Páginas

quinta-feira, 28 de maio de 2020


Espiritismo & Materialismo
Jorge Leite de Oliveira

Haveria, assim, dois elementos gerais do Universo: a matéria e o espírito?
Sim, e acima de tudo Deus, o Criador, o Pai de todas as coisas. Esses três elementos constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade universal. Mas ao elemento material é preciso juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria propriamente dita, muito grosseira para que o espírito possa exercer alguma ação sobre ela. Embora, sob certo ponto de vista, se possa classificar o fluido universal como elemento material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se fosse realmente matéria, não haveria razão para que o espírito também não o fosse. Está colocado entre o espírito e a matéria; é fluido, como a matéria é matéria, e suscetível, pelas suas inúmeras combinações com esta e sob a ação do espírito, de produzir a infinita variedade das coisas de que não conheceis senão uma ínfima parte. Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que o espírito se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e jamais adquiriria as propriedades que a gravidade lhe dá (KARDEC, 2017, q. 27).

Pelo fato de somente observarem, nos corpos, os fenômenos decorrentes das propriedades físicas, diversos sábios criaram teorias que originaram o materialismo. Esse desconhecimento das leis espirituais, presentes no Universo, tem levado muita gente às paixões exacerbadas, ao vício das drogas, ao crime, ao desencanto pela vida, à falta de ética e ao suicídio.
O estudo das obras codificadas por Allan Kardec, iniciadas com O livro dos espíritos, vem contribuindo com o esclarecimento de grande número de pesquisadores sinceros, em busca da verdade. Ali, na questão 27, somos informados de que, no Universo, acima de tudo, está Deus, mas a matéria e o espírito também estão eternamente presentes. Portanto, Deus, espírito e matéria formam a trindade universal. Acreditar que tudo provém da matéria e se extingue com esta é ter uma visão restrita e incorreta sobre a verdadeira composição do Universo criado e expandido, eternamente, por Deus.
As consequências sofridas por quem, inconsequentemente, se deixa arrastar pelas teorias que negam a existência e a sobrevivência do espírito após a morte do corpo físico são desastrosas e próprias de espíritos imaturos. Quando se nega a existência de Deus e do mundo espiritual e se acredita que tudo, em nossa existência, se explica pelas leis da matéria, comete-se um deplorável erro de apreciação do que é a vida. Essas são características próprias do viés filosófico materialista de todos os tempos.
Eis alguns conceitos materialistas contemporâneos: “Perspectiva que sustenta que o mundo é inteiramente composto de matéria. [...] Opõe-se ao dualismo mente-corpo, mas não tem qualquer relação com o desejo excessivo de bens ou de riqueza, o que constitui um significado diferente do termo” (BLACKBURN, 1997, p. 239).
Aqui está o que esse autor entende por “significado diferente do termo”: “materialismo de estados centrais – uma filosofia da mente que identifica os acontecimentos mentais com acontecimentos físicos que ocorrem no cérebro e no sistema nervoso central [...]” (op. cit., p. 240). Essa ideia nega o livre-arbítrio da alma, espírito encarnado, e confunde o cérebro, órgão físico da manifestação do espírito, com este.
Também define o autor consultado o materialismo dialético como:

Traço filosófico dominante do marxismo, onde se combina o materialismo, concebido como uma filosofia da natureza e uma ciência englobantes, com a noção hegeliana de dialética, imaginada como uma força histórica que conduz os acontecimentos para uma resolução progressiva das contradições que caracterizam cada época histórica. [...] Na interpretação de Plekhanov e de Lenin, o materialismo dialético implica que a natureza do mundo coincide com os ideais da revolução [...] (id., p. 240).

Informa-nos, então, a definição de “materialismo histórico”, proposta por Engels:

[...] na introdução da obra Do socialismo utópico ao socialismo científico, como a procura “da causa última e da grande força que faz  mover todos os acontecimentos históricos importantes no desenvolvimento econômico da sociedade, nas mudanças do modo de produção e de troca, na consequente divisão da sociedade em classes distintas e na luta das classes que se opõem”. Marx e Engels descrevem o materialismo histórico como uma hipótese científica e empírica, mas na verdade trata-se de um quadro de referências para as explicações históricas [...] (id., ibid.).

Essas teorias vêm trazendo consequências danosas para a Humanidade: negam as palavras de Sócrates, registradas por Platão e outros filósofos espiritualistas; contradizem a doutrina de amor e a crença na vida espiritual, pregadas pelo Cristo e seus enviados; incentivam o culto à matéria e as lutas entre irmãos de Humanidade. Eis o que dizia Karl Marx, em seu incentivo à luta de classes: “Proletários de todos os países, uni-vos”.
É inútil destacar pontos favoráveis do materialismo, por serem estes nulos, em vista dos malefícios citados acima. Ele iguala-nos aos brutos, reforça em nós todos os instintos animalizados. Alimenta o egocentrismo, o ódio, a ambição desenfreada e a sensualidade. Ao contrário disso, todos os aspectos positivos para o espírito imortal são realçados nas leis do merecimento, que o Espiritismo nos assegura, além de este ser, bem compreendido e praticado, como diz Kardec, preservativo contra o suicídio, o grande mal de nosso tempo.
Atualmente, diz Blackburn, “Os filósofos [...] preferem o termo fisicalismo, visto que a física mostrou que a própria matéria se decompõe em força e energia [...]” (BLACKBURN, 1977, p. 239). Ou seja, foi constatada a “energia” junto da “força”, como elementos estruturadores da matéria. Entretanto, a conclusão disso sempre será a de que “tudo é matéria”, em sua eterna composição e decomposição. Daí a negação de um ser espiritual sobrevivente a essa elaboração mecanicista entre energia e força.
É nisso que está o grande mal provocado à Humanidade pelo materialismo. Ele não nos dá qualquer perspectiva de existência de um ser externo, que sobreviva à desagregação material dos corpos orgânicos. Daí vêm as consequências. A primeira delas é a negação da individualidade do ser extramaterial, pois tudo se reduziria, em nós, ao cérebro, aos nervos, ao código DNA, à matéria enfim. A segunda é a de que, uma vez nascidos quando nosso corpo é formado, trazemos conosco a herança genética, que nada mais seria do que propriedade da matéria. A terceira é a ideia de que, na História, os mais fortes é que são vitoriosos. Daí, surgem ideologias nefastas, como as da suposta superioridade racial, da qual decorreu o antissemitismo e o holocausto dos judeus. Daí surgem as teorias maquiavélicas, que nos ensinam a mentir e atropelar todos aqueles que nos impeçam de alcançar nossos objetivos: o poder, os bens materiais, a fama... Princípios milenares são desprezados, como o da instituição familiar; o da meritocracia, na aferição dos valores; o do respeito à ética e aos ensinamentos do Cristo, modelo de perfeição dado por Deus à Humanidade (questão 625 de O livro dos espíritos).
A religião, para Karl Marx, é o “ópio do povo”. Deus, para os adeptos do materialismo, e mesmo de seu sucedâneo atual, o fisicalismo, é pura invenção dos antigos profetas e filósofos... Ele teria sido criado para subjugar, pelo temor, os simples da Terra. Enfim, para o materialismo, o Espírito não existe, tudo é matéria que, como tal, vem do pó e para este retorna.
O Espiritismo, estudado com profundidade, desmonta tudo isso, porque veio atender a uma promessa do Cristo. Ele nos demonstra, como dissemos no início com base na revelação dos Espíritos, que há dois elementos fundamentais no Universo: a matéria e o espírito. Mas, acima de tudo, o Espírito Divino, Nosso Pai, segundo Jesus, que tudo cria, tudo dirige, tudo move e tudo faz evoluir, do átomo ao anjo.  
Um grande sábio espírita, Léon Denis, concluiu, com base na revelação dos Espíritos superiores, o seguinte: “Na planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente; a partir daí, o progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da Natureza, só se pode realizar pelo acordo da vontade humana com as leis eternas” (DENIS, 1989, p. 123). Após isso, o Espírito, individualizado, continua sua ascensão infinita em direção a Deus, nosso Pai, até alcançar a condição daqueles que denominamos “anjos”, espíritos puros e cocriadores divinos, como é o caso de Jesus Cristo.
Esse sábio francês deduz então que

O homem é, pois, ao mesmo tempo, espírito e matéria, alma e corpo, mas talvez que o espírito e a matéria não sejam mais do que simples palavras, exprimindo de maneira imperfeita as duas formas da vida eterna, a qual dormita na matéria bruta, acorda na matéria orgânica, adquire atividade, se expande e se eleva no espírito.
[...] Todavia, o que caracteriza a alma e absolutamente a diferencia da matéria é a sua unidade consciente. Sob a ação da análise, a matéria dispersa-se e dissipa-se. O átomo físico divide-se em subátomos, que, por sua vez, fragmentam-se indefinidamente. A matéria é inteiramente desprovida de unidade, como o estabeleceram as recentes descobertas de Becquerel, Curie, Le Bon.
No Universo, só o espírito representa o elemento uno, simples, indivisível e, por conseguinte, logicamente indestrutível, imperecível, imortal (DENIS, 2008, p. 82).

N’O livro dos espíritos, encontramos questões e análises sobre o materialismo e suas nefastas consequências, derivadas de orientações dos Espíritos superiores e do próprio Kardec. São as seguintes: questões 147, 148, 446 e comentários do it. II da introdução, it. II da conclusão, que opõe o Espiritismo ao materialismo, it. VII, negação do materialismo e it. VIII, morte do materialismo que, como vimos acima, já está sendo substituído pelo termo fisicalismo pela Filosofia moderna, mas no fundo é a mesma coisa.
Na revista mensal Reformador, de abril de 2017, publicamos artigo intitulado A Matéria, o Espírito e O Livro dos Espíritos, que trata dos equívocos do materialismo e a grande missão do Espiritismo na restauração da realidade do Espiritualismo e seu efeito benéfico para a Humanidade.
Essa revelação, repito, não se baseia em teorias humanas fantasiosas, em devaneios anímicos, porém no que dizem os próprios Espíritos, sob a direção de Cristo. Quando essa verdade se tornar universal, todas as consequências nefastas do materialismo e suas vertentes ideológicas tornar-se-ão anacrônicas. Então será inaugurada, para sempre, a Era do Espírito na Terra. Era da tolerância, da humildade, do devotamento ao próximo e da abnegação, qualidades que, ao desenvolvermos, teremos eliminado do mundo o materialismo inconsequente e alçado voo às amplidões celestiais. Teremos conquistado, enfim, o Reino dos céus, o qual Jesus, em seu Sermão do Monte (Mateus, cap. 5 a 7) promete aos simples e puros de coração. Então, poderemos dizer, como Paulo de Tarso: “Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fé” (2 Timóteo, 4: 7- 8).
Nessa época, que não vai longe, pois, para o Espírito imortal, os séculos são como se fossem dias, a própria educação terá por base a sincronia entre o ensino moral e o intelectual. O conhecimento pleno dos três elementos que compõem o Universo: Deus, espírito e matéria, provindo da Espiritualidade Maior, sobrepor-se-á às ideologias humanas. Então, cumprir-se-á sua promessa: “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra” (Mateus, 5:5).
Quando isso acontecer, o mundo que habitamos estará ascendendo a um patamar superior e rumará para um estado de matéria cada vez menos densa, como é próprio dos mundos superiores. Por fim, num estágio que ainda levará milhões de anos, a Terra talvez seja gasosa, como Júpiter, e seus habitantes estarão transformados em Espíritos puros, sobre os quais a matéria nenhuma predominância terá.
Esse é o estado dos mundos felizes, prometido pelo Cristo aos justos. Mas, por ora, encaminha-se, a Terra e seus habitantes, para a condição de mundo de regeneração, ainda que demoradamente, para nós, e brevemente para Deus. É o que prevê o Espírito Santo Agostinho n’O evangelho segundo o espiritismo, quando afirma que nosso mundo “[...] chegou a um dos seus períodos de transformação, em que, de mundo expiatório, tornar-se-á mundo regenerador. Os homens, então, serão felizes na Terra, porque nela reinará a Lei de Deus” (KARDEC, 2018, p. 60), que nos criou para a perfeição espiritual, quando superarmos a influência da matéria pelo Espírito, que predomina sobre ela.
 
Referências
BLACKBURN, Simon. Dicionário oxford de filosofia. Tradução: Desidério Murho et al. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977. 
DENIS, Léon. O problema do ser, do destino e da dor. Rio de Janeiro: FEB, 1989. 
______. ______. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2008. 
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução: Evandro Noleto Bezerra. 4. ed., 4. imp. Brasília: FEB, 2017. 
______. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução: Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 7. imp. Brasília: FEB, 2018.
OLIVEIRA, Jorge Leite de. A Matéria, o Espírito e O livro dos Espíritos. In: Reformador, abril 2017, Brasília: FEB, p. 46- 49.

Publicado em Reformador, janeiro de 2020, Brasília: Federação Espírita Brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

A outra ciência (Irmão Jó)   Aprendi, nesta existência, Que, desde a Antiguidade, É trabalho da ciência Comprovar a realidade.   Explicar a ...