HUMANIDADE
REAL E SEXUALIDADE
Jorge
Leite de Oliveira
Como o Espiritismo é a terceira revelação
divina, nunca é demais lembrar que a primeira se inicia com a Lei recebida por
Moisés no monte Sinai, sobre a qual Jesus, cujo Evangelho é a segunda
revelação, disse que não viera destruir, mas dar-lhe prosseguimento. O que Ele
não viera destruir é a Lei de Deus, que Moisés recebeu sintetizada nos Dez
Mandamentos. O sétimo mandamento da Lei Divina, constante no Decálogo,
é este: “Não cometerás adultério”.
Adultério, segundo o Dicionário Aurélio
da Língua Portuguesa, é “infidelidade conjugal; amantismo; prevaricação;
[...] união destoante, aberrante”. O mesmo dicionário remete-nos ainda a adulteração:
“ato ou efeito de adulterar; falsificação, contrafação, corrupção, adultério
[...]”. O princípio do adultério, conforme lemos no Dicionário Aurélio é
“manter relações carnais com outrem fora do casamento”.
Confirma a ideia de fidelidade sexual e
honestidade o décimo mandamento do Decálogo: “Não cobiçarás a casa do
teu próximo. Não cobiçarás a mulher de teu próximo [...], nem coisa alguma que
pertença a teu próximo”. O mandamento ratifica a noção de que tendo Deus criado
homem e mulher, ao casal cabe fidelidade, além do que nada que não seja nosso
deve ser cobiçado.
No Levítico, 18: 22- 23 lemos o
seguinte: “Com varão te não deitarás, como se fosse mulher; abominação é; nem
te deitarás com um animal, para te contaminares com ele; nem a mulher se porá
perante um animal, para ajuntar-se com ele: confusão é”.
Em Deuteronômio, 22: 5, está
escrito: “Não haverá trajo de homem na mulher, e não vestirá o homem veste de
mulher, porque qualquer que faz isto abominação é ao Senhor teu Deus”.
Outras normas rigorosas, com previsão de
morte à adúltera e ao estuprador constam em Deuteronômio, como leis mais
apropriadas à época de Moisés e não que viessem de Deus. O legislador hebreu
teria morrido com 120 anos (Deuteronômio, 34, 7). Antes, porém, de
anunciar Josué como seu sucessor, Moisés já anunciara a vinda de Jesus Cristo,
como profeta semelhante a Moisés. E o novo profeta falaria o que Deus lhe
ordenasse (Deuteronômio, 18: 18), como o próprio Cristo lembrou aos
judeus e aos seus discípulos.
Eis o que registrou João, 5:30: “Eu não
posso de mim mesmo fazer coisa alguma; como ouço, assim julgo, e o meu juízo é
justo, porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai, que me enviou”.
E em 5: 46, confirmando o anúncio de Moisés, diz Jesus: “Porque, se vós
crêsseis em Moisés, creríeis em mim, porque de mim escreveu ele”.
No cap. 8:12, anota João estas sublimes
palavras do Cristo: “[...] Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em
trevas, mas terá a luz da vida”. E, no cap. 14:15- 17, Jesus anuncia o
Espiritismo, cujos ensinamentos vieram para ficar eternamente conosco, assim
como Ele:
Se me amardes, guardareis os meus
mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador para que
fique convosco para sempre, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode
receber; porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita
convosco e estará em vós.
Ou seja, Jesus, o Cristo de Deus já vem
atuando permanentemente para combater, no mundo, tudo aquilo que não está de
acordo com nossa destinação de Espíritos imortais, destinados à perfeição e à
felicidade decorrente dela.
Num dos seus últimos ensinamentos, antes
de ser preso e condenado arbitrariamente pelos inimigos do bem, Jesus Cristo recomenda-nos:
“O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”
(João, 15: 12). Mais adiante, anuncia: “Ainda tenho muito que vos dizer, mas
não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito da Verdade, ele
vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o
que tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir” (João, 16:12, 13).
N’O livro dos espíritos, sob o
título Sexos nos Espíritos, lemos estas três questões e suas divinas respostas:
200. Os Espíritos têm sexos?
Não como o entendeis, porque os
sexos dependem do organismo. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na
afinidade de sentimentos.
201. O Espírito que animou o corpo
de um homem pode animar, em nova existência. O de uma mulher e vice-versa?
Sim; são os mesmos os Espíritos que
animam os homens e as mulheres.
202. Quando errante, que prefere o
Espírito: encarnar no corpo de um homem ou no de uma mulher?
Isso pouco lhe importa. Vai
depender das provas por que haja de passar (KARDEC, 2017, p. 131).
Comentário de Allan Kardec:
Os Espíritos encarnam como homens
ou como mulheres, porque não têm sexo. Como devem progredir em tudo, cada sexo,
como cada posição social lhes oferece provações, deveres especiais e novas oportunidades
de adquirirem experiência. Aquele que fosse sempre homem só saberia o que sabem
os homens (KARDEC, op. cit., loc. cit.).
Ainda que alguém reencarne inúmeras vezes
num mesmo sexo, o que lhe proporcionará características mais acentuadas desse
corpo, chegará um tempo em que essa pessoa terá de reencarnar no sexo oposto ao
que ela vinha tendo.
Há outra questão, número 700, sobre o
casamento, que nos esclarece o seguinte: “A igualdade numérica aproximada entre
os sexos é um indício da proporção em que devem unir-se?” Resposta: “Sim,
porquanto tudo na Natureza tem um fim” (op. cit.).
O Espiritismo é uma Filosofia e Ciência de
consequências morais e, nesse sentido, as informações colhidas por Kardec foram
ampliadas noutras quatro obras do chamado pentateuco kardequiano e na Revista
Espírita, além de Obras Póstumas. Nessas obras, complementadas por
outras, ditadas, no Brasil, por Espíritos como Victor Hugo, Charles, André
Luiz, Emmanuel, Philomeno de Miranda, Joanna de Ângelis e outros, encontramos a
temática sexualidade explicada e exemplificada em casos reais, de modo
altamente respeitoso e piedoso.
A homossexualidade ou transexualidade é
explicada pelo Espírito Emmanuel, na obra Vida e Sexo, psicografada por
Francisco Cândido Xavier. Explica-nos aquele:
A homossexualidade, também chamada
transexualidade, em alguns círculos de ciência, definindo-se, no conjunto de
suas características, por tendência da criatura para a comunhão afetiva com uma
outra criatura do mesmo sexo, não encontra explicação fundamental nos estudos
psicológicos que tratam do assunto em bases materialistas, mas é perfeitamente
compreensível à luz da reencarnação.
Observada a ocorrência, mais com os
preconceitos da sociedade, constituída na Terra pela maioria heterossexual, do
que com as verdades simples da vida, essa mesma ocorrência vai crescendo de
intensidade e de extensão, com o próprio desenvolvimento da humanidade, e o
mundo vê, na atualidade, em todos os países, extensas comunidades de irmãos em
experiência dessa espécie, somando milhões de homens e mulheres, solicitando
atenção e respeito, em pé de igualdade ao respeito e à atenção devidos às
criaturas heterossexuais (XAVIER, 2016,
cap. 21, p. 83).
Ou seja, devemos ter o máximo respeito
para com aquelas pessoas que fazem parte dos grupos chamados transexuais, assim
como para com os denominados heterossexuais, os bissexuais e ainda em relação
aos assexuados, que são os que não manifestam desejos sexuais. Todas essas
pessoas, em matéria de amor, podem expressar paixões em missões muitas vezes
incompreendidas por nós, como também podem estar expiando desvios da
sexualidade em encarnações pregressas.
Confirmando nossa interpretação,
esclarece-nos o Espírito Emmanuel neste pequeno, mas notável livro, cuja
primeira edição é de 1970, ou seja, de 49 anos atrás:
Observadas as tendências
homossexuais dos companheiros reencarnados nessa faixa de prova ou de
experiência, é forçoso se lhes dê o amparo educativo adequado, tanto quanto se
administra instrução à maioria heterossexual. E para que isso se verifique em
linhas de justiça e compreensão, caminha o mundo de hoje para mais alto
entendimento dos problemas do amor e do sexo, porquanto, à frente da vida
eterna, os erros e acertos dos irmãos de qualquer procedência, nos domínios do
sexo e do amor, são analisados pelo mesmo elevado gabarito de justiça e
misericórdia. Isso porque todos os assuntos nessa área da evolução e da vida se
especificam na intimidade da consciência de cada um (id., cap. 21, Homossexualidade,
p. 85).
Nas
duas frases finais da mensagem sobre Jesus, intitulada Humanidade real,
esclarece-nos Emmanuel o seguinte: “Aparentemente vencido, o Mestre surgia em
plena grandeza espiritual, revelando o mais alto padrão de dignidade humana.
Rememorando, pois, semelhante, passagem, recordemos que somente nas linhas
morais do Cristo é que atingiremos a Humanidade Real” (XAVIER, 2005, cap. 127).
Vai
bem nessa linha de raciocínio o poema do Espírito Augusto dos Anjos, com o qual
encerramos nossas notas:
Aos fracos da
vontade
Homem, levanta o véu do teu futuro,
Troca o prazer sensualista e
obscuro
Pelo conhecimento da Verdade.
Foge do escuro ergástulo do mundo
E abandona o Desejo moribundo
Pelo poder da tua divindade.
Teu corpo é todo um orbe grande e
vasto:
Livra-o do mal onífero, nefasto,
Com a espada resplendente da
virtude;
Que o sol da tua mente, eterno,
esplenda,
Dando a teu mundo a mágica oferenda
Da alegria em divina plenitude.
Deixa o conjunto de ancestralidades
Da carne — o eterno símbolo do
Hades —
Onde o Espírito clama, sofre e
chora;
Deixa que as tuas glândulas do
pranto
Te salvem do cadinho sacrossanto
Da lágrima pungente e redentora.
Mas, sobretudo, observa o
pensamento,
Fonte da força e altíssimo
elemento,
Em que toda molécula se cria:
Da existência ele faz sepulcro
abjeto
Ou jardim luminoso e predileto,
De arcangélicas flores de Harmonia.
Ouve-te sempre a ronda do mistério,
Mas faze de tua alma um grande
império
De beleza, de paz e de saúde:
Que as tuas agregações moleculares
Vivam livres de todos os pesares,
Com os tônicos sagrados da Virtude.
Tua vontade esclarecida e forte
Triunfará das angústias e da morte
Além dos planos tristes da matéria,
Mas a tua vontade enfraquecida
É a meretriz no báratro da vida,
Amarrada no catre da miséria!
(ANJOS, Augusto dos (Espírito). Psicografado por XAVIER,
2002, p. 137)
Referências
KARDEC, Allan. O
livro dos espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 4. imp.
Brasília: FEB, 2017.
Publicado em
Reformador, periódico mensal da Federação Espírita Brasileira (FEB), em fev.
2020. A foto é publicação exclusiva deste site.