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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Em dia com o Machado 447 (Jó)



    Bom dia, leitores!

    Para descontraí-los, nesta época de pandemia, resolvi escrever esta paródia da letra e música intitulada No momento eu sou feliz, gravada por Agnaldo Timóteo:

No momento não tenho Covid

 

Ó corona, saia do meu peito,

Vá pra longe do meu bom pulmão.

Afaste-se, por favor, covid,

que a alegria não tarda a chegar.

 

Eu venho acompanhado do meu bem,

que sem saudade eu a quero;

alguém com quem dancei e até falei

que estou sem máscara pra lhe beijar.

 


Eu hoje vou contar pro meu amor:

o que eu tenho é alergia;

eu hoje vou falar pro meu amor

pra, por favor, não espirrar...

                                                                   bis

Quero a saúde e a companheira

só comigo namorando,

pois termos corona é um tormento

e no momento não tenho covid.

 

    Acesse a música aqui: https://www.letras.mus.br/agnaldo-timoteo/1765859/

    Se você gostou, obrigado. Caso contrário, pago-lhe com um piparote.

      




sábado, 28 de novembro de 2020


 

13 QUE SUA MÃO ESQUERDA NÃO SAIBA O QUE FAZ A DIREITA

 

Fazer o bem sem ostentação - Os infortúnios ocultos - O óbolo da viúva - Convidar os pobres e estropiados – Dar sem esperar retribuição - Instruções dos Espíritos: A caridade material e a caridade moral - A beneficência - A piedade - Os órfãos – Benefícios pagos com ingratidão – Beneficência exclusiva


13.1 Fazer o bem sem ostentação


Cuidem em não fazer suas boas obras diante dos homens para serem vistos por eles; do contrário vocês não terão a recompensa de seu Pai, que está nos céus. Quando vocês derem esmola, não façam tocar trombeta diante de si, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem honrados pelos homens. Eu lhes digo em verdade que eles já receberam a sua recompensa. Quando derem esmola, que sua mão esquerda não saiba o que faz a direita; para que a sua esmola fique escondida, e seu Pai, que vê o que fazem em segredo, lhes pagará (Mateus, 6: 1-4).


Ao descer Jesus da montanha, grande número de pessoas o seguiu. Foi quando um hanseniano veio ao seu encontro e o adorou dizendo: Senhor, se quiser,  pode me curar. E Jesus, estendendo a mão, tocou-o dizendo: Eu quero; fica curado. No mesmo instante a hanseníase foi curada. Jesus então lhe disse: — Não diga a ninguém que o curei, mas vai mostrar-se aos sacerdotes e faz a oferta que ordenou Moisés, para lhes servir de testemunho (Mateus, 8: 1-4).

Fazer o bem sem ostentação é grande mérito. Esconder a mão que dá é ainda mais meritório, é o sinal incontestável de uma grande superioridade moral. Porque, para ver as coisas de mais alto que o vulgo, é necessário fazer abstração da vida presente e identificar-se com a vida futura. É necessário, numa palavra, colocar-se acima da Humanidade, para renunciar à satisfação do testemunho dos homens e esperar a aprovação de Deus. Aquele que preza mais a aprovação dos homens que a de Deus, prova que tem mais fé nos homens que em Deus, e que a vida presente é para ele mais valiosa do que a vida futura, ou até mesmo que não crê na vida futura. Se ele diz o contrário, age, entretanto, como se não acreditasse no que diz.

Quantos há que só fazem um benefício com a esperança de que o beneficiado  diga para todos; que, à luz do dia, dão grandes somas, mas escondidos não dão  uma só moeda! Foi por isso que Jesus disse: "Os que fazem o bem com ostentação já receberam a sua recompensa". Com efeito, aquele que busca a sua glorificação na Terra pelo bem que faz  já pagou a si mesmo. Deus não lhe deve mais nada; só lhe resta receber a punição do seu orgulho.

    Tradução livre da 3ª ed. francesa: prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

 

ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – VI

 

            Goulart de Andrade[1] diz que, em sua adolescência, surpreendeu-se com a extraordinária poesia de Cruz e Sousa, mas ainda não tinha noção das lutas íntimas do poeta: "[...] alma e corpo fundidos dolorosamente pela realidade terrível". O mesmo não posso dizer. Desde que li o primeiro poema de Cruz e Sousa, encantei-me com a metafísica de sua lírica, além de sentir-lhe a angústia causada por sua origem escrava e pele negra.

            O que o maior vate do Simbolismo no Brasil legou ao mundo é sui generis, como o próprio crítico francês Roger Bastide diz dele, ao compará-lo com Stefan George e Mallarmé como figura que se destaca na literatura mundial. Vejamos a musicalidade, o ritmo e a transcendentalidade do soneto abaixo, ainda quando Cruz e Sousa cita o carnaval, suas "máscaras grotescas", "atitudes funambulescas", "vertigens bizarras, pitorescas" deste "mundo de emoções carnavalescas". O poema está em Últimos sonetos e tem por título Invulnerável:

 

  • Quando dos carnavais da raça humana
  • Forem caindo as máscaras grotescas
  • E as atitudes mais funambulescas
  • Se desfizerem no feroz Nirvana;
  •  
  • Quando tudo ruir na febre insana,
  • Nas vertigens bizarras, pitorescas,
  • De um mundo de emoções carnavalescas
  • Que ri da Fé profunda e soberana;
  •  
  • Vendo passar a lúgubre, funérea
  • Galeria sinistra da Miséria,
  • Com as máscaras do rosto descoladas;
  •  
  • Tu que és o deus, o deus invulnerável,
  • Resiste a tudo, e fica invulnerável
  • No silêncio das noites estreladas!

 

            Observemos o que ainda elenca o poeta sobre características carnavalescas: "lúgubre, funérea galeria sinistra da miséria" que "ri da Fé profunda e soberana". Nada disso, porém, destrói "o deus invulnerável" que paira "formidável", acima da balbúrdia mundana, dos barulhos funambulescos, marcados pelas danças estonteantes. E, por fim, em antítese formidável ao barulho carnavalesco do mundo, esse deus formidável mantém-se inatingido pelo rumor mundano "No silêncio das noites estreladas".

            Comparemos, agora, esse soneto com o poema psicografado por Chico Xavier intitulado Exaltação, se não parece um apelo do poeta às entidades do espaço para a confirmação do que ele entrevia em sua existência física:

 

  • Harmonias do Som, vibrai nos ares,
  • Nos horizontes, nas atmosferas;
  • Exaltai minhas dores de outras eras,
  • Meus passados, recônditos pesares.
  •  
  • Desdobrai-vos luzeiros estelares,
  • Sobre o aroma das novas primaveras;
  • Cantem no mundo todas as quimeras,
  • Aves e flores, amplidões e mares!
  •  
  • Vibrai comigo, multidões de seres,
  • Na concretização desses prazeres
  • Do meu sonho de luzes e universos...
  •  
  • Exaltai-vos na vida de minh'alma
  • E na grandeza infinda que se espalma
  • Sobre a glória sublime dos meus versos!

 

 

            Em contraste com o soneto anterior, quando o silêncio é a resposta das estrelas ao barulho carnavalesco, na dimensão espiritual o Som, agora destacado pela inicial maiúscula, é evocado pelo poeta para exaltar suas "dores de outras eras". Agora, os "luzeiros estelares" são chamados a se derramarem sobre "o aroma das novas primaveras"; o bardo apela a todas as quimeras para, junto com os elementos da natureza: "aves, flores, amplidões e mares" cantarem "no mundo". Por fim, "multidões de seres" são chamados para vibrarem com o espírito cruzesousiano por este ter alcançado seu sonho de "luzes e universos" que ele expressa em seus versos.

            E, por hoje, é só. Paz e luz!

 

Referências

COUTINHO, Afrânio. Cruz e Sousa: coletânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1979 (Col. Fortuna Crítica, v. 4).

XAVIER, Francisco Cândido. Parnaso de além-túmulo. 19. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2019.



[1] In: COUTINHO, Afrânio. Cruz e Sousa: coletânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1979 (Col. Fortuna Crítica, v. 4), A poesia de Cruz e Sousa, p. 93.

 

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

 

EM DIA COM O MACHADO 446:

Mundo Maravilhoso (Jó)

 


        Ouvido num canal de TV, que nos mostrava o socorro a animais salvos de queimadas: "A anta é o maior mamífero terrestre da natureza. Ela leva dois anos para gerar um filhote". Em seguida, consternados, ouvimos que uma onça morreu intoxicada, mas felizmente outra foi salva. Esta, após sedada, foi medicada e está em recuperação para ser devolvida em boas condições físicas à natureza.

        Em site da emissora citada acima, ficamos sabendo que uma sucuri de quatro metros foi capturada, imobilizada e transportada de volta ao seu habitat. Pessoas que maltratam animais, sejam estes domésticos ou não, respondem por crime ambiental e, além de pagar multa, podem ser presas, como aconteceu, há poucos dias, a indivíduos que colecionavam e vendiam ilegalmente cobras e outros animais.

        Notícias como estas ouvimos e lemos diariamente: socorro a animais selvagens e atitudes de extremo carinho e apego aos bichos de estimação.

        Atualmente, grupos são criados para a defesa dos animais. Entidades e cidadãos diversos manifestam seu repúdio à ofensa aos direitos humanos. Entidades são criadas para socorro aos vulneráveis socioeconomicamente. Cuidados a idosos são exemplares...       

        Quando ocorre uma cena triste de abandono, seja de animal, seja de ser humano, não é raro vermos alguém socorrendo o bicho e o pária social, ou um jornalista denunciando o desamparo institucional e pessoal ao enjeitado. É evidente que muita coisa ainda precisa ser feita. Grande número de pessoas e famílias necessita do mínimo para sobreviver dignamente. Cada vez mais, entretanto, os governantes investem em programas sociais e saneamento básico.

        A vida humana, atualmente, é considerada supremo bem a ser protegido e valorizado. Para quem pensa que exagero, leia o que disse Allan Kardec sobre o duelo, em 1864, no capítulo 12, item 16 d'O Evangelho Segundo o Espiritismo:

 

[...] Outro sinal da modificação dos costumes é que outrora  os combates singulares se davam em plena rua, diante da turba que se afastava para deixar livre o campo aos combatentes, ao passo que hoje se ocultam. Presentemente, a morte de um homem é um acontecimento que causa emoção, ao passo que, em tempos passados, ninguém dava atenção a isso [...]".

 

        Li, dias atrás, mensagem do Espírito Emmanuel que nos esclarece a diferença entre a sociedade atual em relação à do tempo dos nobres da antiguidade. Hoje, qualquer família de classe média, diz ele, com muito menor poder econômico, vive em condições materiais muito melhores do que as dos reis e rainhas dos tempos antigos.

        Qualquer criança tem acesso a uma pletora de informações diárias que antigamente necessitavam meses de pesquisa. Ficamos admirados quando vemos que os sábios do passado necessitavam consultar pergaminhos ou outros materiais grosseiros para adquirir seus conhecimentos.

        Sim, ainda há muito sofrimento, violência e injustiça no mundo. Muitas pessoas aparentam honestidade apenas quando estão sendo vistas. A corrupção é uma grande preocupação dos governos, até porque ela existe entre seus próprios membros, que deveriam ser os primeiros a dar exemplo de integridade e respeito à coisa pública. Mas ai de quem exerce um cargo administrativo, em qualquer dos três poderes da República do Brasil e pensa estar acima da lei. Suas fraudes são logo descobertas, pois computadores potentes controlam a situação financeira de todo o mundo...

        Vivemos, pois, amiga leitora, num mundo bem melhor, mas inda bastante injusto. Ainda se veem pessoas miseráveis morando nas ruas. Ainda ocorrem crimes hediondos e assaltos espetaculares a bancos, que levam o terror aos moradores e pedestres de suas redondezas. Maus profissionais causam prejuízos incontáveis à sociedade por negligência. Todos, porém, pagam caro por isso, pois não faltam câmaras escondidas ou celulares, em algum lugar, para denunciá-los...

        Peço a Deus que a miséria seja extinta, porque hoje, muito mais do que ontem, o pobre já pode atender satisfatoriamente às suas necessidades básicas neste mundo maravilhoso. É muito justo e necessário que socorramos e adotemos os animais. O que não é justo é que muitos animais domésticos vivam em condições muito melhores do que outros tantos seres humanos...        





 

sábado, 21 de novembro de 2020

 


Agostinho

Bordeaux, 1861

 

            O homem do mundo, o homem feliz, que, por uma palavra ofensiva, uma causa ligeira, joga a vida que Deus lhe deu e joga a vida do seu semelhante, que só a Deus pertence, este é cem vezes mais culpado que o miserável que, possuído pela cupidez e, às vezes, pela necessidade, introduz-se num lar para roubar e mata o que tenta impedi-lo. Porque este é quase sempre um homem sem educação, com imperfeitas noções do bem e do mal, enquanto o duelista  pertence em geral à classe mais esclarecida. Um mata brutalmente; o outro, com método e polidez, por isso a sociedade o desculpa. Acrescento mesmo que o duelista é infinitamente mais culpado que o desgraçado que, cedendo a um sentimento de vingança, mata num momento de desespero.

            O duelista não tem por desculpa o arrastamento da paixão, porque entre o insulto e a reparação há sempre tempo de refletir. Ele age, pois, friamente e de modo premeditado. Tudo estuda e calcula, para matar com mais segurança seu adversário. É verdade que expõe também sua vida, e é isso o que reabilita o duelo aos olhos do mundo, que o considera como ato de coragem e desapego à própria vida. Mas haverá verdadeira coragem, quando se está seguro de si? O duelo, resto dos tempos de barbárie, quando o direito do mais forte era a lei, desaparecerá por efeito de melhor apreciação do verdadeiro ponto de honra, à medida que o homem for adquirindo fé mais ardente na vida futura.

 

Nota de Kardec - Os duelos tornam-se cada vez mais raros, e se ainda vemos, de tempos em tempos, dolorosos exemplos, seu número não compara aos que corriam outrora. Antigamente, um homem não saía de casa sem prever um encontro. Então,  sempre tomava as precauções necessárias. Um sinal característico dos costumes do tempo e dos povos era o uso do porte habitual, ostensivo ou disfarçado, de armas ofensivas e defensivas. A abolição desse uso revela o abrandamento dos costumes, e é curioso seguir sua graduação, desde a época em que os cavaleiros só saíam com armaduras de ferro e munidos de lança, até que o simples uso da espada à cinta se tornasse mais um enfeite e um acessório de uniforme do que arma agressiva. Outro traço do abrandamento dos costumes é que, antigamente, os combates pessoais se davam em plena rua diante da turba, que se afastava para deixar livre o campo, e hoje se ocultam. Hoje, a morte de um homem é um acontecimento que provoca comoção, enquanto, antigamente, ninguém dava atenção a isso. O Espiritismo extinguirá esses últimos vestígios da barbárie, ao inculcar nos homens o senso da caridade e da fraternidade.

Tradução livre: prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

 

ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – V

 

        Diz Henriqueta Lisboa que em Últimos sonetos podemos achar a

 

[...] verdadeira via crucis do poeta e, ao mesmo tempo, a sua cabal expressão. Não apenas o homem se engrandeceu através da dor, cristalizando cada vez mais o ser moral que o integrava, como também o artista, abismado no sofrimento, pôde tocar suas mesmas raízes, capacitando-se para mais nítidas revelações" (In COUTINHO, 1979, p. 224).

 

        Estariam presentes em Últimos sonetos, segundo a crítica citada: "a dor superada", que eu retificaria para a dor suprema, dor moral, mais pungente que a dor física. Também, segundo Lisboa, podemos encontrar, na poesia do poeta, "o culto da beleza", "o sentimento do orgulho" e "a ideia da morte" (op. cit., p. 227- 236).

        "O sentimento do orgulho" expressar-se-ia, em seu livro final, no qual ocultar-se-ia a alma cristã, como podemos ler no soneto intitulado:  

 

Grandeza Oculta

 

  • Estes vão para as guerras inclementes,
  • Os absurdos heróis sanguinolentos,
  • Alvoroçados, tontos e sedentos
  • Do clamor e dos ecos estridentes;
  •  
  • Aqueles para os frívolos e ardentes
  • Prazeres de acres inebriamentos:
  • Vinhos, mulheres, arrebatamentos
  • De luxúrias carnais, impenitentes.
  •  
  • Mas Tu, que na alma a imensidade fechas,
  • Que abriste com teu gênio fundas brechas
  • No mundo vil onde a maldade exulta,
  •  
  • Ó delicado espírito de Lendas!
  • Fica nas tuas Graças estupendas,
  • No sentimento da grandeza oculta.

 

        Destaco, dos comentários de Lisboa, a seguinte frase: "A força que alimentava seu estro — sonho de ascensão — tocou-se de sublimidade" (op. cit., p. 232). Concordo com Henriqueta. O extraordinário vate é inspirado pelas Vozes do Alto, sobre a grande diferença que existe entre as pessoas que vivem para as glórias efêmeras e paixões do mundo e aquelas que se inebriam com as "Graças estupendas" reservadas a quem supera a matéria e vara "no mundo vil" as brechas que as elevam à dimensão espiritual.

            A seguir, o poema psicografado por Chico Xavier:


 Vozes

 

  • Há sobre os prantos, há sobre as humanas
  • Vozes que se lamentam nas torturas,
  • Outras vozes mais doces e mais puras,
  • Como um coro dulcíssimo de hosanas.
  •  
  • As primeiras são feitas de amarguras,
  • As segundas, de bênçãos soberanas,
  • Sobre as dores sagradas ou profanas
  • Que pululam nas sendas mais escuras.
  •  
  • Sobe da Terra a queixa soluçando,
  • Silenciosa, muda, suplicando,
  • Remontando aos Espaços constelados;
  •  
  • Desce dos Céus a voz amiga e mansa,
  • Fortificando a vida da Esperança
  • — Patrimônio dos seres desgraçados.

 

          Este soneto parece confirmar o outro. É a resposta da Dimensão Espiritual, agora acessada pelo Espírito Cruz e Sousa, que confirma suas esperanças externadas em seus poemas enquanto estagiou na Terra com o corpo físico.

        Quando o poeta diz "Há sobre os prantos, há sobre as humanas/ Vozes que se lamentam nas torturas,/ Outras vozes mais doces e mais puras" refere-se à atuação dos nossos anjos da guarda e espíritos protetores que nos acompanham por toda a existência. Entristecem-se com nosso pessimismo, nossas faltas, mas alegram-se com nossas superações do mal. São essas as vozes que descem dos Céus e nos dão esperança sobre uma existência melhor que aguarda a todos aqueles que suportam e superam suas "dores sagradas ou profanas". Muito mais do que crer nisso, estar certo disso é o que faz das almas elevadas um modelo de vida para todos nós. E não foi outra coisa o que o Cristo veio nos dizer e confirmar, quando nos provou que apenas a matéria é perecível, mas o espírito é imortal.

 

Referências

 

COUTINHO, Afrânio. Cruz e Sousa: coletânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1979 (Col. Fortuna Crítica, v. 4).

XAVIER, Francisco Cândido. Parnaso de além-túmulo. 19. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2019.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

 Poema de Jó


Teias – Jorge Leite de Oliveira

 

  • eu teço teias tenazes,
  • teias tecidas com veias
  • trançando telas sangrentas,
  • texto tirado dos tiros
  •  
  • traçantes torpedos torpes
  • tornam-te entorpecida
  • tia de tristes tupis,
  • trazidos de tribos tantas
  •  
  • tribos dos tupinambás,
  • fortes tribos tabajaras
  • tantas tribos, tribos tantas
  • tombam nas teias tirânicas
  •  
  • talvez as teias que traço
  • as troças tracem também,
  • são traços atormentados
  • turíbulos a Tupi
  •  
  • tudo é tão trágico aqui
  • nesta terra do saci
  • que as teias tecidas têm
  • tutano, torresmo e ti


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

 EM DIA COM O MACHADO 445: a FEB e as Grandes Lutas do Espiritismo Cristão (Jó) 

Enquanto os bons não se unirem na defesa das Verdades Divinas Eternas, o mal fará grandes estragos nas almas juvenis – Jó 

         Estive conversando com Machado de Assis, nesta madrugada, sobre a missão do Espiritismo na Terra. Quando perguntei ao  Bruxo do Cosme Velho o que achava da difusão dessa Doutrina Consoladora no mundo, ele respondeu-me o seguinte:

         — Indubitavelmente, como Consolador prometido por Jesus à Humanidade, o Espiritismo atingirá todas as consciências. — Então, tornei a questionar-lhe:

         — Mas tantas divergências de interpretações, por diversos grupos de estudiosos, não dificultará o cumprimento da promessa de Jesus? — Foi aí que ele me recordou a pergunta número 798 de Allan Kardec inserida n'O Livro dos Espíritos:

 

— O Espiritismo tornar-se-á crença geral ou continuará sendo professado apenas por algumas pessoas? — Respondeu-lhe um dos enviados do Cristo:

— Certamente que o Espiritismo  tornar-se-á crença geral e marcará nova era na história da Humanidade, porque está na natureza e chegou o tempo em que ocupará lugar entre os conhecimentos humanos. Entretanto, terá que sustentar grandes lutas, mais contra os interesses do que contra a convicção, pois não se pode dissimular a existência de pessoas interessadas em combatê-lo, umas por amor-próprio, outras por causas inteiramente materiais. Porém, seus contraditores tornar-se-ão cada vez mais isolados, serão forçados a pensar como os demais, sob pena de se tornarem ridículos.

 

         — Temos observado, entretanto, amigo Machado, que grande número de pessoas incautas vêm combatendo ostensivamente honorável instituição, no Brasil, com 137 anos de trabalho abnegado em prol da divulgação espírita. Isso não é muito prejudicial à missão libertadora das almas no mundo, proporcionada pelo Espiritismo?

         — É verdade! A Casa que tem por lema: "Deus, Cristo e Caridade" vem sendo impiedosamente atacada por questões vernáculas pouco relevantes em suas edições de livros impressos ou eletrônicos.  Esses são grupos muito mais atentos à letra, que mata, do que ao espírito, que vivifica, consoante palavras do apóstolo Paulo em 2 Coríntios, 3:6. Certamente, como toda editora responsável, a FEB não deixará jamais de corrigir os equívocos, pequenos, ressalte-se, decorrentes de uma ou outra palavra ou expressão equivocadamente em desacordo com as edições definitivas de seus autores encarnados e desencarnados. Mas é descaridoso espalhar aos quatro cantos do mundo que ocorreram, aqui e ali, alguns equívocos linguísticos formais.

         "Se seus próprios adeptos não se entendem — dirão os adversários da Doutrina Consoladora —, como poderemos confiar nessa doutrina?" O que se deve fazer, quando se tem boa intenção, é informar, exclusivamente, à própria Instituição tais enganos, muitas vezes provocados por revisores voluntários bem-intencionados, mas desatentos, ainda que com formação universitária relevante. Se ela não responder, cobre dela a resposta... É desse modo que todos os enganos pertinentes serão corrigidos e não com espalhafatos difamatórios, pelos meios de comunicação modernos, que depõem tanto contra a entidade como contra a própria difusão do Espiritismo.

         — Por que pertinentes, nobre amigo, há alguns que não o sejam?

         — Sim. Embora alguns acertos sempre precisem ser feitos, como ocorre nas edições de quaisquer editoras, por vezes são feitas enormes digressões para acusar erro inexistente, ou já corrigido, como ocorreu em relação à obra Paulo e Estêvão, que nobre irmão apontou mais elucubrações de sua mente exaltada pelos diversos títulos acadêmicos conquistados do que na realidade existem, desde a primeira edição do livro.

         — Você poderia exemplificar, bondoso Machado?

         — Sim. Darei apenas um exemplo, para não alimentar mais polêmicas. Eis o que diz o crítico, cujo nome e elevada titulação me abstenho de citar, por caridade fraterna:

 

Na 17ª edição, os Autores assim compuseram a seguinte passagem: “os coríntios riam gostamente” (p. 431). Na atualização feita pela 45ª ed., grafou-se: “os coríntios riam gostosamente” (p. 383).

Gostamente é forma adverbial vernácula, encontrável nos autores clássicos de maior feição lusitanizante. Assim é que, entre os contemporâneos, se lê do escritor e jornalista angolano João Melo no conto “Madinusa”: “(...)  alheia a esses receios de G.W. Bush — que, como os brasileiros, eu chamaria gostamente de ‘bobos’” (Contos do mar sem fim. Rio de Janeiro: Pallas, 2010).

Também no Brasil a expressão está presente em alguns cronistas, como Pedro Rogério do Couto Moreira, nascido em 1946: Meio? - ri gostamente o escritor. - Era inteiramente” (Jornal Amoroso: Edição Vespertina. Brasília: Thesaurus Editora, 2007, p. 159).

Os Autores de Paulo e Estêvão fizeram, então, uso consciente, pois, na introdução, tinham usado forma alternativa: “Templos e devotos entregam-se, gostosamente, às situações acomodatícias” (17ª ed., p. 8; 45ª ed., p. 8).

Aqui, a revisão editorial desafeiçoou-se inteiramente do talhe estilístico aposto à obra.

 

         Aqui está o que de fato ocorre, verificado em confronto da primeira edição citada pelo nobre crítico com a 45ª ed., comentada por ele, conforme informação decorrente de cuidadosa análise feita por colaborador da Casa de Ismael: "O 'erro' que induziu o senhor X a esse estudo louvável, mas equivocado em relação a esta palavra, não ocorre na 45ª ed., que reproduz a grafia anotada na 1ª ed. de 1942: “gostosamente”, p. 437 desta edição".

         — Ou seja, amigo de Assis, tanto na 1ª ed. como na 45ª ed. não existe a palavra "gostamente", pois elas contêm apenas a palavra: "gostosamente". Nosso ego faz-nos ver "chifres em cabeça de cavalo".

         Para finalizar, Machado de Assis repetiu as palavras que estão impressas na obra que Emmanuel ditou a Chico Xavier e Waldo Vieira em 1965, intitulada Entre irmãos de outras terras, no segundo capítulo: "Certifiquemo-nos, pois, de que na difusão dos princípios espíritas estamos todos em luta do bem para a extinção do mal e de que ninguém alcançará a suspirada vitória sem a vontade de aprender e a disposição de trabalhar".

Ao nos despedirmos, lembramo-nos do alerta de Allan Kardec, como lemos na obra Viagem Espírita em 1862 e Outras Viagens: Resposta de Allan Kardec ao convite dos espíritas de Lyon e de Bordeaux:

 

Não vos esqueçais de que a tática de vossos inimigos encarnados e desencarnados é dividir-vos. Provai-lhes que perderão o tempo se tentarem suscitar entre os grupos sentimentos de inveja e rivalidade, que seriam uma apostasia da verdadeira Doutrina Espírita cristã.

 

É, meus amigos, como também disse o Codificador do Espiritismo, em mensagem citada nessa mesma obra, se "Fora da caridade não há salvação, também fora da caridade não há verdadeiro espírita". Vamos ler, divulgar a Santa Doutrina de Jesus à luz do Espiritismo, mas não nos esqueçamos de suas palavras: "Meus discípulos serão conhecidos por muito se amarem" (João, 13:35).

Atacar uma instituição que conta com o trabalho abnegado de irmãos de boa vontade é atacar esses mesmos confrades. Só a caridade, no sentido de "Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros,  perdão das ofensas", como lemos na resposta à questão 886 d'O Livro dos Espíritos, mostrará que trabalhamos lado a lado com Jesus na difusão espírita.

sábado, 14 de novembro de 2020


 

Francisco Xavier

Bordeaux, 1861

            Que opinião farão de mim, vocês costumam dizer, se eu recusar a reparação que me pedem, ou se eu não a pedir àquele que me ofendeu? Os loucos, como vocês, os homens atrasados, os censurarão; mas os esclarecidos pela luz do progresso intelectual e moral dirão que vocês procedem com verdadeira sabedoria.

            Reflitam um pouco: por uma palavra, dita muitas vezes sem intenção, ou bastante inofensiva, por um de seus irmãos, seu orgulho sente-se ferido. Vocês respondem de modo áspero, e vem daí a provocação. Antes de chegar o momento decisivo, vocês perguntam-se se estão agindo como cristãos? Que conta prestarão à sociedade, se a privarem de um de seus membros? Pensaram no remorso de haver roubado a uma mulher seu marido, à mãe seu filho, aos filhos seu pai e seu apoio?

            Certamente, quem ofende deve uma reparação. Mas não é muito mais honroso para ele dá-la espontaneamente, reconhecendo seus erros, do que expor a vida daquele  que possui o direito de se queixar? Quanto ao ofendido, convenho que pode, às vezes, se sentir gravemente atingido, seja na sua própria pessoa, seja em relação aos que lhe são caros. Não é somente o amor-próprio que está em causa; o coração foi magoado e ele sofre. Mas além de ser estúpido jogar a vida contra um miserável capaz de infâmias, mesmo que mate a este, por acaso a afronta, seja qual for, deixa de existir?

            O sangue derramado não provocará maior alarde sobre um fato que, se falso, deve desaparecer por si mesmo, e se verdadeiro, deve ocultar-se no silêncio? Portanto, nada mais restará senão a satisfação da vingança. Ah! triste satisfação que, quase sempre, já nesta vida deixa causticantes remorsos! E se é o ofendido quem sucumbe, onde está a reparação?

            Quando a caridade for a regra de conduta dos homens, eles conformarão seus atos e suas palavras a esta máxima: "Não façam aos outros o que não desejam que eles lhes façam". Então, desaparecerão todas as causas de discórdias, e, com elas, as causas dos duelos e das guerras, que são duelos de povo contra povo.

Tradução livre: prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

 

ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – IV


     
    Também a referência à luz, às estrelas e a um mundo de compensações para os sofrimentos da existência terrestre está presente nos versos do poeta apelidado Cisne Negro ou Dante Negro. Tais epítetos foram-lhe dados no mais alto sentido. Comprovavam que a questão racial, ainda longe de corrigir a discriminação, nada tinha a ver com a inteligência e elevação moral de alguém. Era forçoso reconhecer, nas artes, na ciência, na filosofia e, particularmente, na literatura, a posição destacada do negro.  Nascido escravo, discriminado, humilhado em virtude da simples tez da pele, Cruz e Sousa é considerado um dos maiores poetas da literatura mundial. Para suportar tudo isso, percebeu o grande poeta, cuja obra inaugura o Simbolismo brasileiro, que era necessário crer numa vida além-túmulo e exercitar o perdão, mas sobretudo o amor. É o que observamos nos sonetos abaixo.

 

De Broquéis

A grande sede

  • Se tens sede de Paz e d'Esperança,
  • Se estás cego de Dor e de Pecado,
  • Valha-te o Amor, o grande abandonado,
  • Sacia a sede com amor, descansa.
  •  
  • Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa
  • Do Amor e ficarás desafogado,
  • Hás de ver tudo claro, iluminado
  • Da luz que uma alma que tem fé alcança.
  •  
  • O coração que é puro e que é contrito,
  • Se sabe ter doçura e ter dolência
  • Revive nas estrelas do Infinito.
  •  
  • Revive, sim, fica imortal, na essência
  • Dos Anjos paira, não desprende um grito
  • E fica, como os Anjos, na Existência.

         

        Comentário de Tasso da Silveira[1]: "É interessante verificar-se quanto recriou CRUZ E SOUSA, no seio de sua experiência pessoal de vida e por pura intuição poética, essa doutrina do amor que salva, ele, que não conhecia a fonte viva, afastado da Igreja como viveu".

    Esse fato não impediu o poeta de entrar em contato com o Budismo e o Espiritismo, este último em plena emancipação na Europa, em especial após 1857, quando Allan Kardec lançou a obra basilar do Espiritismo: O Livro dos Espíritos. É nesses estudos que Cruz e Sousa obteve a crença na sobrevivência do espírito após a morte do corpo físico, no renascimento em novo corpo e na imortalidade da alma.

        No soneto acima, estão presentes palavras que confirmam, pelo poeta, o que dissemos. Sobretudo, ao se referir ao Amor, em que destaca a inicial, ele parece referir-se a Deus, como expressão maiúscula desse sentimento que, entretanto, encontrava-se desprezado. Em seguida, o amor já parece ser o das criaturas humanas, pois agora está escrito com inicial minúscula. O Amor divino, reforça a segunda estrofe, é o que desafoga, ilumina e também é alcançado pela "alma que tem fé". Para alcançar a pureza dos Anjos, conclui o vate simbolista, é necessário uma existência semelhante à deles, viver na essência e imortalidade dos Anjos, com "a" maiúsculo.


De Antologia dos imortais

  • Alma do Amor 

  • Alma do Amor, cansada, erma e fremente,
  • Arrastando o grilhão das próprias dores,
  • Sustenta a luz da fé por onde fores,
  • Torturada, ferida, descontente...
  •  
  • Nebulosas, estrelas, mundos, flores
  • Rasgam, vibrando, excelso trilho à frente...
  • Tudo sonha, buscando o lume ardente
  • Do eterno amor de todos os amores!
  •  
  • Alma, de pés sangrando senda afora,
  • Humilha-te, padece, chora, chora,
  • Mas bendize o teu santo cativeiro...
  •  
  • Não esperes ninguém para ajudar-te,
  • Ama apenas, que Deus, em toda a parte,
  • É o sol do amor para o Universo inteiro.

Psicografia de Chico Xavier[2]


Comentário:

            No poema escrito em vida física, o poeta aconselha quem tem "sede de Paz e d'Esperança" e está "cego de Dor e de Pecado" a valer-se do Amor Divino, como explicamos antes. Agora, em Alma do Amor, que ele destaca como o Amor Divino, orienta a quem se encontra igualmente sofrido, sustentar a fé aonde for, pois o universo busca em sonho o "lume ardente" desse amor eterno. Assim, todos os sofrimentos físicos e morais, como o da humilhação, serão compensados sem a ajuda de ninguém, a não ser a de Deus, que está em toda parte, como "sol do amor para o Universo inteiro". 

        Desse modo, concluímos que, para bendizermos, um dia, todos os sofrimentos e humilhações, precisamos apenas amar com luz própria, "o sol do amor" que Deus nos concede.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] SILVEIRA, Tasso da. In: SOUSA, Cruz e, 1861- 1898. Cruz e Sousa: poesia. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1982 (Nossos clássicos; 4). p. 82.

[2] XAVIER, Francisco; VIEIRA, WALDO. Antologia dos Imortais. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002, p. 261.

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