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sexta-feira, 8 de maio de 2020


Quando há amor...
Jorge Leite de Oliveira

            Enquanto refletíamos sobre o que escrever e oferecer à revista Reformador, em seu 135º aniversário, ocorrido em 21 de janeiro de 2018, abrimos a obra Palavras de luz (XAVIER, p. 185), que nos propõe, em suas páginas, uma frase do Espírito Emmanuel para nossa reflexão em cada dia do ano. E lemos o seguinte:

Edificante é observarmos o sacrifício de tantos seres evolvidos que se consagram a sagrados labores, no planeta das sombras, quais os da regeneração de individualidades obcecadas no mal, operando abnegadamente a serviço da redenção de todas as almas, atirando-se com destemor a tarefas penosas, cheios de renúncia santificadora (In: XAVIER, 2014).

            Confirmam as palavras do Espírito Emmanuel as dezenas de obras psicografadas por Zilda Gama, Chico Xavier, Yvonne Pereira e Divaldo Franco, apenas para citar os médiuns mais renomados do Brasil que fizeram relatos dessas atividades socorristas da Espiritualidade Superior aos Espíritos ainda na infância espiritual. Tais amparos, entretanto, existem desde os primórdios do mundo e são relatados nas mais diversas obras consideradas sagradas e mesmo em livros da literatura ficcional.
            Como não podia deixar de ocorrer, os Espíritos Superiores informaram a Allan Kardec, desde a primeira obra do chamado “pentateuco kardequiano”, O livro dos espíritos, sobre a manifestação da Bondade Divina no socorro prestado pelos bons aos maus Espíritos, conforme lemos na resposta à questão 279 dessa obra: “Os bons vão a toda parte e assim deve ser, para que possam influir sobre os maus. As regiões, porém, que os bons habitam estão interditadas aos Espíritos imperfeitos, a fim de que não as perturbem com suas paixões inferiores”.
            Desse modo, fica-nos fácil entender a parábola do rico e Lázaro, ensinada por Jesus a seus discípulos, citada por Lucas, 16:19-31. Lemos ali que o rico, quando encarnado, vestia-se com as mais lindas roupas e fartava-se com os melhores alimentos, ao passo que Lázaro era um mendigo sempre faminto, que desejava poder comer ao menos as migalhas caídas da mesa do rico. Enquanto este vivia “regalada e esplendidamente”, o mendigo tinha as chagas lambidas pelos cães.
            Quando ambos desencarnaram, entretanto, o rico foi parar em região de tormentos morais e via Lázaro nas regiões celestiais. Sentindo-se sedento, o rico pede a Abraão, que representa enviado de Deus, para permitir a Lázaro refrescar-lhe a língua com a ponta do dedo.  Ouve então, do representante divino, a seguinte resposta negativa:

Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora, este é consolado, e tu, atormentado. Além disso está posto um grande abismo entre ti e nós, de sorte que os que quisessem passar daqui para aí não poderiam, nem os daí poderiam passar para aqui (Lucas, 16:25-26).

            É a lei do mérito que está presente nessa passagem evangélica. Entretanto, de modo simbólico, podemos perceber que a passagem às regiões superiores, onde se encontrava o mendigo, estava interdita ao rico, mas em nenhum momento Jesus disse que essa situação seria eterna. Caso contrário, Abraão, representante de Deus, nem ao menos precisaria se dar ao trabalho de ir ao encontro do arrependido rico.
            As narrativas dos Espíritos Superiores esclarecem-nos que o sofrimento do Espírito endividado ante às Leis Divinas, por mais longo que possa ser, sempre terá um termo, que começa com seu arrependimento sincero. É quando os bons Espíritos encontram uma brecha na mente do Espírito criminoso para socorrê-lo. Entretanto, nem sempre esse auxílio é imediato, em virtude das próprias vibrações negativas que tal Espírito apresenta, atormentado por dramas conscienciais.
            Certamente, esse foi o motivo pelo qual, em sua parábola, Jesus quis nos mostrar que o rico desencarnado já podia se comunicar com um Espírito Superior, mas precisaria ainda de um tempo de sofrimento no Plano Espiritual, para refletir sobre a vida egoísta e impiedosa que tivera quando ainda estava encarnado. Só após esse período, de profunda dor moral e extremado arrependimento, o Espírito falido abre seu coração e mente para os primeiros socorros espirituais, como vemos narrado em Nosso lar, obra psicografada por Chico Xavier que foi reproduzida em filme de sucesso internacional.
            A primeira grande médium brasileira psicógrafa de romances ditados pelo Espírito Victor Hugo, sobre a questão da ação e reação, foi a professora Zilda Gama, que começou seu trabalho mediúnico por volta de 1912. Em obras como Almas crucificadas, Na sombra e na luz, Do calvário ao infinito e Redenção, o Espírito do mais ilustre poeta e romancista francês relata-nos as consequências do mau uso do nosso livre-arbítrio, bem como evidencia a Providência Divina, sempre pronta a nos socorrer, por intermédio dos seus celestes mensageiros. Contudo, percebemos que, tanto na vida física, como na espiritual, as consequências de nossos atos nunca deixam de nos influenciar positiva ou negativamente.
            Outra obra importantíssima da literatura espírita, que nos relata o sofrimento terrível de um suicida, amparado pela equipe de Maria Santíssima, é Memórias de um suicida. Esse livro narra-nos, de modo intenso, as amarguras sofridas pelo Espírito de grande escritor português, Camilo Castelo Branco, que a médium preferiu chamar, na época da elaboração do livro, pelo nome de Camilo Cândido Botelho. O sofrimento, no Vale dos Suicidas é tão intenso, para o narrador, que ele diz: “O vale dos leprosos,[1] lugar repulsivo da antiga Jerusalém [...] último grau da abjeção e do sofrimento humano, seria consolador estágio de repouso comparado ao local que tento descrever” (PEREIRA, 2012, p. 18). Somente após um período indefinível de sofrimentos, no qual o Espírito não saberia diferenciar o dia da noite, o socorro espiritual seria possível, mas só àquele cuja mudança vibratória o permitisse.
            Diversas outras obras foram recebidas mediunicamente pela médium Yvonne do Amaral Pereira, nas quais a atuação incessante dos bons Espíritos, em favor dos maus, encarnados ou desencarnados, demonstra-nos a Bondade de Deus, que nunca nos esquece.
            Outro médium dos nossos dias é Divaldo Franco, que tem recebido obras ditadas pelo Espírito Joanna de Ângelis, voltadas para o atendimento de nossos problemas psicológicos e espirituais, e pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda, com seus relatos sobre as intensas atividades socorristas dos Espíritos Superiores a entidades obsessoras e pessoas obsidiadas. Em algumas de suas obras, somos informados de que grande parte das pessoas consideradas doentes mentais, se não todas, sofrem a influência de Espíritos vingativos. Esses nossos irmãos, ignorantes quais são, estão sempre sob a vigilância das entidades elevadas e, oportunamente, serão esclarecidos, embora se respeite o livre-arbítrio de todas as individualidades, encarnadas ou desencarnadas.
            Esse socorro espiritual, porém, faz-se até aos Espíritos empedernidos no mal, como vemos relatado na questão 280 de O livro dos espíritos, quando Kardec pergunta sobre qual é a natureza das relações entre os bons e os maus Espíritos e obtém a seguinte resposta: “Os bons se ocupam em combater as más inclinações dos outros, a fim de ajudá-los a subir. É uma missão”.
            Na obra O céu e o inferno, lemos o relato de diversos Espíritos que praticaram o mal na vida física e nos relataram seus sofrimentos atrozes em consequência disso. Nenhum deles, porém, fica ao desamparo da Misericórdia Divina, que lhes envia Seus mensageiros. Muitos dos Espíritos endividados, para nossa instrução, são conduzidos a reuniões mediúnicas pelos mentores espirituais. Ali se manifestam arrependidos alguns, ainda revoltados, outros. Aos arrependidos, a oportunidade de libertação de suas dores morais é mais rápida; aos revoltados, somente após longo tempo, que lhes parece ser uma eternidade, o amparo espiritual é possível, pois os emissários divinos não violentam o livre-arbítrio de ninguém.
            Os seguintes capítulos d’O céu e o inferno narram-nos a situação dos Espíritos revéis às leis de Deus e o que podem fazer os mensageiros divinos e mesmo nós, os encarnados, em benefício deles e dos que lhes sofrem as influências negativas: cap. 4 – Espíritos sofredores; cap. 5 – suicidas; cap. 6 – criminosos arrependidos; cap. 7 – Espíritos endurecidos. O último capítulo dessa obra, todavia, trata sobre as “expiações terrestres”, o que justifica as seguintes palavras de Jesus:

Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial e te encerrem na prisão. Em verdade te digo que, de maneira nenhuma, sairás dali, enquanto não pagares o último ceitil (Mateus, 5: 25-26).

            Quando extrairmos o véu da “letra que mata” e interpretarmos as palavras de Jesus acima, segundo “o espírito que vivifica”, como foi proposto por Paulo em 2 Coríntios, 3:6, perceberemos quanto trabalho têm os Espíritos Superiores para nos manter no caminho do bem ou para nos fazer retomar essa direção. Interagimos mentalmente com os chamados vivos e os supostos mortos, que mais facilmente nos influenciam para o bem ou para o mal, conforme sua e nossa superioridade ou inferioridade moral.
            Refletindo nessa possibilidade, Allan Kardec, em O livro dos espíritos, questão 459, pergunta o seguinte: “Os Espíritos influem em nossos pensamentos e em nossos atos?” e recebe esta resposta: “Muito mais do que imaginais, pois frequentemente são eles que vos dirigem”. De tal modo os mensageiros divinos agem, em benefício de encarnados e de desencarnados, que no último capítulo, número 28 de O evangelho segundo o espiritismo, Allan Kardec insere uma “coletânea de preces espíritas”, segundo ele “ditadas pelos Espíritos em várias circunstâncias” (preâmbulo, item 1).
            Ali há várias sugestões de preces, que, ainda no preâmbulo, o Codificador da Doutrina Espírita explica servirem mais como manifestação do pensamento que pela forma, pois o que importa é o bom sentimento refletido e emitido por cada ser. A primeira delas é a Oração Dominical, também conhecida como Pai Nosso que, “conforme os pensamentos” por nós a ela associados, dizem os Espíritos, podem suprir todas as outras. Cada frase dessa prece sublime, ensinada por Jesus, é comentada por Allan Kardec.
            Ao referir-se à última frase do Pai Nosso: “Não nos deixes entregues à tentação, mas livra-nos do mal”, o Codificador do Espiritismo, inspirado pelas Potências Celestiais, pede força para “resistir à sugestão dos Espíritos maus, que tentem desviar-nos do caminho do bem, inspirando-nos maus pensamentos”. Logo a seguir, porém, reconhece que também “[...] somos Espíritos imperfeitos, encarnados na Terra para expiar nossas faltas e melhorar-nos. A causa primeira do mal está em nós mesmos, e os Espíritos maus apenas aproveitam os nossos pendores viciosos, nos quais se entretêm para nos tentarem”.
            Esse capítulo é dividido em I – Preces gerais; II – Preces para si mesmo; III – Preces pelos outros; IV – Preces pelos que já não são da Terra; e V – Preces pelos doentes e obsidiados. Todas essas fórmulas, como foi explicado por Kardec, apenas são válidas quando associamos os nossos sentimentos e pensamentos elevados a Deus, a quem podemos pedir, louvar ou agradecer uma graça, seja em nosso benefício ou de outrem.
Ensina-nos a Doutrina que, quando oramos sinceramente por um inimigo, encarnado ou desencarnado, pelos suicidas e obsidiados, pelos Espíritos endurecidos, estamos praticando a caridade espiritual, sem que deixemos de também praticar um grande bem nas demais orações. É pela prece sincera e pelos bons pensamentos que nos defendemos do mal e praticamos o bem. Jesus recomenda-nos “vigiar e orar”, inclusive pelos nossos perseguidores e caluniadores, porque sabe que somente o amor sentido e exemplificado nos livra do mal ainda presente em nós.
Enfim, podemos dizer que, a prática do amor, seja em favor das almas encarnadas, seja em favor dos Espíritos desencarnados, é reflexo da Lei Maior de Deus, que nos permite ascender, prazerosamente, às elevadas regiões do Mundo Maior. Sobretudo, nos permite ser felizes em qualquer lugar onde estejamos, porque Deus, que é Amor, reverberará em nossos pensamentos, palavras e atos. Concluindo,

Quando há amor...



Os corações dos servos do Senhor
Foram criados pelo Amor: Eu Sou.[2]

É por amor que o Santo Céu se ufana
E os anjos tocam harpas em louvor
Do nosso Augusto e Puro Criador.

É por amor que a Terra se engalana
Com flores, lindos fogos de artifício,
E toda solidão desaparece.
No ar, o som sublime de uma prece...

Todas as gratas faces se iluminam,
O povo, alegre, vai às avenidas
E canta, dança, grita de alegria...
A noite mais escura vira dia,
Quando o amor faz luz em nossas vidas.

Havendo amor, a vida é sempre bela,
Nosso desejo de servir aumenta,
E nossa alma vibra e acalenta
A esperança, a caridade e a fé.
Em toda parte, reverbera o brilho
Da luz do amor do Pai a bem do filho.

A fé do ser humano atuante
Nunca esmorece, pois Nosso Senhor
Nos ensinou que somos semelhantes,
E o Pai tanto ama o bom como o calceta
Aos quais concede chuva abençoada,
E faz o sol brilhar na sua estrada.
Faz a lagarta e, dela, a borboleta...

Se existe amor, tudo sempre se faz,
Em prol das almas simples, pequeninas,
O bem concede-nos imensa paz.
Jesus, há muito tempo, nos ensina
Que a Terra é dos que são puros e humildes
E servem seus irmãos bondosamente
Como sinceros servos do Senhor,
O Sábio Mestre que nos ensinou:


Amai a Deus sobre todas as coisas,
E ao vosso irmão, seja esse irmão qual for...
Amai também todos os animais
E cultivai o amor aos vegetais.
Amemos, pois, a Criação Divina
Desse Bondoso e Sapiente Pai
De quem tudo procede e volta tudo.
Tenhamos devoção pelo trabalho,
E aplicação assídua nos estudos.

Deus, por Moisés, deu-nos Dez Mandamentos,
Como roteiros, no monte Sinai.
E foi Jesus quem o chamou de Pai
De todos nós, os seus filhos amados,
Criados por amor e para amar.
Mas foram tantos os desvirtuamentos,
Que Cristo os resumiu em um somente
E nos recomendou manter na mente:
— Sede perfeitos, irmãos do Senhor:
Eu Sou É Amor, amai-vos como eu sou!




Referências

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2006.
______. O céu e o inferno. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2009.
______. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 4. impr. Brasília: FEB, 2017.
PEREIRA, Yvonne Amaral. Memórias de um suicida. 27. ed. Brasília: FEB, 2012.
XAVIER, Francisco Cândido. Emmanuel. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2008.
______. Palavras de luz. Pelo Espírito Emmanuel. Organização: Assessoria de Comunicação Social da Federação Espírita Brasileira. Brasília: FEB, 2014.


Publicado em Reformador, periódico mensal da Federação Espírita Brasileira em fevereiro de 2018.





[1] Denominação dada aos hansenianos na época em que a obra foi psicografada.

[2] Nota do autor: Eu sou é denominação bíblica atribuída ao nome de Deus no Antigo Testamento.

   

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