5.7.7
A desgraça real
Todo o mundo fala da desgraça, todos a experimentaram e julgam
conhecer o seu caráter múltiplo. Venho dizer-lhes, porém, que quase todos se
enganam, e que a verdadeira desgraça não é, de maneira alguma, aquilo que os
homens, ou seja, os desgraçados, o supõem. Eles a veem na miséria, no fogão sem
fogo, no credor ameaçador, no berço vazio do anjo que antes sorria, nas lágrimas,
no féretro que se acompanha de cabeça descoberta e coração partido, na angústia
da traição, na privação do orgulhoso que desejava vestir-se de púrpura e
esconde sua nudez nos farrapos da vaidade. Tudo isso e muitas outras coisas
ainda chamam-se desgraça, na linguagem humana. Sim, é desgraça para aqueles que
nada veem além do presente; mas a verdadeira desgraça está mais nas
consequências de uma coisa do que na própria coisa.
Diga-me se o acontecimento mais feliz no momento, mas que tem consequências
ruins, não é, na realidade, mais desgraçado do que aquele que primeiro causa viva
contrariedade e acaba por produzir o bem. Diga-me se a tempestade que despedaça
as árvores, mas purifica o ar, dissipando os miasmas insalubres que poderiam
causar a morte, não é antes uma felicidade que uma desgraça.
Para julgar uma coisa, é necessário ver-lhe as consequências. É
assim que, para julgar o que é realmente feliz ou desgraçado para o homem, é
necessário transportar-se para além desta vida, porque é lá que as
consequências são sentidas. Ora, tudo aquilo que ele chama desgraça, de acordo
com a sua curta visão, cessa com a vida e tem sua compensação na vida futura.
Vou revelar-lhes a desgraça sob uma nova forma, sob a forma bela
e florida que acolhem e desejam, com todas as forças de suas almas iludidas. A
desgraça é a alegria, o prazer, a fama, a vã agitação, a louca satisfação da
vaidade que fazem calar a consciência, que comprimem a ação do pensamento, que
atordoam o homem quanto ao seu futuro. A desgraça, enfim é o ópio do esquecimento,
que buscam com o mais ardente desejo.
Esperem os que choram! Tremam, os que riem, porque seu corpo está
satisfeito! Não se pode enganar a Deus; ninguém escapa ao destino; e as provas,
credoras mais impiedosas que a malta que os deixa na miséria, espreitam seu
repouso ilusório, para os mergulhar de súbito na agonia da verdadeira desgraça,
daquela que surpreende a alma amolecida pela indiferença e o egoísmo.
Que o Espiritismo esclareça-os, portanto, e reponha, sob a
verdadeira luz, a verdade e o erro, tão estranhamente desfigurados pela sua
cegueira. Então, agirão como bravos soldados que, longe de fugir ao perigo,
preferem a luta nos combates arriscados, à paz que não oferece nem glória nem
progresso. Que importa ao soldado perder as armas, o equipamento e a farda, na
refrega, contanto que saia vitorioso e com glória! Que importa, àquele que tem
fé no futuro, deixar, no campo de batalha da vida, sua fortuna e sua veste
carnal, contanto que sua alma entre,
radiosa, no reino celeste?
Delfina de Girardin
Paris, 1861.
Tradução livre do Prof. Dr. Jorge Leite de Oliveira da terceira
edição francesa.
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