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sexta-feira, 18 de outubro de 2019






5.7.7 A desgraça real

Todo o mundo fala da desgraça, todos a experimentaram e julgam conhecer o seu caráter múltiplo. Venho dizer-lhes, porém, que quase todos se enganam, e que a verdadeira desgraça não é, de maneira alguma, aquilo que os homens, ou seja, os desgraçados, o supõem. Eles a veem na miséria, no fogão sem fogo, no credor ameaçador, no berço vazio do anjo que antes sorria, nas lágrimas, no féretro que se acompanha de cabeça descoberta e coração partido, na angústia da traição, na privação do orgulhoso que desejava vestir-se de púrpura e esconde sua nudez nos farrapos da vaidade. Tudo isso e muitas outras coisas ainda chamam-se desgraça, na linguagem humana. Sim, é desgraça para aqueles que nada veem além do presente; mas a verdadeira desgraça está mais nas consequências de uma coisa do que na própria coisa.
Diga-me se o acontecimento mais feliz no momento, mas que tem consequências ruins, não é, na realidade, mais desgraçado do que aquele que primeiro causa viva contrariedade e acaba por produzir o bem. Diga-me se a tempestade que despedaça as árvores, mas purifica o ar, dissipando os miasmas insalubres que poderiam causar a morte, não é antes uma felicidade que uma desgraça.
Para julgar uma coisa, é necessário ver-lhe as consequências. É assim que, para julgar o que é realmente feliz ou desgraçado para o homem, é necessário transportar-se para além desta vida, porque é lá que as consequências são sentidas. Ora, tudo aquilo que ele chama desgraça, de acordo com a sua curta visão, cessa com a vida e tem sua compensação na vida futura.
Vou revelar-lhes a desgraça sob uma nova forma, sob a forma bela e florida que acolhem e desejam, com todas as forças de suas almas iludidas. A desgraça é a alegria, o prazer, a fama, a vã agitação, a louca satisfação da vaidade que fazem calar a consciência, que comprimem a ação do pensamento, que atordoam o homem quanto ao seu futuro. A desgraça, enfim é o ópio do esquecimento, que buscam com o mais ardente desejo.
Esperem os que choram! Tremam, os que riem, porque seu corpo está satisfeito! Não se pode enganar a Deus; ninguém escapa ao destino; e as provas, credoras mais impiedosas que a malta que os deixa na miséria, espreitam seu repouso ilusório, para os mergulhar de súbito na agonia da verdadeira desgraça, daquela que surpreende a alma amolecida pela indiferença e o egoísmo.
Que o Espiritismo esclareça-os, portanto, e reponha, sob a verdadeira luz, a verdade e o erro, tão estranhamente desfigurados pela sua cegueira. Então, agirão como bravos soldados que, longe de fugir ao perigo, preferem a luta nos combates arriscados, à paz que não oferece nem glória nem progresso. Que importa ao soldado perder as armas, o equipamento e a farda, na refrega, contanto que saia vitorioso e com glória! Que importa, àquele que tem fé no futuro, deixar, no campo de batalha da vida, sua fortuna e sua veste carnal, contanto que sua alma  entre, radiosa, no reino celeste?
Delfina de Girardin
Paris, 1861.

Tradução livre do Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira da terceira edição francesa.

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