ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – III
Conforme explica-nos Allan Kardec, o método de elaboração dos conhecimentos espíritas é o mesmo que o das ciências positivas: método experimental.
Fatos
novos se apresentam que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; o
Espiritismo os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas,
chega à lei que os rege; depois, deduz-lhes as consequências e busca as
aplicações úteis [...]. É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo
é uma ciência de observação e não produto da imaginação [...]. Assim como a
ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio
material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do
princípio espiritual.” – Allan Kardec (A gênese, cap. I, Ed. FEB, its.
14 e 16)
De Broquéis
Visão da morte
- Olhos voltados para mim e abertos
- Os braços brancos, os nervosos braços,
- Vens d'espaços estranhos, dos espaços
- Infinitos, intérminos, desertos...
- Do teu perfil os tímidos, incertos
- Traços indefinidos, vagos traços
- Deixam, da luz nos ouros e nos aços,
- Outra luz de que os céus ficam cobertos.
- Deixam nos céus uma outra luz mortuária,
- Uma outra luz de lívidos martírios,
- De agonias, de mágoa funerária...
- E causas febre e horror, frio, delírios,
- Ó Noiva do Sepulcro, solitária,
- Branca e sinistra no clarão dos círios!
Disponível
em: MINISTÉRIO DA CULTURA Fundação Biblioteca Nacional Departamento
Nacional do Livro BROQUÉIS Cruz e Sousa: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000057.pdf
De Parnaso de além-túmulo
Beleza
da morte
- Há no estertor da morte uma beleza
- Transcendente, ignota, luminosa.
- Beleza sossegada e silenciosa,
- Da Luz branca da Paz, trêmula e acesa.
- É o augusto momento em que a alma, presa
- Às cadeias da carne tenebrosa,
- Abandona a prisão, dorida e ansiosa,
- Sentindo a vida de outra natureza.
- Um mistério divino há nesse instante,
- No qual o corpo morre e a alma vibrante
- Foge da noite das melancolias!...
- No silêncio de cada moribundo,
- Há a promessa de vida em outro mundo,
- Na mais sagrada das hierarquias.
Comentários
Podemos observar, em ambos os sonetos, que o tema é as sensações da morte. A fixação pelo branco e palavras que expressam a ideia de clareza, claridade e luz, brilho, fulgor são características do poeta presentes nestes e em todos os seus poemas. Assim lemos no primeiro soneto: "braços brancos", a repetição da palavra luz duas vezes tanto na segunda como na terceira estrofe do poema e, novamente, a palavra "branca", seguida de clarão dos círios, que são grandes velas transportadas em procissão, no último verso de Visão da morte, poema escrito em vida pelo poeta e inserto em Broquéis.
Essa claridade, porém, na visão do poeta, é sinistra, por provir, como lemos nos versos anteriores, de "lívidos martírios" e causar "febre e horror, frio, delírios". A sensação é sempre penosa, desde quando ele se refere aos "nervosos braços" dos "olhos" que se voltam para ele até a claridade que, "noiva do sepulcro", logo seria extinta pela morte.
Já no soneto post-mortem a preocupação do Espírito, agora livre da matéria, é a beleza da morte, para os que se libertam dos grilhões da matéria, como lembram os versos da primeira estrofe de outro poema dele em vida, dedicado a Nestor Vítor em II Longe de Tudo: "É livres, livres, desta vã matéria/Longe, nos claros astros peregrinos/Que havemos de encontrar os dons divinos/E a grande paz, a grande paz sidérea". Sousa, após cumprir suas provas, volta do Além para confirmar o que disse em vida.
No momento em que o corpo estertora, diz ele, no soneto psicografado por Chico Xavier, ocorre a beleza "sossegada e silenciosa" da "Luz branca da Paz" anunciadora da libertação da alma aprisionada, até então, à "carne tenebrosa". É quando essa alma sente "a vida de outra natureza". Afasta-se das "melancolias" até então sentidas e, conclui o vate que esse momento silente é o de sua "promessa de vida em outro mundo". Promessa para os que ficam, realidade para os que ingressam nessa nova dimensão da vida imortal.
- Prof. dr. Jorge Leite de Oliveira
- Brasília, 05 de novembro de 2020.
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