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quinta-feira, 20 de agosto de 2020


HUMANIDADE REAL E SEXUALIDADE
Jorge Leite de Oliveira

 
Como o Espiritismo é a terceira revelação divina, nunca é demais lembrar que a primeira se inicia com a Lei recebida por Moisés no monte Sinai, sobre a qual Jesus, cujo Evangelho é a segunda revelação, disse que não viera destruir, mas dar-lhe prosseguimento. O que Ele não viera destruir é a Lei de Deus, que Moisés recebeu sintetizada nos Dez Mandamentos. O sétimo mandamento da Lei Divina, constante no Decálogo, é este: “Não cometerás adultério”.
Adultério, segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, é “infidelidade conjugal; amantismo; prevaricação; [...] união destoante, aberrante”. O mesmo dicionário remete-nos ainda a adulteração: “ato ou efeito de adulterar; falsificação, contrafação, corrupção, adultério [...]”. O princípio do adultério, conforme lemos no Dicionário Aurélio é “manter relações carnais com outrem fora do casamento”.
Confirma a ideia de fidelidade sexual e honestidade o décimo mandamento do Decálogo: “Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher de teu próximo [...], nem coisa alguma que pertença a teu próximo”. O mandamento ratifica a noção de que tendo Deus criado homem e mulher, ao casal cabe fidelidade, além do que nada que não seja nosso deve ser cobiçado.
No Levítico, 18: 22- 23 lemos o seguinte: “Com varão te não deitarás, como se fosse mulher; abominação é; nem te deitarás com um animal, para te contaminares com ele; nem a mulher se porá perante um animal, para ajuntar-se com ele: confusão é”.
Em Deuteronômio, 22: 5, está escrito: “Não haverá trajo de homem na mulher, e não vestirá o homem veste de mulher, porque qualquer que faz isto abominação é ao Senhor teu Deus”.
Outras normas rigorosas, com previsão de morte à adúltera e ao estuprador constam em Deuteronômio, como leis mais apropriadas à época de Moisés e não que viessem de Deus. O legislador hebreu teria morrido com 120 anos (Deuteronômio, 34, 7). Antes, porém, de anunciar Josué como seu sucessor, Moisés já anunciara a vinda de Jesus Cristo, como profeta semelhante a Moisés. E o novo profeta falaria o que Deus lhe ordenasse (Deuteronômio, 18: 18), como o próprio Cristo lembrou aos judeus e aos seus discípulos.
Eis o que registrou João, 5:30: “Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma; como ouço, assim julgo, e o meu juízo é justo, porque não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai, que me enviou”. E em 5: 46, confirmando o anúncio de Moisés, diz Jesus: “Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim, porque de mim escreveu ele”.
No cap. 8:12, anota João estas sublimes palavras do Cristo: “[...] Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida”. E, no cap. 14:15- 17, Jesus anuncia o Espiritismo, cujos ensinamentos vieram para ficar eternamente conosco, assim como Ele:

Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador para que fique convosco para sempre, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber; porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós.

Ou seja, Jesus, o Cristo de Deus já vem atuando permanentemente para combater, no mundo, tudo aquilo que não está de acordo com nossa destinação de Espíritos imortais, destinados à perfeição e à felicidade decorrente dela.
Num dos seus últimos ensinamentos, antes de ser preso e condenado arbitrariamente pelos inimigos do bem, Jesus Cristo recomenda-nos: “O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei” (João, 15: 12). Mais adiante, anuncia: “Ainda tenho muito que vos dizer, mas não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito da Verdade, ele vos guiará em toda a verdade, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir” (João, 16:12, 13).
N’O livro dos espíritos, sob o título Sexos nos Espíritos, lemos estas três questões e suas divinas respostas:

200. Os Espíritos têm sexos?
Não como o entendeis, porque os sexos dependem do organismo. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na afinidade de sentimentos.

201. O Espírito que animou o corpo de um homem pode animar, em nova existência. O de uma mulher e vice-versa?
Sim; são os mesmos os Espíritos que animam os homens e as mulheres.

202. Quando errante, que prefere o Espírito: encarnar no corpo de um homem ou no de uma mulher?
Isso pouco lhe importa. Vai depender das provas por que haja de passar (KARDEC, 2017, p. 131).

            Comentário de Allan Kardec:

Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo. Como devem progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social lhes oferece provações, deveres especiais e novas oportunidades de adquirirem experiência. Aquele que fosse sempre homem só saberia o que sabem os homens (KARDEC, op. cit., loc. cit.).

Ainda que alguém reencarne inúmeras vezes num mesmo sexo, o que lhe proporcionará características mais acentuadas desse corpo, chegará um tempo em que essa pessoa terá de reencarnar no sexo oposto ao que ela vinha tendo.
Há outra questão, número 700, sobre o casamento, que nos esclarece o seguinte: “A igualdade numérica aproximada entre os sexos é um indício da proporção em que devem unir-se?” Resposta: “Sim, porquanto tudo na Natureza tem um fim” (op. cit.).
O Espiritismo é uma Filosofia e Ciência de consequências morais e, nesse sentido, as informações colhidas por Kardec foram ampliadas noutras quatro obras do chamado pentateuco kardequiano e na Revista Espírita, além de Obras Póstumas. Nessas obras, complementadas por outras, ditadas, no Brasil, por Espíritos como Victor Hugo, Charles, André Luiz, Emmanuel, Philomeno de Miranda, Joanna de Ângelis e outros, encontramos a temática sexualidade explicada e exemplificada em casos reais, de modo altamente respeitoso e piedoso.
A homossexualidade ou transexualidade é explicada pelo Espírito Emmanuel, na obra Vida e Sexo, psicografada por Francisco Cândido Xavier. Explica-nos aquele:

A homossexualidade, também chamada transexualidade, em alguns círculos de ciência, definindo-se, no conjunto de suas características, por tendência da criatura para a comunhão afetiva com uma outra criatura do mesmo sexo, não encontra explicação fundamental nos estudos psicológicos que tratam do assunto em bases materialistas, mas é perfeitamente compreensível à luz da reencarnação.
Observada a ocorrência, mais com os preconceitos da sociedade, constituída na Terra pela maioria heterossexual, do que com as verdades simples da vida, essa mesma ocorrência vai crescendo de intensidade e de extensão, com o próprio desenvolvimento da humanidade, e o mundo vê, na atualidade, em todos os países, extensas comunidades de irmãos em experiência dessa espécie, somando milhões de homens e mulheres, solicitando atenção e respeito, em pé de igualdade ao respeito e à atenção devidos às criaturas heterossexuais (XAVIER,  2016, cap. 21, p. 83).

Ou seja, devemos ter o máximo respeito para com aquelas pessoas que fazem parte dos grupos chamados transexuais, assim como para com os denominados heterossexuais, os bissexuais e ainda em relação aos assexuados, que são os que não manifestam desejos sexuais. Todas essas pessoas, em matéria de amor, podem expressar paixões em missões muitas vezes incompreendidas por nós, como também podem estar expiando desvios da sexualidade em encarnações pregressas.
Confirmando nossa interpretação, esclarece-nos o Espírito Emmanuel neste pequeno, mas notável livro, cuja primeira edição é de 1970, ou seja, de 49 anos atrás:

Observadas as tendências homossexuais dos companheiros reencarnados nessa faixa de prova ou de experiência, é forçoso se lhes dê o amparo educativo adequado, tanto quanto se administra instrução à maioria heterossexual. E para que isso se verifique em linhas de justiça e compreensão, caminha o mundo de hoje para mais alto entendimento dos problemas do amor e do sexo, porquanto, à frente da vida eterna, os erros e acertos dos irmãos de qualquer procedência, nos domínios do sexo e do amor, são analisados pelo mesmo elevado gabarito de justiça e misericórdia. Isso porque todos os assuntos nessa área da evolução e da vida se especificam na intimidade da consciência de cada um (id., cap. 21, Homossexualidade, p. 85).
           
            Nas duas frases finais da mensagem sobre Jesus, intitulada Humanidade real, esclarece-nos Emmanuel o seguinte: “Aparentemente vencido, o Mestre surgia em plena grandeza espiritual, revelando o mais alto padrão de dignidade humana. Rememorando, pois, semelhante, passagem, recordemos que somente nas linhas morais do Cristo é que atingiremos a Humanidade Real” (XAVIER, 2005, cap. 127).
            Vai bem nessa linha de raciocínio o poema do Espírito Augusto dos Anjos, com o qual encerramos nossas notas:
Aos fracos da vontade
Homem, levanta o véu do teu futuro,
Troca o prazer sensualista e obscuro
Pelo conhecimento da Verdade.
Foge do escuro ergástulo do mundo
E abandona o Desejo moribundo
Pelo poder da tua divindade.

Teu corpo é todo um orbe grande e vasto:
Livra-o do mal onífero, nefasto,
Com a espada resplendente da virtude;
Que o sol da tua mente, eterno, esplenda,
Dando a teu mundo a mágica oferenda
Da alegria em divina plenitude.

Deixa o conjunto de ancestralidades
Da carne — o eterno símbolo do Hades —
Onde o Espírito clama, sofre e chora;
Deixa que as tuas glândulas do pranto
Te salvem do cadinho sacrossanto
Da lágrima pungente e redentora.

Mas, sobretudo, observa o pensamento,
Fonte da força e altíssimo elemento,
Em que toda molécula se cria:
Da existência ele faz sepulcro abjeto
Ou jardim luminoso e predileto,
De arcangélicas flores de Harmonia.

Ouve-te sempre a ronda do mistério,
Mas faze de tua alma um grande império
De beleza, de paz e de saúde:
Que as tuas agregações moleculares
Vivam livres de todos os pesares,
Com os tônicos sagrados da Virtude.

Tua vontade esclarecida e forte
Triunfará das angústias e da morte
Além dos planos tristes da matéria,
Mas a tua vontade enfraquecida
É a meretriz no báratro da vida,
Amarrada no catre da miséria! 

(ANJOS, Augusto dos (Espírito). Psicografado por XAVIER, 2002, p. 137)

Referências

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2017.

XAVIER, Francisco Cândido. Vida e sexo. 27. ed. 3. imp. Brasília: FEB, 2016.

______. Fonte viva. Rio de Janeiro: FEB, 2005, cap. 127.

______. Parnaso de além-túmulo (poesias mediúnicas). 16. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002.

Publicado em Reformador, periódico mensal da Federação Espírita Brasileira (FEB), em fev. 2020. A foto é publicação exclusiva deste site.

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