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terça-feira, 29 de outubro de 2019




Em dia com o Machado 391:
 Vivendo como porco(Jó)

        Disse Jesus: — “Não deiteis as coisas santas aos cães, nem atireis vossas pérolas aos porcos” (Mateus, 7: 6).
        Os evangelhos citam diversas frases de Jesus que nos demonstram o Amor Divino pelos vegetais e animais, como aquela em que Ele recomenda-nos não nos preocupar com o dia de amanhã, pois até as aves do céu e os lírios do campo são objeto da previdência e providência do Pai.
Em seguida, ressalta que o zelo de Deus é muito maior conosco, seus filhos, do que com os demais seres da criação.
        Os Espíritos já haviam informado a Kardec sobre a questão da evolução do ser, da inércia aparente à condição moral. No reino mineral, a matéria é “inerte”; no reino vegetal, surge a sensibilidade e a vitalidade, junto da “matéria inerte”; no animal, estão presentes a “matéria inerte”, a “vitalidade” e “uma espécie de inteligência instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e de sua individualidade”. Por fim, o ser individualizado adquire “consciência do seu futuro, percepção das coisas extramateriais e o conhecimento de Deus” (questão 585 d’O Livro dos Espíritos). É este o ser humano.
        Ou seja, as plantas não “têm consciência de sua existência”, pois “só têm a vida orgânica” (op. cit., q. 586). Alguns animais são dotados pela natureza de capacidade física superior à dos homens, mas agem predominantemente por instinto, embora muitos já demonstrem “vontade determinada” e “inteligência limitada” às suas necessidades materiais (id., q. 593). Seu “desenvolvimento intelectual”, entretanto, “sempre bastante limitado, é devido à ação do homem sobre uma natureza maleável, pois não há nenhum progresso que lhe seja próprio” (id, ibid.), ao contrário do que ocorre com os seres humanos.
        Algo muito louvável em nosso tempo é o respeito e os cuidados que a Sociedade Protetora dos Animais tem empreendido na defesa da vida e do bem-estar de nossos irmãos inferiores, em especial, cães e gatos. O Brasil é o segundo país do mundo em número de animais de estimação. Dentre 74 milhões destes, 70% são cães e 30% são gatos.
        Já disse aqui, certa vez, que me entristeci com o que ouvi de pessoa  possuidora de considerável teoria espiritual, mas que pôs o direito canino acima da justiça humana: “— Se me deparasse com um cachorrinho se afogando e com uma criança na mesma situação, e tivesse de escolher quem salvar, optaria por salvar o cachorro, pois a criança pode estar passando por uma expiação, e o animal, não”. Conhecimento incompleto sobre a Justiça Divina, que, se nos põe ante tal situação, é para que salvemos a criança em primeiro lugar.
        Fiz pesquisa, também, sobre o número de órfãos que aguardam adoção em nosso país: 47.000 crianças e adolescentes.
A fila de pretensos adotantes é grande. O problema é que eles procuram crianças inexistentes em adoção: desejam crianças brancas, de até quatro anos, sem doença e sem irmãos. Com isso, milhares de crianças e adolescentes ficam em abrigos e casas de acolhimento até os dezoito anos de idade.
        Agora, vou narrar cena chocante que vi há poucos dias. Ao sair do comércio, com minha esposa, caminhávamos em direção ao carro, estacionado próximo do local, quando ela me disse ter avistado, do outro lado da rua, uma mulher idosa colocar dentro de contêiner, destinado a restos de alimentos e lixo, um menino com cerca de três anos de idade. Sua intenção era a de que a criança, raquítica, recolhesse, no fundo da lixeira, algum alimento em condição de ser reutilizado ou mesmo saciasse sua fome com isso.
O bicho, poema de Carlos Drummond de Andrade, perdeu espaço para o novo animal, pois aquele era um homem e este, quase um bebê.
No princípio, não acreditei, pois apenas avistei a distância dois grandes contêineres. Ao lado destes, três senhoras. Segundos depois, entretanto, vi quando, levantada pelos braços da idosa, emergia, do fundo da lixeira, aquela criança negra, extremamente magra e sem camisa. Talvez tenha comido restos de alimentos podres!
Em resposta à pergunta de Kardec se a alma dos animais é semelhante à dos homens, ele é informado  de que “Entre a alma do animal e a do homem há tanta distância quanto a que existe entre a alma do homem e Deus” (op. cit., q. 597a). Entretanto, o que vemos é seres humanos vivendo em situação mais degradante do que a de muitos animais. E isso desde os primeiros anos de sua atual existência!
Tal absurdo, ainda em nossos dias, faz-nos refletir sobre a resposta anterior dos Espíritos a Allan Kardec na questão 592:

— Se compararmos o homem e os animais em relação à inteligência, parece difícil estabelecer uma linha de demarcação, porque alguns animais têm, sob esse aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Essa linha de demarcação pode ser estabelecida de maneira precisa?
— Quanto a esse ponto, os vossos filósofos não estão de acordo em quase nada. Uns querem que o homem seja um animal, e outros que o animal seja um homem. Todos estão errados. O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes ou que pode elevar-se muito alto [...]. Pobres homens, que vos situais abaixo dos brutos! Não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.

        Essa consciência plena de nossos atos segue conosco, ao contrário do que ocorre com os animais, cujo livre-arbítrio é limitado à sua vida orgânica. No ser humano, o amplo exercício do livre-arbítrio acarreta consequências morais que se estendem além da vida física. Cientes disso, percebemos que não podemos violar as Leis Divinas, como  nos diz o Espírito Antero de Quental no poema intitulado

Deus

Largos anos passei, aí no mundo,
A pensar, meditando na existência
De Deus — o Ser de paz e de clemência,
Fonte de todo o amor puro e fecundo.

Eu fiz, na sua busca, estudo fundo
Através toda a humana consciência,
E dos ínvios caminhos da Ciência
Pela Terra, no Mar, no Céu profundo.

Bem desejava achá-lo, amá-lo e vê-lo,
E servi-lo, adorá-lo e conhecê-lo,
Em doce crença inalterável, viva.

Mas não o vi jamais, porque, mesquinho,
Enveredei aí por mau caminho:
— O trilho da ciência positiva.

                      II

Eu devia buscá-lo onde Ele mora:
Na suma perfeição da Natureza,
E no esplêndido encanto e na beleza,
Do Céu, do Mar, da Lua, da Fauna, e Flora.

Eu podia encontrá-lo em cada hora
Nessa vida: — no amor, e na Pureza,
Na Paz e no Perdão, e na Tristeza,
E até na própria Dor depuradora.

Mas eu andava cego e nada via;
E a Vaidade escolheu para meu guia
A Ciência falaz, enganadora!

Se o guia fosse a Fé ou a Bondade,
Vê-lo-ia daí na Imensidade
Como, em verdade, O vejo em tudo agora.

(In: LACERDA, F. de. Do País da Luz. FEB, v. 3)

sexta-feira, 25 de outubro de 2019





5.7.8 A melancolia

Você sabe por que uma vaga tristeza se apodera por vezes de seu coração, e lhe faz sentir a vida tão amarga? É seu Espírito que aspira à felicidade e à liberdade, e que, ligado ao corpo que lhe serve de prisão, se cansa em vãos esforços para dele escapar. Mas, vendo que esses esforços são inúteis, cai no desânimo, submetendo o corpo sob sua influência, à languidez, ao abatimento, e uma espécie de apatia toma conta de você e você considera-se  infeliz.
Creia em mim, resista com energia a essas impressões que enfraquecem sua vontade. Esses desejos por uma vida melhor são inatos no Espírito de todos os homens, mas não a busque neste mundo. E agora, que Deus lhe envia seus Espíritos para o instruírem sobre a felicidade que lhe está reservada, espere pacientemente o anjo da libertação, que o ajudará a romper os laços que prendem seu Espírito.
Lembre-se de que você deve cumprir, durante sua prova na Terra, uma missão que não suspeita, dedicando-se à sua família ou cumprindo os vários deveres que Deus lhe confiou. E se, no curso dessa provação e no desempenho de sua tarefa, exonerando-se de seus encargos, você vê os cuidados, as  preocupações e as tristezas desabarem sobre si, seja forte e corajoso para suportá-los.
Enfrente-as corajosamente, pois são de curta duração e devem conduzi-lo junto aos amigos por quem chora, que se alegrarão com sua chegada e lhe estenderão os braços, para o levar a um lugar em que não têm acesso as amarguras da Terra.
François de Genève
Bordeaux (sem data)

Tradução livre do Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira, da terceira edição francesa

terça-feira, 22 de outubro de 2019




Em dia com o Machado 390:
Donde surge o mal? (Jó)


      Dr. Plotino, meu amigo, encaminhou-me texto interessante sobre a etiologia do mal que, embora respaldado por teoria atual, os autores, honestamente, admitem não ter comprovação científica. Eles têm por base as pesquisas de Simon Baron-Cohen, publicadas em Science of Evilt, que sugerem a localização da crueldade humana em certa parte do cérebro. Dependendo da quantidade de ocitocina (ou oxitocinona), hormônio produzido pelo hipotálamo, o livre-arbítrio estaria comprometido em todos nós, pois  a quantidade desse hormônio na hipófise é que determinaria nossa propensão ao mal e não nossa vontade.
   Nessa concepção, a Ocitocina, produzida em baixos níveis, diminui nossa empatia para com as demais pessoas. E a maldade, dizem eles, seria a falta de empatia, ou seja, do uso da emoção adequada para resposta à identificação do que outrem pensa.
    Sem essa capacidade, a pessoa não controlaria o instinto de agressão nem impediria outrem de agredir alguém. Como “prova”, explicam que ao ser administrada, via nasal, dose suplementar de Ocitocina, ocorre um aumento da empatia no paciente. Com isso, ele torna-se mais afável para com as pessoas, em virtude da diminuição de sua ansiedade e do medo de contatos sociais.
   Falta a esses teóricos o conhecimento das propriedades do perispírito. Vejamos o que diz o Espírito Manoel Philomeno de Miranda, na obra Temas da Vida e da Morte, psicografada por Divaldo Pereira Franco,[1] a respeito da função do perispírito, ou corpo espiritual que intermedeia a alma, Espírito encarnado, ao corpo físico, nas manifestações do pensamento em nossa existência.

Portador de expressiva capacidade plasmadora, o perispírito registra todas as ações do Espírito através dos mecanismos sutis da mente que sobre ele age, estabelecendo os futuros parâmetros de comportamento nas reencarnações porvindouras.
[...]
Captando o impulso do pensamento e computando a resposta da ação, a ele se incorporam os fenômenos da conduta atual do homem, assim programando os sucessos porvindouros, mediante os quais serão aprimoradas as conquistas, corrigidos os erros e reparados os danos destes últimos derivados (MIRANDA, 2018, p. 36).
        
      Em seguida, Miranda fornece-nos uma série de esclarecimentos, que seriam de grande utilidade aos estudiosos atuais do cérebro e psiquismo humano, sem desconsiderar, em parte, “a hereditariedade nos processos da reencarnação”:

Cada Espírito é legatário de si mesmo. Seus atos e sua vida anterior são os plasmadores da sua nova existência corporal, impondo os processos de reabilitação, quando em dívida, ou de felicidade, se em crédito, sob os critérios da Divina Justiça.
Certamente, caracteres físicos, fisionômicos e até alguns comportamentais resultam das heranças genéticas e da convivência em família, jamais os de natureza psicológica que afetam o destino, ou de ordem fisiológica no mapa da evolução.
Saúde e enfermidade, beleza e feiura altura e pequenez, agilidade e retardamento, como outras expressões da vida física, procedem do Espírito que vem recompor e aumentar os valores bem ou mal utilizados nas existências pretéritas
Além desses, os comportamentos e as manifestações mentais, sexuais, emocionais decorrem dos atos perpetrados antes e que a reencarnação traz de volta para a indispensável canalização em favor do progresso de cada ser.
As alienações, os conflitos e traumas, as doenças congênitas, as deformidades físicas e degenerativas, assim como as condições morais, sociais e econômicas, são capítulos dos mecanismos espirituais, nunca heranças familiares, qual se a vida estivesse sob injunções do absurdo e da inconsequência (MIRANDA, op. cit., p 38).
     
      Conclusão: não é o cérebro que determina as ações humanas, sejam para o bem, sejam para o mal. Ele é simplesmente um órgão de manifestação do Espírito imortal, que plasma, desde o nascimento, suas tendências superiores ou inferiores. Estas, entretanto, serão corrigidas, sempre, de acordo com o livre-arbítrio de cada um, cujas consequências, boas ou más, dependerão do ser em harmonia com o bem ou com o mal. Daí resulta, para cada individualidade, a felicidade ou a expiação. Até que estejamos quites com a Lei de Deus, que reside em nossas consciências.[2]
       




[1] MIRANDA, Manoel Philomeno (Espírito). Temas da Vida e da Morte. Psicografia de Divaldo Pereira Franco. Brasília: FEB, 2018. Pensamento e perispírito.
[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. Brasília: FEB, 2017, questão 621.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019






5.7.7 A desgraça real

Todo o mundo fala da desgraça, todos a experimentaram e julgam conhecer o seu caráter múltiplo. Venho dizer-lhes, porém, que quase todos se enganam, e que a verdadeira desgraça não é, de maneira alguma, aquilo que os homens, ou seja, os desgraçados, o supõem. Eles a veem na miséria, no fogão sem fogo, no credor ameaçador, no berço vazio do anjo que antes sorria, nas lágrimas, no féretro que se acompanha de cabeça descoberta e coração partido, na angústia da traição, na privação do orgulhoso que desejava vestir-se de púrpura e esconde sua nudez nos farrapos da vaidade. Tudo isso e muitas outras coisas ainda chamam-se desgraça, na linguagem humana. Sim, é desgraça para aqueles que nada veem além do presente; mas a verdadeira desgraça está mais nas consequências de uma coisa do que na própria coisa.
Diga-me se o acontecimento mais feliz no momento, mas que tem consequências ruins, não é, na realidade, mais desgraçado do que aquele que primeiro causa viva contrariedade e acaba por produzir o bem. Diga-me se a tempestade que despedaça as árvores, mas purifica o ar, dissipando os miasmas insalubres que poderiam causar a morte, não é antes uma felicidade que uma desgraça.
Para julgar uma coisa, é necessário ver-lhe as consequências. É assim que, para julgar o que é realmente feliz ou desgraçado para o homem, é necessário transportar-se para além desta vida, porque é lá que as consequências são sentidas. Ora, tudo aquilo que ele chama desgraça, de acordo com a sua curta visão, cessa com a vida e tem sua compensação na vida futura.
Vou revelar-lhes a desgraça sob uma nova forma, sob a forma bela e florida que acolhem e desejam, com todas as forças de suas almas iludidas. A desgraça é a alegria, o prazer, a fama, a vã agitação, a louca satisfação da vaidade que fazem calar a consciência, que comprimem a ação do pensamento, que atordoam o homem quanto ao seu futuro. A desgraça, enfim é o ópio do esquecimento, que buscam com o mais ardente desejo.
Esperem os que choram! Tremam, os que riem, porque seu corpo está satisfeito! Não se pode enganar a Deus; ninguém escapa ao destino; e as provas, credoras mais impiedosas que a malta que os deixa na miséria, espreitam seu repouso ilusório, para os mergulhar de súbito na agonia da verdadeira desgraça, daquela que surpreende a alma amolecida pela indiferença e o egoísmo.
Que o Espiritismo esclareça-os, portanto, e reponha, sob a verdadeira luz, a verdade e o erro, tão estranhamente desfigurados pela sua cegueira. Então, agirão como bravos soldados que, longe de fugir ao perigo, preferem a luta nos combates arriscados, à paz que não oferece nem glória nem progresso. Que importa ao soldado perder as armas, o equipamento e a farda, na refrega, contanto que saia vitorioso e com glória! Que importa, àquele que tem fé no futuro, deixar, no campo de batalha da vida, sua fortuna e sua veste carnal, contanto que sua alma  entre, radiosa, no reino celeste?
Delfina de Girardin
Paris, 1861.

Tradução livre do Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira da terceira edição francesa.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019




Em dia com o Machado 389:
 estrela de primeira grandeza – II (Jó)

“[O Espiritismo] foi a obra de minha vida.” – Allan Kardec (Revista Espírita, jul. 1865)

            26 anos antes de ter ouvido seu amigo Fortier falar-lhe das “mesas falantes”, o jovem Rivail, então com 24 anos de idade, escreveu numa de suas obras pedagógicas: “Aquele que houver estudado as ciências rirá, então, da credulidade supersticiosa dos ignorantes. Não mais crerá em espectros e fantasmas. Não mais aceitará fogos-fátuos por Espíritos”.[1]
            O moço sobrepunha ao misticismo o espírito prático e racional da ciência e da filosofia positivista. Por isso, nada julgava sem antes observar e experimentar, como confirmaria em O que é o Espiritismo, cap. I, it. Oposição da ciência, editado dois anos após a publicação d’O Livro dos Espíritos, ou seja, em 1859. Questionado, agora, sobre em que se firmava sua crença na existência de Espíritos e sua comunicação com os “vivos”, responderia o Codificador do Espiritismo:

Essa crença se apoia sobre o raciocínio e sobre os fatos. Eu próprio não a adotei senão depois de meticuloso exame. Tendo adquirido, no estudo das ciências exatas, o hábito das coisas positivas, sondei, perscrutei essa nova ciência nos seus mais íntimos refolhos; busquei a explicação de tudo, porque só aceito uma ideia quando lhe conheço o como e o porquê.[2]

            Assim como Kardec, toda pessoa de bom senso sabe que “contra fatos não existem argumentos”. É muito importante continuar a leitura dessa informação do Codificador, que se estende por três páginas da obra citada. Ela mostra-nos a diferença entre o método de pesquisa científica, baseado fundamentalmente nas comprovações laboratoriais, e o sistema adotado por Allan Kardec, mas ainda com base na filosofia de Auguste Comte, de quem adaptou o método de observação e experimentação aos fatos mediúnicos. Desse modo, criou a ciência espírita, após ter sido convidado a participar das reuniões mediúnicas na casa da família Plainemaison, em maio de 1855. Nada mais natural, pois agora eram os Espíritos, ou seja, inteligências providas de livre-arbítrio, que se manifestariam de modo diverso ao da ciência física e matemática newtoniana.
            Na divulgação das manifestações dos Espíritos, Rivail adotou o pseudônimo Allan Kardec, para não ser confundido com seu nome de batismo, que já se destacara como educador, escritor e pedagogo francês. A estrela nascida em Lyon, em 3 de outubro de 1804 refulge, pois, com novo nome. Desde então, o brilho inconteste de Rivail seria eclipsado pelo de Allan Kardec, que dedicaria todo o restante de sua existência de abnegação e devotamento ao próximo para legar ao mundo a Terceira Revelação Divina, sob a inspiração, proteção e supervisão de Jesus Cristo e seus emissários.
            Das observações atentas e experiências realizadas com diversos médiuns, na casa da Sra. Plainemaison, Kardec passaria a outra casa. A da família Baudin, que se somando a outros médiuns, como as jovens Japhet e Ermance Dufaux, também participariam ativamente dos trabalhos de intercâmbio mediúnico codificados pelo missionário do Cristo.
Segundo Abreu[3], Ermance de la Jonchére Dufaux, que aos doze anos já manifestara dons mediúnicos, participou da “elaboração da segunda edição d’O Livro dos Espíritos, que teve ampliadas as 501 questões da primeira edição para 1.019 questões. Kardec recebeu “grande incentivo” do guia espiritual de Dufaux para a edição da Revista Espírita. Esse periódico foi editado por Kardec de 1858 a 1869, ou seja, até o final de sua vida.
No dia 30 de abril de 1856, na casa do Sr. Roustan, a jovem Japhet já havia transmitido a Rivail sua missão, por intermédio do Espírito de Verdade, que o alertara para ser discreto e acrescentou: “Tomarás mais tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que ora te surpreende”.[4] Humildemente, o Codificador da Doutrina Espírita aceita a missão, submetendo-se à vontade do Senhor, mas pedindo-lhe “forças físicas e morais” para a gigantesca tarefa.
Confirmava-se, a partir de então, o brilho dessa estrela de primeira grandeza. Durante quase quatorze anos, embora trabalhando exaustivamente naquela que seria, em suas palavras, a obra de sua vida, todo o monumento da Doutrina Espírita Allan Kardec atribuiu exclusivamente aos Espíritos.
Sabemos, entretanto, que, guiado principalmente pelas orientações do Cristo, Kardec submetia todas as revelações dos Espíritos ao que ele chamou de “consenso universal”.
Só admitia uma informação como verdadeira após esta ser confirmada por outras, recebidas em diversos lugares e por médiuns diferentes. Foi assim que nos deixou a imortal obra do chamado “pentateuco kardequiano”[5] e o não menos importante trabalho da Revista Espírita, que lhe serviu como uma espécie de laboratório experimental, além de outras obras valiosas.
Suas obras viriam a ser complementadas, desde então, pela produção de excelentes médiuns, surgidos em vários países, com ênfase no Brasil. Também devotados e abnegados escritores e expositores, assim como seus guias espirituais e demais Espíritos colaboradores da obra de Jesus, dão prosseguimento ao trabalho do Codificador e esparzem sobre a humanidade as luzes compartilhadas pelo humilde e sábio lionês, fiel servidor do Consolador, o Espírito de Verdade, que veio para permanecer conosco para sempre. Seu servo leal, estrela de primeira grandeza, será para sempre conhecido como Allan Kardec. 



[1] WANTUIL, Zêus (org.); Thiesen, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. 4. ed. Brasília: FEB, 2019, p. 214.
[2] KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2009, p. 51.
[3] ABREU, Canuto. O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária.  São Paulo: Lar da Família Universal, 1992, p. 88.
[4] WANTUIL, Zêus (org.); Thiesen, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. 4. ed. Brasília: FEB, 2019, p. 218.
[5] 1. O Livro dos Espíritos; 2. O Livro dos Médiuns; 3. O Evangelho Segundo o Espiritismo; 4. O Céu e o Inferno e 5. A Gênese.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019




5.7.6 Os tormentos voluntários

O ser humano está incessantemente à procura da felicidade, que lhe escapa sem cessar, porque a felicidade sem mistura não existe na Terra. No entanto, apesar dos insucessos que formam o desfile inevitável desta vida, poderia, pelo menos, desfrutar de uma felicidade relativa, se não a procurasse em coisas perecíveis e sujeitas às mesmas vicissitudes, ou seja, nos prazeres materiais, em vez de a buscar nos prazeres da alma, que são um prazer antecipado das alegrias celestes imperecíveis. Em vez de buscar a paz do coração, única felicidade real neste mundo, está ávido de tudo o que pode agitá-lo e perturbá-lo. E, coisa curiosa, parece criar de propósito tormentos que só a ele cabia evitar.

Existem maiores tormentos do que os causados por inveja e ciúme? Para os invejosos e os ciumentos, não há descanso, pois estão perpetuamente febris; o que eles não têm e o que os outros têm causam-lhes insônia. Os sucessos de seus rivais dão-lhes vertigens; toda competição para eles é exercida apenas para eclipsar seus vizinhos, toda a sua alegria está em excitar, nos insensatos como eles, a fúria do ciúme de que estão possuídos. Pobres insensatos, com efeito, que não se lembram de que, talvez amanhã, tenham de deixar todas as futilidades, cuja cobiça lhes envenena a vida! Não é a eles que se aplicam estas palavras: "Bem-aventurados os aflitos porque serão consolados", pois as suas preocupações não têm compensação no céu.

Quantos tormentos, ao contrário, consegue evitar quem sabe contentar-se com o que tem, que vê sem inveja o que não possui, que não procura parecer mais do que é. Essa pessoa é sempre rica, pois se olha para baixo de si, em vez de olhar para acima, vê sempre os que possuem menos do que ela. É calma, porque não cria para si necessidades absurdas. E a calma em meio das tormentas da vida não será uma felicidade?

Fénelon
Lyon, 1860.

Tradução livre do Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira


terça-feira, 8 de outubro de 2019




Em dia com o Machado 388:
outubro: nasce uma estrela de primeira grandeza – I (Jó)

No dia 3 de outubro de 1804, em Lyon, França, nasceu Hippolyte Léon Denizard Rivail, filho único de casal católico de classe média, que aos dez anos de idade, já residindo em Paris, após os primeiros anos escolares, foi estudar no Instituto Educacional Pestalozzi, em Yverdon, na Suíça. Essa escola foi criada por Johann Heinrich Pestalozzi, protestante eclético e renomado, devido ao sistema pedagógico que implantou, famoso na Europa.
Quem poderia imaginar o que o futuro reservaria àquele menino? Ele retornou da Suíça à Cidade Luz, crê-se que aos dezoito anos de idade, com cabedal de conhecimentos muito superior ao que era ensinado em sua época. E, no firme propósito de contribuir para o desenvolvimento do sistema de ensino da época, na França, implantou ali o que aprendeu do método pestalozziano.
As dissenções e intolerâncias religiosas entre professores protestantes e católicos, por motivos de interpretações dogmáticas, levaram a Instituição de Pestalozzi a irreparáveis prejuízos, até sua extinção futura. Rivail, atento à reflexão do pedagogo de que o mais importante nas religiões é a prática de sua moral elevada, sonhava encontrar o elo para a realização desse objetivo. Esse ideal sublime já se delineara no mundo espiritual, e Jesus Cristo já estava preparando o futuro codificador do Espiritismo para o auxiliar na transformação do mundo...
Desde seu retorno, Rivail começou a se destacar no ensino de matemática e do idioma francês. Em poucos anos, já possuía vasto domínio do alemão, do inglês e algumas línguas latinas. Traduziu diversas obras do alemão para o francês.
Aos 19 anos! (dez. 1823), publicou a obra Curso Prático e Teórico de Aritmética, que, por estar sendo impresso no final do ano, trazia a data de 1824. Esta obra continha 624 páginas. Aos 27 anos (1831), publicou a Gramática Francesa Clássica. Esses livros proporcionaram-lhe renome na França.
Não bastasse isso, Rivail fundou, em Paris, em 1825, a Escola de Primeiro Grau, e, em 1826, a Instituição Rivail. Esses educandários adotaram a metodologia de ensino pestalozziano, cujo princípio era o de que nada deveria ser memorizado sem antes se saber o porquê e para quê do aprendizado de qualquer coisa.
Em 1832, Rivail casa-se com a professora de Letras e Belas Artes, Amélie-Gabrielle Boudet, poetisa e desenhista, autora de três livros. A partir de então, durante toda a sua existência, o futuro codificador do Espiritismo contaria com o amor e a colaboração diuturna de sua querida e dedicada esposa.
Amélie Boudet igualmente se converteria à Nova Revelação Divina, à qual dedicaria, também, todos os dias de seus longos e abençoados anos de vida física. Não somente enquanto o marido viveu, como também após a desencarnação deste, a professora Amélie Boudet, junto a abnegados companheiros espíritas, continuaria os trabalhos de divulgação espírita e prática da caridade iniciados por Rivail.
De 1835 a 1840, Rivail lecionou, gratuitamente, diversas disciplinas: física, química, astronomia, fisiologia, anatomia comparada etc. O método pestalozziano intuitivo-racional foi adaptado por Rivail, que partia sempre do conhecido para o desconhecido, do simples para o composto, da observação para a aplicação.
Membro de vários institutos e academias francesas, desde a idade de 23 anos, Rivail frequentava a Sociedade de Magnetismo de Paris, a mais renomada da França. Um dos seus amigos, participante também dessa sociedade, foi o Sr. Fortier, que, em 1854, falou-lhe sobre as “mesas girantes e falantes”.
É conhecida a frase de Kardec sobre o assunto: “— Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que a mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula [...]”.[1]
No ano seguinte, viu, observou, experimentou, acreditou... Mas isso fica para a próxima crônica.




[1] WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec: o educador e o codificador. Organizador: Zêus Wantuil. 4. ed. Brasília: FEB, 2019, p. 213.

sexta-feira, 4 de outubro de 2019









5.7.5 Se fosse um homem de bem, teria morrido

Dizem, frequentemente, ao falar de um homem mau que escapa dum perigo: Se fosse um homem de bem, teria morrido. Pois bem, ao dizerem isso, falam uma verdade, porque, efetivamente, Deus concede, muitas vezes, a um Espírito ainda jovem, na senda do progresso, uma prova mais longa do que a de um bom, que receberá, em recompensa ao seu mérito, a bênção de uma prova tão curta quanto possível. Assim, pois, quem se utiliza daquele axioma, não há dúvida de que está blasfemando.
Se morre um homem de bem, cujo vizinho é mau, apressam-se em dizer: Seria bem melhor se tivesse morrido este. Cometem, então, um grande erro, porque aquele que parte terminou sua tarefa, e o que fica pode nem a ter começado. Por que querem, então, que o mau não tenha tempo de acabá-la, e que o outro continue aprisionado à terra? Que dirão vocês de um prisioneiro que, tendo concluído sua pena, continue na prisão, enquanto se dá liberdade a outro que não tem esse direito? Fiquem sabendo que a verdadeira liberdade está no livramento dos laços que os prendem ao corpo, e que, enquanto vocês estão  na Terra, estão em cativeiro.
Habituem-se a não censurar o que não podem compreender e creiam que Deus é justo em todas as coisas. Frequentemente, o que lhes parece um mal é um bem. Mas suas faculdades são tão limitadas, que o conjunto do grande todo escapa a seus sentidos obtusos. Esforcem-se para sair, pelo pensamento, de sua estreita esfera, e, à medida que se elevarem, a importância da vida material diminuirá a seus olhos. Porque ela lhes aparecerá como um simples incidente, na duração infinita da sua existência espiritual, a única existência verdadeira.
Fénelon
Sens, 1861.

terça-feira, 1 de outubro de 2019




EM DIA COM O MACHADO 387:
eles estão chegando... (Jó)

No dia 25 de abril de 1866, dois médiuns entraram em estado sonambúlico na Sociedade Espírita de Paris. Um deles chamava-se M..., e o outro, T... Naquela data memorável, eles trouxeram ao mundo uma notícia espantosa, que ocupou nada menos de quinze páginas da Revista Espírita de outubro de 1866. O assunto foi resumido em Obras Póstumas e tem como título Regeneração da humanidade.
De tal modo Allan Kardec ficou impressionado com o tema, que interrompeu a continuação do artigo que vinha escrevendo anteriormente sobre Maomé e o Islamismo, em agosto daquele ano, e, em setembro, não lhe fora possível continuar. Em outubro, ao contrário do que pensara fazer, em relação à continuação desse texto, iniciou a revista com a mensagem dada por grande número de Espíritos: Os tempos são chegados. Em continuação a esse tema, surge a grande notícia sobre a Regeneração da humanidade.
Maomé e o Islamismo, tema também de altíssimo interesse, só seria retomado em novembro daquele ano. Importante lembrar, aqui, que, para Deus, representado pelo Cristo e pelos Espíritos superiores, século e meio é “nada”. Atualmente, podemos dizer, sem medo de errar, em relação aos acontecimentos extraordinários para a regeneração da humanidade: “Eles estão chegando...”.
Sintetizamos, então, o que fora previsto, pela Espiritualidade superior, para o momento que estamos vivendo. A primeira mensagem informa-nos  que tudo, na obra da Criação, revela a previdência e sabedoria divina.
Desse modo, nosso mundo, como tudo o que existe no universo, submete-se à lei do progresso físico e moral, não só pela transformação dos seus elementos, como pela depuração dos seus Espíritos, encarnados e desencarnados. Somos ainda esclarecidos de que Deus se utiliza da inteligência dos seres humanos, tanto quanto do império dos elementos da Natureza, para o desenvolvimento material.
Entretanto, já não nos basta desenvolver a inteligência, é preciso que desenvolvamos o sentimento. Para tal, haverá destruição de tudo quanto no ser humano possa excitar o orgulho e o egoísmo. Reforçam os mensageiros divinos que o período em que estamos será o marco de uma das fases principais da humanidade. São os tempos de transição para uma nova Era de paz, de amor, de fraternidade e de solidariedade entre todas as nações. Era, enfim, de progresso moral.
Para que tal aconteça, haverá antes intensas lutas, mas de ideias e não de cataclismos, que sempre houve no mundo. Será a batalha da fé contra a incredulidade. Então, o progresso moral, acompanhado pelo da inteligência, impedirá as paixões negativas, pois somente ele pode instaurar, no mundo, a fraternidade, o entendimento e a paz.
Após relatar o conteúdo das afirmações simbólicas sobre a chegada dos tempos, o Codificador do Espiritismo aborda as mensagens dos médiuns que preveem a regeneração da humanidade. As mudanças vêm ocorrendo paulatinamente, mas uma coisa é dada como certa pelos bons Espíritos: as almas mais atrasadas não mais reencarnarão na Terra. Serão substituídas pelas mais adiantadas.
Nesse momento, o relato alcança o tempo que vivemos de forma clara e com precisão extraordinárias. Após informar sobre  destruição que seria causada pelos cegos espiritualmente, em virtude do seu egoísmo e orgulho que, entretanto, apressaria a era da renovação, eis o que nos foi revelado 153 anos atrás:

E como se a destruição não marchasse bastante depressa, ver-se-ão suicídios multiplicando-se em proporção nunca vista, até entre crianças. A loucura jamais terá ferido maior número de homens que, mesmo antes da morte, serão riscados do número dos vivos. São estes os verdadeiros sinais dos tempos. E tudo isto se realizará pelo encadeamento das circunstâncias, assim como dissemos, sem que em nada sejam derrogadas as leis da natureza (Revista Espírita, out. 1866).

Somos informados adiante de que os maus serão gradativamente afastados da Terra. Em seu lugar, renascerão Espíritos bons, que trabalharão pelo progresso da humanidade. Mais uma vez, a Espiritualidade superior nos esclarece:

As grandes partidas coletivas não apenas terão como objetivo ativar as saídas, mas transformar mais rapidamente o espírito da massa, desembaraçando-a das más influências, e dar maior ascendente às ideias novas (op. cit.).

            Reiterando o que afirmamos, no início, o Espírito Manoel Philomeno de Miranda traz-nos boas notícias na obra psicografada por Divaldo Franco, intitulada Amanhecer de Uma Nova Era:

Desafios, mudanças bruscas de comportamento, algumas encarniçadas lutas do passado dominador contra o futuro promissor assinalam este período. Nada obstante, a dúlcida presença do Sublime Galileu mimetiza todos aqueles que O busquem e tentem vinculação com o Seu amor inefável, ensejando alegria de viver e bem-estar em qualquer situação em que se encontrem.
Diluem-se as sombras da ignorância, embora persistam alguns desmandos do vandalismo de breve duração. A vitória do bem e do amor torna-se incontestável, e, em triunfo instala-se o amanhecer de uma nova era (FRANCO, D. P. Op. cit. Apresentação).

            Vivemos na aurora dos novos tempos! Unamo-nos na prática da indulgência para com as imperfeições alheias, da benevolência para com todos e do perdão das ofensas, a fim de merecermos a Terra destinada aos mansos, conforme promessa de Jesus (Mateus, 5:5).



  O livro   (Irmão Jó)   D esde cedo é importante I ncentivar a leitura A os nossos filhos infantes.   M ais tarde, na juventude, U ma vont...