Páginas

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

 


13.5.9 A piedade

Miguel - Bordeaux, 1862

 

A piedade é a virtude que mais os aproxima dos anjos. É a irmã da caridade que os conduz a Deus. Ah, deixem seus corações enternecer-se diante das misérias e dos sofrimentos de seus semelhantes. Suas lágrimas são um bálsamo que vocês derramam nas feridas deles. E quando, tocados por uma doce simpatia, vocês conseguem restituir-lhes a esperança e a resignação, que encanto experimentam vocês! É verdade que esse encanto tem uma certa amargura, porque surge ao lado do infortúnio; mas se não apresenta o forte sabor dos gozos mundanos, também não traz as pungentes decepções do vazio deixado por estes; pelo contrário, tem uma penetrante doçura que deleita a alma.

A piedade, quando bem sentida, é amor; o amor é devotamento; o devotamento é o esquecimento de si mesmo; e esse esquecimento, essa abnegação em favor dos infelizes é a virtude por excelência, que o Divino Messias praticou em toda a sua vida e ensinou na sua doutrina tão santa e tão sublime.

Quando essa doutrina for restabelecida na sua pureza primitiva, quando for admitida por todos os povos, ela tornará a Terra feliz, fazendo reinar enfim a concórdia, a paz e o amor.

O sentimento mais apropriado a fazê-los progredir, domando seu egoísmo e seu orgulho, aquele que dispõe sua alma à humildade à beneficência e ao amor ao próximo, é a piedade! Essa piedade que os comove até as fibras mais íntimas, diante do sofrimento de seus irmãos, que leva vocês a estender-lhes as mãos caridosas e arranca de vocês lágrimas de simpatia.

Nunca sufoquem, portanto, em seus corações, essa emoção celeste, nem façam como esses egoístas endurecidos que fogem dos aflitos, para que a visão de suas misérias não lhes perturbe por um instante a alegre existência. Receiem ficar indiferentes, quando puderem ser úteis! A tranquilidade conseguida ao preço de uma indiferença culposa é a tranquilidade do Mar Morto, que oculta na profundeza de suas águas a lama fétida e a corrupção.

Quão longe está a piedade, entretanto, de causar a perturbação e o tédio de que se receia o egoísta! Não há dúvida de que a alma experimenta, ao contato da desgraça alheia, angustiando-se, um estremecimento natural e profundo, que faz vibrar todo o seu ser e o afeta penosamente. Mas a compensação é grande quando vocês conseguem devolver a coragem e a esperança a um irmão infeliz, que se comove ao aperto da mão amiga, e cujo olhar úmido, por vezes, de emoção e reconhecimento, volta-se com doçura para vocês, antes de se elevar ao Céu, agradecendo por lhe haver enviado um consolador, um amparo.

A piedade é o melancólico, mas celeste precursor da caridade, primeira das virtudes que a tem por irmã, e cujos benefícios ela prepara e enobrece.

Tradução livre da 3ª ed. francesa pelo prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

 

  • Em dia com o Machado 459:
  • Reflexões sobre a caridade (Jó)

       


        Segundo o Espírito Irmão X, "Em todos os tempos, há exércitos de criaturas que ensinam a caridade, todavia poucas pessoas praticam-na verdadeiramente"[1]. É certo que a teoria nos auxilia muito, quando seus conceitos elevados são postos em prática, mas também é certo que ainda é mais fácil divulgar as qualidades morais elevadas ao próximo do que praticá-las. Por isso, Paulo, em I Coríntios, 13:1, afirma: "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine".

        Ainda o Irmão X ensina-nos como devemos praticar a caridade: "A caridade, antes de tudo, pede compreensão. Não basta entregar os haveres ao primeiro mendigo que surja à porta, para significar a posse da virtude sublime [...]"[2]. Realmente, é tão importante o sentimento de compaixão ao caído quanto a pura entrega de alguma moeda a ele. Então, completa o Espírito que: "É preciso entender-lhe a necessidade e ampará-lo com amor. Desembaraçar-se dos aflitos, oferecendo-lhes o supérfluo, é livrar-se dos necessitados, de maneira elegante, com absoluta ausência de iluminação espiritual" (id).

        Há quem julgue estar fazendo grande caridade ao pedir a outrem que auxilie alguém em penúria material ou espiritual. A esse respeito, o Espírito Neio Lúcio esclarece-nos: "A caridade, por substitutos, indiscutivelmente, é honrosa e louvável, mas o bem que praticamos em sentido direto, dando de nós mesmos, é sempre o maior e o mais seguro de todos".[3]

        A sublimidade da caridade é quando já somos capazes de nos sacrificar, em benefício do próximo, como o fez a viúva que se privou de duas moedas de ínfimo valor, mas que lhe representava "todo o seu sustento", segundo disse Jesus, e Marcos registrou em 12:41- 44.

        Devotamento e abnegação para com o próximo são as duas virtudes que representam a mais alta expressão do amor. Quando nós entendermos os sentidos que essas palavras representam, passaremos a praticar a caridade no seu mais profundo sentido. Então, onde quer que estejamos, com o que dispusermos, ante qualquer situação estaremos atentos à recomendação do Cristo: "Portanto, tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-lhes também [...]" (Mateus, 7:12).

       

 



[1] Irmão X (Espírito). Lázaro redivivo. Psicografia de Chico Xavier. Apud SOARES, Sylvio Brito. Pérolas do além. 5. ed. Brasília: FEB, 1992. p. 40, Caridade.

[2] _____. Pontos e contos. Psicografia de Chico Xavier. Apud SOARES, Sylvio Brito. Pérolas do além. 5. ed. Brasília: FEB, 1992. p. 41, Caridade.

[3] Neio Lúcio (Espírito). Jesus no lar. Psicografia de Chico Xavier. Apud SOARES, Sylvio Brito. Pérolas do além. 5. ed. Brasília: FEB, 1992. p. 41, Caridade.

 

sábado, 20 de fevereiro de 2021

 


13.5.8 João

Bordeaux, 1861

 

A mulher rica, feliz, que não precisa empregar seu tempo nos trabalhos de casa, não pode dedicar algumas horas a serviço dos semelhantes? Que compre, com o supérfluo dos seus gastos felizes, agasalhos para o infeliz que tirita de frio; que ela faça, com suas mãos delicadas, roupas grosseiras, mas quentes; que ela ajude a mãe a vestir o filho que vai nascer. Se seu filho, com isso, ficar com algumas rendas de menos, o daquela terá mais com que se aqueça. Trabalhar para os pobres é trabalhar na vinha do Senhor.

E você, pobre operária, que não possui supérfluos, mas que deseja, no amor por seus irmãos, dar também um pouco do que possui, dê algumas horas do seu dia, do seu tempo, que é seu único tesouro. Faça alguns desses trabalhos elegantes que tentam os felizes, venda o produto dos seus serões, e poderá também proporcionar, a seus irmãos sua parte de auxílio. Terá, talvez, algumas fitas a menos, mas dará calçado a quem tem os pés descalços.

E vocês, mulheres devotadas a Deus, trabalhem também para suas obras, mas que seus trabalhos delicados e custosos não sejam feitos apenas para ornar suas capelas, ou para atrair a atenção sobre sua habilidade e paciência. Trabalhem, minhas filhas, e que o produto de suas obras seja consagrado ao socorro de seus irmãos em Deus. Os pobres são seus filhos bem-amados; trabalhar por eles é glorificá-lo. Sejam-lhes a Providência que diz: "Deus alimenta os pássaros do céu". Que o ouro e a prata, tecidos pelos seus dedos, se transformem em roupas e alimentos para aqueles que nada têm. Façam isso, e seu trabalho será abençoado.

E todos vocês, que podem produzir, deem; deem seu gênio, deem suas inspirações, deem seu coração, que Deus os abençoará. Poetas, literatos, que são lidos somente pela gente do mundo, preencham seus lazeres, mas que o produto de algumas de suas obras seja destinado ao alívio dos infelizes. Pintores, escultores, artistas de todos os gêneros, que sua inteligência também ajude seus irmãos; vocês não terão menos glória por isso, e eles terão menos sofrimentos.

Todos vocês podem dar a qualquer classe a que pertençam, terão sempre alguma coisa que pode ser dividida. Seja o que for que Deus lhes tenha dado, devem uma parcela aos que não têm sequer o necessário, pois, em seu lugar, vocês ficariam contentes se alguém dividisse com vocês. Seus tesouros da Terra serão um pouco menores, mas seus tesouros do Céu serão maiores; colherão pelo cêntuplo o que semearem em benefícios no mundo.

Tradução livre da 3ª ed. francesa pelo prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

 

  • Em dia com o Machado 458:
  • a entrevista... (Jó)

 

 

       

        Antigamente, quando se desejava escrever uma crônica, saía-se pelas ruas observando os acontecimentos ou lendo-se algo em algum periódico, como o faziam, no século XIX, José de Alencar e Machado de Assis, dois de seus melhores articulistas. Exemplo disso é a crônica que Machado escreveu, com base em notícia lida sobre uma jovem, se não me engano baiana, que, com uma faca na mão, ao ser assediada por um rapaz, preveniu-o, em português pronunciado incorretamente: "Não se aproxime, que eu lhe furo! (O punhal de Martinha, 5 ago. 1894).

        O jovem não acreditou no aviso, tentou beijá-la a força, e foi morto com um furo de "peixeira", no ventre, pela baiana. "Peixeira" é o nome que se dá, no Nordeste, a facão curto e muito afiado, usado para o corte de peixes. Atualmente, as notícias são transmitidas pelo rádio e TV, lidas nos endereços eletrônicos e até... nos jornais.

        Hoje falarei ao amigo leitor sobre entrevista assistida por mim, em vídeo, de Geraldo Campetti Sobrinho a Bruno Tavares. Bela, respeitosa, evangelizada e erudita entrevista.

        De início, Bruno diz-lhe que é fã do vídeo intitulado Livros que iluminam, postado periodicamente, na internet, cuja direção é do Geraldo. Em seguida, o entrevistador questiona a profusão de obras ditas espíritas, com conteúdo duvidoso, e pergunta ao entrevistado o que este pensa do assunto, haja vista considerar o livro espírita o "carro-chefe" da divulgação do Espiritismo.

        Geraldo confirma a condição de "carro-chefe" do livro-espírita, e diz-lhe que, atualmente, há grande número de obras não confiáveis, no mercado editorial, intitulando-se espíritas. Explica, ainda, que há obras falsamente atribuídas aos Espíritos Emmanuel e André Luiz que contrariam o estilo do médium Chico Xavier e dessas entidades. Por fim, lembra a responsabilidade com que a Editora FEB trata suas obras, corrigindo todos os equívocos comprovadamente presentes em suas edições. Lembra, portanto, que é dever dos seus revisores, pessoas competentes e honestas, corrigirem erros gramaticais e realizarem atualizações ortográficas nas obras editadas ou reeditadas.

        Finalmente, Bruno diz ter lido seiscentos artigos de Bezerra de Menezes, um dos primeiros presidentes da FEB, e não viu neles qualquer menção a Roustaing, e, sim, a Allan Kardec. Em nossa ótica, de colaborador da FEB há mais de quarenta anos, não procede a tese de roustainguismo atribuída à instituição. Bruno pergunta, também, como o entrevistado responde às acusações de "adulteração" de obras de Kardec.

        Após esclarecer que não existe kardecismo ou roustainguismo e, sim, Espiritismo, Geraldo informa que todas as alterações existentes nas obras do Codificador da Doutrina Espírita foram feitas por este mesmo, como já foi comprovado por pesquisadores responsáveis. Como exemplo, cita as pesquisas feitas pelo doutor em Filosofia da Ciência e Lógica, Cosme Massi, além de outras pesquisas recentes. Informa ainda que quase tudo em A Gênese foi escrito pelo próprio Kardec, ao contrário dos outros quatro livros da codificação espírita, em que a participação dos Espíritos é maior...

        Enfim, ficamos plenamente cientes de que toda a obra espírita de Allan Kardec foi publicada e atualizada com base nas alterações dele mesmo. Além disso, Geraldo deixa claro que o Espiritismo sem Jesus não é Espiritismo, pois é o Cristo que o anuncia em João, capítulo 14, versículos 15 a 17. Ser espírita é, pois, ser cristão. Graças a Deus!

        Assista à entrevista no blog do Bruno Tavares. Vale a pena.

      


sábado, 13 de fevereiro de 2021

 


13.5.7 Um Espírito Protetor

Lyon, 1861


Meus caros amigos, todo dia ouço vocês dizerem entre si: "Sou pobre, não posso fazer a caridade". E todo dia vejo que faltam com a indulgência para com seus semelhantes. Não lhes perdoam nada, e se arvoram em juízes demasiado severos, sem se perguntar se gostariam que fizessem o mesmo a seu respeito. A indulgência não é também caridade? Vocês, que não podem fazer mais do que a caridade praticando a indulgência, façam pelo menos essa, mas façam-na com grandeza. Pelo que respeita à caridade material, vou contar-lhes uma história do outro mundo.

Dois homens acabavam de morrer. Deus havia dito: "Enquanto esses dois homens viverem, serão postas as suas boas ações num saco para cada um, e quando morrerem, serão pesados esses sacos". Quando ambos chegaram à sua última hora, Deus mandou que lhe levantassem os dois sacos. Um estava cheio, volumoso, estufado, e retinia o metal dentro dele. O outro era tão pequeno e fino, que se viam através do pano as poucas moedas que continha.             

Cada um dos homens reconheceu seu saco: "Eis o meu, disse o primeiro, eu o reconheço; fui rico e distribui bastante!" "Eis o meu, disse o outro, fui sempre pobre, ah! não tinha quase nada para distribuir". Mas oh! surpresa! os dois sacos postos na balança, o maior tornou-se leve, e o pequeno se fez pesado, tanto que elevou muito o outro prato da balança.

Então, Deus disse ao rico: "Você deu muito, é verdade, mas fez isso por ostentação, e para ver seu nome figurando em todos os templos do orgulho. Além disso, ao dar, não se privou de nada. Passe à esquerda e fique satisfeito, por lhe ser contada a esmola como qualquer coisa". Depois, disse ao pobre: "Você deu bem pouco, meu amigo, mas cada uma das moedas que estão na balança representou uma privação para você. Não distribuiu esmola, fez a caridade, e o melhor é que a fez naturalmente, sem se preocupar de que a levassem a sua conta. Você foi indulgente; não julgou seu semelhante; pelo contrário, desculpou todas as suas ações. Passe à direita, e vá receber sua recompensa”.

Tradução livre da 3ª ed. francesa pelo prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

 

  • EM DIA COM O MACHADO 457:
  • os que dormem nas ilusões do ego (Jó)

 


            Todos os personagens desta história participavam duma reunião espírita no salão da modesta casa de dona Isabel, viúva do Espírito Isidoro, com quem ela havia iniciado esse trabalho quando o marido ainda estava encarnado.[1] Os Espíritos Aniceto, André Luiz e Vicente assistiam a interessante diálogo entre cavalheiro orgulhoso, "rodeado de sombra", em especial, "ao longo do cérebro", e o Sr. Bentes, dirigente da reunião:

            — Há muito [...] frequento as reuniões espíritas, à procura de alguma coisa que me satisfaça; no entanto — e sorriu irônico —, ou a minha infelicidade é maior que a dos outros ou estamos diante de mistificação mundial.

            E, após breve pausa:

            — Tenho estudado muitíssimo, não me furtando ao crivo da razão rigorosa. Já devorei extensa literatura relativa à sobrevivência humana e, todavia, nunca obtive uma prova. O Espiritismo está cheio de teses sedutoras, mas o terreno se mostra cheio de dúvidas. A obra de Kardec, inegavelmente, representa extraordinária afirmação filosófica; entretanto, encontramos com Richet um acervo de perspectivas novas. A metapsíquica corrigiu muitos voos da imaginação, trazendo à análise pública observações mais profundas sobre os desconhecidos poderes do homem. No exame dessas verdades científicas, o mediunismo foi reduzido em suas proporções. Precisamos dum movimento de racionalização, ajustando os fenômenos a critério adequado. Todavia, meu caro Bentes, vivemos em paisagem de mistificações sutis, distantes das demonstrações exatas.

            Bentes, sereno e confiante em sua fé, respondeu-lhe:

            — Concordo, Dr. Fidélis, em que o Espiritismo não deva fugir a toda espécie de considerações sérias; contudo, creio que a Doutrina é um conjunto de verdades sublimes, que se dirigem, de preferência, ao coração humano. É impossível auscultar-lhe a grandeza divina com a nossa imperfeita faculdade de observação, ou recolher-lhe as águas puras com o vaso sujo dos nossos raciocínios viciados nos erros de muitos milênios. Ao demais, temos aprendido que a revelação de ordem divina não é trabalho mecânico em leis de menor esforço. Lembremos que a missão do Evangelho, com o Mestre, foi precedida por um esforço humano de muitos séculos. Antes de morrerem os cristãos nos circos do martírio, quantos precursores de Jesus foram sacrificados? Primeiramente, devemos construir o receptáculo; em seguida, alcançaremos a bênção. A Bíblia, sagrado livro dos cristãos, é o encontro da experiência humana, cheia de suor e lágrimas, consubstanciada no Velho Testamento, com a resposta celestial, sublime e pura, no Evangelho de Nosso Senhor.

            O Dr. Fidélis, do alto de sua cultura e orgulho desmedido, sorriu ironicamente, enquanto o Sr. Bentes prosseguiu com seus argumentos, dizendo por fim:

            — [...] não poderemos ajuizar, com precisão, as correntes generosas de um rio caudaloso, observando tão somente as gotas recolhidas no dedal das nossas limitações.

            O pesquisador, seguro de seus conhecimentos teóricos com explicação para tudo, não perdeu tempo em rebater seu contraditor:

            — Você fala como homem de fé, esquecendo que meu esforço se dirige à razão e à ciência. Quero referir-me às ilações inevitáveis da consulta livre, às farsas mediúnicas de todos os tempos. Você está informado de que cientistas inúmeros examinaram as fraudes dos mais célebres aparelhos do mediunismo na Europa e na América. Ora, que esperar de uma doutrina confiada a mistificadores continentais?

            O Sr. Bentes ouviu o amigo e, tranquilo, após lhe dizer que não podemos colocar em todos os médiuns a culpa pela irresponsabilidade de alguns, ponderou:

            — Os médiuns são simples colaboradores do trabalho de espiritualização. Cada um responderá pelo que fez das possibilidades recebidas, como também nós seremos compelidos a contas necessárias, algum dia. Não poderíamos cometer o absurdo de atribuir a concentração de todas as verdades divinas somente na cabeça de alguns homens, candidatos a novos cultos de adoração.

            A essa ponderação retrucou o Dr. Fidélis, como ainda hoje ocorre com aqueles que se fiam exclusivamente nas cabeças férteis dos teóricos terrenos, influenciados pelos inimigos da verdade e do bem:

            — Vamos ver, vamos ver... Espero a mensagem dos meus com os sinais iniludíveis da sobrevivência, após a morte...

            Ouvindo isso, o Espírito Aniceto falou:

            — Repararam como este homem traz a mente enfermiça? É um dos curiosos doentes, encarnados. Tem vasta cultura e, todavia, como traz o sentimento envenenado, tudo quanto lhe cai nos raciocínios participa da geral intoxicação. É pesquisador de superfície, como ocorre a muita gente. Tudo espera dos outros, examina seu semelhante, mas não ausculta a si mesmo. Quer a realização divina sem o esforço humano; reclama a graça, formulando a exigência; quer o trigo da verdade, sem participar da semeadura; espera a tranquilidade pela fé, sem dar-se ao trabalho das obras; estima a ciência, sem consultar a consciência; prefere a facilidade, sem filiar-se à responsabilidade, e, vivendo no torvelinho de continuadas libações, agarrado aos interesses inferiores e à satisfação dos sentidos físicos, em caráter absoluto, está aguardando mensagens espirituais...

            A conclusão de Aniceto é a de que o Dr. Fidélis é um dos doentes da alma enlaçados nos abusos das paixões e distantes do esforço em superar as atrações da matéria. Grande quantidade de pessoas jaz sob forte influência dos Espíritos provenientes das trevas, como lemos em diversas obras espíritas. Essas são criaturas que estão tendo suas últimas oportunidades de permanência na Terra, após todas as tempestades físicas e morais a que se submete nosso mundo desde a atualidade.

            Quem faz das teorias materialistas estilo de vida ainda está no estágio evolutivo dos que ainda não conhecem as verdades eternas do Cristo, que o Espiritismo, Consolador prometido por Ele, veio confirmar.[2] Oremos por eles e pelos que os seguem. "São cegos conduzindo cegos", e quem os acompanha cairá com eles "num buraco", como nos disse Jesus.[3]



[1] LUIZ, André (Espírito). Os Mensageiros, psicografia de Chico Xavier. Brasília: FEB, cap. 45. 

[2] João, 14:16, 15:26 e 16:7-13.

[3] Mateus, 15:14. 

sábado, 6 de fevereiro de 2021


 


13.5.6 Cárita

Lyon, 1861

 

Há diversas maneiras de fazer a caridade, que muitos de vocês confundem com a esmola. Existe, entretanto, grande diferença entre elas. A esmola, meus amigos, algumas vezes é útil, porque alivia os pobres; mas é quase sempre humilhante, tanto para o que a dá, quanto para o que a recebe. A caridade, pelo contrário, liga o benfeitor ao beneficiado e, além disso, se disfarça de muitas maneiras! Pode-se ser caridoso mesmo entre parentes e amigos, sendo indulgentes uns para com os outros, perdoando-se mutuamente as fraquezas, cuidando de não ferir o amor-próprio de ninguém. Para vocês, espíritas, na sua maneira de agir em relação aos que não pensam como vocês, induzindo os menos esclarecidos a crer, sem os chocar, sem afrontar suas convicções, mas levando-os amigavelmente às nossas reuniões, onde eles poderão ouvir-nos, e onde saberemos encontrar a brecha que nos permitirá penetrar nos seus corações. Eis uma das formas da caridade.

Escutem agora o que é a caridade para com os pobres, esses deserdados do mundo, mas recompensados por Deus, se sabem aceitar as suas misérias sem murmurar, o que depende de vocês. Vou-me fazer compreender por um exemplo.

Vejo muitas vezes na semana uma reunião de damas de todas as idades. Para nós, como vocês sabem, são todas irmãs. Que fazem elas? Trabalham rápido, rápido. Os dedos são ágeis. Vejam também como os rostos estão radiantes e como seus corações batem em uníssono! Mas qual o seu objetivo? É que elas veem aproximar-se o inverno, que será rude para as famílias pobres. As formigas não puderam acumular durante o verão os grãos necessários à provisão, e a maior parte de seus recursos está utilizada. As pobres mães se inquietam e choram, pensando nos filhinhos que, neste inverno, sofrerão frio e fome! Mas paciência, pobres mulheres!

Deus inspirou a outras, mais afortunadas que vocês. Elas se reuniram e confeccionam roupinhas. Depois, num destes dias, quando a neve tiver coberto a terra, e vocês murmurarem, dizendo: "Deus não é justo!", pois é esta a expressão comum dos seus períodos de sofrimento, verão surgir um dos filhos dessas boas trabalhadoras que se constituíram em operárias dos pobres. Sim, é para vocês que elas trabalham, e seus lamentos se transformarão em bênçãos, porque, no coração dos infelizes, o amor segue de bem perto o ódio.

Como todas essas trabalhadoras necessitam de encorajamento, vejo as comunicações dos bons Espíritos lhe chegarem de todas as partes. Os homens que fazem parte dessa sociedade oferecem também seu concurso, fazendo uma dessas leituras que tanto agradam. E nós, para recompensar o zelo de todos e de cada um em particular, prometemos a essas obreiras laboriosas boa clientela, que lhes pagará à vista, em bênçãos, única moeda que circula no céu, assegurando-lhes, ainda, sem medo de errar, que essa moeda não lhes faltará.

Tradução livre da terceira edição francesa pelo professor doutor Jorge Leite de Oliveira

 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

 

  • EM DIA COM O MACHADO 456:
  • preservação textual e mudança diacrônica da língua (Jó)

 

            Começo esta crônica repetindo as palavras de Francisco Cândido Xavier, orientado por seu guia espiritual, Emmanuel, a Wantuil de Freitas, e reproduzidas por Suely Caldas Schubert no seu livro: Testemunhos de Chico Xavier, publicado pela FEB. O longo título do capítulo começa por: Cuidado com o livro mediúnico...

A forma de apresentação do trabalho espiritual no mundo receberá, assim, obrigatoriamente, o concurso dos companheiros de boa vontade, porque a entidade comunicante não poderá, pela diferença de plano, acompanhar o esforço dos filólogos e dos tipógrafos. Não pode haver uma edição sem aprimoramento e sem corrigenda, porque existirá sempre uma falha, na forma, aqui e ali, exigindo retificação. [...] Naturalmente, devemos exercer a nossa faculdade de colaborar, sem abuso, mas cientes de que é um dever zelar pela melhor apresentação dos frutos espirituais (SCHUBERT, 2010, op. cit., p. 150).

            Há algum tempo, ouvi de um irmão espírita sua opinião de que o que importa, nas mensagens espíritas, é o conteúdo, não a forma. Será? Não há dúvida de que o conteúdo é de fundamental importância em qualquer obra, mas, mal comparando, imaginemos uma pedra preciosa riscada e coberta de lama malcheirosa. Teríamos coragem de ostentá-la em público? Quem a visse toda alterada e sem brilho a reconheceria? E se não disséssemos que por trás da sujeira e maus tratos havia uma joia preciosa, quem a olhasse assim não poderia julgar que era falsa?

            Um dos grandes problemas do texto mal-escrito é a ambiguidade. Cito o exemplo da frase, cujo autor ignoro, com mudança completa de sentido ocasionada pela posição da vírgula em duas versões: 1.ª) "Se o homem soubesse o valor que tem a mulher, viveria a seus pés". Com a vírgula após a palavra mulher, esta é valorizada, e o homem é-lhe submisso; 2.ª) "Se o homem soubesse o valor que tem, a mulher viveria a seus pés". Mudada a posição da vírgula, o homem é valorizado, e a mulher é menosprezada. Então, não podemos desconsiderar a importância da revisão atenta às normas gramaticais.

            Outro grande óbice está na revisão do texto com base em corretor automático que substitui vocábulos por outros aparentemente sinônimos, mas que podem alterar o sentido da frase original. Daí surgir a necessidade de cuidados redobrados dos revisores espíritas, ainda que considerem a palavra substituta, mas de sentido semelhante, melhor. Não lhes cabe fazer tais apreciações subjetivas de algo que não é de sua autoria, salvo com respaldo do médium encarnado e do Espírito comunicante. A mesma situação se aplica a obras de autores encarnados. Alterada a forma dum termo, subjetivamente, seu significado pode também mudar.

            Em poesia, então, seja ela em prosa ou em versos, isso é ainda mais grave, pois o significante (a palavra) pode ter vários significados, que dependem do contexto em que estão inseridos. E a poesia atua com várias possibilidades de interpretação do significante.

            Vejamos os significados possíveis de frase poética citada em verso de Fernando Pessoa repetido pela senadora Simone Tebet em seu discurso de candidatura à presidência do Senado: "Navegar é preciso, viver não é preciso". Em dado momento, a candidata diz que "viver apenas não é suficiente". Entretanto, seria isso o que o poeta quis dizer? Se analisarmos a palavra "preciso" não no sentido de necessário, mas no sentido de exatidão, certeza, precisão seu sentido não muda completamente? Como diz um ditado popular: "a vida dá voltas", portanto, está sempre mudando o rumo. Principalmente na política...

            Daí o cuidado que devemos ter com as palavras, principalmente quando são pronunciadas ou recebidas mediunicamente por outrem. Atualizar ortograficamente, sim. Corrigir o que indubitavelmente está equivocado é dever de todo bom revisor. Alterar palavras e frases de acordo com nosso gosto pessoal, jamais.

            No caso de citação, se algo nos parecer equivocado, devemos acrescentar ao lado da palavra ou frase do autor, esteja este encarnado ou não, a palavra latina, entre parênteses, (sic), que significa "assim", ou seja, "é bem assim, por errado ou estranho que pareça", de acordo com o Dicionário Aurélio...  Em face do exposto, entendo que, se são válidas as alterações permitidas pelo autor encarnado, o mesmo não se aplica às suas obras, sejam mediúnicas ou não, após sua desencarnação, salvo atualizações legais.

            Daí a razão pela qual, se é imprescindível atualizar diacronicamente, ou seja, em sua modificação temporal, a ortografia de uma obra mediúnica, o mesmo não nos é lícito fazer em relação ao vocabulário e estrutura da obra, haja vista que forma e conteúdo são aspectos fundamentais na preservação das ideias de um autor. Conscientizemo-nos, pois, de que nós passamos, mas a obra, mediúnica ou não, de autor desencarnado, salvo deslizes gramaticais e atualizações ortográficas inquestionáveis, deve ficar inalterada na forma e no conteúdo já por ele aprovados.

 

  Dia do Índio?  (Irmão Jó) Quando Cabral chegou neste país, quem dominava a terra eram tupis; Mas não havia autoridade aqui, predominava a ...