As
Moradas Espirituais Divinas
Jorge Leite de Oliveira
O Evangelista João anota
algumas das últimas recomendações do Cristo: "Não se perturbem. Creiam em Deus e
também em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai. Se não fosse assim, Eu
já lhes teria dito, pois vou preparar
seus lugares. E, depois que me for e já tiver feito isso, voltarei e os levarei
comigo para o Reino de Deus" (João, 14: 1 a 3).
Perturbar, segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,
significa “causar abalo ou comoção a”, perder a paz ou a “serenidade de
espírito”. Jesus é o nosso maior exemplo de tranquilidade diante da mais
absurda acusação, perseguição e morte cruel e injusta. Por já saber o que o
aguardaria, disse a seus apóstolos, estas palavras, que também se dirigem a
nós: “Deixo-lhes a paz. Dou-lhes minha
paz”. Mas, em seguida, completa que sua paz não é a que o mundo nos dá e volta
a recomendar: “Não se perturbe nem se intimide seu coração” (João, 14: 27).
Allan Kardec esclarece-nos que a palavra casa,
no contexto da primeira frase, supracitada, representa o Universo, e as
muitas moradas podem ser tanto os
mundos que circulam no Universo quanto o Mundo Espiritual, que ele chamava de
“erraticidade”, espaço metafísico no
qual o Espírito pode sentir-se feliz ou infeliz, conforme o uso que tiver feito
do seu livre-arbítrio. Por espaço
metafísico entendemos as outras “moradas não circunscritas nem localizadas”,
ou seja, o do Mundo dos Espíritos, que interpenetra o nosso, sem influência da
matéria como a conhecemos, e que
transcende os sentidos físicos normais.
É
sobre esse mundo que tratamos aqui: o de nossa “morada espiritual”. Seus
habitantes, os Espíritos, estão
permanentemente em contato conosco, que ainda estamos na “veste física”. Nossos
atos e pensamentos são observados por eles, que nos influenciam de modo a
poderem até mesmo nos “dirigir” (KARDEC, 2017, q. 456- 459).
Isso não quer dizer que não tenhamos livre-arbítrio no pensar,
falar e fazer do cotidiano de nossas vidas. A responsabilidade de todos os
nossos atos é, principalmente, nossa. Salvo se não tivermos controle mental
deles, como no caso da loucura. Sabendo dessa poderosa influência espiritual,
que pode ser muito boa, ou muito má, Jesus nos recomendou ficar atentos, orando
e vigiando, constantemente, nossos pensamentos, palavras e atos (Marcos, 13:33).
Um ditado popular já nos
alerta: “Diz-me com quem andas e te direi quem és”, ou seja, dependendo de
nossa companhia, esteja ela no plano físico ou no plano espiritual, nós
mostramos quem somos. Refletindo nisso, Kardec adaptou e ampliou o ditado, “em
relação aos nossos Espíritos simpáticos”, que nos acompanham: “Diz-me o que
pensas e te direi com quem andas” (KARDEC, 1859).
Na questão nº 621 de O livro dos espíritos, em resposta à
pergunta de Kardec sobre onde se situa a Lei de Deus, é-lhe dito que ela está
“na consciência”. Então, essa seria outra morada da Casa de Deus. Por isso, é
muito importante que evitemos qualquer atitude em relação às outras pessoas e
às demais criaturas divinas que, cedo ou
tarde, nos provoque remorso.
Livre
da matéria, o Espírito, por efeito de sua vontade, pode ir a qualquer lugar que
lhe seja permitido por Deus. Mas, ao preparar-se para uma nova encarnação, o
grupo espiritual responsável por ele, prepara o Espírito, por meio de
conselhos, esclarecimentos e estímulos para seu sucesso no retorno à vida
física. Ninguém, jamais, fica só, seja no Mundo Espiritual, seja no Mundo
Físico. O objetivo é sempre o do progresso, pela depuração do mal que ainda
exista em cada um. Isso resulta da prática do bem e da conquista da sabedoria.
O
Espírito Mesmer manifestou-se, pela mediunidade de Delanne, não o filho,
Gabriel Delanne, à época muito jovem, mas a seu pai, e comunicou que não
devemos elevar-nos apenas pela virtude, mas também pela purificação da matéria.
Esclarece-nos Mesmer que “o mundo dos invisíveis” é como o nosso mundo físico,
mas é “etéreo”, como o perispírito, “verdadeiro corpo do Espírito, haurido
nesses meios moleculares”. Nosso mundo é reflexo grosseiro e muito imperfeito
do existente no Além-Túmulo.
Somos,
por fim, esclarecidos de que sempre houve relação entre esses dois mundos. Quando
compreendermos as conexões entre as leis que os regem, a Lei Divina estará
próxima de sua execução. Nesse tempo, segundo o Espírito Mesmer, cada um de nós
“[...] compreenderá sua imortalidade e, a partir de então, não apenas se
tornará um ardente trabalhador da grande causa, mas, também, um digno servidor
de suas obras” (KARDEC, 1865).
Há diversos outros
relatos sobre a vida no Mundo Espiritual, como os das médiuns Zilda Gama, Yvonne
Pereira e outros, não somente no Brasil, mas em diversos países. Também sobre a
comprovação desse mundo, eterna morada da Casa do Pai, podemos citar as
extraordinárias obras psicografadas por Chico Xavier, como as da série de obras
reunidas sob o título A vida no mundo
espiritual, pela Federação Espírita Brasileira (FEB Editora), iniciada com o relato
do que se passava na colônia espiritual Nosso Lar, pelo Espírito André Luiz,
que deu título ao primeiro livro dessa série, num total de treze livros.
Igualmente marcantes são os
relatos de Frederico Fígner, com o pseudônimo de “Irmão Jacó”, na obra
intitulada Voltei (FEB Editora), por
tratar-se de alguém que foi bastante conhecido no meio espírita e social do seu
tempo, pelas obras caridosas e empresariais que realizou. A obra do Espírito Humberto de Campos, também psicografada
por Chico Xavier, é de uma fidelidade estilística tão perfeita quanto se
poderia esperar de um escritor que, aos 33 anos foi, considerado, no Rio de
Janeiro, “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”. Nesse tempo, 1919, Humberto era
membro da Academia Brasileira de Letras e, em 1920, foi eleito Deputado Federal
pelo Maranhão. Foi reeleito sucessivamente, até que a Revolução de 1930
dissolveu o Congresso.
Em
1934, no auge da carreira literária, Humberto de Campos desencarna. Três anos
depois, do Mundo Espiritual, pela psicografia de Chico Xavier, proporciona-nos
sua primeira obra mediúnica, intitulada Crônicas
de além-túmulo. Sua primeira crônica, nessa nova “morada da Casa do Pai,
chama-se De um casarão do outro mundo.
Nesse
relato, desmistifica a ideia de um céu e de figuras bíblicas ali presentes, a
aguardá-lo, como São Pedro e anjos tocando harpas, cantando e sendo
acompanhados por um coral. Sua conclusão, agora que se deparara com a própria
sobrevivência, da qual duvidara, em vida física, é de que o mundo físico é
pouco significante, em relação ao mundo espiritual.
Essa
obra seria sucedida por outras. Todas elas atribuídas ao grande escritor,
político e membro da Academia Brasileira de Letras. Sua grande importância
deve-se ao relato, já nessa primeira crônica, de que Humberto fora levado para um
“casarão” onde ele faria diversas pesquisas do que ele chamou de “folclore” do
mundo espiritual e viria relatar-nos em mais onze livros. O segundo deles, foi
o best-seller Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho, que, até 2013, já
tinha sido publicado 33 vezes e reimpresso quatro vezes em sua última edição.
Humberto
de Campos, em vida física, adotou diversos pseudônimos. O mais conhecido deles
foi o de Conselheiro XX. Do Mundo Espiritual, suas cinco primeiras obras foram
psicografadas com o nome Humberto de Campos, pelo médium Chico Xavier. Após
processo movido contra a FEB por sua viúva, que a justiça deu ganho de causa à
Federação, instituição a que Chico Xavier havia cedido seus direitos autorais, o Espírito comunicante
optou pelo pseudônimo Irmão X, sob o qual ainda ditou ao médium mineiro outras
sete obras.
Todas
as obras mediúnicas citadas, assim como as do Espírito Humberto de Campos, são
atestados vivos da realidade do Mundo Espiritual, essa Casa do Pai que antecede
à vida material e nos concita a superar a influência da matéria pela prática do
bem e pela aquisição do conhecimento. Em relação aos céticos de todos os
tempos, Allan Kardec dizia:
É sem dúvida lamentável para certas
pessoas, como para certos colecionadores, que os Espíritos não possam ser postos
dentro de um garrafão de vidro, a fim de serem observados à vontade; não
imagineis, entretanto, que eles escapem aos nossos sentidos de maneira
absoluta. Se a substância que compõe o seu envoltório é invisível em estado
normal, também pode, em certos casos, como o vapor, mas por outra causa,
experimentar uma espécie de condensação ou, para ser mais exato, uma
modificação molecular que a torna momentaneamente visível e mesmo tangível.
Então podemos vê-los, como nos vemos, tocá-los, apalpá-los; eles podem
pegar-nos e deixar impressão sobre os nossos membros. Apenas esse estado é
temporário; podem deixá-lo tão rapidamente quanto o tomaram, não em virtude de
uma rarefação mecânica, mas por efeito da vontade, considerando-se que são
seres inteligentes e não corpos inertes. Se a existência dos seres inteligentes
que povoam o espaço está provada; se, como acabamos de ver, exercem uma ação
sobre a matéria, que há de surpreendente em que possam comunicar-se conosco e
transmitir seus pensamentos por meios materiais? (RE, dez, 1859, p. 464).
Diversos
sábios, como William Crookes (Fatos
espíritas, FEB Editora), e Alexandre Aksakof (Animismo e espiritismo, 2 v. FEB Editora), confirmaram as palavras
acima de Kardec. Mais adiante, o Codificador do Espiritismo esclarece:
Com o materialismo, que é a crença
de que morremos como animais, que depois de nós será o nada, o bem não terá
nenhuma razão de ser, os laços sociais nenhuma consistência: é a sanção do
egoísmo. A lei penal será o único freio a impedir o homem de viver à custa de
outrem. Se fosse assim, com que direito puniríamos o homem que mata o
semelhante para apoderar-se de seus bens? Porque é um mal, diríeis vós. Mas por
que esse mal? Ele vos responderá: Depois de mim não há nada; tudo se acaba;
nada tenho a temer; quero viver aqui o melhor possível e, para isso, tomarei
dos que têm. Quem mo proíbe? Vossa lei? Vossa lei terá razão se for mais forte,
isto é, se me pegar. Mas se eu for mais astucioso, se lhe escapar, a razão
estará comigo (KARDEC, dez. 1859, p. 466).
Um dos mais conceituados estudiosos espíritas do
século passado, tradutor das obras de Allan Kardec, foi o filósofo brasileiro
Herculano Pires. Eis a conclusão que esse
pesquisador chega, em relação à contribuição gigantesca do Espiritismo,
para auxiliar a Humanidade a conhecer esse mundo eterno de onde viemos e para
onde vamos, após a desencarnação, sem jamais nos extinguir, mas também nos
proporcionando a certeza de que nada do que fazemos, aqui na Terra, fica sem
resposta, se não perante as leis humanas, ante as Leis Divinas:
Sir Oliver Lodge, o grande físico inglês, entendia
que o Espiritismo realiza uma nova revolução copérnica. Essa revolução consiste
exatamente na modificação da nossa atitude em face do problema da vida. Se
Copérnico destruiu a concepção geocêntrica do universo, o Espiritismo, por sua
vez, destrói a concepção organocêntrica da vida. Do ponto de vista
organocêntrico, que caracteriza o materialismo, a vida só é possível nos
organismos vegetais e animais. O Espiritismo afirma e prova o contrário, ou
seja, que a vida independe desses organismos e se manifesta por mil formas e
maneiras diferentes, no universo infinito.
Os religiosos que criticam as descrições mediúnicas
do além não deixam de aceitar essa descentralização da vida, mas não admitem a
sua interpretação ou explicação racional. Apegam-se a dogmas, a princípios
rígidos de fé, mantendo-se no plano do mistério. Entretanto, se convivessem um
pouco mais com os textos sagrados de suas próprias religiões, veriam que a
existência de cidades espirituais no além-túmulo, de habitações, vegetais e
animais, não é, como supõem, uma invenção dos espíritas. O Velho Testamento e o
Novo Testamento, por exemplo, estão cheios de descrições dessa ordem. Basta
lembrar-se o que diz Isaías (33:17- 20) sobre “a terra de longe” e a “Sião da
solenidade”, e o Apocalipse de João sobre a Jerusalém celeste (PIRES, 1989, p. 105-110).
Tudo é vida no
Universo. O Nada não existe, e os Espíritos Superiores, enviados do Cristo, sob
a coordenação do Espírito de Verdade, que nos retransmite seus ensinamentos
morais, vêm provar, aos que têm olhos de ver e ouvidos de ouvir, que somos
eternos, que somos filhos de Deus e irmãos de Jesus, responsável, perante o
Pai, por este mundo azul, no qual a vida pulula. E, se ainda nos encontramos
imersos nas trevas da ignorância, é chegada a hora de abrirmos ou olhos e os
ouvidos para vermos e ouvirmos as vozes celestes que nos repetem as brandas
palavras do Cristo: “Irmãos! nada perece. Jesus Cristo é o vencedor do mal, sede
os vencedores da impiedade” — O Espírito de Verdade (KARDEC, 2017, cap. VI, it. 5).
Procuremos
habitar as moradas Divinas de nossas mentes, higienizando-as com bons
pensamentos, com propósitos elevados, com vontade de servir. Evitemos macular a
morada de Deus, expressa na Lei que reside em nossa consciência, e
esforcemo-nos para combater o mal que ainda trazemos arraigado na alma.
Estudemos as obras que Allan Kardec nos legou, complementadas pelos relatos dos
Espíritos benevolentes, cujas informações vêm sendo confirmadas por médiuns das
mais diversas partes do mundo, atendendo, assim, ao critério do consenso
universal proposto por Kardec, intuído pelos prepostos do Cristo. Certamente,
assim, o Céu prometido pelo Senhor estará sendo edificado dentro de nós,
como é concedido, equanimemente, a cada vencedor
do mal, o Reino de Deus com suas diversas moradas.
Referências
KARDEC,
Allan. Revista Espírita, jul. 1859.
______.
______. maio de 1865.
______.______.
dez. 1859.
______.
O evangelho segundo o espiritismo. Trad.
Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2017.
_____.
O livro dos espíritos. Trad. Evandro
Noleto Bezerra. 4. ed. Brasília: FEB,
2017.
PIRES, José Herculano. O infinito e o
finito. São Bernardo do Campo: Correio Fraterno, 1989.
XAVIER,
Francisco Cândido. Crônicas de
além-túmulo. 16. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2008.
Reformador – Federação Espírita Brasileira – fev. 2019 (capa)