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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

 

ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – IV


     
    Também a referência à luz, às estrelas e a um mundo de compensações para os sofrimentos da existência terrestre está presente nos versos do poeta apelidado Cisne Negro ou Dante Negro. Tais epítetos foram-lhe dados no mais alto sentido. Comprovavam que a questão racial, ainda longe de corrigir a discriminação, nada tinha a ver com a inteligência e elevação moral de alguém. Era forçoso reconhecer, nas artes, na ciência, na filosofia e, particularmente, na literatura, a posição destacada do negro.  Nascido escravo, discriminado, humilhado em virtude da simples tez da pele, Cruz e Sousa é considerado um dos maiores poetas da literatura mundial. Para suportar tudo isso, percebeu o grande poeta, cuja obra inaugura o Simbolismo brasileiro, que era necessário crer numa vida além-túmulo e exercitar o perdão, mas sobretudo o amor. É o que observamos nos sonetos abaixo.

 

De Broquéis

A grande sede

  • Se tens sede de Paz e d'Esperança,
  • Se estás cego de Dor e de Pecado,
  • Valha-te o Amor, o grande abandonado,
  • Sacia a sede com amor, descansa.
  •  
  • Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa
  • Do Amor e ficarás desafogado,
  • Hás de ver tudo claro, iluminado
  • Da luz que uma alma que tem fé alcança.
  •  
  • O coração que é puro e que é contrito,
  • Se sabe ter doçura e ter dolência
  • Revive nas estrelas do Infinito.
  •  
  • Revive, sim, fica imortal, na essência
  • Dos Anjos paira, não desprende um grito
  • E fica, como os Anjos, na Existência.

         

        Comentário de Tasso da Silveira[1]: "É interessante verificar-se quanto recriou CRUZ E SOUSA, no seio de sua experiência pessoal de vida e por pura intuição poética, essa doutrina do amor que salva, ele, que não conhecia a fonte viva, afastado da Igreja como viveu".

    Esse fato não impediu o poeta de entrar em contato com o Budismo e o Espiritismo, este último em plena emancipação na Europa, em especial após 1857, quando Allan Kardec lançou a obra basilar do Espiritismo: O Livro dos Espíritos. É nesses estudos que Cruz e Sousa obteve a crença na sobrevivência do espírito após a morte do corpo físico, no renascimento em novo corpo e na imortalidade da alma.

        No soneto acima, estão presentes palavras que confirmam, pelo poeta, o que dissemos. Sobretudo, ao se referir ao Amor, em que destaca a inicial, ele parece referir-se a Deus, como expressão maiúscula desse sentimento que, entretanto, encontrava-se desprezado. Em seguida, o amor já parece ser o das criaturas humanas, pois agora está escrito com inicial minúscula. O Amor divino, reforça a segunda estrofe, é o que desafoga, ilumina e também é alcançado pela "alma que tem fé". Para alcançar a pureza dos Anjos, conclui o vate simbolista, é necessário uma existência semelhante à deles, viver na essência e imortalidade dos Anjos, com "a" maiúsculo.


De Antologia dos imortais

  • Alma do Amor 

  • Alma do Amor, cansada, erma e fremente,
  • Arrastando o grilhão das próprias dores,
  • Sustenta a luz da fé por onde fores,
  • Torturada, ferida, descontente...
  •  
  • Nebulosas, estrelas, mundos, flores
  • Rasgam, vibrando, excelso trilho à frente...
  • Tudo sonha, buscando o lume ardente
  • Do eterno amor de todos os amores!
  •  
  • Alma, de pés sangrando senda afora,
  • Humilha-te, padece, chora, chora,
  • Mas bendize o teu santo cativeiro...
  •  
  • Não esperes ninguém para ajudar-te,
  • Ama apenas, que Deus, em toda a parte,
  • É o sol do amor para o Universo inteiro.

Psicografia de Chico Xavier[2]


Comentário:

            No poema escrito em vida física, o poeta aconselha quem tem "sede de Paz e d'Esperança" e está "cego de Dor e de Pecado" a valer-se do Amor Divino, como explicamos antes. Agora, em Alma do Amor, que ele destaca como o Amor Divino, orienta a quem se encontra igualmente sofrido, sustentar a fé aonde for, pois o universo busca em sonho o "lume ardente" desse amor eterno. Assim, todos os sofrimentos físicos e morais, como o da humilhação, serão compensados sem a ajuda de ninguém, a não ser a de Deus, que está em toda parte, como "sol do amor para o Universo inteiro". 

        Desse modo, concluímos que, para bendizermos, um dia, todos os sofrimentos e humilhações, precisamos apenas amar com luz própria, "o sol do amor" que Deus nos concede.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] SILVEIRA, Tasso da. In: SOUSA, Cruz e, 1861- 1898. Cruz e Sousa: poesia. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1982 (Nossos clássicos; 4). p. 82.

[2] XAVIER, Francisco; VIEIRA, WALDO. Antologia dos Imortais. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002, p. 261.

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