Frei Caneca
"Quem bebe de minha caneca tem sede de liberdade." — Frei Caneca
Um dia, em sonho, vi 4 palavras
Que 1 sábio escriba me pediu p'ra ler
E me rogou também para escrever...
Fechou a porta e lhe baixou as travas:
... Asteca
... Biblioteca
... Caneca
... Dantesca
O que fez destacar o Império asteca
Está narrado em minha biblioteca,
Junto à revolução de Frei Caneca
O mundo gira em torno das palavras
Só nesta biblioteca é que encontravas
A execução do frei, que foi dantesca.
Agora que me leste, paciente leitora, concluído teu espanto,
leitor amigo, peço-te acompanhar-me a prece e o choro em prol da alma da
biblioteca da 506 Sul, que nem encapuzada foi, como Frei Caneca, ao ser
assassinada:
Oremos... Snif, snif,
snif...