22.2 O divórcio
O divórcio é uma lei humana
que tem por fim separar legalmente o que já está separado de fato. Não é
contrário à lei de Deus, pois só reforma o que os homens fizeram, e só tem aplicação
nos casos em que não se levou em conta a lei divina. Se fosse contrário a essa
lei, a própria Igreja seria forçada a considerar como prevaricadores aqueles
dos seus chefes que, por sua própria autoridade, e em nome da religião,
impuseram o divórcio, em mais de uma circunstância. Dupla prevaricação seria,
porque praticada com vistas unicamente aos interesses temporais, e não para
atender à lei do amor.
Mas nem mesmo Jesus
consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento. Não disse ele: "Foi devido
à dureza dos seus corações, que Moisés permitiu-lhes repudiar suas mulheres?"
Isto significa que, desde os tempos de Moisés, não sendo a mútua afeição a
finalidade única do casamento, a separação podia tornar-se necessária. Entretanto
acrescenta: "No princípio não foi assim.",
ou seja, na origem da humanidade, quando os homens ainda não estavam
pervertidos pelo egoísmo e pelo orgulho, e viviam segundo a lei de Deus, as
uniões, fundadas na simpatia e não sobre a vaidade ou a ambição, não davam
motivo ao repúdio.
E vai ainda mais longe:
especifica o caso em que o repúdio pode acontecer, que é o de adultério. Ora, o
adultério não existe onde reina uma afeição recíproca. É verdade que proíbe ao
homem desposar a mulher repudiada, mas é necessário considerar os costumes e o caráter
dos homens do seu tempo. A lei mosaica prescrevia, nesse caso, a lapidação. Querendo
abolir um costume bárbaro, precisou duma penalidade que o substituísse, e a
encontrou na desonra decorrente da proibição de segundo casamento. Era, de certo
modo, uma lei civil substituída por outra lei civil, mas que, como todas as leis
dessa natureza, devia passar pela prova do tempo.
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