Quando
há amor...
Jorge Leite de Oliveira
Enquanto refletíamos sobre o que
escrever e oferecer à revista Reformador,
em seu 135º aniversário, ocorrido em 21 de janeiro de 2018, abrimos a obra Palavras de luz (XAVIER, p. 185), que
nos propõe, em suas páginas, uma frase do Espírito Emmanuel para nossa reflexão
em cada dia do ano. E lemos o seguinte:
Edificante é
observarmos o sacrifício de tantos seres evolvidos que se consagram a sagrados
labores, no planeta das sombras, quais os da regeneração de individualidades
obcecadas no mal, operando abnegadamente a serviço da redenção de todas as
almas, atirando-se com destemor a tarefas penosas, cheios de renúncia
santificadora (In: XAVIER, 2014).
Confirmam as palavras do Espírito Emmanuel
as dezenas de obras psicografadas por Zilda Gama, Chico Xavier, Yvonne Pereira
e Divaldo Franco, apenas para citar os médiuns mais renomados do Brasil que
fizeram relatos dessas atividades socorristas da Espiritualidade Superior aos
Espíritos ainda na infância espiritual. Tais amparos, entretanto, existem desde
os primórdios do mundo e são relatados nas mais diversas obras consideradas
sagradas e mesmo em livros da literatura ficcional.
Como não podia deixar de ocorrer, os
Espíritos Superiores informaram a Allan Kardec, desde a primeira obra do
chamado “pentateuco kardequiano”, O livro
dos espíritos, sobre a manifestação da Bondade Divina no socorro prestado
pelos bons aos maus Espíritos, conforme lemos na resposta à questão 279 dessa
obra: “Os bons vão a toda parte e assim deve ser, para que possam influir sobre
os maus. As regiões, porém, que os bons habitam estão interditadas aos
Espíritos imperfeitos, a fim de que não as perturbem com suas paixões
inferiores”.
Desse modo, fica-nos fácil entender
a parábola do rico e Lázaro, ensinada
por Jesus a seus discípulos, citada por Lucas, 16:19-31. Lemos ali que o rico,
quando encarnado, vestia-se com as mais lindas roupas e fartava-se com os
melhores alimentos, ao passo que Lázaro era um mendigo sempre faminto, que
desejava poder comer ao menos as migalhas caídas da mesa do rico. Enquanto este
vivia “regalada e esplendidamente”, o mendigo tinha as chagas lambidas pelos
cães.
Quando ambos desencarnaram,
entretanto, o rico foi parar em região de tormentos morais e via Lázaro nas
regiões celestiais. Sentindo-se sedento, o rico pede a Abraão, que representa
enviado de Deus, para permitir a Lázaro refrescar-lhe a língua com a ponta do
dedo. Ouve então, do representante
divino, a seguinte resposta negativa:
Filho, lembra-te
de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora,
este é consolado, e tu, atormentado. Além disso está posto um grande abismo
entre ti e nós, de sorte que os que quisessem passar daqui para aí não
poderiam, nem os daí poderiam passar para aqui (Lucas, 16:25-26).
É a lei do mérito que está presente
nessa passagem evangélica. Entretanto, de modo simbólico, podemos perceber que
a passagem às regiões superiores, onde se encontrava o mendigo, estava
interdita ao rico, mas em nenhum momento Jesus disse que essa situação seria
eterna. Caso contrário, Abraão, representante de Deus, nem ao menos precisaria se
dar ao trabalho de ir ao encontro do arrependido rico.
As narrativas dos Espíritos
Superiores esclarecem-nos que o sofrimento do Espírito endividado ante às Leis
Divinas, por mais longo que possa ser, sempre terá um termo, que começa com seu
arrependimento sincero. É quando os bons Espíritos encontram uma brecha na
mente do Espírito criminoso para socorrê-lo. Entretanto, nem sempre esse auxílio
é imediato, em virtude das próprias vibrações negativas que tal Espírito
apresenta, atormentado por dramas conscienciais.
Certamente, esse foi o motivo pelo
qual, em sua parábola, Jesus quis nos mostrar que o rico desencarnado já podia
se comunicar com um Espírito Superior, mas precisaria ainda de um tempo de
sofrimento no Plano Espiritual, para refletir sobre a vida egoísta e impiedosa
que tivera quando ainda estava encarnado. Só após esse período, de profunda dor
moral e extremado arrependimento, o Espírito falido abre seu coração e mente
para os primeiros socorros espirituais, como vemos narrado em Nosso lar, obra psicografada por Chico
Xavier que foi reproduzida em filme de sucesso internacional.
A primeira grande médium brasileira
psicógrafa de romances ditados pelo Espírito Victor Hugo, sobre a questão da
ação e reação, foi a professora Zilda Gama, que começou seu trabalho mediúnico
por volta de 1912. Em obras como Almas
crucificadas, Na sombra e na luz,
Do calvário ao infinito e Redenção, o Espírito do mais ilustre
poeta e romancista francês relata-nos as consequências do mau uso do nosso
livre-arbítrio, bem como evidencia a Providência Divina, sempre pronta a nos
socorrer, por intermédio dos seus celestes mensageiros. Contudo, percebemos
que, tanto na vida física, como na espiritual, as consequências de nossos atos
nunca deixam de nos influenciar positiva ou negativamente.
Outra obra importantíssima da
literatura espírita, que nos relata o sofrimento terrível de um suicida,
amparado pela equipe de Maria Santíssima, é Memórias
de um suicida. Esse livro narra-nos, de modo intenso, as amarguras sofridas
pelo Espírito de grande escritor português, Camilo Castelo Branco, que a médium
preferiu chamar, na época da elaboração do livro, pelo nome de Camilo Cândido
Botelho. O sofrimento, no Vale dos Suicidas é tão intenso, para o narrador, que
ele diz: “O vale dos leprosos,[1] lugar repulsivo da antiga
Jerusalém [...] último grau da abjeção e do sofrimento humano, seria consolador
estágio de repouso comparado ao local que tento descrever” (PEREIRA, 2012, p.
18). Somente após um período indefinível de sofrimentos, no qual o Espírito não
saberia diferenciar o dia da noite, o socorro espiritual seria possível, mas só
àquele cuja mudança vibratória o permitisse.
Diversas outras obras foram
recebidas mediunicamente pela médium Yvonne do Amaral Pereira, nas quais a
atuação incessante dos bons Espíritos, em favor dos maus, encarnados ou
desencarnados, demonstra-nos a Bondade de Deus, que nunca nos esquece.
Outro médium dos nossos dias é
Divaldo Franco, que tem recebido obras ditadas pelo Espírito Joanna de Ângelis,
voltadas para o atendimento de nossos problemas psicológicos e espirituais, e
pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda, com seus relatos sobre as intensas
atividades socorristas dos Espíritos Superiores a entidades obsessoras e
pessoas obsidiadas. Em algumas de suas obras, somos informados de que grande
parte das pessoas consideradas doentes mentais, se não todas, sofrem a
influência de Espíritos vingativos. Esses nossos irmãos, ignorantes quais são,
estão sempre sob a vigilância das entidades elevadas e, oportunamente, serão
esclarecidos, embora se respeite o livre-arbítrio de todas as individualidades,
encarnadas ou desencarnadas.
Esse
socorro espiritual, porém, faz-se até aos Espíritos empedernidos no mal, como
vemos relatado na questão 280 de O livro
dos espíritos, quando Kardec pergunta sobre qual é a natureza das relações
entre os bons e os maus Espíritos e obtém a seguinte resposta: “Os bons se
ocupam em combater as más inclinações dos outros, a fim de ajudá-los a subir. É
uma missão”.
Na obra O céu e o inferno, lemos o relato de diversos Espíritos que
praticaram o mal na vida física e nos relataram seus sofrimentos atrozes em
consequência disso. Nenhum deles, porém, fica ao desamparo da Misericórdia
Divina, que lhes envia Seus mensageiros. Muitos dos Espíritos endividados, para
nossa instrução, são conduzidos a reuniões mediúnicas pelos mentores
espirituais. Ali se manifestam arrependidos alguns, ainda revoltados, outros.
Aos arrependidos, a oportunidade de libertação de suas dores morais é mais
rápida; aos revoltados, somente após longo tempo, que lhes parece ser uma
eternidade, o amparo espiritual é possível, pois os emissários divinos não
violentam o livre-arbítrio de ninguém.
Os seguintes capítulos d’O céu e o inferno narram-nos a situação
dos Espíritos revéis às leis de Deus e o que podem fazer os mensageiros divinos
e mesmo nós, os encarnados, em benefício deles e dos que lhes sofrem as
influências negativas: cap. 4 – Espíritos sofredores; cap. 5 – suicidas; cap. 6
– criminosos arrependidos; cap. 7 – Espíritos endurecidos. O último capítulo
dessa obra, todavia, trata sobre as “expiações terrestres”, o que justifica as
seguintes palavras de Jesus:
Concilia-te depressa com o teu
adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o
adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial e te encerrem
na prisão. Em verdade te digo que, de maneira nenhuma, sairás dali, enquanto
não pagares o último ceitil (Mateus, 5: 25-26).
Quando extrairmos o véu da “letra
que mata” e interpretarmos as palavras de Jesus acima, segundo “o espírito que
vivifica”, como foi proposto por Paulo em 2
Coríntios, 3:6, perceberemos quanto trabalho têm os Espíritos Superiores
para nos manter no caminho do bem ou para nos fazer retomar essa direção. Interagimos
mentalmente com os chamados vivos e os supostos mortos, que mais facilmente nos
influenciam para o bem ou para o mal, conforme sua e nossa superioridade ou
inferioridade moral.
Refletindo nessa possibilidade, Allan
Kardec, em O livro dos espíritos, questão
459, pergunta o seguinte: “Os Espíritos influem em nossos pensamentos e em
nossos atos?” e recebe esta resposta: “Muito mais do que imaginais, pois
frequentemente são eles que vos dirigem”. De tal modo os mensageiros divinos agem,
em benefício de encarnados e de desencarnados, que no último capítulo, número
28 de O evangelho segundo o espiritismo,
Allan Kardec insere uma “coletânea de preces espíritas”, segundo ele “ditadas
pelos Espíritos em várias circunstâncias” (preâmbulo, item 1).
Ali há várias sugestões de preces,
que, ainda no preâmbulo, o Codificador da Doutrina Espírita explica servirem
mais como manifestação do pensamento que pela forma, pois o que importa é o bom
sentimento refletido e emitido por cada ser. A primeira delas é a Oração Dominical, também conhecida como Pai Nosso que, “conforme os pensamentos”
por nós a ela associados, dizem os Espíritos, podem suprir todas as outras.
Cada frase dessa prece sublime, ensinada por Jesus, é comentada por Allan
Kardec.
Ao referir-se à última frase do Pai Nosso: “Não nos deixes entregues à
tentação, mas livra-nos do mal”, o Codificador do Espiritismo, inspirado pelas
Potências Celestiais, pede força para “resistir à sugestão dos Espíritos maus,
que tentem desviar-nos do caminho do bem, inspirando-nos maus pensamentos”.
Logo a seguir, porém, reconhece que também “[...] somos Espíritos imperfeitos,
encarnados na Terra para expiar nossas faltas e melhorar-nos. A causa primeira
do mal está em nós mesmos, e os Espíritos maus apenas aproveitam os nossos
pendores viciosos, nos quais se entretêm para nos tentarem”.
Esse capítulo é dividido em I –
Preces gerais; II – Preces para si mesmo; III – Preces pelos outros; IV –
Preces pelos que já não são da Terra; e V – Preces pelos doentes e obsidiados.
Todas essas fórmulas, como foi explicado por Kardec, apenas são válidas quando
associamos os nossos sentimentos e pensamentos elevados a Deus, a quem podemos
pedir, louvar ou agradecer uma graça, seja em nosso benefício ou de outrem.
Ensina-nos a Doutrina que, quando oramos
sinceramente por um inimigo, encarnado ou desencarnado, pelos suicidas e
obsidiados, pelos Espíritos endurecidos, estamos praticando a caridade
espiritual, sem que deixemos de também praticar um grande bem nas demais
orações. É pela prece sincera e pelos bons pensamentos que nos defendemos do
mal e praticamos o bem. Jesus recomenda-nos “vigiar e orar”, inclusive pelos nossos
perseguidores e caluniadores, porque sabe que somente o amor sentido e
exemplificado nos livra do mal ainda presente em nós.
Enfim, podemos dizer que, a prática do
amor, seja em favor das almas encarnadas, seja em favor dos Espíritos
desencarnados, é reflexo da Lei Maior de Deus, que nos permite ascender,
prazerosamente, às elevadas regiões do Mundo Maior. Sobretudo, nos permite ser
felizes em qualquer lugar onde estejamos, porque Deus, que é Amor, reverberará
em nossos pensamentos, palavras e atos. Concluindo,
Quando há amor...
Os
corações dos servos do Senhor
Foram
criados pelo Amor: Eu Sou.[2]
É
por amor que o Santo Céu se ufana
E os
anjos tocam harpas em louvor
Do
nosso Augusto e Puro Criador.
É
por amor que a Terra se engalana
Com
flores, lindos fogos de artifício,
E toda
solidão desaparece.
No
ar, o som sublime de uma prece...
Todas
as gratas faces se iluminam,
O
povo, alegre, vai às avenidas
E canta,
dança, grita de alegria...
A
noite mais escura vira dia,
Quando
o amor faz luz em nossas vidas.
Havendo
amor, a vida é sempre bela,
Nosso
desejo de servir aumenta,
E
nossa alma vibra e acalenta
A
esperança, a caridade e a fé.
Em
toda parte, reverbera o brilho
Da
luz do amor do Pai a bem do filho.
A fé
do ser humano atuante
Nunca
esmorece, pois Nosso Senhor
Nos
ensinou que somos semelhantes,
E o
Pai tanto ama o bom como o calceta
Aos
quais concede chuva abençoada,
E
faz o sol brilhar na sua estrada.
Faz
a lagarta e, dela, a borboleta...
Se
existe amor, tudo sempre se faz,
Em
prol das almas simples, pequeninas,
O
bem concede-nos imensa paz.
Jesus,
há muito tempo, nos ensina
Que
a Terra é dos que são puros e humildes
E servem
seus irmãos bondosamente
Como
sinceros servos do Senhor,
O
Sábio Mestre que nos ensinou:
Amai
a Deus sobre todas as coisas,
E ao
vosso irmão, seja esse irmão qual for...
Amai
também todos os animais
E
cultivai o amor aos vegetais.
Amemos,
pois, a Criação Divina
Desse
Bondoso e Sapiente Pai
De
quem tudo procede e volta tudo.
Tenhamos
devoção pelo trabalho,
E aplicação
assídua nos estudos.
Deus,
por Moisés, deu-nos Dez Mandamentos,
Como
roteiros, no monte Sinai.
E
foi Jesus quem o chamou de Pai
De
todos nós, os seus filhos amados,
Criados
por amor e para amar.
Mas foram
tantos os desvirtuamentos,
Que
Cristo os resumiu em um somente
E
nos recomendou manter na mente:
— Sede
perfeitos, irmãos do Senhor:
Eu Sou É Amor, amai-vos como eu sou!
Referências
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de
Janeiro: FEB, 2006.
______. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro:
FEB, 2009.
______. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2.
ed. 4. impr. Brasília: FEB, 2017.
PEREIRA, Yvonne Amaral. Memórias de um suicida. 27. ed.
Brasília: FEB, 2012.
XAVIER, Francisco Cândido. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 27.
ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2008.
______. Palavras de luz. Pelo Espírito Emmanuel.
Organização: Assessoria de Comunicação Social da Federação Espírita Brasileira.
Brasília: FEB, 2014.
Publicado em
Reformador, periódico mensal da Federação Espírita Brasileira em fevereiro de
2018.
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