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sábado, 30 de maio de 2020



10.5 Não julguem para não serem julgados. Aquele que estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra

Não julguem, pois, para não serem julgados; porque com juízo que vocês julgarem os outros, serão julgados; e outros usarão contra vocês da mesma medida com que vocês medirem eles (Mateus, 7:1,2).

Então os escribas e os fariseus lhe trouxeram uma mulher que fora apanhada em adultério, puseram-na no meio do povo e lhe disseram: — Mestre, esta mulher foi surpreendida em adultério; ora, Moisés ordena-nos, pela Lei, lapidar as adúlteras. Qual é sua opinião sobre isto?
Eles diziam assim para o tentar, a fim de ter de que o acusar.  Mas Jesus, abaixando-se, pôs-se a escrever com o dedo na terra. Como eles continuassem a indagá-lo, Ele levantou-se e disse-lhes: — Aquele dentre vocês que estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra.
Depois, abaixou-se de novo e continuou a escrever na terra. Mas eles, após ouvirem isso, retiraram-se, um após o outro, os idosos saindo primeiro.
E assim, Jesus ficou sozinho com a mulher, que estava no meio da praça. Então, levantando-se, Jesus perguntou-lhe:  Mulher, onde estão os que a acusavam? Ninguém a condenou? Ela respondeu-lhe:  Ninguém, Senhor. Jesus disse-lhe: Eu também não a condenarei. Vá, e não peque mais (João, 8:3-11).

Aquele dentre vocês que estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra, disse Jesus. Esta máxima faz da indulgência um dever, pois não há quem dela não necessite para si mesmo. Ensina que não devemos julgar os outros mais severamente do que nos julgamos, a nós mesmos, nem condenarmos nos outros o que desculpamos em nós. Antes de reprovar uma falta de alguém, vejamos se a mesma reprovação não nos pode ser aplicada.
A censura feita à conduta alheia pode ter dois motivos: reprimir o mal, ou desacreditar a pessoa cujos atos são criticados. Este último motivo jamais tem desculpa, pois, neste caso, só há maledicência e maldade. O primeiro pode ser louvável, e torna-se mesmo um dever em certos casos, porque dele pode resultar um bem; e porque, não sendo assim, o mal jamais seria reprimido na sociedade. Aliás, não compete ao homem ajudar o progresso dos seus semelhantes? Portanto, não deve ser tomado no sentido absoluto este princípio: Não julguem, para não serem julgados, porque a letra mata e o espírito vivifica.
Jesus não podia proibir a censura ao mal, pois Ele mesmo nos deu o exemplo disso, e o fez em termos enérgicos. Mas Ele quis dizer que a autoridade da censura está na razão da autoridade moral daquele que a pronuncia. Tornar-se alguém culpado daquilo que condena nos outros é abdicar dessa autoridade, é privar-se do direito de repressão.
A consciência íntima, além disso, recusa todo o respeito e toda a submissão voluntária àquele que, investido de um poder qualquer, viola as leis e os princípios que está encarregado de aplicar. Somente existe autoridade legítima, aos olhos de Deus, quando ela se apoia no exemplo que dá do bem. É o que resulta igualmente das palavras de Jesus.

Tradução livre, em terceira pessoa, pelo Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira.

quinta-feira, 28 de maio de 2020


Espiritismo & Materialismo
Jorge Leite de Oliveira

Haveria, assim, dois elementos gerais do Universo: a matéria e o espírito?
Sim, e acima de tudo Deus, o Criador, o Pai de todas as coisas. Esses três elementos constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade universal. Mas ao elemento material é preciso juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria propriamente dita, muito grosseira para que o espírito possa exercer alguma ação sobre ela. Embora, sob certo ponto de vista, se possa classificar o fluido universal como elemento material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se fosse realmente matéria, não haveria razão para que o espírito também não o fosse. Está colocado entre o espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria, e suscetível, pelas suas inúmeras combinações com esta e sob a ação do espírito, de produzir a infinita variedade das coisas de que não conheceis senão uma ínfima parte. Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que o espírito se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e jamais adquiriria as propriedades que a gravidade lhe dá (KARDEC, 2017, q. 27).

Pelo fato de somente observarem, nos corpos, os fenômenos decorrentes das propriedades físicas, diversos sábios criaram teorias que originaram o materialismo. Esse desconhecimento das leis espirituais, presentes no Universo, tem levado muita gente às paixões exacerbadas, ao vício das drogas, ao crime, ao desencanto pela vida, à falta de ética e ao suicídio.
O estudo das obras codificadas por Allan Kardec, iniciadas com O livro dos espíritos, vem contribuindo com o esclarecimento de grande número de pesquisadores sinceros, em busca da verdade. Ali, na questão 27, somos informados de que, no Universo, acima de tudo, está Deus, mas a matéria e o espírito também estão eternamente presentes. Portanto, Deus, espírito e matéria formam a trindade universal. Acreditar que tudo provém da matéria e se extingue com esta é ter uma visão restrita e incorreta sobre a verdadeira composição do Universo criado e expandido, eternamente, por Deus.
As consequências sofridas por quem, inconsequentemente, se deixa arrastar pelas teorias que negam a existência e a sobrevivência do espírito após a morte do corpo físico são desastrosas e próprias de espíritos imaturos. Quando se nega a existência de Deus e do mundo espiritual e se acredita que tudo, em nossa existência, se explica pelas leis da matéria, comete-se um deplorável erro de apreciação do que é a vida. Essas são características próprias do viés filosófico materialista de todos os tempos.
Eis alguns conceitos materialistas contemporâneos: “Perspectiva que sustenta que o mundo é inteiramente composto de matéria. [...] Opõe-se ao dualismo mente-corpo, mas não tem qualquer relação com o desejo excessivo de bens ou de riqueza, o que constitui um significado diferente do termo” (BLACKBURN, 1997, p. 239).
Aqui está o que esse autor entende por “significado diferente do termo”: “materialismo de estados centrais – uma filosofia da mente que identifica os acontecimentos mentais com acontecimentos físicos que ocorrem no cérebro e no sistema nervoso central [...]” (op. cit., p. 240). Essa ideia nega o livre-arbítrio da alma, espírito encarnado, e confunde o cérebro, órgão físico da manifestação do espírito, com este.
Também define o autor consultado o materialismo dialético como:

Traço filosófico dominante do marxismo, onde se combina o materialismo, concebido como uma filosofia da natureza e uma ciência englobantes, com a noção hegeliana de dialética, imaginada como uma força histórica que conduz os acontecimentos para uma resolução progressiva das contradições que caracterizam cada época histórica. [...] Na interpretação de Plekhanov e de Lenin, o materialismo dialético implica que a natureza do mundo coincide com os ideais da revolução [...] (id., p. 240).

Informa-nos, então, a definição de “materialismo histórico”, proposta por Engels:

[...] na introdução da obra Do socialismo utópico ao socialismo científico, como a procura “da causa última e da grande força que faz  mover todos os acontecimentos históricos importantes no desenvolvimento econômico da sociedade, nas mudanças do modo de produção e de troca, na consequente divisão da sociedade em classes distintas e na luta das classes que se opõem”. Marx e Engels descrevem o materialismo histórico como uma hipótese científica e empírica, mas na verdade trata-se de um quadro de referências para as explicações históricas [...] (id., ibid.).

Essas teorias vêm trazendo consequências danosas para a Humanidade: negam as palavras de Sócrates, registradas por Platão e outros filósofos espiritualistas; contradizem a doutrina de amor e a crença na vida espiritual, pregadas pelo Cristo e seus enviados; incentivam o culto à matéria e as lutas entre irmãos de Humanidade. Eis o que dizia Karl Marx, em seu incentivo à luta de classes: “Proletários de todos os países, uni-vos”.
É inútil destacar pontos favoráveis do materialismo, por serem estes nulos, em vista dos malefícios citados acima. Ele iguala-nos aos brutos, reforça em nós todos os instintos animalizados. Alimenta o egocentrismo, o ódio, a ambição desenfreada e a sensualidade. Ao contrário disso, todos os aspectos positivos para o espírito imortal são realçados nas leis do merecimento, que o Espiritismo nos assegura, além de este ser, bem compreendido e praticado, como diz Kardec, preservativo contra o suicídio, o grande mal de nosso tempo.
Atualmente, diz Blackburn, “Os filósofos [...] preferem o termo fisicalismo, visto que a física mostrou que a própria matéria se decompõe em força e energia [...]” (BLACKBURN, 1977, p. 239). Ou seja, foi constatada a “energia” junto da “força”, como elementos estruturadores da matéria. Entretanto, a conclusão disso sempre será a de que “tudo é matéria”, em sua eterna composição e decomposição. Daí a negação de um ser espiritual sobrevivente a essa elaboração mecanicista entre energia e força.
É nisso que está o grande mal provocado à Humanidade pelo materialismo. Ele não nos dá qualquer perspectiva de existência de um ser externo, que sobreviva à desagregação material dos corpos orgânicos. Daí vêm as consequências. A primeira delas é a negação da individualidade do ser extramaterial, pois tudo se reduziria, em nós, ao cérebro, aos nervos, ao código DNA, à matéria enfim. A segunda é a de que, uma vez nascidos quando nosso corpo é formado, trazemos conosco a herança genética, que nada mais seria do que propriedade da matéria. A terceira é a ideia de que, na História, os mais fortes é que são vitoriosos. Daí, surgem ideologias nefastas, como as da suposta superioridade racial, da qual decorreu o antissemitismo e o holocausto dos judeus. Daí surgem as teorias maquiavélicas, que nos ensinam a mentir e atropelar todos aqueles que nos impeçam de alcançar nossos objetivos: o poder, os bens materiais, a fama... Princípios milenares são desprezados, como o da instituição familiar; o da meritocracia, na aferição dos valores; o do respeito à ética e aos ensinamentos do Cristo, modelo de perfeição dado por Deus à Humanidade (questão 625 de O livro dos espíritos).
A religião, para Karl Marx, é o “ópio do povo”. Deus, para os adeptos do materialismo, e mesmo de seu sucedâneo atual, o fisicalismo, é pura invenção dos antigos profetas e filósofos... Ele teria sido criado para subjugar, pelo temor, os simples da Terra. Enfim, para o materialismo, o Espírito não existe, tudo é matéria que, como tal, vem do pó e para este retorna.
O Espiritismo, estudado com profundidade, desmonta tudo isso, porque veio atender a uma promessa do Cristo. Ele nos demonstra, como dissemos no início com base na revelação dos Espíritos, que há dois elementos fundamentais no Universo: a matéria e o espírito. Mas, acima de tudo, o Espírito Divino, Nosso Pai, segundo Jesus, que tudo cria, tudo dirige, tudo move e tudo faz evoluir, do átomo ao anjo.  
Um grande sábio espírita, Léon Denis, concluiu, com base na revelação dos Espíritos superiores, o seguinte: “Na planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente; a partir daí, o progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da Natureza, só se pode realizar pelo acordo da vontade humana com as leis eternas” (DENIS, 1989, p. 123). Após isso, o Espírito, individualizado, continua sua ascensão infinita em direção a Deus, nosso Pai, até alcançar a condição daqueles que denominamos “anjos”, espíritos puros e cocriadores divinos, como é o caso de Jesus Cristo.
Esse sábio francês deduz então que

O homem é, pois, ao mesmo tempo, espírito e matéria, alma e corpo, mas talvez que o espírito e a matéria não sejam mais do que simples palavras, exprimindo de maneira imperfeita as duas formas da vida eterna, a qual dormita na matéria bruta, acorda na matéria orgânica, adquire atividade, se expande e se eleva no espírito.
[...] Todavia, o que caracteriza a alma e absolutamente a diferencia da matéria é a sua unidade consciente. Sob a ação da análise, a matéria dispersa-se e dissipa-se. O átomo físico divide-se em subátomos, que, por sua vez, fragmentam-se indefinidamente. A matéria é inteiramente desprovida de unidade, como o estabeleceram as recentes descobertas de Becquerel, Curie, Le Bon.
No Universo, só o espírito representa o elemento uno, simples, indivisível e, por conseguinte, logicamente indestrutível, imperecível, imortal (DENIS, 2008, p. 82).

N’O livro dos espíritos, encontramos questões e análises sobre o materialismo e suas nefastas consequências, derivadas de orientações dos Espíritos superiores e do próprio Kardec. São as seguintes: questões 147, 148, 446 e comentários do it. II da introdução, it. II da conclusão, que opõe o Espiritismo ao materialismo, it. VII, negação do materialismo e it. VIII, morte do materialismo que, como vimos acima, já está sendo substituído pelo termo fisicalismo pela Filosofia moderna, mas no fundo é a mesma coisa.
Na revista mensal Reformador, de abril de 2017, publicamos artigo intitulado A Matéria, o Espírito e O Livro dos Espíritos, que trata dos equívocos do materialismo e a grande missão do Espiritismo na restauração da realidade do Espiritualismo e seu efeito benéfico para a Humanidade.
Essa revelação, repito, não se baseia em teorias humanas fantasiosas, em devaneios anímicos, porém no que dizem os próprios Espíritos, sob a direção de Cristo. Quando essa verdade se tornar universal, todas as consequências nefastas do materialismo e suas vertentes ideológicas tornar-se-ão anacrônicas. Então será inaugurada, para sempre, a Era do Espírito na Terra. Era da tolerância, da humildade, do devotamento ao próximo e da abnegação, qualidades que, ao desenvolvermos, teremos eliminado do mundo o materialismo inconsequente e alçado voo às amplidões celestiais. Teremos conquistado, enfim, o Reino dos céus, o qual Jesus, em seu Sermão do Monte (Mateus, cap. 5 a 7) promete aos simples e puros de coração. Então, poderemos dizer, como Paulo de Tarso: “Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fé” (2 Timóteo, 4: 7- 8).
Nessa época, que não vai longe, pois, para o Espírito imortal, os séculos são como se fossem dias, a própria educação terá por base a sincronia entre o ensino moral e o intelectual. O conhecimento pleno dos três elementos que compõem o Universo: Deus, espírito e matéria, provindo da Espiritualidade Maior, sobrepor-se-á às ideologias humanas. Então, cumprir-se-á sua promessa: “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra” (Mateus, 5:5).
Quando isso acontecer, o mundo que habitamos estará ascendendo a um patamar superior e rumará para um estado de matéria cada vez menos densa, como é próprio dos mundos superiores. Por fim, num estágio que ainda levará milhões de anos, a Terra talvez seja gasosa, como Júpiter, e seus habitantes estarão transformados em Espíritos puros, sobre os quais a matéria nenhuma predominância terá.
Esse é o estado dos mundos felizes, prometido pelo Cristo aos justos. Mas, por ora, encaminha-se, a Terra e seus habitantes, para a condição de mundo de regeneração, ainda que demoradamente, para nós, e brevemente para Deus. É o que prevê o Espírito Santo Agostinho n’O evangelho segundo o espiritismo, quando afirma que nosso mundo “[...] chegou a um dos seus períodos de transformação, em que, de mundo expiatório, tornar-se-á mundo regenerador. Os homens, então, serão felizes na Terra, porque nela reinará a Lei de Deus” (KARDEC, 2018, p. 60), que nos criou para a perfeição espiritual, quando superarmos a influência da matéria pelo Espírito, que predomina sobre ela.
 
Referências
BLACKBURN, Simon. Dicionário oxford de filosofia. Tradução: Desidério Murho et al. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977. 
DENIS, Léon. O problema do ser, do destino e da dor. Rio de Janeiro: FEB, 1989. 
______. ______. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2008. 
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução: Evandro Noleto Bezerra. 4. ed., 4. imp. Brasília: FEB, 2017. 
______. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução: Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 7. imp. Brasília: FEB, 2018.
OLIVEIRA, Jorge Leite de. A Matéria, o Espírito e O livro dos Espíritos. In: Reformador, abril 2017, Brasília: FEB, p. 46- 49.

Publicado em Reformador, janeiro de 2020, Brasília: Federação Espírita Brasileira.

terça-feira, 26 de maio de 2020



EM DIA COM O MACHADO 420:
Vida... eterna vida... (Jó)
A vida após a morte em diferentes religiões

Neste tempo de Covid- 19, proponho aos queridos leitores mais uma reflexão sobre a vida. Algumas pessoas receiam falar ou ler qualquer coisa sobre o assunto. Isso demonstra, no mínimo, incerteza sobre aquilo que nos aguarda, ao final desta nova romagem pela Terra.
Nova, sim, pois somos eternos e reencarnaremos aqui ainda por muitas vezes. Isso se não formos promovidos a um globo melhor, com todo o otimismo que essa promoção nos encanta. Haja vista que os leitores já estão, mais do que nunca, aproveitando cada minuto de sua presente existência no recesso do lar.
No prefácio da obra Reencontro com a Vida, psicografada por Divaldo Franco, logo em sua primeira frase, o nobre Espírito Philomeno de Miranda diz algo que muita gente se recusa a ouvir e ler: "A todo instante a morte ceifa multidões, que viajam na direção do Mais-além desequipadas, espiritualmente, para o grande encontro com a consciência". Isso, a nosso ver, é brutal incoerência de todos os que assim se encontram, pois se, contrariamente aos animais, temos plena noção de nosso limite existencial, deveríamos questionar o porquê da vida, que, aliás, Léon Denis explica muito bem em seu livro que tem exatamente esse título.
Em sua sabedoria, Allan Kardec propõe uma questão, respondida por um dos emissários divinos sobre o que todos deveríamos refletir: "941. Para muitas pessoas, o temor da morte é uma causa de perplexidade. De onde lhes vêm esse temor, já que têm diante de si o futuro?"
Eis a sábia resposta que recebeu:

Não há  fundamento para semelhante temor. Mas que queres! Desde a infância procuram convencê-las de que há um inferno e um paraíso e que mais certo é irem para o inferno, visto que também lhes disseram que o que está na Natureza constitui pecado mortal para a alma. Assim, quando essas pessoas se tornam adultas, se tiverem um pouco de discernimento, não poderão admitir tais coisas e se tornam ateias ou materialistas. É dessa maneira que são levadas a crer que nada mais existe além da vida presente. Quanto aos que persistiram em suas crenças da infância, esses temem o fogo eterno que os queimará sem os consumir.

        Agora vem a parte final da resposta, para a qual chamo a atenção do leitor. Ela faz-nos refletir sobre a importância de  esforçar-nos em ser melhores a cada dia, exercitando, nesse tempo do coronavírus, a fé, a paciência, a humildade e o amor. Em especial com os familiares que se encontram confinados conosco:

A morte não inspira ao justo nenhum temor, porque, com a fé, ele tem a certeza do futuro; a esperança o faz esperar por uma vida melhor. E a caridade, a cuja lei obedece, lhe dá a segurança de que não encontrará, no mundo em que terá de ir, nenhum ser cujo olhar ele deva temer.
       
        O comentário de Kardec a essa questão, ainda que estenda, um pouco mais, nossas considerações, é de grande profundidade. Sábio é quem o aproveita e substitui suas aspirações às satisfações do corpo pelas da alma. E, desse modo, se exercita, diariamente, para ingressar na vida real, eterna, que antecede à existência física:

O homem carnal, mais preso à vida corpórea do que à vida espiritual, tem, na Terra, penas e gozos materiais. Sua felicidade consiste na satisfação fugaz de todos os seus desejos. Sua alma, constantemente preocupada e angustiada pelas vicissitudes da vida, mantém-se num estado de ansiedade e de tortura perpétuas. A morte o assusta, porque ele duvida do futuro e porque tem de deixar no mundo todas as suas afeições e esperanças.
O homem moral, que se colocou acima das necessidades artificiais criadas pelas paixões experimenta, já neste mundo, prazeres que o homem material desconhece. A moderação dos desejos dá ao seu Espírito calma e serenidade. Feliz pelo bem que faz, não há decepções para ele e as contrariedades deslizam sobre sua alma sem lhe deixarem impressão dolorosa (KARDEC, Allan, op. cit., q. 941).
        
         Não existe morte, a não ser a do corpo físico. O que há é vida... eterna vida. Criação de Deus, destinada à felicidade de todos nós, seus filhos rebeldes que, um dia, sendo um com o Cristo, serão um com Ele.

sábado, 23 de maio de 2020



10.4 O cisco e a trave no olho (para 22 maio 2020)

Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão, e não vê a trave no seu olho? Ou como diz a seu irmão: Deixe-me tirar o cisco do seu olho, você que tem uma trave no seu? Hipócrita, tire primeiro a trave do seu olho, e então verá como há de tirar o cisco do olho de seu irmão (Mateus, 7:3-5).

Uma das imperfeições da humanidade é a de vermos o mal de outrem antes de vermos o mal que está em nós. Para julgar-se a si mesmo, seria preciso mirar-se num espelho, transportar-se, de certo modo, para fora de si mesmo, e considerar-se como outra pessoa e se questionar: Que pensaria eu, se visse alguém fazendo o que faço? É o orgulho, incontestavelmente, o que leva o homem a disfarçar, para si, seus próprios defeitos, tanto morais como físicos.
Essa imperfeição é essencialmente contrária à caridade, pois a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente. A caridade orgulhosa é um contrassenso, pois esses dois sentimentos se neutralizam mutuamente.
Com efeito, um homem bastante vaidoso para crer na importância de sua personalidade e na supremacia de suas qualidades, poderia ter ao mesmo tempo bastante abnegação para ressaltar nos outros o bem que poderia eclipsá-lo, em lugar do mal que o poderia realçar? Se o orgulho é a o pai de muitos vícios, é também a negação de muitas virtudes. Nós encontramo-lo no fundo e como causa de quase todas as ações. Foi por isso que Jesus se empenhou em combatê-lo, como principal obstáculo ao progresso.

Tradução livre, em terceira pessoa, pelo Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira.

quinta-feira, 21 de maio de 2020



Intercâmbio entre duas dimensões de uma só existência

JORGE LEITE DE OLIVEIRA

 O Espírito Manoel P. de Miranda lembra-nos que o mundo físico é “abençoado campo de aprendizagem e de experimentação dos dons que se encontram em germe” em nós. Mas este mundo, lembra ele, é transitório, o Mundo Espiritual é que “é permanente, real, causal, de onde se origina a vida” e para onde retornamos com o objetivo de avaliar nosso progresso espiritual. Como ocorre “ininterrupta movimentação de seres espirituais em intercâmbio contínuo”, conclui esse Espírito que é “muito difícil dizer-se [...] que são dois mundos diferentes [...]” e sim “que são duas dimensões de constituição específica, uma das quais é a condensação da energia [...] e a outra é de natureza cósmica” (FRANCO, 2005, p. 10, 11).
Desse modo, podemos deduzir que afastados, ainda que temporariamente, os obstáculos materiais, pelo desprendimento do Espírito, nada impede que este seja visto e mesmo converse, estando ou não encarnado, com outras pessoas também encarnadas. Tais acontecimentos são tão conhecidos da Humanidade que diversos autores de filmes e novelas procuram reproduzi-los em suas histórias fictícias, muito parecidas com a realidade mostrada nas obras espíritas.
Esses fatos são muito comuns entre nós. Em quase toda família é conhecido um caso de manifestação de Espírito desencarnado, ou mesmo de alguém encarnado que esteja momentaneamente fora do corpo físico. Apenas não damos muita atenção a isso.
Na questão 413 de O Livro dos Espíritos, pergunta Kardec: “Do princípio da emancipação da alma parece decorrer que temos duas existências simultâneas: a do corpo, que nos permite a vida de relação ostensiva; e a da alma, que nos proporciona a vida de relação oculta. É assim?”
O Espírito responde que a vida da alma sobressai-se no estado de emancipação, mas não existem duas existências e, sim, duas fases da mesma existência. Portanto,  interexistimos com corpo físico e alma, quando encarnados; e com corpo espiritual, ou perispírito, quando desencarnados.
Em qualquer dessas dimensões da vida eterna, afirma o Espírito Joanna de Ângelis:

A finalidade da existência corporal é a conquista dos valores eternos, e o êxito consiste em lograr o equilíbrio entre o que se pensa ter e o que se é realmente, adquirindo a estabilidade emocional para permanecer o mesmo, na alegria como na tristeza, na saúde conforme na enfermidade, no triunfo qual sucede no fracasso (FRANCO, 1990, p. 73).

Na questão 414 de O Livro dos Espíritos, o Espírito informa que as pessoas conhecidas e mesmo as que “julgam não se conhecerem costumam reunir-se e falar-se” durante o sono. Podemos ter amigos em outro país com os quais nos encontramos no período do sono.
KARDEC (2002) relata que um senhor provinciano, cuja família insistira para que ele se casasse com uma moça, desconhecida dele, residente em cidade próxima, certo dia avistou em seu quarto uma jovem vestida de branco que lhe disse ser sua noiva. O rapaz apertou-lhe a mão que, em um dos dedos, trazia um anel. Em seguida, a moça desapareceu. Um ano depois, ele resolveu ir à cidade onde morava a moça e, imediatamente, se reconheceram. A jovem, que se vestia do mesmo modo que no ano anterior, deu um grito e desmaiou. Voltando a si, disse que havia visto aquele moço um ano antes. Pouco tempo depois, se casaram.
É muito difícil que, durante o sono, mesmo que manifestemos a vontade de encontrar alguém conhecido, isso ocorra, porque quando adormecemos nosso Espírito desperta e, muitas vezes, não está nem um pouco com vontade de fazer o que resolveu antes de dormir. Isso, quando se trata de um Espírito elevado. Os demais, ao adormecerem, entregam-se às suas paixões ou permanecem inativos. Pode até haver esses encontros, mas isso não ocorre pelo simples fato de o desejarmos quando acordados.
Uma questão interessante é a 417, do livro supracitado, a qual nos informa que podemos nos reunir, alegremente, em assembleias com Espíritos amigos de outras vidas, durante o sono. Quando despertamos, guardamos, em forma de intuição, as ideias recebidas nesses contatos, embora não nos lembremos de sua origem.
Por fim, somos informados de que é possível ver em sonho quem considerávamos morto, mas que está vivo. A não ser que tenhamos de passar pela prova de pensar que essa pessoa morreu, ao acordar, podemos ter o pressentimento de que ela se encontra viva.
Há diversos casos comprovados de visitas espíritas entre pessoas vivas, pelo fenômeno mediúnico do desdobramento espiritual, seja durante o dia ou à noite. CASTRO (1965) narra que o pai do frade Antônio de Pádua fora condenado à morte, injustamente, pelo assassinato de um jovem de importante família portuguesa. O rapaz fora morto pelo vizinho e enterrado no quintal do pai do frade, fazendo recair sobre o genitor de Antônio a culpa pelo crime.
Antônio pregava em Pádua, quando foi mediunicamente informado de que seu pai seria decapitado em Lisboa. Imediatamente parou de falar e sustentou-se no púlpito, imóvel, parecendo ter adormecido. Em seguida, apareceu no local onde os representantes da Justiça se achavam, junto à sepultura do assassinado, e, ali mesmo, provou a inocência do seu pai, retornando, imediatamente, ao corpo físico, que se entorpecera a muitas léguas dali. Isso ocorre pelo desligamento parcial do perispírito do médium, que se materializa no local para onde se transporta enquanto o corpo físico fica como se dormisse em seu local de origem.
Eurípedes Barsanulfo foi outro desses médiuns extraordinários. NOVELINO (1979) narra-nos “as ‘viagens’ do professor”. Na época da Primeira Guerra Mundial, Eurípedes desprendia-se facilmente e se transportava, espiritualmente, a distância, quando observava os horrores da guerra. Então, orientava as pessoas enfermas que via na estrada, em desdobramento espiritual, enquanto seu corpo se entorpecia na escola que dirigia longe dali.
Noutra obra, Philomeno de Miranda afirma que “ao Espiritismo compete gigantesca missão: restaurar o Evangelho de Jesus para as criaturas, clarificar o pensamento filosófico da Humanidade e ajudar a Ciência, concitando-a ao estudo das causas nos recessos do espírito, antes que nos seus efeitos” (FRANCO 1981, p. 9).
Tudo se interliga, na obra de Deus, espírito e matéria, causa e efeito. Quando compreendermos melhor essa interrelação e suas consequências, estaremos plenamente capacitados a pôr em prática estes belos conselhos do Espírito Joanna de Ângelis:

Sábio é o homem que discerne melhor, fazendo opções elevadas: trocando o transitório de agora pelo permanente de sempre. No corpo, tudo passa, e rapidamente passa. Apenas as realizações se fixam como convites ao retorno reparador ou concitações a estágios mais altos (FRANCO, 1991, p. 69 e 70).

Conclusão A vida não cessa nunca. Vivemos entre dois planos existenciais. Deus, espírito e matéria formam a trindade universal (O Livro dos Espíritos, q. 27), mas enquanto a matéria nada mais é do que energia densificada, o Espírito, imortal, prossegue em direção Àquele, cuja homenagem Barsanulfo expressa sob o título Deus:

O Universo é obra inteligentíssima, obra que transcende a mais genial inteligência humana. E, como todo efeito inteligente tem uma causa inteligente, é forçoso inferir que a do Universo é superior a toda inteligência. É a inteligência das inteligências, a causa das causas, a lei das leis, o princípio dos princípios, a razão das razões, a consciência das consciências; é Deus! Deus!... nome mil vezes santo, que Isaac Newton jamais pronunciava sem se descobrir!... [...] (NOVELINO, 1979, capas).

Podemos concluir com as seguintes reflexões: por mais injusto pareça ser o mundo; por mais que nos considerem menos capacitados do que outros; por mais que aparentemente sejamos derrotados nos nossos ideais; por mais que nos considerem velhos e ultrapassados, ou jovens e inexperientes; por mais que riam quando clamamos contra as injustiças atuais, cometidas contra nós, e mesmo duvidem dessas injustiças, não desistamos nunca. Há alguém que crê em nós, atua incessantemente em nós, auxiliado por nossos amigos invisíveis e visíveis: Jesus Cristo – Caminho, Verdade e Vida –, que nos conduzirá a Deus, nosso Pai.
Prossigamos na luta por um mundo melhor, a começar pela própria melhoria. E, certamente, nosso mérito nos trará um novo e radioso dia em que possamos ser felizes e ver a felicidade estampada no rosto alheio.
Que Jesus nos conceda saúde e paz!

REFERÊNCIAS

CASTRO, Almerindo Martins de. Antônio de Pádua: sua vida de milagres e prodígios. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1965. p. 56-57.
FRANCO, Divaldo. Entre os dois mundos. Pelo Espírito M. Philomeno de Miranda. Salvador, BA: LEAL, 2005.  
______. O homem integral. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador, BA: LEAL, 1990.
 ______. Grilhões partidos. Pelo Espírito M. Philomeno de Miranda. 3. ed. Salvador, BA: LEAL, 1981.
______. Convites da vida. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 6. ed. Salvador, BA: LEAL, 1991.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. 82. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2001. p. 227-229.
______. O livro dos médiuns. 70. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Seg. Parte, cap. VII, it. 117.
NOVELINO, Corina. Eurípedes, o homem e a missão. 2. ed. Araras, SP: Instituto de Difusão Espírita, 1979.

Revisto e adaptado de • Reformador, maio 2006, p. 18- 20.

terça-feira, 19 de maio de 2020




EM DIA COM O MACHADO 419:
O cientista que mudou o Brasil (Jó)

        Bom dia, queridos leitores! Falo-lhes, hoje, sobre Oswaldo Cruz.
Nascido em 5 de agosto de 1872, na cidade de São Luís de Paraitinga, SP, quando estava com cinco anos de idade, sua família mudou-se para o Rio de Janeiro. Seu pai era médico, e ele,  aos quinze anos, ingressou na Faculdade de Medicina da então Capital do Brasil.
Oswaldo tinha tanto interesse pela bacteriologia que criou, no porão de sua casa, um minilaboratório. Em 1896, com 24 anos de idade, ele especializou-se em bacteriologia, no Instituto Pasteur de Paris. Onde havia, na época, grandes nomes da ciência.
Ao retornar ao Brasil, em 1900, erradicou a epidemia de peste bubônica, no Porto de Santos, exterminando os ratos, verdadeiros responsáveis pela doença, quando nenhum sanitarista havia pensado nessa possibilidade. A partir de então, já no Rio de Janeiro, participou, com sucesso, de diversas campanhas de saneamento.
Em 1903, foi nomeado Diretor Geral de Saúde Pública, cargo equivalente, na atualidade, ao de Ministro da Saúde. Por esse tempo, o Brasil fora atacado pela epidemiologia da Febre Amarela, que grande número de médicos e a população acreditavam ser causada pelo contato com roupas, sangue, suor e secreções do infectado.
Para incredulidade geral, Oswaldo Cruz afirmou que o transmissor era um mosquito. Suspendeu as desinfecções e implantou brigadas para eliminação dos insetos transmissores. Ruas, casas, jardins eram desinfectados, o que gerou grande reação popular, mas o problema da febre foi resolvido.
Em 1904, quando ocorreu um surto de varíola, Oswaldo determinou a vacinação em massa da população, o que gerou a chamada Revolta da Vacina. Entretanto, a epidemia foi controlada. Seu trabalho foi premiado com medalha de ouro, em 1907, pelo XIV Congresso Interamericano de Higiene e Demografia de Berlim.
Somente em 1909, ou seja, seis anos após sua nomeação, deixou a Diretoria Geral de Saúde Pública, para dedicar-se ao Instituto Manguinhos, que foi rebatizado com seu nome. Dali, encaminhou ao interior do Brasil diversas "expedições científicas", como a  que erradicou, no Pará, a febre amarela, e a que realizou campanhas de saneamento do Amazonas.
A Academia Brasileira de Letras imortalizou-o em 1913.
A estrada de ferro Madeira-Mamoré só pôde ser concluída após seu combate à malária, que vinha sendo responsável pela morte de muitos dos seus operários.
Oswaldo Cruz ainda foi prefeito de cidade  de Petrópolis, em 1917. Traçou extenso plano de urbanização da cidade, mas não pôde executá-los, pois desencarnou com a idade de 44 anos, de insuficiência renal, em 11 de fevereiro daquele ano.[i]
Qual teria sido sua crença, se é que creu em alguma coisa que transcendesse a matéria? Isso não importa. Cumpriu com seu dever. E, segundo o Espírito Lázaro: "O homem que cumpre o seu dever ama a Deus mais do que as criaturas e ama as criaturas mais do que a si mesmo. É, ao mesmo tempo, juiz e escravo em causa própria".[ii]

        


        



[i] Disponível no site do Ministério da Saúde. Fonte: Gabriela Rocha/Blog da Saúde. Acesso em 18 maio 2020.

[ii] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 7. Imp. Brasília: FEB, 2018.

domingo, 17 de maio de 2020



10.3 O sacrifício mais agradável a Deus 

Se, portanto, quando você for colocar sua oferenda no altar, se lembrar de que seu irmão tem qualquer coisa contra você, deixe sua dádiva ao pé do altar, vá reconciliar-se antes com seu irmão, e depois vá fazer sua doação (Mateus, 5:23-24).

Quando Jesus disse: "Vá reconciliar-se com seu irmão,  antes de fazer sua oferta no altar", ensinou que o sacrifício mais agradável ao Senhor é aquele do próprio ressentimento; que, antes de se apresentar a Ele para ser perdoado, é preciso que perdoe aos outros, e que, se algum mal se tiver feito contra um irmão, é necessário havê-lo reparado. Só então a oferenda será  aceita, porque virá de um coração livre de todo mau pensamento.
Ele materializa esse preceito, porque os judeus ofereciam sacrifícios materiais. Ele teve que conformar suas palavras aos costumes do povo.
O cristão não oferece dons materiais, pois espiritualizou o sacrifício, mas o preceito para ele tem mais força. Ele oferece sua alma a Deus, e essa alma deve estar purificada.
Ao entrar no templo do Senhor, deve deixar lá fora todo sentimento de ódio e de animosidade, todo mau pensamento contra seu irmão. Só então sua prece será levada pelos anjos aos pés do Eterno. Eis o que ensina Jesus por estas palavras: "Deixe sua oferenda diante do altar, e vá  reconciliar-se antes com seu irmão", se quiser ser agradável ao Senhor.

Tradução livre, em terceira pessoa, pelo Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira.


sexta-feira, 15 de maio de 2020



O Espiritismo e os dogmas da Igreja
Jorge Leite de Oliveira

            Segundo Wantuil (2007), os primeiros tempos do chamado Neoespiritualismo, nos Estados Unidos e na Inglaterra, atraíram a atenção de pesquisadores e autoridades diversas, como o Juiz John Edmonds, que ficou impressionado com a visão do Espírito de sua falecida esposa. Essas manifestações, exaustivamente pesquisadas, no século XIX, foram testemunhadas também por vários clérigos, alguns deles admitindo, honestamente, a realidade dos fenômenos e até mesmo os considerando “o maior acontecimento do século”, como foi o caso do padre italiano Joaquim Ventura de Raulica (WANTUIL, 2007, p. 203, nota de rodapé 127). Outros clérigos atribuíam-nos às manifestações demoníacas. Não era esse o caso do abade Almignana, doutor em Direito Canônico (op. cit., p. 209), e também do padre Lacordaire, que afirmou, em plena igreja de Notre-Dame de Paris ser o fenômeno mediúnico uma profecia divina cujo fim era “humilhar o orgulho do materialismo” (it. 20, p. 211). E ainda do monsenhor Affre, arcebispo de Paris, que disse a seus fiéis a respeito da afirmação do dominicano Lacordaire o seguinte: “Meus irmãos, foi Deus quem falou pela boca do ilustre dominicano” (op. cit. p. 211).
Para Edmonds, a comprovação da sobrevivência do Espírito, proporcionando ao mundo a certeza da imortalidade da alma e sua comunicação post mortem era uma fonte extraordinária de consolo, pelo que afirmou sobre o conhecimento espírita:

Nele se acha tudo o que consola o triste e conforta o desgraçado; tudo o que nos suaviza a marcha para o túmulo e nos livra dos temores da morte; tudo o que ilumina o ateu e contribui para reformar o viciado; tudo o que premia e anima o virtuoso em meio das provas e vicissitudes da vida, e o que esclarece o homem nos seus deveres e no seu destino, libertando-o da inquietude e da dúvida (Apud WANTUIL, 2007, p. 190).

Ainda nesse excelente livro, reeditado pela Federação Espírita Brasileira (FEB), Zeus Wantuil informa-nos que o conde católico de Richemond, em sua brochura publicada em Paris, intitulada Le mystère de la danse des tables dévoilé par ses rapport avec les manifestations spirituelles d’Amérique, relata os fenômenos mediúnicos extraordinários presenciados por ele, nos Estados Unidos, deixando estupefatos os que tomavam conhecimento desses acontecimentos: frases e páginas completas formadas por batidas à medida que o alfabeto ia sendo citado; os mais variados sons, como os de serras, chuva, trovão, árias de violões e guitarras; movimentos de mesas que rodopiavam pelo quarto, com grande quantidade de livros sobre si, sem que nenhum deles caísse, ainda que a mesa se inclinasse, materializações de mãos que assinavam os nomes de pessoas falecidas e, entre outras coisas, vultos com “formas humanas diáfanas” que falavam.
O conde de Richemond testemunhou tudo isso e até mesmo classificou os médiuns existentes nos EUA. Na época, já “havia médiuns psicógrafos, falantes, audientes, videntes e até mesmo receitistas e passistas”, segundo Wantuil (2007, p. 193). Para o conde, entretanto, Satã comandava todas essas manifestações diabólicas, cuja finalidade era “destruir as religiões cristãs existentes” (id., p. 193). Lamentável, tal cegueira espiritual.
Confundindo a pureza do Cristianismo do primeiro século depois de Cristo com os dogmas criados pelos representantes da Igreja, o conde de Richemond recusava-se a aceitar os adeptos “daquela nova revelação” como cristãos, uma vez que aqueles não aceitavam Jesus como Deus, negavam o pecado original, a existência do demônio e as penas eternas. Tudo isso sem nos referirmos ao repúdio da Igreja à crença na reencarnação,  aceita pelos judeus e primeiros cristãos, principalmente pelos iniciados, ainda que o povo, em geral, não tivesse uma ideia muito clara sobre o assunto, confundindo reencarnação e ressurreição.
Allan Kardec, na Revista Espírita de novembro de 1858, afirma que nem lhe passava pela mente a ideia da reencarnação, quando esta lhe foi ensinada pelos Espíritos. Diz ele que havia elaborado “um sistema completamente diferente, partilhado, aliás, por muitas pessoas”.  E, em vista da importância do que afirmavam os Espíritos, acrescenta que, sob o aspecto reencarnacionista, essa informação, num primeiro momento, o deixou perplexo e contrariou-o bastante. No início da revelação sobre nossas múltiplas existências, diz Kardec, “[...] nós não cedemos ao primeiro choque; combatemos, defendemos nossa opinião, levantamos objeções e só nos rendemos à evidência quando percebemos a insuficiência de nosso sistema para resolver todas as dificuldades levantadas por essa questão” (KARDEC, 2014, p. 434).
Allan Kardec, em tudo o que escreve, demonstra ser o “bom senso encarnado”, conforme afirmou Camille Flamarion sobre ele (2009, p. 38), em seu discurso de despedida junto ao túmulo do Codificador da Doutrina Espírita.  Este descendente de família católica, professor emérito e autor de diversas obras premiadas, na França, comparou a informação dos Espíritos sobre a reencarnação com a ideia de existência única e optou por aquela, que passou a defender, como ocorre na citação abaixo:

Muitos repelem a ideia da reencarnação pelo só motivo de ela não lhes convir. Dizem que uma existência já lhes chega de sobra e que, portanto, não desejariam recomeçar outra semelhante [...]. Uma de duas: ou a reencarnação existe ou não existe; se existe, nada importa que os contrarie; terão de sofrê-la, sem que para isso lhes peça Deus permissão [...]. Diremos, todavia, aos que a formulam que se tranquilizem, que a Doutrina Espírita no tocante à reencarnação, não é tão terrível como a julgam; que, se a tivessem estudado a fundo, não se mostrariam tão horrorizados; saberiam que deles dependem as condições da nova existência, que será feliz ou desgraçada, conforme ao que tiverem feito neste mundo; que desde agora poderão elevar-se tão alto que nova queda no lodaçal não lhes seja mais de temer (KARDEC, 2014, p. 435).

            Assim acontece com todas as ideias novas, que não são bem compreendidas, sobretudo por quem delas somente possui um conhecimento superficial e, muitas vezes, se deixa influenciar por outrem, sem se darem ao trabalho de pesquisarem a fundo aquilo que criticam ou não aceitam. Quantas pessoas não chegam a afirmar: “ainda que visse, não acreditaria”. A elas se referia Jesus, quando disse: “Têm olhos, mas não vêm; têm ouvidos, mas não ouvem”.
É muito cômodo só aceitar aquilo que não traz prejuízo a quem deseja manter as pessoas sob o poder temporal do mundo; mas somos Espíritos eternos e, como tais, não podemos nos acomodar à ideia de uma existência física única, se desejarmos sair da ignorância e começar a alçar voos mais altos, pois todos somos filhos do Altíssimo, como nos afirmou o Cristo: “[...] Não me detenhas porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (João, 20:17).
Não é preciso entrar em considerações sobre as diversas passagens bíblicas que, à luz do Espiritismo, nos remetem à ideia clara sobre a necessidade de voltarmos à existência material. Basta que se desafie, a quem quer que seja, provar que ali exista qualquer palavra de Jesus contrária à necessidade da reencarnação para nós, Espíritos imperfeitos, mas fadados à evolução e à conquista da felicidade eternas como coroamento dos nossos esforços e, consequentemente, de nosso merecimento. Não vale interpretação que fuja do sentido literal das palavras de nosso amado Mestre, o Cristo de Deus, nas palavras inspiradas de Pedro (Mateus, 16:16).
 Aos que nos pedirem para provar o contrário, sem necessidade de nos referirmos a outros textos, como o do esclarecimento a Nicodemos, por exemplo, indicamos Mateus, 11, 7 a 14. No versículo 14, ao se referir a João Batista, Jesus diz, com todas as letras: “E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia de vir”. Mais claro do que isso é impossível. Por isso, no versículo seguinte, ele arremata: “Quem tem ouvidos para ouvir ouça”.
Todo aquele que estuda e reflete nos ensinamentos sagrados, esclarecidos pelo Espiritismo, percebe que, sem a possibilidade da “expiação, melhoramento progressivo da Humanidade” (KARDEC, 2006, q. 167) não haveria justiça na Lei Divina.  O último profeta do texto bíblico, que antecede os quatro Evangelhos, Malaquias, no capítulo 4, versículo 5, já anunciava o retorno de Elias, que Jesus diz ter sido João, quando o citado profeta diz: “Eis que eu vos envio o profeta Elias, antes que venha o dia grande e terrível do Senhor”. Quem ler sobre o nascimento de João, primo de Jesus, assim como o deste, verá que é pela reencarnação que Elias, agora chamado João Batista retorna para anunciar a vinda do Messias, Nosso Senhor Jesus Cristo.
O nascimento de João é descrito em Lucas, 1:5 a 25. No versículo 17 desse capítulo, lemos: “E irá adiante dele no espírito e virtude de Elias, para converter o coração dos pais aos filhos e os rebeldes, à prudência dos justos, com o fim de preparar ao Senhor um povo bem disposto”. Ora, se João iria “no espírito e virtude de Elias” é porque ele é o próprio, em corpo infantil, e, portanto, ao se tornar adulto, assumiria sua condição de profeta Elias que, tendo mandado matar os profetas de Baal (I Reis, 18:40), em nova encarnação, teria de expiar sua atitude, ao ter sua cabeça decepada e oferecida pela filha de Herodias, em uma bandeja, a Herodes (Mateus, 14: 3 a 11). Antes disso, porém, já cumprira sua missão de precursor e anunciador da presença de Jesus na Terra. Aqui fica claro que, mesmo em missão, não deixamos de expiar os excessos de nossas existências anteriores. Por sua presciência, sabia Jesus da necessidade de esclarecimentos futuros à Humanidade. Por isso, disse aos seus apóstolos estas palavras:

Se me amardes, guardareis os meus mandamentos, E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós. Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós (João, 14:15 a 18).

Do exposto, deduz-se que, assim como o Cristo disse: “Não vim modificar a Lei, mas dar-lhe cumprimento.”, o Espiritismo também não veio modificar a Lei Cristã, definitiva para a Humanidade, que completa e liberta da ignorância o ser humano. Pois a Lei a que ambos se referem é a Lei de Deus, de quem todos nós, como dito acima, somos seus filhos muito amados, cujo objetivo da vida é a evolução eterna com base na prática da caridade humilde e desinteressada.
Com relação à criação de anjos, as questões 128 a 131 d’O livro dos espíritos deixam claro que esses Espíritos “percorreram todos os graus” da escala citada por Kardec na centésima questão dessa obra, sendo errôneo acreditar que Deus teria criado seres perfeitos. Perfeição é conquista individual. Imperfeição é resultado do livre-arbítrio mal utilizado, mas ninguém foi criado por Deus para a prática do mal eternamente, donde não existirem seres na condição que a Igreja atribui aos “demônios”. A longa resposta  dada à questão 131 (KARDEC, 2006), resolve essa questão, pelo que remetemos o leitor estudioso a ela.
O dogma do pecado original surgiu de uma doutrina desenvolvida pelo bispo de Hispona, Santo Agostinho. Essa doutrina, adotada pela Igreja, pretende explicar a origem da imperfeição humana, do sofrimento e da existência do mal em virtude da queda do homem. No Judaísmo e no Islamismo, assim como não podia deixar de ser, no Espiritismo não existe esse dogma.
Em cumprimento à promessa de Jesus Cristo, que preside ao advento do Espiritismo, a questão do Céu e do Inferno foi esclarecida n’O livro dos espíritos, parte 4, que trata sobre as “penas e gozos terrenos” e “penas e gozos futuros”. Essa parte dessa obra é desenvolvida no livro intitulado por Kardec O céu e o inferno ou a justiça divina segundo o espiritismo (KARDEC, 2016).
Quanto à ideia do pecado original, essa é apenas a alegoria que indica a presença, em cada um de nós, do gérmen de nossas paixões e dos vestígios de nossa inferioridade primitiva. É o que nos explica São Luís, na última questão d’O livro dos espíritos, quando nos diz que a alegoria do “[...] pecado original prende-se à natureza ainda imperfeita do homem que, assim, só é responsável por si mesmo, pelos seus próprios erros, e não pelas faltas de seus pais”. O parágrafo final da resposta de São Luís é um alerta sempre atual:

Todos vós, homens de fé e de boa-vontade, trabalhai, pois, com zelo e coragem na grande obra da regeneração, porque colhereis centuplicado o grão que houverdes semeado. Ai dos que fecham os olhos à luz, pois preparam para si mesmos longos séculos de trevas e decepções! Ai dos que fazem dos bens deste mudo a fonte de todas as suas alegrias, pois sofrerão muito mais privações do que os gozos de que desfrutaram! Ai, sobretudo, dos egoístas! Não encontrarão ninguém que os ajude a carregar o fardo de suas misérias. (KARDEC, 2006, q. 1019).

            O pecado original, assim como o céu e o inferno é aquilo que trazemos conosco ou o que fazemos contrariamente ao que nos recomenda nossa consciência, onde se manifesta, em nós, a Lei Divina, conforme nos esclarece a questão 621 da obra de Kardec (2006) citada acima. Somos todos, individualmente, responsáveis pelos nossos atos. Por isso nos recomendava Jesus o “vigiai e orai” (Mateus, 26:41).

REFERÊNCIAS

KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. imp. (bolso). Brasília: FEB, 2016.

______. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2006.
 ______. Obras póstumas. Trad. Evandro N. Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2009.

______, Revista Espírita – 1858. Trad. Evandro N. Bezerra. 5. ed. Brasília: FEB, 2014.

WANTUIL, Zêus. As mesas girantes e o espiritismo. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007.

(Publicado em Reformador, revista mensal da Federação Espírita Brasileira, em julho de 2017.)

  Salve, 18 de abril, Dia Nacional do Espiritismo (Irmão Jó) Foi no dia 18 de abril que Kardec, Na Cidade de Luz, em manhã memorável, Lança ...