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sábado, 21 de novembro de 2020

 


Agostinho

Bordeaux, 1861

 

            O homem do mundo, o homem feliz, que, por uma palavra ofensiva, uma causa ligeira, joga a vida que Deus lhe deu e joga a vida do seu semelhante, que só a Deus pertence, este é cem vezes mais culpado que o miserável que, possuído pela cupidez e, às vezes, pela necessidade, introduz-se num lar para roubar e mata o que tenta impedi-lo. Porque este é quase sempre um homem sem educação, com imperfeitas noções do bem e do mal, enquanto o duelista  pertence em geral à classe mais esclarecida. Um mata brutalmente; o outro, com método e polidez, por isso a sociedade o desculpa. Acrescento mesmo que o duelista é infinitamente mais culpado que o desgraçado que, cedendo a um sentimento de vingança, mata num momento de desespero.

            O duelista não tem por desculpa o arrastamento da paixão, porque entre o insulto e a reparação há sempre tempo de refletir. Ele age, pois, friamente e de modo premeditado. Tudo estuda e calcula, para matar com mais segurança seu adversário. É verdade que expõe também sua vida, e é isso o que reabilita o duelo aos olhos do mundo, que o considera como ato de coragem e desapego à própria vida. Mas haverá verdadeira coragem, quando se está seguro de si? O duelo, resto dos tempos de barbárie, quando o direito do mais forte era a lei, desaparecerá por efeito de melhor apreciação do verdadeiro ponto de honra, à medida que o homem for adquirindo fé mais ardente na vida futura.

 

Nota de Kardec - Os duelos tornam-se cada vez mais raros, e se ainda vemos, de tempos em tempos, dolorosos exemplos, seu número não compara aos que corriam outrora. Antigamente, um homem não saía de casa sem prever um encontro. Então,  sempre tomava as precauções necessárias. Um sinal característico dos costumes do tempo e dos povos era o uso do porte habitual, ostensivo ou disfarçado, de armas ofensivas e defensivas. A abolição desse uso revela o abrandamento dos costumes, e é curioso seguir sua graduação, desde a época em que os cavaleiros só saíam com armaduras de ferro e munidos de lança, até que o simples uso da espada à cinta se tornasse mais um enfeite e um acessório de uniforme do que arma agressiva. Outro traço do abrandamento dos costumes é que, antigamente, os combates pessoais se davam em plena rua diante da turba, que se afastava para deixar livre o campo, e hoje se ocultam. Hoje, a morte de um homem é um acontecimento que provoca comoção, enquanto, antigamente, ninguém dava atenção a isso. O Espiritismo extinguirá esses últimos vestígios da barbárie, ao inculcar nos homens o senso da caridade e da fraternidade.

Tradução livre: prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

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