EMMANUEL[1]
Jorge Leite de Oliveira´
Em 1931, como tantas outras vezes em
que sentia solidão e incompreensão de muitos, que o julgavam louco, Chico
Xavier dirigiu-se ao açude de Pedro Leopoldo, onde costumava meditar e orar à
sombra de árvore situada na beira da represa local. Nesse momento, lembra-nos
Souto Maior (2003, p. 44), visualizou cruz luminosa que tomou a forma de um
padre e passou a dialogar com ele. Era o Espírito Emmanuel.
Segundo Wagner de Assis (Reformador, ago. 2017), diretor e
roteirista do filme com temática espírita, Nosso
Lar, o roteiro cinematográfico intitulado Emmanuel foi elaborado com o intuito de narrar cada uma das
encarnações desse extraordinário apóstolo
de Jesus dos nossos tempos. Sua atuação, do plano espiritual à Terra,
renova as palavras do Mestre: “Meu Reino não é deste Mundo” (João, 18:36).
Não temos a pretensão, neste artigo,
de aprofundar informações sobre o elevado Espírito Emmanuel, guia espiritual de
Chico Xavier durante cerca de 92 anos em que este esteve presente entre nós.
Isso é matéria para várias obras. Daremos, somente, algumas pinceladas em
algumas de suas mais conhecidas reencarnações e sua obra. Ao leitor interessado
em aprofundar informações relacionadas a esse Espírito iluminado, indicamos alguns
trabalhos sobre esse palpitante tema nas referências finais.
Ao longo de seus 75 anos de mandato
mediúnico, Chico e Emmanuel trabalharam juntos, incansavelmente, como
verdadeiros servos de Jesus. Embora só quando o médium mineiro já completara 21
anos de idade seu guia tenha lhe proposto, de início, a produção de trinta
livros com temática cristã-espírita. Após essas, mais de quatrocentas obras
ainda seriam produzidas em parceria do “mineiro do século XX” com seu guia
espiritual.
Emmanuel, entretanto, já era familiar
ao médium de Pedro Leopoldo e Uberaba desde os dezessete anos deste, de acordo
com Souto Maior (2003, p. 32). A condição para o êxito da missão era uma só:
disciplina. E essa qualidade jamais faltou a ambos. Quando Chico desencarnou, a
produção de suas obras psicografadas contava com 439 títulos, segundo
levantamento de Ponsardin (2010, p. 287 a 298).
As mais conhecidas encarnações de
Emmanuel iniciam-se pela do orgulhoso senador romano, Publius Lentulus
Cornelius, o qual viveu no primeiro século d.C. e conheceu Jesus antes da
crucificação deste, conforme consta na obra intitulada Há dois mil anos. Em continuação a essa obra, Chico Xavier
psicografa o livro denominado 50 anos
depois, quando Emmanuel e alguns personagens de Há dois mil anos reencarnam, no século II, para continuar suas
experiências no corpo físico. Então, chamava-se Nestório e renascera em Éfeso,
na Grécia, mas era judeu e fora escravizado pelos romanos. Nestório,
antes de ser escravizado, constituiu família, às margens do Mar Egeu. Era pai
de Ciro e teria ouvido, na infância, as pregações de
João Evangelista, com quem colaborou na evangelização da Ásia Menor. Em Roma,
foi encarregado da educação das duas filhas, Helvídia e Célia, de Alba Lucínia
e de Helvídio Lúcius, que o declararam homem livre.
Tanto Nestório quanto seu filho,
Ciro, se tornaram cristãos. E, por não renegarem Jesus, foram presos e
martirizados no circo romano, junto com outros adeptos do Cristianismo, durante
o reinado de Élio Adriano.
Enquanto aguardavam o momento do seu
sacrifício, em testemunho do Cristo, Ciro e Nestório receberam a visita de
Célia, uma das filhas de Helvídio Lúcius, a qual também se convertera ao
Cristianismo. Nestório, então, emocionado, diz à jovem estas palavras, que se
aplicam aos novos cristãos da atualidade, os espíritas-cristãos:
—
Célia, tua vinda a este cárcere representa para nós a visita de um anjo. Não te
impressione a nossa condenação, que aos olhos de Deus deve ser útil e justa.
Dizia a inspiração de Paulo que a morte é o nosso último inimigo. Venceremos,
pois, mais esta etapa, com Jesus e por Jesus. Apesar disso, não te esqueças de
que a dádiva da vida é um bem precioso que o Céu nos confia. Para a alma
fervorosa, o melhor sacrifício ainda não é o da morte pelo martírio ou pelo
infamante opróbrio dos homens, mas aquele que se realiza com a vida inteira,
pelo trabalho e pela abnegação sincera, suportando todas as lutas na renúncia
de nós mesmos, para ganhar a vida eterna de que nos falava o Senhor em suas
lições divinas! (XAVIER, 1982, cap. 6, p. 137).
Sabemos,
por informação de Chico Xavier, no programa Pinga
Fogo, da TV Tupi, em 1971, que Emmanuel é, também, o Espírito reencarnado
em Sanfins, Entre-Douro-e-Minho, Portugal. Nesse país irmão, recebeu o nome de
Manuel da Nóbrega.
De acordo com os historiadores,
Nóbrega bacharelou-se em Direito Canônico e Filosofia na universidade de
Coimbra, em 1541. Três anos depois, já ordenado padre, veio para o Brasil a
serviço da Companhia de Jesus. Acompanhou Tomé de Sousa à capitania de São
Vicente, em 1549, e participou da primeira missão de catequese nesse ano. Em 25
de janeiro de 1554, com José de Anchieta, fundou o Colégio de São Paulo de
Piratininga, que deu origem à cidade de São Paulo. Depois disso, fundou o
Colégio do Rio de Janeiro, ao qual dirigiu com permanente entusiasmo e fé.
Previu a própria morte para o dia 18 de outubro de 1570, no Rio de Janeiro,
quando completaria 53 anos, o que de fato aconteceu, segundo informações de Elias
Barbosa (1987, p. 10).
Segundo o renomado escritor Alfredo
Bosi (1987), Manuel da Nóbrega é um dos nomes “mais significativos” do século
XVI, no trabalho moral e educacional. Diz esse douto professor de Literatura da
USP, autor de obras de crítica literária e pedagógicas, que não somente o valor
histórico do epistolário manuelino é valioso, como também sua obra intitulada Diálogo sobre a conversão do gentio, na
qual seu autor destaca os aspectos mau e bom do indígena que poderiam ser
explorados em sua catequese. Essa obra é considerada a primeira obra literária
em prosa da Literatura Brasileira.
No romance intitulado Renúncia, Emmanuel relata que, em 1613,
esteve reencarnado na Espanha. Era padre e chamava-se Damiano. Quando o Santo
Ofício foi instaurado pela Igreja, combateu o fanatismo católico. Acreditava na
reencarnação e na imortalidade da alma.
Chico Xavier (In: PONSARDIN, 2010,
p. 80) confirma que a mensagem contida n'O
evangelho segundo o espiritismo, intitulada O egoísmo, foi transmitida por Emmanuel, que fez parte da equipe
espiritual dirigida pelo Espírito da Verdade, representante de Jesus entre nós.
Dessa bela mensagem, recortamos, para nossa reflexão, o seguinte trecho, bem ao
estilo do guia espiritual do médium mineiro:
O egoísmo, esta chaga da
Humanidade, tem que desaparecer da Terra, porque impede o seu progresso moral.
É ao Espiritismo que está reservada a tarefa de fazê-la elevar-se na hierarquia
dos mundos. O egoísmo é, pois, o alvo para o qual todos os verdadeiros crentes
devem apontar suas armas, sua força, sua coragem. Digo: coragem, porque é
preciso mais coragem para vencer a si mesmo do que para vencer os outros. Que
cada um, portanto, empregue todos os esforços a combatê-lo em si, certo de que
esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho é a
fonte de todas as misérias terrenas. É a negação da caridade e, por
conseguinte, o maior obstáculo à felicidade dos homens (EMMANUEL, apud Kardec,
2016, cap. 11, it. 11).
Emmanuel coordenou toda a produção
mediúnica de Chico Xavier, iniciada em Pedro Leopoldo e concluída em Uberaba,
MG. Toda a obra lítero-doutrinária
psicografada pelo médium mineiro teve a supervisão e participação desse
verdadeiro apóstolo espiritual de Jesus, desde Parnaso de além-túmulo, publicado em 1917, no qual dezenas de
poetas desencarnados, dos mais renomados aos menos conhecidos, transmitiram-nos
seu bardo luminoso. Sob seu convite e supervisão, manifestaram-se os Espíritos Auta
de Sousa, Castro Alves, Cruz e Sousa, Maria Dolores, Olavo Bilac, Antero de
Quental, João de Deus, André Luiz, Humberto de Campos, Irmão Jacob (Frederico
Fígner) e muitos outros, transmitindo-nos belíssimos ensinamentos, em forma de
poemas, romances, contos, crônicas, relatos históricos, produções filosóficas e
científicas.
Também sob sua direção espiritual, e
em nome de Jesus, centenas de cartas consoladoras foram ditadas, por Espíritos
desencarnados, jovens ou idosos, a seus familiares, transmitindo-lhes
esperanças e certeza de que nada se acaba com a morte do corpo. Algumas dessas
cartas serviram de subsídios para inocentar acusados de crimes e tiveram repercussão
mundial.
Pela abençoada psicografia de Chico
Xavier, transmitiu-nos, Emmanuel, romances históricos belíssimos, como Paulo e Estêvão; Há dois mil anos; 50 anos
depois; Ave Cristo; e Renúncia.
Nas páginas dessas obras, humildemente, revela-nos suas diversas experiências
de Espírito imortal, que transitou da crueldade e orgulho à bondade e humildade
exemplares.
Em programas como Pinga-fogo, transmitido pela antiga TV
Tupi, esteve junto de Chico, inspirando-lhe as respostas às perguntas que lhe
faziam religiosos e ateus. Os mais elevados conceitos e informações foram respondidos
pelo médium mineiro, junto com o respeito a todos, aliado ao espírito de
humildade e fraternidade.
Durante algum tempo, junto ao médium
mineiro, Emmanuel coordenou fenômenos de materializações de Espíritos. Mas,
após um período de comprovação e deslumbramento, resolveu encerrar essas
atividades, pois a missão de seu protegido era na edição de livros voltados ao
cumprimento da Verdade anunciada por Jesus.
No seu monumental trabalho sobre a
Boa-Nova, atendendo à promessa do Cristo de nos enviar o Consolador, Emmanuel comentou,
pelo lápis de Chico Xavier, como jamais se fizera antes, cada versículo dos
evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, além dos Atos dos apóstolos.
A Federação Espírita Brasileira publicou, sob a coordenação de Saulo César
Ribeiro da Silva, cinco volumes com o registro de todas essas mensagens.
O volume nº 1 refere-se ao Evangelho
segundo Mateus; o volume nº 2 trata sobre o Evangelho consoante Marcos; o
terceiro volume relaciona os textos baseados em Lucas; o quarto livro comenta as mensagens com
fulcro em João; e o quinto, aborda os Atos
dos apóstolos. Cada versículo da Boa-Nova é comentado pelo guia de Chico
Xavier com uma beleza transcendental e com a autoridade moral desse elevado
emissário do Cristo.
Apenas nessas obras, contam-se
centenas de mensagens. Cada uma delas relacionada a um versículo do Novo Testamento: 174 em Mateus; 76 em Marcos; 142 em Lucas; 129
em João; 43 em Atos dos apóstolos; e nada menos que 691 versículos dos Atos dos apóstolos relacionados à
monumental obra Paulo e Estêvão,
ditada a Chico Xavier por Emmanuel. Essa última, verdadeira obra-prima sobre os
relacionamentos de Paulo, o “Apóstolo dos gentios”, com Estêvão, com Jesus e
seus discípulos, além dos gentios convertidos de Roma, Corinto, Galácia, Éfeso
etc.
Na mensagem intitulada Ao sol da verdade, esclarece-nos Emmanuel,
em seu comentário ao contido em João, 16:13 “Quando, porém, aquele vier — o
Espírito de Verdade — vos guiará em toda a Verdade”:
De que maneira vencerá o
Espiritismo os obstáculos que se lhe agigantam à frente? Há companheiros que
indagam: “Devemos disputar saliência política ou dominar a fortuna terrestre?”
Enquanto isso, outros enfatizam a ilusória necessidade da guerra verbal a greis
ou pessoas.
Dentro do assunto, no entanto,
transcrevemos a questão nº 799, de O
livro dos espíritos. Prudente e claro, Kardec formulou, aos orientadores
espirituais de sua obra, a seguinte interrogação: “De que maneira pode o
Espiritismo contribuir para o progresso?” E, na lógica de sempre, eis que eles
responderam:
“Destruindo o materialismo, que é
uma das chagas da sociedade, ele faz que os homens compreendam onde se
encontram seus verdadeiros interesses. Deixando a vida futura de estar velada
pela dúvida, o homem perceberá melhor que, por meio do presente, lhe é dado
preparar o futuro. Abolindo os prejuízos de seitas, castas e cores, ensina aos
homens a grande solidariedade que os há de unir como irmãos” (XAVIER, 2015b, p.
269).
Em seguida, traça-nos o Roteiro Divino, o
iluminado guia, não somente do Chico, mas de todos nós, esse verdadeiro
apóstolo do Cristo, que renunciou às bem-aventuranças celestes para, ao longo
de quase um século, trazer-nos suas mensagens espirituais. Com base nas citadas
centenas de versículos da Boa-Nova, sua palavra sábia orienta-nos, com
segurança, sobre que fazer a fim de vencermos as trevas da ignorância com a Luz
Divina:
Não nos iludamos, com respeito às
nossas tarefas. Somos todos chamados pela Bênção do Cristo a fazer luz no mundo
das consciências — a começar de nós mesmos — dissipando as trevas do
materialismo ao clarão da Verdade, não pelo espírito da força, mas pela força
do espírito, a expressar-se em serviço, fraternidade, entendimento e educação
(XAVIER, 2015b, loc. cit.).
Emmanuel, como
Espírito iluminado a serviço do Cristo, há quase dois mil anos, quer esteja
reencarnado ou no Mundo Espiritual, continua dando-nos o seu testemunho de amor.
Ele é o apóstolo incondicional de Jesus,
em nossos dias, é o distribuidor dos “cartazes do Reino” a nós, seus irmãos
ainda distantes do entendimento da verdadeira finalidade da vida: servir ao Cristo, com humildade,
devotamento e abnegação, para vir a ser,
com Ele, irmãos que se amam e filhos da Luz!
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Elias. In: XAVIER,
Francisco Cândido. Organização e notas: GENTILE, Salvador; ARANTES, Hércio
Marcos Cintra. Entrevistas: Francisco
Cândido Xavier/Emmanuel. Araras, SP: 1987.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 3. ed. São Paulo:
Cultrix, 1987.
COSTA, Keilla Renata. Manuel da
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. Acesso
em 11 de agosto de 2017.
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KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo.
Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Brasília: FEB, 2016.
PONSARDIN,
Mickaël. Chico Xavier, o homem e o médium.
Tradução de Evandro Noleto. Brasília: Conselho Espírita Internacional, 2010.
REFORMADOR.
Entrevista: Wagner de Assis – Novos filmes espíritas nas telas do cinema. ano
135, n. 2.261, p. 20(466)-23(469), ago. 2017.
SOUTO MAIOR,
Marcel. As vidas de Chico Xavier. 2.
ed. São Paulo: Planeta, 2003.
TODA MATÉRIA. História.
Manuel da Nóbrega. Disponível em: .
Acesso em 11 de agosto de 2017.
XAVIER, Francisco
Cândido. Há dois mil anos. Pelo
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______. 50 anos depois. Pelo Espírito Emmanuel.
14. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982.
______. O evangelho por Emmanuel: comentários ao
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Brasília: FEB, 2014a.
______. O
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Saulo César Ribeiro da Silva. Brasília: FEB, 2014b.
______. O evangelho por Emmanuel: comentários ao
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Brasília: FEB, 2016.
______. O evangelho por Emmanuel: comentários ao
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de Saulo César Ribeiro da Silva. Brasília: FEB, 2015b.
______. O evangelho por Emmanuel: comentários aos
atos dos apóstolos. Coordenação de Saulo César Ribeiro da Silva: FEB, 2016.
Publicado em Reformador,
periódico mensal da Federação Espírita Brasileira, em nov. 2017. Atualizado em
30 abr. 2020.
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