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sexta-feira, 11 de outubro de 2019




5.7.6 Os tormentos voluntários

O ser humano está incessantemente à procura da felicidade, que lhe escapa sem cessar, porque a felicidade sem mistura não existe na Terra. No entanto, apesar dos insucessos que formam o desfile inevitável desta vida, poderia, pelo menos, desfrutar de uma felicidade relativa, se não a procurasse em coisas perecíveis e sujeitas às mesmas vicissitudes, ou seja, nos prazeres materiais, em vez de a buscar nos prazeres da alma, que são um prazer antecipado das alegrias celestes imperecíveis. Em vez de buscar a paz do coração, única felicidade real neste mundo, está ávido de tudo o que pode agitá-lo e perturbá-lo. E, coisa curiosa, parece criar de propósito tormentos que só a ele cabia evitar.

Existem maiores tormentos do que os causados por inveja e ciúme? Para os invejosos e os ciumentos, não há descanso, pois estão perpetuamente febris; o que eles não têm e o que os outros têm causam-lhes insônia. Os sucessos de seus rivais dão-lhes vertigens; toda competição para eles é exercida apenas para eclipsar seus vizinhos, toda a sua alegria está em excitar, nos insensatos como eles, a fúria do ciúme de que estão possuídos. Pobres insensatos, com efeito, que não se lembram de que, talvez amanhã, tenham de deixar todas as futilidades, cuja cobiça lhes envenena a vida! Não é a eles que se aplicam estas palavras: "Bem-aventurados os aflitos porque serão consolados", pois as suas preocupações não têm compensação no céu.

Quantos tormentos, ao contrário, consegue evitar quem sabe contentar-se com o que tem, que vê sem inveja o que não possui, que não procura parecer mais do que é. Essa pessoa é sempre rica, pois se olha para baixo de si, em vez de olhar para acima, vê sempre os que possuem menos do que ela. É calma, porque não cria para si necessidades absurdas. E a calma em meio das tormentas da vida não será uma felicidade?

Fénelon
Lyon, 1860.

Tradução livre do Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira


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