5.7.6 Os tormentos voluntários
O ser humano está
incessantemente à procura da felicidade, que lhe escapa sem cessar, porque a
felicidade sem mistura não existe na Terra. No entanto, apesar dos insucessos
que formam o desfile inevitável desta vida, poderia, pelo menos, desfrutar de
uma felicidade relativa, se não a procurasse em coisas perecíveis e sujeitas às
mesmas vicissitudes, ou seja, nos prazeres materiais, em vez de a buscar nos
prazeres da alma, que são um prazer antecipado das alegrias celestes
imperecíveis. Em vez de buscar a paz do coração, única felicidade real neste mundo,
está ávido de tudo o que pode agitá-lo e perturbá-lo. E, coisa curiosa, parece
criar de propósito tormentos que só a ele cabia evitar.
Existem maiores
tormentos do que os causados por inveja e ciúme? Para os invejosos e os ciumentos,
não há descanso, pois estão perpetuamente febris; o que eles não têm e o que os
outros têm causam-lhes insônia. Os sucessos de seus rivais dão-lhes vertigens;
toda competição para eles é exercida apenas para eclipsar seus vizinhos, toda a
sua alegria está em excitar, nos insensatos como eles, a fúria do ciúme de que
estão possuídos. Pobres insensatos, com efeito, que não se lembram de que,
talvez amanhã, tenham de deixar todas as futilidades, cuja cobiça lhes envenena
a vida! Não é a eles que se aplicam estas palavras: "Bem-aventurados os
aflitos porque serão consolados", pois as suas preocupações não têm
compensação no céu.
Quantos tormentos, ao
contrário, consegue evitar quem sabe contentar-se com o que tem, que vê sem
inveja o que não possui, que não procura parecer mais do que é. Essa pessoa é
sempre rica, pois se olha para baixo de si, em vez de olhar para acima, vê sempre
os que possuem menos do que ela. É calma, porque não cria para si necessidades
absurdas. E a calma em meio das tormentas da vida não será uma felicidade?
Fénelon
Lyon, 1860.
Tradução livre do Prof.
Dr. Jorge Leite de Oliveira
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