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quarta-feira, 29 de junho de 2022

 


CANÇÃO DA FÉ
 
Se a tua fé não vê ou ainda não viu
A presença da lágrima ou do espinho
Para vencer nos lances do caminho,
Os perigos da marcha e as surpresas da treva...
 
Se a tua fé não ouve ou ainda não ouviu,
Entre as flores que leva
Desde o berço da crença até agora,
O insulto em que a maldade se avigora,
A fim de que lhe dês,
Outra vez e outra vez,
O apoio da paciência e a lição da bondade...
 
Se a tua fé não encontrou ainda
Algo que a desagrade,
Na tarefa bem-vinda
Que te impele a servir ao amor e à verdade...
 
Se a tua fé não teve ou ainda não tem
Ofensas a perdoar e injúrias a esquecer,
No sublime dever
De amparar, socorrer ou levantar alguém...
 
Se enfim, a tua fé não conheceu
Angústia ou desabrigo,
Se ela não sofre ou ainda não sofreu
Golpes do orgulho vão,
Escárnio, desafio, tentação,
Para que aprendas, coração amigo,
Resistência e humildade,
A tua fé, portanto,
Não passa, por enquanto,
De um sonho que não veio à realidade!...
 
Porque a fé verdadeira
Que redime e renova a Humanidade,
E vale, em tudo para a vida inteira,
A fé que tanto ama e anda de rastros
Quanto vibra e se eleva para os astros,
Fé valente e profunda,
Que inspira, exemplifica, ergue e fecunda,
Será sempre obtida na batalha,
Na Terra ou Mais Além,
No coração que luta ou se estraçalha
Para a glória do Bem.

terça-feira, 28 de junho de 2022

 


EM DIA COM O MACHADO 529:
a ruína moral do açodar materialista no mundo atual e seu antídoto (Jó)
 
Na Revista Espírita de 1866, número de outubro, somos informados por Allan Kardec sobre a chegada dos tempos. De lá para cá, 156 anos passaram-se, mas o que é isso em relação à eternidade? Para nós, muito tempo; para Deus, um breve instante. Ali, entretanto, o Codificador do Espiritismo já previa que “grandes momentos iriam chegar”, visando à “regeneração da humanidade”.
Não duvide, leitor amigo, caminhamos para o “progresso moral”, embora todos os movimentos contrários dos espíritos rebeldes, que insistem em criar teorias esdrúxulas voltadas ao imediatismo da vida corpórea. Ainda persiste uma maioria de almas na infância espiritual, mas são as próprias leis divinas, eternas e imutáveis, que as corrigirão, pois como é comum dizer-se: “Quem não vai pelo amor, vai pela dor”.
Ao final de seu longo texto, Kardec diz: “O número dos retardatários sem dúvida ainda é grande, mas que podem contra a onda que sobe, senão lançar-lhe algumas pedras?”
Allan Kardec publica, também, na Revista Espírita de agosto de 1868, um excelente texto, que se aplica aos nossos dias, do Sr. Jules Favre, intitulado: O materialismo e o direito, que recomendo ao leitor conferir no periódico citado. Destaco uma de suas frases finais: “Nada dizemos demais ao afirmarmos que o materialismo é destrutivo [...] de toda moral [...]; de todo estado civil, de toda a Sociedade. É preciso recuar com ele além das regiões da barbárie, além da selvageria”. Ao final desse excelente texto, o articulista alerta sobre a tremenda responsabilidade de professor que prega o materialismo, partindo do princípio de inexistência do espírito, por não se poder vê-lo em laboratório. Se não há desconhecimento, há hipocrisia quando se nega o que é conhecido desde quando o ser humano começou a pensar: nossa realidade espiritual, que transcende a matéria.
No mundo atual, temos constatado tristes mudanças de comportamento no ser humano, a nosso ver, mais do que noutros tempos. Quase todas as semanas, somos alertados sobre cuidados que devemos ter para não sermos vítimas de golpes pela internet, telefone, correios etc. Os planos de saúde passaram a exigir comprovação médica por meio de relatório do facultativo que comprove a suspeita de uma doença, o que não havia antes. Bancos, órgãos governamentais e instituições financeiras alertam-nos sobre falsas mensagens, que podem causar prejuízos financeiros aos cidadãos. Ligações telefônicas que imitam vozes de familiares supostamente sequestrados e com ameaças de crimes também são comuns. WhatsApp com fotos de familiar informando ter mudado o número de seu celular e pedindo favores... Concursos, antes confiáveis, são comumente fraudados, tanto na área particular quanto na pública... Isso, além de  graves crimes, é  resultado do materialismo reinante.
Tal não ocorreria assim, entretanto, se não fosse o avanço tecnológico e científico, que tanto podem ser utilizados para o bem quanto para o mal. Se, por um lado, os espíritos perversos, encarnados ou desencarnados, aproveitam-se desses avanços, por outro, a tecnologia e os espíritos bons nos orientam sobre as medidas preventivas que estão ao nosso alcance para evitar os crimes. Um exemplo disso são as câmeras filmadoras que, ao serem instaladas em pontos estratégicos, auxiliam os bons policiais a identificarem e prenderem os criminosos.
Concluo estas reflexões com nosso comentário que se segue à frase de Kardec n’A Gênese, cap. 18, item 34, plenamente apropriada aos nossos dias: 
Opera-se presentemente um desses movimentos gerais, destinados a realizar a remodelação da humanidade. A multiplicidade das causas de destruição constitui sinal característico dos tempos, visto que elas apressarão a eclosão dos novos germens. São as folhas que caem no outono e às quais sucedem outras folhas cheias de vida, porquanto a humanidade tem suas estações, como os indivíduos têm suas várias idades. As folhas mortas da humanidade caem batidas pelas rajadas e pelos golpes de vento, porém, para renascerem mais vivazes sob o mesmo sopro de vida, que não se extingue, mas se purifica. 
São os primeiros passos da lei de progresso dos “tempos chegados”. Os espíritos cuja evolução intelectual não acompanha o avanço moral sofrerão as consequências de suas atitudes contrárias ao bem, trabalhados pela dor intensa do remorso e consequências negativas do egoísmo para si mesmos. É o que Paulo escreveu aos Gálatas, 6:7,8: “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará”. Princípio que, inicialmente, aplica-se às consequências provenientes de nossos maus atos. Mas a segunda parte da frase paulina também se aplica aos bons atos.
Em consequência do trabalho da dor nos que não querem seguir a lei do amor, as flores do mal murcharão, mas as do bem florescerão e darão bons frutos.  

segunda-feira, 27 de junho de 2022

 


Cantiga da reencarnação
 
Um homem agonizava, mas embora
Não pudesse expressar palavra alguma,
Na sombra interior que o desarvora,
Pede em silencio ao corpo:
— “Ampara-me, por Deus!
Eu não quero morrer, ajuda, corpo amigo,
Não te quero deixar, preciso estar contigo,
Sem ti temo cair em abismos fatais...”
 
Era o apelo de instantes derradeiros
Naquele portador de moléstia obscura,
Que ainda não chegara aos cinquenta janeiros
E que tudo indicava
Estar descendo à morte prematura.
 
De consciência lúcida, lembrava
Em contrição sincera,
As forças que gastara, inutilmente,
As noites dos excessos de aguardente
E os abusos sem conta que fizera...
 
E, ante a morte a surgir, sempre mais perto,
Continua a rogar ao corpo enfraquecido:
— “Corpo que Deus me deu, não me deixes caído,
quero mais tempo, a fim de preparar-me
para aceitar sem medo e sem alarme,
a ideia de perder-te e entrar em rumo incerto”.
 
Entretanto,
De espírito cansado,
A desfazer-se em pranto,
Nas vascas da agonia,
Ouviu a voz do corpo fatigado,
Que, por fim, lhe dizia:
"Escuta, meu amigo,
eu sou teu servo e sei que és meu senhor,
sempre te obedeci com desvelado amor,
Deus me criou para a missão
De atender-te em completa servidão.
Nunca me viste a desobedecer
As ordens que me destes
Fossem justas ou não,
Porquanto o meu dever
É o de servir-te sem reclamação.
Mas indago de ti quantas vez me impuseste
Noitadas de prazer, ruinosas ou vazias,
Depredando-me as próprias energias
Que Deus me concedeu, em teu favor...
Embora eu te avisasse
Com a minha própria dor
Que o remorso produz tristeza e enfermidade,
Adquiriste, displicente,
Cargas de sombra sobre a própria mente,
Culpas e culpas sem necessidade...
 
Repito: sou teu servo e em nada te condeno,
Mas, demonstrando entendimento estreito,
Gastaste-me as reservas sem proveito,
Consumindo-me as forças,
A pedaços de abuso e a doses de veneno...
Dei-te tudo o que eu tinha,
Nada me resta agora,
Senão me recolher à derradeira hora,
Em que eu deva tornar, com segura presteza,
À recomposição da natureza!...”
 
O homem ouviu o corpo em despedida
Mas não tinha defesa
Contra os próprios desmandos, ante a vida...
No silencio de mágoa indefinida,
Voltou-se para Deus em oração,
Pediu misericórdia, amparo e proteção,
E, ante o corpo que se lhe enrijecia,
Chorou o companheiro que perdia...
 
Longo tempo passou, em clima de amargura,
No entanto, ao se afundar em crises de loucura,
Fez-se-lhe a prece continuada,
Nos sofrimentos em que avança
Um clarão de esperança...
 
Tinha nódoas de culpa, em lágrimas sofria,
Mas, o Céu lhe apontava a luz de novo dia...
No íntimo, o Senhor o exortava somente
A regressar ao mundo e tentar novamente
Extinguir em si mesmo os males que trazia...
 
O espírito em falência, exânime, inseguro
Pensou nas novas bênçãos do futuro,
Viu a reparação por justiça e dever,
E agradecendo aos Céus
Gritou feliz, livre mas preso ao chão:
— “Glória a Deus pela bênção de sofrer,
Glória à reencarnação que obterei um dia,
A fim de achar na dor a essência da alegria,
O Dom de trabalhar e a graça de nascer!”
 
MARIA DOLORES (Espírito). Coração e Vida. Psicografado por F. C. Xavier. SP: IDEAL, 1978, cap. 18.

domingo, 26 de junho de 2022


 


22.2 O divórcio

 

O divórcio é uma lei humana que tem por fim separar legalmente o que já está separado de fato. Não é contrário à lei de Deus, pois só reforma o que os homens fizeram, e só tem aplicação nos casos em que não se levou em conta a lei divina. Se fosse contrário a essa lei, a própria Igreja seria forçada a considerar como prevaricadores aqueles dos seus chefes que, por sua própria autoridade, e em nome da religião, impuseram o divórcio, em mais de uma circunstância. Dupla prevaricação seria, porque praticada com vistas unicamente aos interesses temporais, e não para atender à lei do amor.

Mas nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento. Não disse ele: "Foi devido à dureza dos seus corações, que Moisés permitiu-lhes repudiar suas mulheres?" Isto significa que, desde os tempos de Moisés, não sendo a mútua afeição a finalidade única do casamento, a separação podia tornar-se necessária. Entretanto acrescenta: "No princípio não foi assim.", ou seja, na origem da humanidade, quando os homens ainda não estavam pervertidos pelo egoísmo e pelo orgulho, e viviam segundo a lei de Deus, as uniões, fundadas na simpatia e não sobre a vaidade ou a ambição, não davam motivo ao repúdio.

E vai ainda mais longe: especifica o caso em que o repúdio pode acontecer, que é o de adultério. Ora, o adultério não existe onde reina uma afeição recíproca. É verdade que proíbe ao homem desposar a mulher repudiada, mas é necessário considerar os costumes e o caráter dos homens do seu tempo. A lei mosaica prescrevia, nesse caso, a lapidação. Querendo abolir um costume bárbaro, precisou duma penalidade que o substituísse, e a encontrou na desonra decorrente da proibição de segundo casamento. Era, de certo modo, uma lei civil substituída por outra lei civil, mas que, como todas as leis dessa natureza, devia passar pela prova do tempo.


sábado, 25 de junho de 2022


 
CAMINHO DE ELEVAÇÃO
 
Se aspiras a servir, alma querida,
Não deixes de aprender, ante as lições da vida.
 
Lenha para expulsar o frio que há lá fora,
Converte-se na chama que a devora.
 
Ouro para vencer em prestígio e valor,
Sofre a depuração, sublimado em calor.
 
Para chegar de longe, e atender-nos, de todo,
Muita fonte atravessa imensidões de lodo.
 
Tronco para formar refúgio organizado,
Padece a intromissão da serra e do machado.
 
Se procuras também, a bênção de elevar-te,
Esquece-te amparando o mundo em qualquer parte.
 
Quem procure por Deus aceite por dever
Trabalhar e servir, suportar e esquecer.
 
MARIA DOLORES (Espírito). Coração e Vida. Psicog. Chico Xavier. São Paulo, SP: IDEAL, 1978.


quarta-feira, 22 de junho de 2022

 


CONVITE DE NATAL
 
Enquanto a glória do Natal se expande
Aqui, ali, além
Toda a Terra se veste de esperança
Para a festa do bem!
 
Natal!... Refaz-se a vida, alguém ressurge,
Nos clarões com que o Céu te anuncia....
É Jesus a pedir-te que repartas
Do teu pão de alegria.
 
Para louvar-lhe os dons da Presença Divina,
Não digas, alma irmã, que nada tens;
A riqueza do amor, no coração fraterno,
É o maior de teus bens...
 
Quando o dia se esvai e a noite desce,
Ao comando da sombra que a domina,
Para varrer a escuridão da estrada
Basta a luz de uma vela pequenina.
 
O deserto se esfalfa em longa sede,
Na solidão em que se configura...
Se chega simples fonte,
Ei-lo mudado em flórida espessura!...
 
Ninguém sabe tão bem, senão aquele
Que a penúria desgasta ou desconforta,
O valor de uma veste contra o frio,
O tesouro de um prato dado à porta.
 
A migalha de força é a base do Universo,
Desde a furna terrestre à estrela mais remota!...
Todo livro se escreve, letra a letra,
Compõe-se a melodia, nota em nota...
 
Alma irmã, no serviço da bondade
Jamais te afirmes desfavorecida...
Pobres sementes formam ricas messes!
Assim também na vida...
 
O cobertor, o pão, a prece, o abraço,
Uma frase de paz e compreensão
Podem criar prodígios de trabalho,
De reconforto e de ressurreição!...
 
Natal!... dá de ti mesmo o quanto possas,
No amparo à retaguarda padecente;
Toda bênção de auxílio é socorro celeste,
Que Deus amplia indefinidamente.
 
Natal!... recorda o Mestre da Bondade!...
Ele, o Cristo e Senhor,
Acendeu sobre a Terra o sol do Novo Reino
Com migalhas de amor!...
 
DOLORES, Maria (Espírito). Antologia da espiritualidade. Psicografado por: Francisco Cândido Xavier. 6. ed. 2. imp. Brasília: FEB, 2014.

terça-feira, 21 de junho de 2022

 


22 NÃO SEPARAR O QUE DEUS JUNTOU
 
Indissolubilidade do casamento - O divórcio.
 
22.1 Indissolubilidade do casamento
 
E chegaram-se a ele os fariseus, para o tentarem e lhe disseram: Será permitido a um homem repudiar a sua mulher, seja qual for a causa? Ele respondeu-lhes: “Vocês não têm lido que quem criou o homem, desde o princípio os fez macho e fêmea e que ele disse: Por isso, deixará o homem pai e mãe, e ajuntar-se-á com sua mulher, e serão dois uma só carne? Assim, eles não serão mais dois, mas uma só carne. Que o homem não separe o que Deus juntou.
 E eles retrucaram-lhe: Por que, então, mandou Moisés dar o homem à sua mulher carta de desquite, e repudiá-la? E ele respondeu-lhes: “Foi por causa dureza de seus corações que Moisés permitiu repudiar suas mulheres, mas no princípio não foi assim”. Eu, porém, declaro-lhes que todo aquele que repudiar sua mulher, se não for por causa de adultério, e desposar  outra, comete adultério, e o que desposar a que o outro repudiou comete adultério (Mateus, 19:3-9).
 
Somente o que vem de Deus é imutável no mundo. Tudo aquilo que é obra dos homens está sujeito a mudanças. As leis da Natureza são as mesmas em todos os tempos e em todos os países; as leis humanas mudam segundo os tempos, os lugares, e  o progresso intelectual. No casamento, o que é de origem divina é a união conjugal, para que se opere a renovação dos seres que morrem. Mas as condições que regulam essa união são de tal modo, que não há em todo o mundo, e mesmo na cristandade, dois países em que elas sejam absolutamente iguais, e não há mesmo um só país em que elas não tenham mudado com o passar dos tempos. Resulta desse fato que, perante a lei civil, o que é legítimo num país, e em certa época, é adultério noutro país e noutro tempo. É isso porque a lei civil tem por fim regular os interesses familiares, e esses interesses variam segundo os costumes e necessidades locais. É assim, por exemplo, que em certos países o casamento religioso é o único legítimo, noutros, é necessário, além do civil, o religioso e, por fim, noutros  basta o casamento civil.
Entretanto, na união conjugal, ao lado da lei divina material, comum a todos os seres vivos, existe outra lei divina, imutável como todas as leis de Deus, e exclusivamente moral, que é a lei do amor. Deus quis que os seres se unissem, não somente pelos laços carnais, mas também pelos da alma, a fim de que a afeição mútua dos esposos se estendesse aos filhos, e  que fossem dois, e não um somente a amá-los, cuidá-los e fazê-los progredir. Nas condições ordinárias do casamento, leva-se em conta a lei do amor? De modo algum! Não se leva em conta a afeição de dois seres, que se atraem reciprocamente, pois na maioria das vezes, essa afeição é rompida. O que se procura não é mais a satisfação do coração, mas do orgulho, da vaidade, da cupidez, numa palavra: todos os interesses materiais. Quando tudo vai bem, segundo esses interesses, diz-se que o casamento é conveniente, e quando as bolsas estão bem abastecidas, diz-se que os esposos estão igualmente harmonizados e devem ser muito felizes.
Mas nem a lei civil, nem os compromissos que ela determina podem suprir a lei do amor, se esta não presidir à união. Resulta disso, frequentemente, que aquilo que se uniu pela força, se separa por si mesmo, e que o juramento pronunciado ao pé do altar torna-se um perjúrio, se foi dito como simples fórmula. Daí surgirem as uniões infelizes, que se tornam no futuro criminosas. Dupla desgraça, que se evitaria se, nas condições do matrimônio, não se esquecesse da única condição que o sanciona aos olhos de Deus: a lei do amor. Quando Deus disse: "Serão dois numa só carne", e quando Jesus falou: "Não separe o homem o que Deus uniu", isso deve ser entendido segundo a lei imutável de Deus, e não segundo a lei mutável dos homens.
A lei civil seria então supérflua, e deveríamos retornar ao casamentos segundo a Natureza? Não, certamente. A lei civil tem por fim regular as relações sociais e os interesses familiares segundo as exigências da civilização; eis porque ela é útil, necessária, mas variável. Ela deve ser previdente, porque o homem civilizado não pode viver como o selvagem. Mas nada, absolutamente, impede que ela seja um corolário da lei de Deus. Os obstáculos ao cumprimento da lei divina decorrem dos preconceitos e não da lei civil. Esses preconceitos, embora ainda vivazes, já perderam o domínio sobre os povos esclarecidos e desaparecerão com o progresso moral, que abrirá finalmente os olhos dos homens para os males incontáveis, as faltas, e até mesmo os crimes que resultam das uniões contraídas com visitas apenas aos interesses materiais. E se perguntará um dia se é mais humano, mais caridoso, mais moral, ligar um ao outro dois seres que não podem viver juntos ou restituir-lhes a liberdade; se a perspectiva de uma cadeia indissolúvel não aumenta o número das uniões irregulares.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

 


CORO DE PRECES
 
A pobre homem que desanimara
E se pusera, à beira do caminho,
Contando pedra, nuvem, charco, espinho,
Enrodilhado a pensamento vão,
O Céu determinou que ouvisse a Natureza,
E ele escutou, de alma surpreendida,
Vozes a sussurrar, entre as forças da vida,
Elevando-se a Deus em forma de oração.
 
Dizia a Luz, do Cimo Resplendente:
— Pai da Eterna Bondade,
Sinto a luta abismal das vastidões soturnas,
Trago em mim o clamor dos que gemem nas furnas...
Do sereno esplendor da altura a que me levas,
Envia-me, Senhor, a dissipar as trevas!...
 
O Vento anunciou, traspassando a ramagem:
— Deus da Piedade Imensa,
Vejo, ao longe, a aflição de enorme caravana,
Encharcada de pó na canícula insana...
Envia-me, Senhor, a envolvê-la, de perto,
Desejo amenizar o calor do deserto.


A Fonte murmurou, no ápice de um monte:
— Pai de Infinito Amor,
Dói-me fitar no solo aspereza e secura
Comunicando fogo à lavoura insegura...
Envia-me, Senhor, dos cárceres da serra,
Para descer ao vale e defender a terra...
 
A Pedra suplicou, de elevada montanha:
— Pai de Misericórdia,
Observo, da rocha a que me agarro,
Homens construindo, em vão, sobre leitos de barro...
Comove-me anotar tanto esforço infecundo,
Envia-me, Senhor, a cooperar no mundo!...
 
A Árvore pedia
Para seguir além, nos próprios frutos,
De maneira a servir, dia por dia,
Tanto à fome dos bons, quanto à gana dos brutos...
 
Sentindo em si que toda a Natureza
Era um hino ao trabalho,
Entretecendo paz, alegria e agasalho,
A consumir-se em preces de louvor,
O pobre homem que desanimara
Sentiu sede de agir e transformar-se
Em centelha de amor...
Então, voltou à fé, alçando a fronte,
E, contemplando os Céus, de horizonte a horizonte,
Gritou forte e feliz: Envia-me, Senhor!...
 
MARIA DOLORES (Espírito). Maria Dolores. Psicografado por Chico Xavier. São Paulo: IDEAL.

 


domingo, 19 de junho de 2022

 


EM DIA COM O MACHADO 528

A REENCARNAÇÃO DE PEDRO NA ITÁLIA E SUA MISSÃO NO BRASIL (Jó)

 

            Amigo leitor, hoje tratarei de um assunto controverso, no meio espírita, como já ocorreu com outro tema, cuja polêmica não desejo reacender... Trata-se da reencarnação de Pedro na Úmbria, cidade da Itália, em 18 de agosto de 1886.

            Aos 25 anos, Pedro herda imensa fortuna dos pais. Aos 45, cede toda essa riqueza aos parentes mais próximos. Desejava seguir as palavras do Cristo com rigor: “Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam, nem roubam” (Mateus, 6:19- 21). Pedro opta, então, por viver do próprio trabalho, doando aos pobres tudo o que julgasse supérfluo.

            Diz Clóvis Tavares, um dos seus biógrafos, na obra Grandes Mensagens, capítulo 6, que o “Missionário da Era do Espírito” passa a vivenciar, por meio de sua palavra e exemplo, o alicerce do “Evangelho do Cristo”. Emprega, para isso, todas os esforços de sua alma e de sua inteligência.

            Na madrugada seguinte à doação dos bens herdados, Pedro caminhava sozinho pela estrada de Colle Umberto, quando, perplexo e mudo, contemplou ao seu lado Jesus e Francisco de Assis, que o acompanharam durante quase vinte minutos. Era a demonstração de aprovação crística, junto com o Esposo da Pobreza, ao  ato de Pedro.

            Isso aconteceu em 1931, quando Pietro, em português, Pedro, aos 45 anos, publica a obra Grandes mensagens, que antecederia outra, das 24 que escreveu: A grande síntese, intuído por Sua Voz, que Ernesto Bozzano acreditou ser o próprio Cristo.

            A partir do livro Profecias, todos os demais volumes da obra ubaldiana são editados no Brasil, onde passou a morar. Neste livro, o médium intuitivo italiano prevê sua desencarnação em 1971, o que de fato ocorreu. Ele veio para cá em 1951 e, durante vinte anos, até o fim de sua existência, trabalhou e terminou de escrever, na Pátria do Evangelho, sua obra ainda tão pouco conhecida dos espíritas. Alguns destes, sem terem lido um só dos livros de Ubaldi, rejeitam sua obra missionária.

Em Grandes Mensagens, cap. 15, ele anuncia o advento da Civilização do Terceiro Milênio e complementa: “Não nos importem as tempestades que deverão preparar-lhe o aparecimento [...] a humanidade deve ressurgir no espírito, no terceiro milênio”.

            O que me levou a dizer que Pietro Ubaldi poderia ter sido a reencarnação de Pedro? Nada mais, nada menos do que a mensagem psicografada por Chico Xavier, no dia 17 de agosto de 1951, em Pedro Leopoldo, quando ambos os médiuns se encontraram pela primeira vez, e Chico Xavier fez essa revelação. Mas ninguém é obrigado a crer nisso, nem em crer que o Cristo se comunicava com Pietro Ubaldi, embora o modo dessa comunicação seja, como este mesmo afirmou, intuitivo. Além disso, Francisco de Assis, que se acredita ser a reencarnação de João, poderia ser o intermediário dessas mensagens, como também o Espírito de Verdade intermediava o pensamento de Jesus.

A mensagem psicografada por Chico, naquele dia, foi a de Francisco de Assis para Pietro Ubaldi. Outra mensagem foi recebida simultaneamente pelo próprio Ubaldi, assinada por Sua Voz que, como dissemos, Bozzano acreditava ser o próprio Cristo.

            No texto recebido por Ubaldi, Sua Voz confirma o que o Espírito Humberto de Campos afirmara, em 1938, pela psicografia de Chico Xavier: “O Brasil é verdadeiramente a terra escolhida para berço desta nova e grande ideia que redimirá o mundo” (in: Grandes Mensagens, 3ª parte, cap. 3).

            Termino com estas frases de Pietro, que não deixou de ser um apóstolo do Cristo, ainda que não seja o apóstolo do Novo Testamento: “Recomendei e recomendo sempre, principalmente àqueles que podem compreender-me melhor, que trabalhem com espírito de amor e não de polêmica, que se ocupem sempre de construir e jamais de demolir, respeitando as opiniões alheias, mesmo que representem ignorância. Em nossa bandeira está escrita a palavra: amor.” Em síntese, diz o grande médium intuitivo italiano: “O espírito de todas as religiões é: amor”.

Também Pedro dizia: “Mas, sobretudo, tende ardente amor uns para com os outros, porque o amor cobrirá a multidão de pecados” (I Pedro, 4:8). Desse modo, saber quem foi quem no passado não é tão importante, pois, como disse Allan Kardec, no capítulo 15 d’O Evangelho Segundo o Espiritismo: “Fora da caridade, não há salvação”.

sexta-feira, 17 de junho de 2022

 

COMEÇAR OUTRA VEZ
 
 
Alma querida, escuta!... Entre os lances do mundo,
Se escorregaste à beira do caminho
E caíste, talvez, em pleno desalinho,
Na sombra que te faz descrer ou desvairar,
Ante a dor de visita, a renovar-te anseios,
Não desprezes pensar!... Levanta-te e confia,
Porque a vida te pede, abrindo-te outro dia:
— Começar outra vez, trabalhar, trabalhar!...
 
Ergue-te regressando à estrada justa,
Contempla a terra amiga em derredor,
Vê-la-ás, pormenor em pormenor,
Por mãe que sofra e sangra, a recriar...
Medita na semente a sós, que o lavrador sepulta...
Quando alguém a supõe, humilhada e indefesa,
Ressurge em brilho verde, ouvindo a Natureza:
- Começar outra vez, trabalhar, trabalhar!...
 
Fita o perfurador rasgando as entranhas da gleba;
O homem que o maneja, a golpes persistentes,
Pesquisa, sem cessar, todos os continentes,
Do deserto escaldante aos recessos do mar...
E eis que a lama oleosa, esquecida há milênios,
Trazida à flor do chão, é ouro e combustível,
Que o progresso conclama em ordem de alto nível:
- Começar outra vez, trabalhar, trabalhar!...
 
Toda força lançada em desvalia
Quando erguida, de novo, em apoio de alguém,
Retoma posição no serviço do bem,
Utilidade viva a circular...
Olha a pedra moída, em função do cimento,
E o barro que assegura a gestação do trigo,
Falando a todos nós, em tom seguro e amigo:
- Começar outra vez, trabalhar, trabalhar!...
 
Assim também, alma fraterna e boa,
Se caíste em momentos infelizes,
Não te abatas, nem te marginalizes,
Levanta-te e retoma o teu próprio lugar!...
Aceita os grilhões das provas necessárias,
Esquece, age, abençoa, adianta-te e lida,
E escutarás a voz da Lei de Deus na vida:
- Começar outra vez, trabalhar, trabalhar!...
 
MARIA DOLORES (Espírito). In: Espíritos diversos. Vida em vida. (Psicografado por Francisco Cândido Xavier). Brasília: FEB, São Paulo: IDEAL, 2021. Cap. 02.

 


quinta-feira, 16 de junho de 2022


XVII SIMPÓSIO NACIONAL DA ABHR

II SIMPÓSIO NACIONAL DE ESTUDOS DA RELIGIÃO DA UEG

ÉTICAS E RELIGIÕES EM TEMPOS DE CRISE – Nov. 2021

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA DAS RELIGIÕES (ABRH)– UNIV. ESTADUAL DE GOIÁS

 

 

 

Universalidade e Imparcialidade na Filosofia Espiritualista de

Pietro Ubaldi

Alexsandro Melo Medeiros[1]

 

Introdução

 

Pietro Ubaldi foi um filósofo italiano, espiritualista e cristão. Embora tenha nascido na Itália, na cidade de Foligno, em 1886, viveu os últimos vinte anos de sua vida aqui no Brasil, onde faleceu em 1972, por isso, o conjunto de suas obras é dividida em duas partes: a obra italiana, que inclui as Grandes Mensagens e vai do seu primeiro livro A Grande Síntese até o livro Deus e Universo; e a obra brasileira, com os seus escritos posteriores até o último livro Cristo.

No conjunto de sua obra, o conceito de evolução desempenha um papel crucial e dele não poderemos prescindir na análise do tema em pauta. Inclusive este foi o tema de seu primeiro ensaio, publicado na revista Constancia, de Buenos Aires:

 

em 1927, sentado à beira-mar, na praia de Falconara, contemplando o Adriático, ele vislumbra, num lampejo, genial, a estrutura íntima do universo, anunciando o seu físico-dínamo-psiquismo. Segue-se o seu primeiro ensaio: “Evolução Espiritual” – cem páginas onde aparecem as primeiras tentativas sérias do grande voo (SILVA, 2015, p. 11).

 

O conceito de evolução, embora não seja o tema central deste artigo, nos ajudará a entender como a máxima do Evangelho do Cristo: ama ao teu próximo como a ti mesmo, expressa uma lei de um plano biológico mais evoluído, que não é aquele do plano biológico animal e, por isso, as condições de maturidade espiritual (resultado de todo um processo evolutivo), são determinantes para que um indivíduo possa manifestar esse amor dentro de uma visão mais ampla, coletiva e compreender que toda a humanidade faz parte de uma mesma família, ao invés de lutar contra o próximo e considerá-lo um seu inimigo.

Além do conceito de evolução, daremos ênfase aos princípios de universalidade e imparcialidade, ressaltados pelo pensador italiano e, por isso, o nosso objetivo com este artigo, que adota como metodologia a pesquisa bibliográfica, é abordar como tais princípios podem ajudar a promover a tolerância, o diálogo e a interação entre diferentes religiões.

Com base em tais princípios, veremos como a obra de Ubaldi nos indica um caminho a percorrer que seja um caminho de paz e fraternidade e não de ódio ou divisão, um caminho que ele próprio procurou percorrer, procurando sempre estar de acordo com a Lei de Deus:

 

Pietro Ubaldi foi um permanente observador do funcionamento da Lei de Deus em sua vida. Vivia segundo a vontade da Lei, como Cristo o fez: Não faço a minha vontade, mas Daquele que me enviou. O missionário de Cristo afirmou, muitas vezes de maneira diferente a mesma coisa: Vivo de acordo com a Lei; ela exerce uma tremenda força sobre mim; A Lei é a nossa vida. Conhecê-la e executá-la cada vez melhor, redunda em vivê-la mais intensamente (Amaral, 2020, p. 250-251).

 

Universalidade e Imparcialidade

 

No conjunto de sua obra, o filósofo adota como princípios o da universalidade e imparcialidade.

 

A tese que sustentei desde 1951, em minha primeira chegada ao Brasil, e que já havia sustentado na Europa, foi a de “imparcialidade e universalidade”. Permaneci a ela igualmente fiel, diante desta ou daquela religião. Mas, todas mostraram a mesma vontade de enclausurar-me e fechar-me em seu próprio grupo, impondo-me uma verdade já feita, que exclui qualquer pesquisa e condena toda tentativa de progresso e aperfeiçoamento (Ubaldi, 2001, p. 243).

 

A preocupação de Ubaldi com tais princípios se revela, por exemplo, quando o pensador italiano solicitou a alteração do nome da Associação Brasileira dos Amigos de Pietro Ubaldi (ABAPU), instituída em Campos, no Rio de Janeiro, em 1949. Pediu que “fosse substituída pela de ABUC (Associação Brasileira da Universalidade de Cristo), para que a ideia se antepusesse a qualquer personalismo. E este é já um princípio geral para ser vivido” (Ubaldi, 1987, p. 21).

Essa preocupação, de fazer com que sua obra não tomasse um caráter personalista, se expressa igualmente quando Ubaldi afirma que seu objetivo não é a busca de adeptos e seguidores, como o fazem as mais diferentes religiões. “Falo bem claro: não quero de maneira nenhuma chefiar coisa alguma na Terra; não quero conquistar poder algum neste mundo. Não há, assim, qualquer razão para rivalidades” (Ubaldi, 2001, p. 24).

Outro caso curioso, é relatado pelo filósofo na passagem seguinte:

 

Uma vez expliquei a alguém o meu ponto de vista da imparcialidade e universalidade. Sua face iluminou-se e, de súbito, respondeu: “compreendo, trata-se de um novo partido: o dos imparciais e universalistas”. Este fato mostrou-me como a forma mental comum não consegue conceber coisa alguma se não a vê bem fechada dentro dos limites do relativo, isto é, dum grupo particular bem separado dos outros e logicamente em luta entre si (Ubaldi, 2001, p. 23).

 

Como entender tais princípios? Ou seja, o que quer dizer o filósofo com universalidade e imparcialidade? Encontramos uma definição do próprio autor no Capítulo 2, do livro A Lei de Deus, que tem como título Separatismo Religioso, e que traz a seguinte epígrafe: Respeito por todas as crenças.

 

[...] imparcialidade quer dizer não-existência de partido, compreendendo-os a todos; significa não ficar fechado na forma mental de facção ou de grupo particular algum, sobretudo quando este grupo, seja ele qual for, se impõe combater outros grupos, julgando-os errados e maus e, porque sendo diferentes dele próprio, persegue-os com as suas condenações (Ubaldi, 2001, p. 20-21).

 

Sua filosofia se propõe, portanto, não fechar-se na forma mental de um grupo ou partido e, inclusive, ser considerado um movimento suprarreligioso, que não agrida nenhuma expressão religiosa “mas as respeita todas, antes de tudo reconhecendo-as, tanto que as envolve todas num único amplexo” (Ubaldi, 1987, p. 16). E pode até não parecer óbvio que assim seja, em uma análise superficial, mas se considerarmos que Deus deve ser o mesmo para todos, não há porque acreditar que uma crença seja melhor do que outra.

O princípio da universalidade decorre do fato de que todos os homens são filhos do mesmo Deus: “um só Deus, pai de todos” (Ubaldi, 1987, p. 24). Universalidade significa não impor qualquer barreira de religião, nacionalidade ou raça que possa dividir os homens. A única divisão aceita não é aquela religiosa, mas a de justos e injustos. É o que encontramos, por exemplo, na Mensagem de Natal:[2]

 

Falo hoje a todos os justos da terra e os chamo de todas as partes do mundo a fim de unificarem suas aspirações e preces numa oblata que se eleve ao céu. Que nenhuma barreira de religião, de nacionalidade ou de raça os divida, porque não está longe o dia em que somente uma será a divisão entre os homens: justos e injustos (Ubaldi, 2012, p. 11).


A Universalidade do Amor ao Próximo

 

O Evangelho do Cristo está na base do conjunto de toda a obra de Ubaldi: “Tudo aquilo que não pode permanecer no Evangelho de Cristo não pode igualmente permanecer neste movimento. Não é possível distorcer em nenhum sentido estas palavras” (Ubaldi, 1987, p. 16). Embora Ubaldi não possa ser considerado um cristão no sentido ortodoxo do termo, o preceito ama ao teu próximo como a ti mesmo serve de pedra angular de seu programa.

Por isso, se pode pensar em como os princípios da universalidade e imparcialidade decorrem do preceito evangélico ama ao teu próximo como a ti mesmo, pois não se pode amar ao próximo apenas pelo seu rótulo religioso. Deve-se amá-lo indistintamente, independente de qual religião ele professe ou de qual cultura ele faça parte. Independentemente de ser católico, protestante, muçulmano, budista, e até mesmo ateu, qualquer convicção que não agrida o próximo e seja vivida com honestidade e sinceridade merece respeito.

Ao falar do Amor de Cristo, Ubaldi afirma que não temos mais necessidade de novas religiões e, por isso, ele mesmo não teve a pretensão de fundar um novo movimento, doutrina filosófica ou religiosa. Mais importante do que fazer prosélitos a favor de uma religião, condenando as outras, é fundamental que as pessoas tornem-se boas e honestas e isto serve para todas as religiões.

Ubaldi afirma que todos aqueles que simpatizam com sua obra e, portanto, desejem aderir a tal movimento “devem manter-se dentro do princípio fundamental do Evangelho: ‘Ama a teu próximo como a ti mesmo’. Não existe outro caminho possível” (Ubaldi, 1987, p. 16).

Mas porque razão, mesmo passados mais de dois mil anos, a humanidade ainda não aprendeu essa lição aparentemente simples? Para compreender esta questão, é preciso levar em consideração que a filosofia de Ubaldi é evolucionista, quer dizer, para o pensador italiano, o espírito deve percorrer um longo caminho cujo ponto de partida é a matéria: do reino mineral passa ao vegetal, animal, subindo sempre, até chegar ao estágio humano.[3] E no homem, esse processo ainda se estende por vários séculos e até milênios: “Num plano de existência muito mais alto, a evolução realiza-se no homem, através do homem que exprime uma fase dela [...] em direção a planos de existência cada vez mais altos” (Ubaldi, 1995, p. 66-67).

À continuidade da evolução orgânica temos a evolução psíquica que se realiza no homem, a meta mais alta da vida. O processo evolutivo que se inicia na matéria, transubstancia-se no espirito, “santificando-a, assim, até que no homem e mais acima dele, conquiste cada vez mais consciência, e assim o alfa se reúna ao ômega, a criação volte ao criador” (Ubaldi, 1995, p. 73).

Por que ressaltamos esse aspecto evolutivo da obra ubaldiana? Por que as condições de maturidade psíquica e espiritual determinam se um indivíduo está mais próximo de uma visão individualista ou coletivista do amor universal. Todos, sem exceção, amam. Alguns, porém, devotam esse amor de forma mais direta apenas a sua família, parentes e amigos. Outros compreendem que toda a humanidade faz parte de uma família universal e, por isso, são capazes de expressar esse amor de forma menos restrita.

O Amor é lei universal da vida e todos, desde os animais até o homem, amam, só que amam cada um de acordo com o seu nível evolutivo. O mandamento ama ao teu próximo como a ti mesmo expressa uma lei de um plano biológico mais evoluído, que não é aquele do plano biológico animal.

 

As leis da vida mudam, relativamente ao grau de evolução que se atingiu. A lei feroz da luta pela seleção do mais forte é lei em nosso plano animal, em que os seres não se conhecem uns aos outros. Encontram-se num estado caótico em que o indivíduo está sozinho, com suas forças, contra todos (Ubaldi, 2001, p. 249).

 

Amadurecer espiritualmente significa evoluir, e assim aprender a lei de amor do Evangelho, colaborar com o próximo, ao invés de lutar contra ele. Mas na humanidade atual ainda prevalece o biótipo comum que usa a força para vencer.

Eis a que se propõe o Evangelho, uma tarefa árdua e trabalhosa de transformar um tipo biológico egoísta em um tipo biológico oposto, altruísta.

 

“Ama a teu próximo” será o conceito-base das sociedades futuras mais evoluídas [...] Nossa sociedade está nos antípodas do “ama a teu próximo”. Vive-se hoje o princípio oposto: “esmaga teu próximo, antes que teu próximo te esmague” (Ubaldi, 2001, p. 258).

 

A evolução caminha de uma fase para outra, da animalidade para a civilização. Todos nós temos, dentro de nós, os recursos para fazer desta, uma humanidade mais solidária e fraterna, menos bárbara e intolerante. O Evangelho serve como guia, mas os esforços para colocar seus ensinamentos em prática deve ser nosso. Desenvolver uma maior tolerância com as diferenças, uma maior compreensão da nossa realidade a ponto de entender que o próximo não é um inimigo que devemos combater a todo custo, mas alguém a quem devemos amar, é tarefa nossa.

Vejamos agora como, a partir da visão universalista do filósofo italiano, baseada no amor ao próximo, tal como encontramos na Boa Nova do Cristo, decorre uma visão de tolerância e respeito para com todas as pessoas, independentemente de suas crenças e nacionalidades.

 

Tolerância e Respeito

 

Ubaldi é bastante claro ao afirmar que desta visão de mundo baseada no amor ao próximo, pode nascer um grande respeito recíproco, uma nova possibilidade de compreensão, um espírito de fraternidade, ao contrário do amor à ortodoxia e da psicologia farisaica que levam a divisão e a intolerância.

Pelo princípio da universalidade, a obra de Ubaldi nos ajuda a entender que vivemos em uma realidade plural. Nos possibilita pensar na complexidade e riqueza das relações entre as diferentes culturas e, assim, promover a tolerância e o diálogo intercultural e interreligioso.

 

Que no terreno filosófico, político, religioso, isso signifique tolerância. Não, porém, uma tolerância raivosa, na atitude de quem suporta com desdém o erro alheio; ao contrário, uma tolerância que busca os pontos de contato, os pontos comuns, e se alegra quando pode dizer: “Mas, então, concordamos em muitas coisas! Não estamos, pois, tão distanciados quanto nos parecia. Podemos entender-nos um pouco e não há necessidade de contenda” (Ubaldi, 1987, p. 23).

 

Uma tolerância que leva em consideração os diferentes tipos de crença e religiosidade e que, segundo o filósofo, mais do que qualquer rótulo, o que importa é a sinceridade e a honestidade com que cada indivíduo vive a sua fé: “Que importa pertencer a esta ou aquela religião, quando não se é sincero nem honesto?” (Ubaldi, 1987, p. 28).

Naturalmente, não se trata de negar as diferenças que existem entre as mais diferentes religiões. Há aquilo que distingue os indivíduos uns dos outros por suas crenças e valores culturais. Todavia, se queremos estabelecer algum tipo de distinção, esta não deve ser aquela

 

vigorante em nosso mundo: católicos, protestantes, espiritistas, teosofistas, maçons, maometanos, budistas etc. — mas, sim, o justo e o injusto. Esta é a distinção substancial, a que tem valor diante de Deus, muito mais importante que a outra, que pode ser apenas formal (Ubaldi, 1987, p. 28).

 

É natural que haja culturas e valores diferentes entre os mais variados povos. O que não podemos aceitar é que essa divisão gere a intolerância e o desrespeito para com os valores do próximo. “Ora, esse espírito de divisionismo e de exclusivismo e a luta que daí deriva representam os instintos próprios de um plano biológico atrasado, que o progresso espiritual do mundo se apressará em liquidar” (Ubaldi, 2001, p. 244).

Esse tipo de intolerância conduz a uma total falta de respeito com os valores do próximo e em alguns casos até a agressividade, como foi o caso do pastor neopentecostal, Sérgio von Helder que, em 1995, chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida (exatamente no dia 12 de outubro de 1995, data que marca o feriado destinado a homenagear a Santa). A atitude foi transmitida ao vivo pela rede Record de Televisão em programa apresentado pelo pastor e “provocou polêmica e indignação em todo o país e até mesmo no contexto internacional, ao agredir uma imagem da supracitada santa durante o programa religioso ‘O Despertar da Fé’” (Oliveira, 2018, p. 31).

Outro exemplo de intolerância foi a chamada “batalha espiritual” contra os “orixás, cablocos e guias”, declarada pelo fundador da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), o bispo Edir Macedo (Silva, 2007).

A questão a ser considerada não é que existam religiões e valores diferentes. “Não é a diferença ideológica dos pontos de vista das religiões que deixamos de aceitar. Tudo isso é natural e lógico” (Ubaldi, 2001, p. 21). O problema é afirmar a própria verdade condenando como erradas as verdades dos outros. Por isso, se torna inaceitável a atitude de condenação, de exclusividade da posse da verdade e, não raro, de agressividade com que alguns indivíduos são levados a defender a sua verdade ou a verdade de seu grupo religioso. Por isso, diz Ubaldi (2001, p. 21): “Não nos interessa tomar parte nestas rivalidades terrenas, que nada têm a ver com a pesquisa da verdade que buscamos”.

O problema é que, em sua grande maioria, as religiões pretendem ter a posse da verdade universal: “todas as igrejas querem ser universais, mas apenas no sentido imperialista: todas querem unificar mas debaixo do próprio domínio. Não foi nesse sentido que compreendi a universalidade” (Ubaldi, 2001, p. 243). Esse tipo de universalidade não traz benefício algum para o conjunto da humanidade e em alguns casos se expandiu de tal forma que pretendeu conquistar tudo.

 

Conclusão

 

Para o filósofo espiritualista e cristão, Pietro Ubaldi, o Evangelho da Boa Nova do Cristo com a sua máxima do amor ao próximo constitui um dos mais importantes alicerces para a nossa sociedade. Não apenas da sociedade presente, mas também da futura sociedade que, mais evoluída, deverá enfim cumprir com os mandamentos que o Cristo deixou para nós há mais de dois mil anos.

Ubaldi é um filósofo evolucionista e, como tal, crê que a humanidade tem seus períodos de infância e maturidade espiritual. Por isso, evoluir espiritualmente significa ter uma visão mais ampla da realidade e compreende que os ensinamentos do Cristo não são privilégios desta ou daquela religião, mas dizem respeito a toda humanidade. Por isso o filósofo adota como princípios de sua filosofia a universalidade e a imparcialidade que significa a não ficar fechado dentro da forma mental de um grupo particular, seja ele religioso, político ou cultural. Significa compreender que todos os homens, independente de crença, raça ou nacionalidade, são irmãos, porque são filhos do mesmo Pai, que é Deus.

Por isso, universalidade e imparcialidade significam não impor qualquer barreira de religião, nacionalidade ou raça que possa dividir os homens e muito menos agredir qualquer forma de expressão religiosa, mas, ao contrário, respeitá-las, todas.

Com tais princípios de universalidade e imparcialidade, que decorrem da máxima “ama ao teu próximo como a ti mesmo”, Ubaldi nos indica um caminho a percorrer que seja um caminho de paz e fraternidade e não de ódio ou divisão e nos permite concluir que, se a tolerância e o respeito decorrem da prática evangélica do “amor ao próximo”, a intolerância e o ódio são frutos do princípio oposto: “esmaga o teu próximo, antes que teu próximo te esmague”.

 

Referências

 

AMARAL, José. Pietro Ubaldi, o Missionário. Campos dos Goytacazes-RJ: Fraternidade Francisco de Assis. Instituto Pietro Ubaldi, 2020.
 
OLIVEIRA, Mariana Montalvão. A Questão da Intolerância Religiosa, na Perspectiva do Direito Brasileiro. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito), Curso de Direito – UniEvangélica, Anápolis-GO, 2018.
 
SILVA, Manuel Emygdio da. O Gênio de Ubaldi e a Evolução da Humanidade (colóquios e correspondências). Brasília: Ontoletras, 2015.
 
SILVA, Vagner Gonçalves da (org.). Intolerância Religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.
 
UBALDI, Pietro. Grandes Mensagens. Tradução de Clóvis Tavares. Brasília-DF: Instituto Pietro Ubaldi, 2012. (Obras completas de Pietro Ubaldi, v. 1).
 
____. Fragmentos de Pensamento e de Paixão. 4. ed. trad. Rinaldi Rondino e Clóvis Tavares. Rio de Janeiro: Fundação Pietro Ubaldi, 1987. (Obras Completas de Pietro Ubaldi, v. 6)
 
____. A Lei de Deus. 5. ed. Campos dos Goytacazes-RJ: Fraternidade Francisco de Assis, 2001. (Obras Completas de Pietro Ubaldi, v. 17)
 
____. A Descida dos Ideais. Campos dos Goytacazes-RJ: Fraternidade Francisco de Assis, 1995



[1] Doutor em Sociedade e Cultura da Amazônia. Professor Adjunto da Universidade Federal do Amazonas. Contato: alexsandromedeiros@ufam.edu.br 

[2] A Mensagem de Natal foi a primeira, de um conjunto de sete mensagens, de elevado teor espiritual, recebidas por Ubaldi, de forma intuitiva, cuja fonte de origem ele chamou de Sua Voz. Esta primeira mensagem foi ditada na noite de Natal de 1931, daí o seu título. “Após a reunião em família, tão comum nesta época, e participar da ceia, desejando a todos um Feliz Natal, dirigiu-se ao seu escritório no último andar da torre da Tenuta Santo Antonio. Ali teve o início da missão de Pietro Ubaldi [...] Sempre orientado por Sua Voz, que ditou a primeira Mensagem, naquela noite de Natal de 1931” (Amaral, 2020, p. 86). 

[3] O conceito de evolução aparece em diferentes obras de Ubaldi, entretanto, considerando que aqui só poderemos fazer uma rápida exposição, indicamos algumas obras ao leitor: Ascese Mística: capítulos 9 a 13; Fragmentos de Pensamento e de Paixão: segunda parte; O Sistema: primeira parte; Queda e Salvação: capítulos 1, 8, 10, 11, 14.

 


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