Intercâmbio
entre duas dimensões de uma só existência
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
O Espírito Manoel P. de Miranda lembra-nos que
o mundo físico é “abençoado campo de aprendizagem e de experimentação dos dons
que se encontram em germe” em nós. Mas este mundo, lembra ele, é transitório, o
Mundo Espiritual é que “é permanente, real, causal, de onde se origina a vida”
e para onde retornamos com o objetivo de avaliar nosso progresso espiritual.
Como ocorre “ininterrupta movimentação de seres espirituais em intercâmbio
contínuo”, conclui esse Espírito que é “muito difícil dizer-se [...] que são
dois mundos diferentes [...]” e sim “que são duas dimensões de constituição
específica, uma das quais é a condensação da energia [...] e a outra é de
natureza cósmica” (FRANCO, 2005, p. 10, 11).
Desse
modo, podemos deduzir que afastados, ainda que temporariamente, os obstáculos
materiais, pelo desprendimento do Espírito, nada impede que este seja visto e
mesmo converse, estando ou não encarnado, com outras pessoas também encarnadas.
Tais acontecimentos são tão conhecidos da Humanidade que diversos autores de filmes
e novelas procuram reproduzi-los em suas histórias fictícias, muito parecidas
com a realidade mostrada nas obras espíritas.
Esses
fatos são muito comuns entre nós. Em quase toda família é conhecido um caso de
manifestação de Espírito desencarnado, ou mesmo de alguém encarnado que esteja
momentaneamente fora do corpo físico. Apenas não damos muita atenção a isso.
Na
questão 413 de O Livro dos Espíritos, pergunta Kardec: “Do princípio da
emancipação da alma parece decorrer que temos duas existências simultâneas: a do
corpo, que nos permite a vida de relação ostensiva; e a da alma, que nos
proporciona a vida de relação oculta. É assim?”
O
Espírito responde que a vida da alma sobressai-se no estado de emancipação, mas
não existem duas existências e, sim, duas fases da mesma existência. Portanto, interexistimos com corpo físico e alma, quando
encarnados; e com corpo espiritual, ou perispírito, quando desencarnados.
Em
qualquer dessas dimensões da vida eterna, afirma o Espírito Joanna de Ângelis:
A
finalidade da existência corporal é a conquista dos valores eternos, e o êxito
consiste em lograr o equilíbrio entre o que se pensa ter e o que se é
realmente, adquirindo a estabilidade emocional para permanecer o mesmo, na
alegria como na tristeza, na saúde conforme na enfermidade, no triunfo qual
sucede no fracasso (FRANCO, 1990, p. 73).
Na
questão 414 de O Livro dos Espíritos, o Espírito informa que as pessoas
conhecidas e mesmo as que “julgam não se conhecerem costumam reunir-se e
falar-se” durante o sono. Podemos ter amigos em outro país com os quais nos
encontramos no período do sono.
KARDEC
(2002) relata que um senhor provinciano, cuja família insistira para que ele se
casasse com uma moça, desconhecida dele, residente em cidade próxima, certo dia
avistou em seu quarto uma jovem vestida de branco que lhe disse ser sua noiva.
O rapaz apertou-lhe a mão que, em um dos dedos, trazia um anel. Em seguida, a
moça desapareceu. Um ano depois, ele resolveu ir à cidade onde morava a moça e,
imediatamente, se reconheceram. A jovem, que se vestia do mesmo modo que no ano
anterior, deu um grito e desmaiou. Voltando a si, disse que havia visto aquele
moço um ano antes. Pouco tempo depois, se casaram.
É muito
difícil que, durante o sono, mesmo que manifestemos a vontade de encontrar
alguém conhecido, isso ocorra, porque quando adormecemos nosso Espírito
desperta e, muitas vezes, não está nem um pouco com vontade de fazer o que
resolveu antes de dormir. Isso, quando se trata de um Espírito elevado. Os
demais, ao adormecerem, entregam-se às suas paixões ou permanecem inativos.
Pode até haver esses encontros, mas isso não ocorre pelo simples fato de o
desejarmos quando acordados.
Uma
questão interessante é a 417, do livro supracitado, a qual nos informa que
podemos nos reunir, alegremente, em assembleias com Espíritos amigos de outras
vidas, durante o sono. Quando despertamos, guardamos, em forma de intuição, as ideias
recebidas nesses contatos, embora não nos lembremos de sua origem.
Por
fim, somos informados de que é possível ver em sonho quem considerávamos morto,
mas que está vivo. A não ser que tenhamos de passar pela prova de pensar que essa
pessoa morreu, ao acordar, podemos ter o pressentimento de que ela se encontra
viva.
Há
diversos casos comprovados de visitas espíritas entre pessoas vivas, pelo
fenômeno mediúnico do desdobramento espiritual, seja durante o dia ou à noite.
CASTRO (1965) narra que o pai do frade Antônio de Pádua fora condenado à morte,
injustamente, pelo assassinato de um jovem de importante família portuguesa. O
rapaz fora morto pelo vizinho e enterrado no quintal do pai do frade, fazendo
recair sobre o genitor de Antônio a culpa pelo crime.
Antônio
pregava em Pádua, quando foi mediunicamente informado de que seu pai seria
decapitado em Lisboa. Imediatamente parou de falar e sustentou-se no púlpito,
imóvel, parecendo ter adormecido. Em seguida, apareceu no local onde os
representantes da Justiça se achavam, junto à sepultura do assassinado, e, ali
mesmo, provou a inocência do seu pai, retornando, imediatamente, ao corpo
físico, que se entorpecera a muitas léguas dali. Isso ocorre pelo desligamento
parcial do perispírito do médium, que se materializa no local para onde se
transporta enquanto o corpo físico fica como se dormisse em seu local de
origem.
Eurípedes
Barsanulfo foi outro desses médiuns extraordinários. NOVELINO (1979) narra-nos
“as ‘viagens’ do professor”. Na época da Primeira Guerra Mundial, Eurípedes
desprendia-se facilmente e se transportava, espiritualmente, a distância,
quando observava os horrores da guerra. Então, orientava as pessoas enfermas
que via na estrada, em desdobramento espiritual, enquanto seu corpo se
entorpecia na escola que dirigia longe dali.
Noutra
obra, Philomeno de Miranda afirma que “ao Espiritismo compete gigantesca
missão: restaurar o Evangelho de Jesus para as criaturas, clarificar o
pensamento filosófico da Humanidade e ajudar a Ciência, concitando-a ao estudo
das causas nos recessos do espírito, antes que nos seus efeitos” (FRANCO 1981, p.
9).
Tudo
se interliga, na obra de Deus, espírito e matéria, causa e efeito. Quando
compreendermos melhor essa interrelação e suas consequências, estaremos
plenamente capacitados a pôr em prática estes belos conselhos do Espírito
Joanna de Ângelis:
Sábio
é o homem que discerne melhor, fazendo opções elevadas: trocando o transitório
de agora pelo permanente de sempre. No corpo, tudo passa, e rapidamente passa.
Apenas as realizações se fixam como convites ao retorno reparador ou
concitações a estágios mais altos (FRANCO, 1991, p. 69 e 70).
Conclusão
A vida não cessa nunca. Vivemos entre dois planos existenciais. Deus, espírito
e matéria formam a trindade universal (O Livro dos Espíritos, q. 27),
mas enquanto a matéria nada mais é do que energia densificada, o Espírito,
imortal, prossegue em direção Àquele, cuja homenagem Barsanulfo expressa sob o
título Deus:
O Universo é obra
inteligentíssima, obra que transcende a mais genial inteligência humana. E,
como todo efeito inteligente tem uma causa inteligente, é forçoso inferir que a
do Universo é superior a toda inteligência. É a inteligência das inteligências,
a causa das causas, a lei das leis, o princípio dos princípios, a razão das
razões, a consciência das consciências; é Deus! Deus!... nome mil vezes santo,
que Isaac Newton jamais pronunciava sem se descobrir!... [...] (NOVELINO, 1979,
capas).
Podemos
concluir com as seguintes reflexões: por mais injusto pareça ser o mundo; por
mais que nos considerem menos capacitados do que outros; por mais que
aparentemente sejamos derrotados nos nossos ideais; por mais que nos considerem
velhos e ultrapassados, ou jovens e inexperientes; por mais que riam quando
clamamos contra as injustiças atuais, cometidas contra nós, e mesmo duvidem
dessas injustiças, não desistamos nunca. Há alguém que crê em nós, atua
incessantemente em nós, auxiliado por nossos amigos invisíveis e visíveis:
Jesus Cristo – Caminho, Verdade e Vida –, que nos conduzirá a Deus, nosso Pai.
Prossigamos
na luta por um mundo melhor, a começar pela própria melhoria. E, certamente,
nosso mérito nos trará um novo e radioso dia em que possamos ser felizes e ver
a felicidade estampada no rosto alheio.
Que
Jesus nos conceda saúde e paz!
REFERÊNCIAS
CASTRO, Almerindo
Martins de. Antônio de Pádua: sua vida de milagres e prodígios. 4. ed.
Rio de Janeiro: FEB, 1965. p. 56-57.
FRANCO, Divaldo. Entre
os dois mundos. Pelo Espírito M. Philomeno de Miranda. Salvador, BA: LEAL,
2005.
______. O homem
integral. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador, BA: LEAL, 1990.
______. Grilhões partidos. Pelo
Espírito M. Philomeno de Miranda. 3. ed. Salvador, BA: LEAL, 1981.
______. Convites
da vida. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 6. ed. Salvador, BA: LEAL, 1991.
KARDEC, Allan. O
livro dos espíritos. 82. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2001. p. 227-229.
______. O livro
dos médiuns. 70. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Seg. Parte, cap. VII, it.
117.
NOVELINO, Corina. Eurípedes,
o homem e a missão. 2. ed. Araras, SP: Instituto de Difusão Espírita, 1979.
Revisto e adaptado de • Reformador,
maio 2006, p. 18- 20.
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