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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

 

ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – VI

 

            Goulart de Andrade[1] diz que, em sua adolescência, surpreendeu-se com a extraordinária poesia de Cruz e Sousa, mas ainda não tinha noção das lutas íntimas do poeta: "[...] alma e corpo fundidos dolorosamente pela realidade terrível". O mesmo não posso dizer. Desde que li o primeiro poema de Cruz e Sousa, encantei-me com a metafísica de sua lírica, além de sentir-lhe a angústia causada por sua origem escrava e pele negra.

            O que o maior vate do Simbolismo no Brasil legou ao mundo é sui generis, como o próprio crítico francês Roger Bastide diz dele, ao compará-lo com Stefan George e Mallarmé como figura que se destaca na literatura mundial. Vejamos a musicalidade, o ritmo e a transcendentalidade do soneto abaixo, ainda quando Cruz e Sousa cita o carnaval, suas "máscaras grotescas", "atitudes funambulescas", "vertigens bizarras, pitorescas" deste "mundo de emoções carnavalescas". O poema está em Últimos sonetos e tem por título Invulnerável:

 

  • Quando dos carnavais da raça humana
  • Forem caindo as máscaras grotescas
  • E as atitudes mais funambulescas
  • Se desfizerem no feroz Nirvana;
  •  
  • Quando tudo ruir na febre insana,
  • Nas vertigens bizarras, pitorescas,
  • De um mundo de emoções carnavalescas
  • Que ri da Fé profunda e soberana;
  •  
  • Vendo passar a lúgubre, funérea
  • Galeria sinistra da Miséria,
  • Com as máscaras do rosto descoladas;
  •  
  • Tu que és o deus, o deus invulnerável,
  • Resiste a tudo, e fica invulnerável
  • No silêncio das noites estreladas!

 

            Observemos o que ainda elenca o poeta sobre características carnavalescas: "lúgubre, funérea galeria sinistra da miséria" que "ri da Fé profunda e soberana". Nada disso, porém, destrói "o deus invulnerável" que paira "formidável", acima da balbúrdia mundana, dos barulhos funambulescos, marcados pelas danças estonteantes. E, por fim, em antítese formidável ao barulho carnavalesco do mundo, esse deus formidável mantém-se inatingido pelo rumor mundano "No silêncio das noites estreladas".

            Comparemos, agora, esse soneto com o poema psicografado por Chico Xavier intitulado Exaltação, se não parece um apelo do poeta às entidades do espaço para a confirmação do que ele entrevia em sua existência física:

 

  • Harmonias do Som, vibrai nos ares,
  • Nos horizontes, nas atmosferas;
  • Exaltai minhas dores de outras eras,
  • Meus passados, recônditos pesares.
  •  
  • Desdobrai-vos luzeiros estelares,
  • Sobre o aroma das novas primaveras;
  • Cantem no mundo todas as quimeras,
  • Aves e flores, amplidões e mares!
  •  
  • Vibrai comigo, multidões de seres,
  • Na concretização desses prazeres
  • Do meu sonho de luzes e universos...
  •  
  • Exaltai-vos na vida de minh'alma
  • E na grandeza infinda que se espalma
  • Sobre a glória sublime dos meus versos!

 

 

            Em contraste com o soneto anterior, quando o silêncio é a resposta das estrelas ao barulho carnavalesco, na dimensão espiritual o Som, agora destacado pela inicial maiúscula, é evocado pelo poeta para exaltar suas "dores de outras eras". Agora, os "luzeiros estelares" são chamados a se derramarem sobre "o aroma das novas primaveras"; o bardo apela a todas as quimeras para, junto com os elementos da natureza: "aves, flores, amplidões e mares" cantarem "no mundo". Por fim, "multidões de seres" são chamados para vibrarem com o espírito cruzesousiano por este ter alcançado seu sonho de "luzes e universos" que ele expressa em seus versos.

            E, por hoje, é só. Paz e luz!

 

Referências

COUTINHO, Afrânio. Cruz e Sousa: coletânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1979 (Col. Fortuna Crítica, v. 4).

XAVIER, Francisco Cândido. Parnaso de além-túmulo. 19. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2019.



[1] In: COUTINHO, Afrânio. Cruz e Sousa: coletânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1979 (Col. Fortuna Crítica, v. 4), A poesia de Cruz e Sousa, p. 93.

 

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