Em dia com o Machado 391:
Vivendo como porco(Jó)
Disse Jesus: — “Não deiteis
as coisas santas aos cães, nem atireis vossas pérolas aos porcos” (Mateus, 7:
6).
Os evangelhos citam diversas frases de Jesus
que nos demonstram o Amor Divino pelos vegetais e animais, como aquela em que
Ele recomenda-nos não nos preocupar com o dia de amanhã, pois até as aves do
céu e os lírios do campo são objeto da previdência e providência do Pai.
Em seguida, ressalta que o zelo de Deus é
muito maior conosco, seus filhos, do que com os demais seres da criação.
Os Espíritos já haviam informado a
Kardec sobre a questão da evolução do ser, da inércia aparente à condição
moral. No reino mineral, a matéria é “inerte”; no reino vegetal, surge a
sensibilidade e a vitalidade, junto da “matéria inerte”; no animal, estão
presentes a “matéria inerte”, a “vitalidade” e “uma espécie de inteligência
instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e de sua
individualidade”. Por fim, o ser individualizado adquire “consciência do seu
futuro, percepção das coisas extramateriais e o conhecimento de Deus” (questão
585 d’O Livro dos Espíritos). É este o ser humano.
Ou seja, as plantas não “têm consciência
de sua existência”, pois “só têm a vida orgânica” (op. cit., q. 586).
Alguns animais são dotados pela natureza de capacidade física superior à dos
homens, mas agem predominantemente por instinto, embora muitos já demonstrem
“vontade determinada” e “inteligência limitada” às suas necessidades materiais
(id., q. 593). Seu “desenvolvimento intelectual”, entretanto, “sempre
bastante limitado, é devido à ação do homem sobre uma natureza maleável, pois
não há nenhum progresso que lhe seja próprio” (id, ibid.), ao contrário
do que ocorre com os seres humanos.
Algo muito louvável em nosso tempo é o
respeito e os cuidados que a Sociedade Protetora dos Animais tem
empreendido na defesa da vida e do bem-estar de nossos irmãos inferiores,
em especial, cães e gatos. O Brasil é o segundo país do mundo em número de
animais de estimação. Dentre 74 milhões destes, 70% são cães e 30% são gatos.
Já disse aqui, certa vez, que me
entristeci com o que ouvi de pessoa
possuidora de considerável teoria espiritual, mas que pôs o direito
canino acima da justiça humana: “— Se me deparasse com um cachorrinho se
afogando e com uma criança na mesma situação, e tivesse de escolher quem
salvar, optaria por salvar o cachorro, pois a criança pode estar passando por
uma expiação, e o animal, não”. Conhecimento incompleto sobre a Justiça Divina,
que, se nos põe ante tal situação, é para que salvemos a criança em primeiro
lugar.
Fiz pesquisa, também, sobre o número de órfãos
que aguardam adoção em nosso país: 47.000 crianças e adolescentes.
A fila de pretensos adotantes é grande. O
problema é que eles procuram crianças inexistentes em adoção: desejam crianças
brancas, de até quatro anos, sem doença e sem irmãos. Com isso, milhares de
crianças e adolescentes ficam em abrigos e casas de acolhimento até os dezoito
anos de idade.
Agora, vou narrar cena chocante que vi
há poucos dias. Ao sair do comércio, com minha esposa, caminhávamos em direção
ao carro, estacionado próximo do local, quando ela me disse ter avistado, do
outro lado da rua, uma mulher idosa colocar dentro de contêiner,
destinado a restos de alimentos e lixo, um menino com cerca de três anos de
idade. Sua intenção era a de que a criança, raquítica, recolhesse, no fundo da
lixeira, algum alimento em condição de ser reutilizado ou mesmo saciasse sua
fome com isso.
O bicho, poema de Carlos Drummond de Andrade, perdeu
espaço para o novo animal, pois aquele era um homem e este, quase um bebê.
No princípio, não acreditei, pois apenas
avistei a distância dois grandes contêineres. Ao lado destes, três
senhoras. Segundos depois, entretanto, vi quando, levantada pelos braços da
idosa, emergia, do fundo da lixeira, aquela criança negra, extremamente magra e
sem camisa. Talvez tenha comido restos de alimentos podres!
Em resposta à pergunta de Kardec se a alma
dos animais é semelhante à dos homens, ele é informado de que “Entre a alma do animal e a do homem
há tanta distância quanto a que existe entre a alma do homem e Deus” (op.
cit., q. 597a). Entretanto, o que vemos é seres humanos vivendo em situação
mais degradante do que a de muitos animais. E isso desde os primeiros anos de
sua atual existência!
Tal absurdo, ainda em nossos dias, faz-nos
refletir sobre a resposta anterior dos Espíritos a Allan Kardec na questão 592:
— Se compararmos o homem e
os animais em relação à inteligência, parece difícil estabelecer uma linha de
demarcação, porque alguns animais têm, sob esse aspecto, notória superioridade
sobre certos homens. Essa linha de demarcação pode ser estabelecida de maneira
precisa?
— Quanto a esse ponto, os
vossos filósofos não estão de acordo em quase nada. Uns querem que o homem seja
um animal, e outros que o animal seja um homem. Todos estão errados. O homem é
um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes ou que pode elevar-se muito
alto [...]. Pobres homens, que vos situais abaixo dos brutos! Não sabeis
distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de pensar em Deus.
Essa consciência plena de nossos atos
segue conosco, ao contrário do que ocorre com os animais, cujo livre-arbítrio é
limitado à sua vida orgânica. No ser
humano, o amplo exercício do livre-arbítrio acarreta consequências morais que
se estendem além da vida física. Cientes disso, percebemos que não podemos
violar as Leis Divinas, como nos diz o
Espírito Antero de Quental no poema intitulado
Deus
Largos anos passei, aí no
mundo,
A pensar, meditando na
existência
De Deus — o Ser de paz e de
clemência,
Fonte de todo o amor puro e
fecundo.
Eu fiz, na sua busca,
estudo fundo
Através toda a humana
consciência,
E dos ínvios caminhos da
Ciência
Pela Terra, no Mar, no Céu
profundo.
Bem desejava achá-lo,
amá-lo e vê-lo,
E servi-lo, adorá-lo e
conhecê-lo,
Em doce crença inalterável,
viva.
Mas não o vi jamais,
porque, mesquinho,
Enveredei aí por mau
caminho:
— O trilho da ciência
positiva.
II
Eu devia buscá-lo onde Ele
mora:
Na suma perfeição da
Natureza,
E no esplêndido encanto e
na beleza,
Do Céu, do Mar, da Lua, da
Fauna, e Flora.
Eu podia encontrá-lo em
cada hora
Nessa vida: — no amor, e na
Pureza,
Na Paz e no Perdão, e na
Tristeza,
E até na própria Dor
depuradora.
Mas eu andava cego e nada
via;
E a Vaidade escolheu para
meu guia
A Ciência falaz,
enganadora!
Se o guia fosse a Fé ou a
Bondade,
Vê-lo-ia daí na Imensidade
Como, em verdade, O vejo em
tudo agora.
(In: LACERDA, F. de. Do
País da Luz. FEB, v. 3)
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