Páginas

sexta-feira, 5 de junho de 2020


 PAULO, JESUS E A LEI
Jorge Leite de Oliveira

Acima de tudo, cultivai, com todo o ardor, o amor mútuo, porque o amor cobre uma multidão de pecados (I Pedro, 4:8).

Verdade&Luz - FILME COMPLETO- *PAULO DE TARSO* -... | Facebook
            Rezam as tradições cristãs que o encontro de Paulo com Jesus, na estrada de Damasco, ocorreu num dia 25 de janeiro, quando o orgulhoso rabino se converteu incondicionalmente à Boa-Nova trazida pelo Cristo. Essa data passou a ser comemorada, pela Igreja, como o Dia de São Paulo. Também no dia 25 de janeiro de 1554, o jesuíta Manoel da Nóbrega fundou o Colégio dos Jesuítas, que deu origem à Vila de São Paulo de Piratininga e, mais tarde, a São Paulo e sua capital.
Pouco tempo após a crucificação do Cristo, em Corinto, cidade grega, uma família judia era espoliada de sua pequena propriedade rural. O autor do ilícito foi o desonesto e tirânico questor do Império Romano, Licínio Minúcio, que prendeu o idoso pai de Abigail e Jeziel. Este acaba preso e, mais tarde, é escravizado, após ter sido chicoteado, com seu pai, Jochedeb, que não resiste ao castigo e morre. Só Abigail escapa ilesa ao ato desumano do questor cruel.
Algum tempo depois, o jovem rabino chamado Saulo de Tarso, residente em Jerusalém, conhece Abigail e se apaixona por ela. Seu desejo é desposá-la, mas ela pede-lhe para tentar descobrir onde estaria Jeziel e libertá-lo. O noivo jura-lhe que faria o possível para atendê-la.
Nesse meio tempo, Jeziel fora liberto, a pedido do político romano Sérgio Paulo, a quem curara de grave enfermidade em viagem marítima. O irmão de Abigail conhecera os discípulos de Jesus, em Jerusalém, tornara-se um deles, trocara seu nome para Estêvão e passara a ser um dos mais destacados conhecedores e oradores da Boa-Nova do Cristo.
Foi esse discípulo de Jesus que teve a coragem de desafiar a autoridade do fariseu Saulo de Tarso na tosca casa de orações dos então chamados “homens do Caminho”. Defensor intransigente da tradição judaica antiga, que conhecia como poucos, Saulo sentiu-se humilhado por aquele jovem que não lhe concedera a palavra para contestar suas ideias sobre os deserdados da sorte como bem-aventurados. E, de posse de seus poderes temporais, manda prendê-lo e imolá-lo a pedradas. Jesus, para Saulo, não passaria de um carpinteiro ignorante e sedicioso das massas empobrecidas e doentes, que morrera crucificado entre dois ladrões.
Não sabia Saulo, entretanto, que, ao convidar a noiva querida, Abigail, para assistir à lapidação, até a morte de Estêvão, estaria destruindo seu sonho de casamento com a amada. Os irmãos se reconhecem antes que o primeiro mártir do Cristianismo, agora com nome trocado, desse seu último suspiro. Ainda assim, mesmo com os ossos quebrados pelas pedradas recebidas dos fariseus, sob o comando de Saulo, antes de morrer, Estêvão perdoa-o, abençoa a união de seu assassino com Abigail e diz para a irmã estarrecida: “— [...] Saulo deve ser bom e generoso; defendeu Moisés até o fim... Quando conhecer Jesus, servi-lo-á com o mesmo fervor... Sê para ele a companheira amorosa e fiel...” (XAVIER, 2002, cap. 7, p. 173).
Todavia, mesmo com o perdão dos irmãos, Saulo opta por romper o noivado com Abigail. E passou a perseguir mais intensamente os cristãos, pois “[...] entrando pelas casas, arrancava homens e mulheres e metia-os na prisão” (Atos, 8:3).  Oito meses depois, quando Saulo procura Abigail, tentando reconciliação, ela, muito doente, morreria em poucos dias. Não sem antes perdoá-lo, mais uma vez, e prometer-lhe sua proteção espiritual.
O jovem doutor da lei só compreendia Deus como “Senhor poderoso e inflexível” (XAVIER, 2002, cap. 9). Suas leis não contemplavam os fracos, e Moisés era seu representante máximo na Terra. Em conversa com Zacarias, pai adotivo de Abigail, Saulo diz a ele que precisava encontrar Ananias, para castigá-lo devidamente.
Ao ouvir do idoso a pergunta se queria punir o benfeitor de Abigail, Saulo responde-lhe que “[...] uma coisa é estudar a Lei e outra é defender a Lei”. E completa: “[...] Tenho de punir os transviados como necessitas podar as árvores da tua chácara” (XAVIER, 2002, cap. 10, p. 204).
Saulo voltou a Jerusalém ainda mais revoltado com aquele carpinteiro que fora crucificado e indiretamente lhe causara a infelicidade. Recrudesceu a perseguição aos seguidores do Cristo, forçou um deles, que prendera, a lhe dizer onde estava Ananias e, sabendo que este fora para Damasco, obteve do sinédrio autorização para ir a essa cidade, na companhia de três voluntários, com o objetivo de prender e condenar o ancião. Entretanto, a caminho de Damasco, tudo mudaria em sua vida. Jesus aparece-lhe, Saulo cai do cavalo e, diante daquele ser angelical, mas severo, ajoelha-se e, após ficar sabendo que estava diante do Cristo, pergunta-lhe, humildemente: “— Senhor, que queres que eu faça?” (op. cit., p. 214).
Em resposta, Jesus diz-lhe para levantar-se e entrar na cidade onde saberia o que lhe conviria fazer. Saulo ficara cego. Em Damasco, é socorrido por aquele mesmo que perseguia: Ananias, o qual, em nome do Mestre, restitui-lhe a visão e transmite as primeiras instruções sobre o Evangelho, cujos pergaminhos Saulo copia e guarda consigo.
A partir dessa cidade, começa toda uma preparação do ex-rabino intransigente na defesa do Antigo Testamento. Ele renunciaria ao seu título e riqueza, passaria um tempo no oásis do deserto, onde conviveria com o casal Áquila e Prisca, seguidores de Jesus, e trabalharia como tecelão, profissão aprendida com seu pai quando ainda na infância.
Ficou três anos nos serviços de tecer tapetes. Nesse período, tomou conhecimento, pelo casal, das perseguições e mortes provocadas por sua atitude de combate à doutrina do Cristo. Um dia, Saulo revela, emocionado e emocionando seus amigos, sua verdadeira identidade como ex-perseguidor dos cristãos. Dias depois, despede-se dos amigos e empreende várias viagens como humilde servidor de Jesus Cristo.
Acompanhá-lo-ia por trinta anos o Espírito Estêvão “[...] renovando-lhe constantemente as forças para a execução das tarefas redentoras do Evangelho” (op. cit., p. 280). Jesus quis que “a primeira vítima das perseguições de Jerusalém” e seu verdugo ficassem, agora, irmanados no mesmo ideal da divulgação de sua doutrina libertadora (id., ibid).
Inicia-se a via-crúcis do agora ex-doutor da lei. Em Damasco, para não ser preso como traidor do judaísmo, precisou fugir à noite, “transpondo a muralha em um ponto vulnerável e sendo descido num cesto” (KREMER, 2011, p. 64).
Após uma semana de caminhada, enfrentando os desafios da natureza, chega a Jerusalém, procura a residência da irmã, que já não residia lá, e é expulso pelo atual morador, que o trata rudemente. Busca a residência do amigo Alexandre, que o recebe surpreso; mas, quando ouve de Saulo a confirmação de que este vira e conversara com Jesus, censura-o com rigor e o tem como mentiroso, ao também ouvir de Saulo que seu mestre, Gamaliel, morrera aceitando a Boa-Nova do Cristo.
Em Jerusalém, é recebido com desconfiança pelos “homens do caminho” e com ódio pelos judeus. Mas “O coração bondoso de Simão Pedro rendera-se diante da sinceridade demonstrada por Saulo, assim como o diácono Prócoro, o primeiro a receber o visitante, que foi eloquente em testemunhar a seu favor” (KREMER, 2011, p. 66). Por fim, “Saulo entrou na intimidade da casa do caminho pelas mãos amigas de Barnabé, avalista da nobreza de suas intenções e da legitimidade de sua conversão” (id. ibid.).
Saulo, doente e exausto, pediu a Pedro, humildemente, que este lhe permitisse ocupar o leito que Estêvão, antes dele, ocupara. O apóstolo, comovido, não somente o atendeu, como também lhe trouxe “[...] os singelos pergaminhos que o mártir utilizava diariamente no estudo e meditação da Lei, dos profetas e do Evangelho” (XAVIER, 2002, p. 308).
É aconselhado espiritualmente por Estêvão (op. cit., p. 315) a deixar Jerusalém. Após entrevistar-se com Pedro, segue para Cesareia e dali para Tarso, onde residiam seus pais. O pai, conservador das tradições judaicas, não aceita sua “deserção” e o expulsa de casa, embora Saulo alegasse cansaço e enfermidade. Entretanto, após a retirada do filho, manda um servidor entregar-lhe uma bolsa com dinheiro, que Saulo aceita humildemente.
Afastando-se da cidade, após “leve refeição”, o ex-rabino resolveu caminhar e buscou um campo nos arredores de Tauro, onde “descansou junto de uma das inumeráveis cavernas abandonadas” (op. cit., p. 326). Rememorava com remorsos os últimos acontecimentos de sua vida, quando se sentiu transportado, em espírito, para uma região florida e deliciosa, com suaves melodias e paz profunda. De repente, surgiram à sua frente os irmãos Estêvão e Abigail, que procuraram reanimá-lo para a tarefa que apenas se iniciava.
Após esse encontro espiritual, Saulo resolve adquirir um tear e recomeçar sua luta transformadora em Tarso, sua cidade natal. Isso provocou o descontentamento do seu pai, que o deserdou e mudou-se para as margens do Eufrates. Completa o Espírito Emmanuel que “Assim, durante outros três anos, o solitário tecelão das vizinhanças do Tauro exemplificou a humildade e o trabalho, esperando devotadamente que Jesus o convocasse ao testemunho” (XAVIER, 2002, p. 336). Até que, na primavera do ano 42, Barnabé o procurou e levou a Antioquia, a pedido de Pedro, para novas tarefas missionárias.
Foram seis anos, aproximadamente, de preparação para seu apostolado sublime, que iria revigorar e expandir o Cristianismo. Somente agora começaria, de fato, sua extraordinária missão. De Antioquia, Saulo e Barnabé voltaram a Jerusalém, atendendo a apelo de socorro que lhes endereçara Pedro, em vista do recrudescer das perseguições sofridas pelos cristãos. Quando chegaram, foram recebidos por Prócoro, que lhes informou sobre a prisão de Pedro, sua libertação por um “anjo” e fuga provisória para a cidade de Jope, até que a situação se acalmasse em Jerusalém, conforme relato do Espírito Emmanuel (XAVIER, 2002, cap. 4, p. 346).
Saulo propõe a Barnabé “buscar os gentios”, pois, em seu conceito, embora fosse justo não esquecer os esforços da igreja de Jerusalém no auxílio dos “pobres e necessitados”, seria também imprescindível iluminar os espíritos, para que, em poucas décadas, os ensinamentos de Jesus, anotados por Mateus, não fossem deturpados. Era importante espalhar, mundo afora, as mensagens e a obra do Cristo, para que este não viesse a ser considerado “um criminoso comum, a expiar na cruz os desvios da vida” (op. cit., p. 353).
Aprovada a proposta de Saulo pela igreja de Jerusalém, este e Barnabé, acompanhados por João Marcos, dirigiram-se a Selêucia. Dali, foram para a ilha de Chipre, onde Saulo assistiu um pouco desconfortado às palestras de Barnabé, que mencionava com excessivo cuidado as tradições judaicas, enquanto o ex-rabino desejava destacar a superioridade da missão de Jesus.
Posteriormente, foram para Amatonte, onde estiveram durante mais de uma semana, sempre com a palavra contemporizadora de Barnabé. Em seguida, dirigiram-se a Nea-Pafos, onde Barnabé, mesmo muito cansado, fez brilhante palestra, comovendo a todos, inclusive a Saulo. Também ali, as curas pela imposição de mãos dos apóstolos chegaram ao conhecimento do procônsul Sérgio Paulo, que havia sido curado por Estêvão, cerca de dez anos antes.
De novo, gravemente enfermo, Sérgio Paulo foi curado pela dupla e, tendo observado alguns fenômenos mediúnicos produzidos por Saulo, converte-se ao Cristianismo. Então propõe a esses missionários a fundação da primeira igreja em Nea-Pafos, fruto direto do trabalho dos missionários cristãos.
Mais tarde, perplexo com o que chamou de pentecostes de Saulo, Barnabé sugere-lhe a mudança do nome. Ele, então, adota o nome à romana (op. cit., p. 370). A partir daqui, “Os Atos já não colocam o nome de Barnabé em primeiro lugar, e sim o de Paulo” (KREMER, 2011, p. 91).
O trabalho sublime de Paulo é narrado nas epístolas que ele escreveu aos povos que não podia visitar, em virtude de suas muitas atribuições e das distâncias enormes, para a época, que, algumas vezes, eram percorridas até mesmo a pé. Daí surgiram suas famosas cartas...
A obra Paulo e Estêvão, psicografada por Chico Xavier e ditada pelo Espírito Emmanuel, emociona-nos pela riqueza de informações e detalhes sobre as lutas, perseguições e flagelos sofridos pelo ex-rabino. Verdadeira obra-prima da historiografia mediúnica, vale a pena lê-la pois, no nosso entendimento, não há outro livro sobre o assunto que se lhe compare em realismo e beleza.
Diz Emmanuel que, já velho e marcado pelos diversos maus-tratos que lhe infligiram, Paulo foi preso e levado à presença do Imperador Nero, o César, em Roma, para defender-se das acusações que lhe faziam os judeus sobre a violação de suas leis. Foi libertado temporariamente, sob condição de não se afastar da cidade...
Alguns dias depois, conduzido por seis soldados a um dos cemitérios da cidade, ali, foi barbaramente assassinado por um golpe de espada na garganta. Antes de morrer, corajosamente, Paulo diz ao militar encarregado de sua execução:

 “[...] Os discípulos de Jesus não temem os algozes que só lhes podem aniquilar o corpo. Não julgueis que vossa espada possa eliminar-me a vida, de vez que, vivendo estes fugazes minutos em corpo carnal, isso significa que vou penetrar, sem mais demora, nos tabernáculos da vida eterna, com o meu Senhor Jesus Cristo, o mesmo que vos tomará contas, tanto quanto a Nero e Tigelino!... (XAVIER, 2002, cap. 10, p. 594).

            Diz o Espírito Lázaro (apud KARDEC, 2017, cap. 11, p. 150) que “O amor resume a doutrina de Jesus inteira, porque é o sentimento por excelência [...]”. Sim, a Lei de Deus se resume numa só, conforme o Cristo nos disse: a do Amor. Saulo fora a justiça, mas justiça sem amor é impiedade. Estêvão, Abigail e Paulo, convertidos pelo amor, conheceram a verdadeira Justiça Divina, aquela que concede “a cada um segundo as suas obras”, como nos afirmou Jesus (Mateus, 16:27). Esse mesmo Messias Divino veio ao encontro de Paulo, ladeado por Estêvão e Abigail, e, enlaçados pelo Amor, seguiram para as "esferas da Verdade e da Luz" (XAVIER, 2002, cap. 10, p. 599).

Referências

BÍBLIA de Jerusalém. 3. imp. São Paulo: Paulus, 2002.

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. Brasília: FEB, 2017.

KREMER, Ruy. Paulo, um homem em Cristo. Rio de Janeiro: FEB, 2011.

XAVIER, Francisco C. Paulo e Estêvão. Pelo Espírito Emmanuel. 2. ed. esp. Rio de Janeiro: FEB, 2002.

(Artigo publicado em Reformador/FEB em jan. 2019.)


Nenhum comentário:

Postar um comentário

  Star Wars Day (Irmão Jó) Quando do encontro de estrelas Lá no espaço sideral, O mundo emudece ao vê-las Em luta entre o bem e o mal.   Gua...