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sexta-feira, 26 de junho de 2020


KARDEC PROSSEGUE...
Jorge Leite de Oliveira

“O homem que se esforça seriamente por se melhorar
assegura para si a felicidade já nesta vida.” 
(KARDEC, 2009, preâmbulo)


Estava-se em 17 de janeiro de 1857, nos primeiros anos de observação e experimentação do Codificador do Espiritismo. Informa-nos Allan Kardec que, em reunião mediúnica na casa do Sr. Baudin, a filha deste psicografou uma mensagem do Espírito Z, protetor de Kardec, na qual o alertava para não exagerar em seus trabalhos, reconhecendo embora o esforço imenso que a obra lhe requeria.
Pedia-lhe Z para não se deixar levar pelos “entusiastas, nem pelos muito apressados” e que, embora os elevados conhecimentos que lhe seriam postos ao alcance, mais do que a qualquer outra pessoa, somente após muito tempo a verdade seria conhecida e aceita por todo o mundo. E conclui deste modo: “Terás que voltar, reencarnado em outro corpo, para completar o que houveres começado e, então, te será dada a satisfação de ver em plena frutificação a semente que houveres espalhado sobre a Terra” (KARDEC, 2009, p. 379).
É interessante a observação inicial feita abaixo dessa informação pelo Codificador: “Já tive ocasião de dizer que Z não era um Espírito superior, porém muito bom e muito benfazejo [...]”. Mas esse não foi o único Espírito a anunciar uma próxima reencarnação de Kardec, o próprio Espírito de Verdade a prenunciaria alguns anos após seu primeiro aviso.
Três anos depois, no dia 24 de janeiro de 1860, Allan Kardec estava na casa do Sr. Forbes. O Codificador do Espiritismo havia calculado a duração de seus trabalhos em cerca de dez anos. Então, recebeu do Espírito de Verdade, manifestado por intermédio da Sr.ª Forbes, a confirmação de que esse seria o tempo aproximado de conclusão de “sua tarefa”, embora acrescentando, o Espírito, que esse tempo poderia ser prolongado por alguns anos, caso houvesse necessidade (op. cit., it. Duração dos meus trabalhos, p. 385).
Em 10 de junho de 1860, em casa de Kardec, a médium Sr.ª Schmidt transmitiu-lhe a informação do Espírito de Verdade de que o insigne Codificador regressaria, “por um pouco” ao Mundo Espiritual, mas teria de “voltar à Terra” a fim de concluir sua missão (id., p. 389). Allan Kardec deduz que seu retorno dar-se-ia no fim do século XIX ou no início do século XX. E como calcula o tempo de seu crescimento e idade necessária para prosseguir seu trabalho, com base nas fases de infância e juventude, é natural que o Codificador do Espiritismo imaginasse sua reencarnação nessa época (id., p. 390). Nada mais lógico, pois a previsão de seu retorno à vida física fora ratificada pelo Espírito de Verdade, que representa a manifestação do Pensamento e da Vontade de Jesus Cristo. O tempo, entretanto, para os Espíritos superiores, não possui a mesma medida que é adotada por nós, nesse curto espaço de anos de uma existência no mundo físico.
Seria, ainda, natural imaginar-se que, a ser cumprida a previsão do Espírito Erasto e do Espírito de Verdade, Kardec reencarnasse na própria França, para continuar seu trabalho, inclusive de união e uniformização dos conceitos doutrinários entre os países europeus, como o seu, e os Estados Unidos. Tal necessidade devia-se ao fato de que o povo americano e inglês rejeitava, em especial, a ideia da reencarnação; por isso, a Nova Revelação, chamada Neoespiritualismo, nos países de língua inglesa, precisava da autoridade moral e intelectual de alguém, como Kardec, para promover a união e unificação espírita em todo o mundo. Assim, justifica-se a previsão do representante de Jesus, mas em tempo indeterminado.
Em mensagem póstuma, o Codificador esclarece que o ponto polêmico para a unificação da Doutrina Espírita era, justamente, o da reencarnação, princípio que ele próprio estranhou, quando lhe fora revelado pelos Espíritos, mas acabou por acatá-lo, por encontrar, na “lei dos renascimentos”, a única forma de se aceitar a Justiça de Deus. Se o ponto principal motivador das controvérsias da fé espírita para a do chamado Neoespiritualismo, em especial entre os EUA, Inglaterra e França era esse, o tabu vem sendo demolido por pesquisadores norte-americanos há várias décadas.
Um dos primeiros cientistas que divulgou suas descobertas sobre crianças de poucos anos de vida que lembravam de suas encarnações anteriores foi Ian Stevenson, psiquiatra e professor da Universidade Escola de Medicina de Virgínia. Sua obra, intitulada em português Vinte casos sugestivos de reencarnação, ficou mundialmente conhecida. Stevenson teve, entre seus discípulos norte-americanos, Walter Semkiw e Jim Tucker, que continuaram suas pesquisas, sempre confirmando suas descobertas.
Outra pesquisadora é Helen Wambach, psicóloga norte-americana que publicou os livros Recordando vidas passadas (1978) e Vida antes da vida (1982). Diversos outros psiquiatras e psicólogos norte-americanos e europeus vêm comprovando aquilo que os Espíritos disseram a Kardec: o aperfeiçoamento do Espírito e a Justiça de Deus exigem nossa reencarnação (KARDEC, 2013, q. 166 e 167).
O Codificador do Espiritismo, entretanto, fez um trabalho monumental, no qual construiu, com as cinco obras básicas do Espiritismo, complementadas pela Revista Espírita, a essência de uma Filosofia de consequências morais suficientes para esclarecer-nos sobre nossa origem, finalidade e destino nos planos físico e espiritual. Já a unificação dos princípios universais demandaria ainda muito tempo, dada a influência milenar da Igreja sobre as mentes humanas por meio de seus dogmas e interesse em manter, para si, o monopólio das verdades sagradas.
            Por outro lado, a expansão das teorias materialistas e socialistas, na cultura dos diversos países europeus e em grande parte do mundo, inibiu a atuação das religiões sobre o comportamento humano no século XX e em nossos dias. Acrescem-se a isso os diversos conflitos bélicos mundiais favorecendo a ascensão de governos ditatoriais, empenhados em coibir a manifestação religiosa, em especial a do Espiritismo, por sua proposta antimaterialista, em nações como Rússia, Espanha, Portugal, Itália, entre outros, onde o culto religioso foi proibido ou limitado pelos governos ateus no século passado.
Na França de Kardec, a intolerância da Igreja, aliada ao espírito cético acadêmico, relegou o Espiritismo a um ostracismo que, aos poucos, vem sendo ali superado, graças aos esforços de espíritas brasileiros e coirmãos locais como, aliás, ocorre em vários países.
            O Espiritismo precisava expandir-se novamente. E nada melhor do que essa expansão ser feita em pátria como o Brasil, onde a tolerância religiosa e o espírito de fraternidade predominam. Para isso, Jesus Cristo já havia escolhido os Espíritos de escol que dariam continuidade às manifestações do Mundo Espiritual. Como diz o Espírito Emmanuel, no prefácio do livro Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho,

O Brasil não está somente destinado a suprir as necessidades materiais dos povos mais pobres do planeta, mas também a facultar ao mundo inteiro uma expressão consoladora de crença e de fé raciocinada e a ser o maior celeiro de claridades espirituais do orbe inteiro (In: XAVIER, 2013, p. 7).

Desse modo, médiuns extraordinários surgiram na Terra, como Vera Krijanowski, na Rússia, Amália Domingo Soler, na Espanha, Fernando de Lacerda, em Portugal. Contudo, principalmente ao Brasil caberia a tarefa de sua restauração e expansão mundiais, com a reencarnação de um número seleto de médiuns altamente evangelizados e idealistas.  
            Allan Kardec voltou a estar conosco, mas em Espírito, como lemos nas mensagens ditadas por ele, no final do século XIX, publicadas na Revista Espírita, após sua desencarnação, e também nas primeiras três décadas do século XX, quando se manifestou, na França, por intermédio de “médium em transe”, diversas vezes, como foi citado por Léon Denis, em seu prefácio à obra Biografia de Allan Kardec (2012).
Denis esclarece-nos que Kardec, desde 1925, passou a comunicar-se com seu grupo e, a partir de então, em novas manifestações, insistiu com ele para publicar a obra O gênio céltico e o mundo invisível (In: SAUSSE, 2012, p. 14). Denis publicou essa obra, que tanto o emocionou, quando já era bastante idoso e estava em avançado estado de cegueira (op. cit., p. 15). Nessa época, aquele que seria considerado um dos maiores médiuns de todos os tempos, Francisco Cândido Xavier, o Chico Xavier, já reencarnara e estava, entre nós, com a idade de quinze anos.
Por esse tempo, outra médium excelente, no Brasil, receberia diversas comunicações do Codificador: Zilda Gama. Essa médium, que nasceu em 11 de março de 1878 e faleceu em 10 de janeiro de 1969, com 90 anos de idade, em 1912, também psicografou a primeira mensagem assinada por Allan Kardec. Segundo ela informou, dessa data até 1927, esse Espírito dirigiu suas atividades espirituais.
Essa médium foi a primeira destacada psicógrafa das mensagens dos Espíritos no Brasil, e sua obra mediúnica precisa ser melhor estudada, tal é a genialidade do seu principal comunicante, o Espírito Victor Hugo, e a idoneidade moral da médium. Na introdução do livro intitulado Na sombra e na luz, ditado por esse Espírito, Zilda Gama assegurou-nos não ter havido qualquer participação sua, no que escreveu, como ocorreu com outras obras do gênero romance ou novela, por ela psicografadas. Por fim, afirma-nos, em comovente demonstração de honestidade, o seguinte:

Detesto o embuste. Como aluna da extinta Escola Normal de São João del-Rei, parece-me ter lá deixado um nome imáculo; exercendo o magistério público, tenho-me esforçado por ser irrepreensível, e pelo governo deste estado já me foram conferidas quase todas as provas de apreço a que faz jus o magíster mineiro. Na minha vida privada nunca pratiquei uma ação que fosse censurável. Tenho, pois, minha reputação ilibada, que muito prezo e não a quero macular faltando à verdade ou usando de qualquer burla para me salientar perante o público, que respeito e muito temo (GAMA, 2007, p. 16).

            Assim também tem sido com outros médiuns brasileiros conhecidos por sua conduta moral irrepreensível, como Yvonne do Amaral Pereira, também desencarnada em avançada idade, e, ainda entre nós, Divaldo Pereira Franco, que, além de psicografar centenas de obras, dirige a Mansão do Caminho, instituição social espírita de Pau da Lima, em Salvador, BA, que educa, alimenta e cuida da saúde física e espiritual de milhares de cidadãos locais há décadas. Divaldo é ainda um dos mais destacados conferencistas espíritas do Brasil, reconhecido internacionalmente. E, sabiamente, ele criou um conselho de membros espíritas para dar continuidade à sua obra, quando desencarnar.
            Essa foi também a preocupação de Allan Kardec, que tem sido seguida por diversas instituições espíritas no Brasil. Pressentindo que sua obra estava concluída, criou uma comissão central encarregada de continuar a obra, que, humildemente, afirmava não ser dele e, sim, dos Espíritos superiores, emissários do Cristo.
Essa comissão, entre outras funções, teria o encargo de propagar a Doutrina Espírita, manter-lhe a unidade e integralidade dos seus princípios, estimular a fraternidade entre os espíritas e suas instituições, além de administrar todos os setores criados.
Qual ocorre com os grandes missionários, Kardec e Chico Xavier reuniam todas as condições morais para dar prosseguimento à grandiosa obra de renovação moral do mundo. Transcenderam a matéria, com todas as suas mazelas e, portanto, a nosso ver, não mais necessitam retornar ao nosso mundo físico senão em Espírito. Salvo em missão muitíssimo especial e daqui a um tempo relativamente longo para nós, curto, todavia, para Jesus.
Chico expandiu o aspecto religioso do Espiritismo com a elevada obra psicografada, cujo principal comunicante foi o Espírito Emmanuel, que nos legou belos romances, como Renúncia e a obra histórica Paulo e Estêvão, além de grande quantidade de livros com mensagens doutrinárias de profunda elevação e calcadas no Evangelho de Jesus.
Kardec não somente observou, coletou, analisou e organizou as mensagens recebidas por diversos médiuns, como também consolidou as bases do tripé: Ciência, Filosofia e religião. Seus comentários, nas obras codificadas e na Revista Espírita, demonstram, como ocorria com o médium mineiro, grande humildade, mas também um preparo intelectual, fruto de primorosa educação, que o credenciou, perante Jesus, a ser o mensageiro do cumprimento da sua promessa de enviar, à Terra, o Consolador, quando sua Doutrina ameaçasse ser esquecida, para no-la relembrar e permanecer conosco para sempre.
Kardec, portanto, prossegue trabalhando com o Cristo e com os Espíritos bons, a fim de combater, pelo amor em ação, e pelo incentivo ao estudo elevado, as nefastas influências da ignorância espiritual no mundo. Entretanto, conta também com o nosso amor e perseverante esforço, no estudo de sua obra, para “domar as nossas más inclinações”, a fim de podermos atestar nossa “transformação moral” e demonstrar, mais pelos exemplos que pelas palavras, nossa condição de discípulos de Jesus e de sua 3ª Revelação: a Doutrina Espírita.

Referências

KARDEC, Allan. Obras póstumas. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2009.
______. O livro dos espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 93. ed. Brasília: FEB, 2013 (ed. histórica).
______. Revista Espírita. Ano décimo segundo – 1869. Tradução Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, 2005.
SAUSSE, Henri. Biografia de Allan Kardec. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2012.
ESPIRITISMO RESSURGE NA EUROPA. Entrevista com Josef Jackulak. Disponível em:< http://visaoespiritabr.com.br/noticias/espiritismo-ressurge-na-europa>. Acesso em 10 de março de 2017.
FORMIGA, Luiz Carlos. O materialismo e a tarefa de Vlado. Disponível em: https://blogdobrunotavares.wordpress.com/2017/03/06/o-materialismo-e-a-tarefa-de-vlado-por-luiz-carlos-formiga/. Acesso em 10 de março de 2017.
XAVIER, Francisco Cândido. Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho. Pelo espírito Humberto de Campos. 33. ed. Brasília: FEB, 2013.

Publicado em Reformador, periódico mensal da Federação Espírita Brasileira, em outubro de 2017.

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