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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 83 (jlo)


                Estávamos no último dia do ano e  vimos, pela TV, a corrida de São Silvestre; constatamos que os quenianos voltaram a vencer, que o melhor corredor brasileiro só conseguiu ser o quarto colocado e que a melhor corredora ficou em sexto lugar. O tempo de cada um? A metade do que eu ou você, amigo leitor e habitual corredor, costumamos gastar numa corrida de 15 km.
            Mas não desanimemos, continuemos correndo ou, se não pudermos correr, uma caminhadinha diária de meia hora ainda é mais vantajosa do que duas ou três corridas de 5 ou 10 km por semana.
            O mais importante, em tudo isso, é que estejamos vivos e produzindo algo, senão em prol de nós mesmos, ao menos em prol de nós mesmos, pois quando produzimos algo em benefício alheio, ainda que não o saibamos ou não pensemos nisso (o que seria ideal), estamos fazendo por nós próprios.
            Chegado um novo ano e já tendo dobrado novo século, as expectativas para 2014 são várias: os adeptos do futebol desejam ver nossa seleção campeã, para não darmos o vexame de 1950, em pleno Maracanã; os políticos desejam ver a situação mudar: os da situação para melhor, os da oposição para pior; os religiosos esperam ver o Cristo voltar, pois ainda não perceberam que quem precisa se transformar somos nós mesmos e não os outros... Enfim, deixemos a morte, pois a vida nos chama.
            Ontem, vi e ouvi na televisão um apresentador perguntando o que algumas pessoas do palco desejariam jogar fora, antes de iniciarem o ano novo. Um disse que gostaria de se livrar da sogra, o que é uma crueldade, pois há sogras melhores do que algumas mães; o outro disse que jogaria fora a pança, mas se não se esforçar em praticar exercícios e ser comedido na alimentação vai perder seu tempo; a outra se propôs jogar fora as contas a pagar, o que não resolveria o problema de suas dívidas; teve até uma jovem que sonha ficar livre do namorado chato. E eu me pergunto: como alguém consegue namorar um chato?
            A vida ruidosa chama-nos, leitor amigo, com os seus 214 milhões de reais que correram pela megassena nesta semana. Quem apostou até as 14h de 31 de dezembro de 2013 apostou, quem não o fez que o fizesse, afinal, com essa grana na mão, até o Anderson Silva se convenceria de que não vale mais a pena lutar, o que dizem que ele não aceita admitir, após quebrar os dois ossos da perna em sua última luta. A essa altura, já temos quatro ganhadores: dois do Paraná, um de Alagoas e um da Bahia. Do Paraná, as cidades de Curitiba e Palotina foram contempladas; de Alagoas, o prêmio foi para Maceió e na Bahia, Teofilândia ficou conhecida nacionalmente, graças ao seu felizardo milionário.
            O que vale a pena mesmo, amiga leitora, é investir, a partir de agora, em trabalhar incansavelmente no bem, como dissemos acima, ainda que tal propósito obedeça, antes, ao nosso bem pessoal, pois o que nos pode deixar mais felizes do que ver nosso próximo feliz? Que, após as justas comemorações de mais um ano percorrido, “trabalhemos sempre com o pensamento voltado para Jesus, reconhecendo que a preguiça, a suscetibilidade e a impaciência nunca foram atributos das almas desassombradas e valorosas” (XAVIER, Chico. Emmanuel. 27. ed. FEB, 2008, cap. 23).
            O mais importante, é continuar aprendendo e convivendo para melhor servir, pois, knowledge is everything. So we meet again in 2014.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 82 (jlo)

            Este é um dia especial, é Natal e, como tal, todos os peitos palpitam de emoções, os abraços efusivos são constantes, juntamente com os votos de felicidade, saúde, paz e prosperidade, principalmente monetária, pois, se o dinheiro não lhe traz felicidade, amigo leitor, deposite-o em minha conta e seja feliz.
            Rebusquei meus textos sobre a data e trago-lhe as duas únicas flores, dentre meus poemas e crônicas, que fiz desabrochar nesta data tão metafísica quanto os restos arrancados da terra que nos viu passar unidos, eu e Carolina.
            Uma dessas pétalas raras em minha produção literária intitulei:

Soneto de Natal
Um HOMEM, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

(ASSIS, Machado. Ocidentais (1879). In: ______. Machado de Assis: obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1973, p. 167.)
           
            Esse único soneto, que dediquei, segundo Manuel Bandeira (op. cit., p. 14) à “melancolia de não encontrar mais, numa noite de Natal, as sensações da idade antiga”, tornou-se profético. Atualmente, o espírito natalino é substituído pelo excessivo consumo de bebidas alcoólicas e comilanças. Poucas famílias lembram-se de buscar a presença do aniversariante em sincera oração de agradecimento por sua incomparável exemplificação do amor entre nós.
            À atual Sociedade protetora dos animais, faço um apelo para que oremos também em prol da alma de um leitão que foi sacrificado, no Natal citado em minha crônica publicada no periódico A Semana de 1893; ou seja, há exatos 120 anos. Mas o que são 120 anos, senão, por vezes, o tempo entre uma e outra reencarnação?
            É bem verdade que alguns espíritos, como o meu, costumam ficar séculos ou milênios nesta outra dimensão da vida, observando e interferindo no orbe terrestre, buscando aperfeiçoá-lo; mas somos minoria. Talvez uns 0,00001% de toda a população terráquea atual.
            Que mais dizer do leitão? Triste leitão, pobre leitor. Se desejar ler mais sobre o assunto, clique em www.dominiopublico.gov.br e leia, na íntegra, a crônica citada. Afianço-lhe, de antemão, amiga leitora, que, de tudo o que ali está, sobrou apenas esse parágrafo, que não vou reproduzir para não lhe tirar da língua o gosto do pernil.
            O fato é que de tanto comerem leitão e peru no Natal, essa pobre ave nem ao menos comemora o dia do advento do Senhor. Morre na véspera.
            Não sejamos perus, amigos; ante os desafios da vida, ainda que venhamos a perecer, que o seja durante o combate.
            Mas que também tenho um grande dó do peru, lá isso tenho. Pobre peru, triste ser penado.
            É um dó que dá cada pena ou cada pena de dar um dó? Você decide...
            Enfim... que o Natal nos traga a doce reflexão sobre a vida do Cristo, que trouxe consigo a “mensagem da verdadeira fraternidade e, revelando-a, transitou vitorioso, do berço de palha ao madeiro sanguinolento”.
            Concluamos, pois, com a continuação desta mensagem de meu amigo Emmanuel:
Irmão, que ouves no Natal os ecos suaves do cântico milagroso dos anjos, recorda que o Mestre veio até nós para que nos amemos uns aos outros.
Natal! Boa-Nova! Boa-Vontade!...
Estendamos a simpatia para com todos e comecemos a viver realmente com Jesus, sob os esplendores de um novo dia. (XAVIER, F. C. Fonte viva. Ed. FEB.)
            Feliz Natal, amigo, e não se esqueça de que cerveja cria pança; cuidado para não engordar, amiga... E que o espírito da tolerância, a fraternidade e o amor do Cristo possam nos tornar melhores e saudáveis, desde já.
           




terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 81 (jlo)

            Amiga leitora, estou agora refletindo sobre legalidade e moralidade.
            Nem tudo que é legal é moral e, consequentemente, a recíproca é verdadeira. Quer um exemplo? Quando Jesus esteve entre nós, afirmou peremptoriamente:
            — Não vim destruir a lei, mas dar-lhe cumprimento.
            No entanto, também disse:
            — Ouviste o que foi dito: olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo, não resistais ao mal; antes, porém, amai os vossos inimigos e, ao que lhe bater na face direita, oferece também o lado esquerdo.
            — Mas, Machado, onde entram, nos casos citados, a lei divina e a lei humana?
            — Ainda não entendeu, dona Justa? Vamos, então, a novo exemplo, com base na fábula do lobo e da ovelha. Certo dia, a ovelha bebia água no rio, tranquila e despreocupada, quando o lobo se lhe aproximou e disse:
            — Por que você está bebendo água neste rio, não sabe que ele é meu?
            Ao que respondeu o ovino:
             — Não sabia que o rio era seu; mas, se é assim, prometo-lhe nunca mais beber dessa água.
            — Além do mais — disse o lobo — ouvi dizer que anda falando mal de mim.
            — Como posso estar falando mal do senhor se acabei de conhecê-lo?
            — Se não foi você, foi seu pai, foi sua mãe, seu avô ou um dos seus parentes. E nhac, abocanhou a ovelha.
            Moral da história: contra a lei do mais forte, não existe argumento.
            Essa é uma lei humana.
            Vejamos o que aconteceu, depois, com o lupino. Saindo dali com a barriga cheia, após devorar inteiramente sua vítima, o lobo começou a sentir uma terrível cólica; rolou, no chão, em terríveis convulsões e veio a falecer, em algumas horas, de indigestão.
            Essa é uma lei divina.
            A lei humana é manipulada pela força do poder, ou pelo poder da força. A lei divina é resultante da chamada causa e efeito, ou “a cada um, segundo suas obras”.
            Vou ainda ilustrar com um caso folclórico, ocorrido na Atlântida.
            Nesse país, houve um torneio em que determinado time foi rebaixado da primeira para a segunda e, em seguida, para a terceira divisão, da qual seria campeão. Essa equipe, entretanto, conseguiu voltar novamente à primeira divisão, graças ao que se chamou ali de “virada de mesa”, sem disputar a “segundona”.
            Resultado, as torcidas adversárias e a própria mídia não davam descanso a torcedores e clube, que chamaremos de F*.
            Passados treze anos, a gozação continuava:
            — Deve uma segunda divisão, dizia um torcedor.
            — Acaba de chegar um oficial de justiça à sede do F* para lhe cobrar uma “segundona”, brincava outro. E, assim por diante, as piadas continuavam implacáveis...
            Mesmo quando o time era legitimamente campeão da primeira divisão, os torcedores adversários não perdoavam a antiga “virada de mesa” e diziam:
            — Só foi campeão porque os outros times são de terceira divisão. Então, não poupavam nem seu próprio time...
            Chegou um ano em que a equipe F*, que fora campeã da primeira divisão, no ano anterior, teve suas contas bloqueadas pela justiça comum. Desse modo, não pôde pagar salários e muito menos prêmios aos seus atletas...
            O time, então, passou a jogar visivelmente desmotivado, sem contar que, ao se machucar, cada seu atleta de ponta ficava tanto tempo no departamento médico que não mais atuava durante grande número de jogos, senão em todo o resto do campeonato.
            No último jogo do torneio nacional, outro time, que chamaremos P**, escalou “equivocadamente” um jogador impedido pela justiça desportiva de atuar naquela partida; e o time F*, que novamente seria rebaixado à segunda divisão, tomou a posição do time P**, rebaixado em seu lugar.
            Antes de isso ocorrer, entretanto, o clube C***, temendo seu rebaixamento, já andava procurando “provas” na escalação pelo time P** (mera coincidência) de maior número de jogadores contratados por P** a outros clubes do que o permitido no regulamento, para rebaixar P** em seu lugar. Vendo, porém, que isso seria o mesmo que procurar chifres em cabeça de cavalo, C*** desistiu da ideia; mas P**, coitado, ainda que não corresse mais perigo de rebaixamento, “descuidou-se” do regulamento e escalou um jogador proibido na última partida, conforme dissemos atrás.
            E deu no que deu...
            Que lamentável, não é, amiga?
            Essa foi a justiça dos homens.
            — Aí tem dente de coelho... Mas, e a justiça de Deus, Machado, qual foi?
            — Um tsunami varreu a Atlântida do globo terrestre.
            Mas não falemos mais de baseball, dona Justa.

_______
F* - Por certo que não é o Fluminense, basta ler até o fim e você comprovará isso.
F* - Já lhe disse que não é o Flu... Não insista!
P** - Não, leitora, não é a Lusa.
P** - Não seja teimosa, não é a Portuguesa...
C*** - E quem lhe disse que é o Coxa?

C*** - Pelo amor de Deus, tira o Coritiba dessa lama.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 80 (jlo)

            Dizíamos, alhures, que se porventura os escritores estivessem, por aquelas horas, pesquisando documentos sobre a história do Rio de Janeiro, seriam candidatos ao fabuloso prêmio de cinquenta mil réis, alta soma à época. O prazo seria de cinco anos e o historiador deveria produzir um trabalho completo sobre a história do então Distrito Federal, desde os tempos coloniais até aqueles dias.
            O preço da obra vencedora do concurso, a ser julgado por gente competente do prefeito, era alto, o prazo também. Questionei a necessidade de tanto tempo para escrever sobre tão pouco. Afinal, o que teria de história para contar, então, a cidade maravilhosa? Quase nada. As memórias do padre Perereca e outras mais seriam trocadas pela pesquisa séria e exaustiva dos eventos memoráveis da cidade de São Sebastião.
            Mas que eventos? Como memoráveis?
            Pois bem, discordei do regulamento daquele concurso. Não somente pelo prazo dilatado dado à conclusão da pesquisa, como também sobre a competência dos julgadores, haja vista que estes seriam escolhidos por novo prefeito, que poderia ou não entender de competência literária dos críticos indicados para avaliação do melhor trabalho.
            Aqui e agora, em Brasília, cronotopicamente falando, nosso prêmio vai para A bailarina empoeirada, obra de 1500 páginas, escrita por Noemia Barbosa Boianovsky e Luiz Humberto de Faria Del’Isola.
            O conteúdo dessa obra remete-nos ao poeta e dramaturgo Bertolt Brecht, que publicou o seguinte texto, intitulado Perguntas de um operário que lê:

Quem construiu Tebas, a das sete portas? Nos livros vem o nome dos reis, mas foram os reis que transportaram as pedras? Babilônia, tantas vezes destruída, quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas da Lima Dourada moravam seus obreiros? No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde foram os seus pedreiros? A grande Roma está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio só tinha palácios para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida, na noite em que o mar a engoliu, viu afogados gritar por seus escravos. O jovem Alexandre conquistou as Índias sozinho? César venceu os gauleses. Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço? Quando a sua armada se afundou, Filipe de Espanha chorou. E ninguém mais? Frederico II ganhou a guerra dos sete anos. Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória. Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem. Quem pagava as despesas?
Tantas histórias, quantas perguntas.
(Disponível em:< www.cecac.org.br>. Acesso em 4 abr. 2010.)
                Os autores de A bailarina empoeirada, ao pesquisarem sobre a construção de Brasília, não pretenderam destacar a obra de Juscelino Kubitschek e de toda uma vasta equipe política e técnica que o rodeavam e elevavam seus nomes ao panteão da pátria. Esses já estão por demais enaltecidos pela história.
            Noemia e Luiz Humberto resolveram fazer justiça aos que, nos anos iniciais do surgimento da nova capital brasileira, deixaram suas cidades e vieram para aqui comer o pó da edificação da nova capital brasileira, ao qual juntavam seu suor e lágrimas. Em vista disso, esclarece Humberto, em entrevista concedida a um canal de TV da OAB, que “o maior monumento da história de Brasília chama-se povo”.
            A obra A bailarina empoeirada destaca os operários da construção do Distrito Federal, que teve início na primeira cidade satélite da capital brasileira, o Núcleo dos Bandeirantes. Faz menção às condições inóspitas dos locais de vida e morte de seus  cidadãos iniciais, como a chamada “excrescência urbana”, que lembrava a insalubridade vivida pelos primitivos cariocas e seus sucessores desde o início da colonização do Brasil.
            Narra os casos inéditos de quem lutou para construir a nova capital e de quem tentou inutilmente levar de volta a capital para o Rio de Janeiro. Relata fatos pitorescos dos primeiros moradores, construtores, comerciantes, empresários e servidores públicos que para cá vieram e nunca mais retornaram aos seus estados de origem.
            É sobre essa massa de construtores e novos habitantes esquecidos, como as quase cem prostitutas, chamadas educadamente de bailarinas, deixadas no cerrado, a cerca de 40 km de Brasília, que os autores de A bailarina empoeirada chamam a atenção de historiadores e escritores que queiram narrar a saga da construção da nova capital brasileira e seus casos pitorescos.
            Então, não me falem agora sobre Juscelino, o iluminado presidente que trouxe para cá a Capital Federal, ou Oscar Niemeyer, genial arquiteto, que projetou Brasília e viveu até os 104 anos. Não me lembrem que Burle Marx foi o extraordinário paisagista que realizou notáveis obras em nossa capital. Olvidemos, por ora, o estupendo trabalho de urbanização promovido por Lúcio Costa. Desnecessário recordar Marcos Paulo Rabello, engenheiro e empreiteiro, que morreu esquecido, aos 92 anos, e deixou construídas centenas de edificações aqui. Inútil mencionar as belas obras artísticas de Athos Bulcão, Bruno Giorgi, Alfredo Ceshiatti, entre outros.
            Lembremos o humilde operário da construção do Distrito Federal e da capital do Brasil. Esse, sim, o verdadeiro herói, sem o qual o cerrado do Planalto Central não se teria tornado patrimônio cultural da humanidade. Isso porque cada um dos grandes nomes sempre lembrados acima levava consigo a força de trabalho de milhares de cidadãos anônimos e as esperanças de suas famílias na concretização de um sonho que também foi deles: o de materializar o devaneio de D. Bosco em ver surgir, em pleno cerrado do Planalto Central do Brasil, a nova Capital da República.
            Concluamos, então, com um trecho do belo poema de Vinícius de Morais: Operário em construção:

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.  […]

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Em dia com o Machado 79 (jlo)

            Quando Joteli fora militar — me informa ele —, certa ocasião, o capitão comandante de sua unidade foi substituído por um major gaúcho, com o qual Joteli, seu soldado, se comunicara pelo serviço de rádio-operação entre os dois Rios: o de Janeiro e o Grande do Sul. Na época, o soldado Joteli era o único com tal graduação na escala de rádio-operadores do seu quartel do Rio de Janeiro. Os demais eram cabos e sargentos. Mas isso são detalhes que só exaltam o ego de quem não conhece a frase crística: “Aquele que se exaltar será rebaixado, aquele que se rebaixar será exaltado”.
            — Como ser rebaixado, se, sendo soldado, embora tendo sido aprovado em primeiro lugar no curso para cabos, na chamada QM 11-074, rádio-operador, não me promoveram? Protesta meu inútil secretário.
             — Deixemos isso para lá, meu caro, e continuemos o relato desta crônica. O fato é que o novo comandante, que, a distância, conversara amigavelmente com seu soldado, passados alguns dias, viajou do Rio gaúcho para o carioca e assumiu o comando do quartel.
            No primeiro dia de seu posto, na unidade militar, o major reuniu a tropa a seu comando e deu-lhe uma chamada “ordem unida”. Pôs os comandados na posição de sentido e ordenou:
            — Companhia, sentido! Ordinário, marche! (Juro que senti vontade de usar a segunda frase no plural, mas em respeito a Joteli me contive.)
            — E lá fomos nós — diz Joteli, que também estava em forma. Logo em seguida, veio nova ordem:
            — Direção à direita, marche. E todo o pelotão se dirigiu à direita. Entretanto, seja pelo nervosismo em comandar sua companhia no primeiro dia, seja por ter simplesmente esquecido da mandar seguir em frente, todos ficamos marchando na direção ordenada, mas em círculo...
            Ninguém se atreveu a rir da ordem do comandante, quando ele ordenou, após, perplexo, observar a companhia dar sete voltas no mesmo lugar:
            — Pelotão, alto.
            Sem qualquer crítica a seus comandados, o simpático major mandou que ficássemos à vontade e, com breves palavras, falou da sua satisfação em assumir o comando da 1ª Companhia de Comunicação Blindada.
            Se isso tivesse ocorrido com um subordinado, dir-se-ia que este “enfiou o pé na jaca”, não é mesmo, amiga leitora? Ou não? Ah, não? Também os chefes “enfiam o pé na jaca”? Vai falar isso para o major, leitor, pra ver se ele não te enfia é o pé na...?
            — Mas, Joteli, por que ninguém, antes, avisou ao homem de que ele precisava dar nova ordem, para que a tropa não bancasse o caracol?
            — E o medo? Afinal, o homem era nosso comandante e o regulamento era rigoroso: “somente não se executam ordem absurdas”.
            — E o que ele ordenou não era absurdo?
            — Absurdo, não. Ridículo. E quem garante que ele não estaria testando a tropa para ver até que ponto seus subordinados lhe eram obedientes?
            Na vida profissional, concordo com meu secretário, o bom empregado jamais deve deixar seu chefe de “calças curtas”. Afinal, como se diz há algum tempo, neste país, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Porém será mesmo assim?
            Há certos comportamentos profissionais que depõem contra o subordinado e mostram claramente o tipo de pessoa que se é. Outros, já escancaram o mau caráter e predileção injustificável do chefe. Uma dessas atitudes é a do chamado puxa-saco, que tanto pode agradar como desagradar a chefia. Exemplifiquemos.
            Nas comemorações de “amigo oculto”, nos finais de ano, por exemplo, o melhor presente é sempre o que é dado à chefia. E nem é preciso ser bajulador para isso. É atitude normal, e mesmo de preservação ou melhoria do conceito para com a diretoria. O problema é quando isso se torna corriqueiro, por parte de um/a empregado/a...
            O ideal, nas confraternizações de fim de ano, é que se estipule um valor mínimo e outro máximo do presente a ser dado, além de se propor uma relação com as opções possíveis; assim, ninguém poderá desconfiar de nosso presente à chefia. A não ser que o “felizardo” amigo da diretora, num “estudo de caso”, se resolva a sair com esta:
            — Chefa, foi combinado que o presente de amiga oculta seria de cinquenta reais, mas como nossa empresa duplicou seu faturamento este ano, graças à sua excelente atuação, inteligência extraordinária e competência inigualável, resolvi, infringir a norma e lhe ofertar este belo colar de pérolas, que pertenceu à minha bisavó, cujo valor é inestimável. Calculo que custe por volta de três mil reais, mas você (Olha a intimidade!) merece muito mais...
            A isso, a chefa e suas colegas não terão outras reações senão estas:
            — Oh!
            — Uh!
            — Ai!
            — Carácolis!
            E não faltará quem, mordendo o lábio, diga, baixinho: — Puxa-saco sem-vergonha...
            Outras vezes, é a chefia que importuna o/a empregado/a. Certa vez, li uma piada em que o gerente dizia para a lindíssima secretária, recém-contratada, enquanto esta digitava um documento:
            — Muito bem, só dois errinhos. Agora vamos à segunda palavra...
            Para evitar tais constrangimentos, resolvi publicar um decálogo de ética, na relação com os colegas de trabalho, clientes, fornecedores e chefia de sua instituição ou empresa:
1º Mandamento: não atacarás, falsa ou maliciosamente, a reputação profissional de teu colega ou chefe.
2º Mandamento: não assediarás sexualmente teu colega de trabalho, subordinado ou chefe.
3º Mandamento: não agirás de modo desleal ou descortês com teu chefe, colegas, clientes e fornecedores de tua empresa ou instituição.
4º Mandamento: não desrespeitarás os direitos autorais do teu próximo (Lei nº 9.610/1998).
5º Mandamento: não depreciarás a honra, a dignidade e a integridade moral ou física de teu colega ou categoria profissional.
6º Mandamento: não deixarás de cumprir os prazos estipulados por tua chefia, assim como a recíproca é verdadeira, principalmente nos acordos coletivos ou não de trabalho.
7º Mandamento: não serás individualista; lembra-te de que o trabalho em equipe é essencial ao sucesso de tua empresa ou instituição.
8º Mandamento: não serás o do contra com expressões como: — Isto não vai dar certo. — Não concordo com mudanças. Etc. etc. etc.
9º Mandamento: não serás egocêntrico; todos têm o direito de ter seu trabalho reconhecido.
10º Mandamento: aprenderás a conviver, amar e servir a todos, sem distinção de classe social, etnia, ideologia, sexo ou credo.
            — Então, meu caro, nem sempre o bom amigo é o que sempre elogia. Ou não conheces o ditado que diz: Quem avisa amigo é?


Leia o livro: PAROLIN, Sonia Regina Hierro; MORAES, Helder Boska de; PONTES, Reinaldo Nobre. Organizadores. Conviver para amar e sevir (baseado em Mário da Costa Barbosa). Brasília: Federação Espírita Brasileira, 2013.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Em dia com o Machado 78 (jlo)

            Hoje, acordei cantando a Canção do exílio, de Gonçalves Dias, escrito em Coimbra, antes do terrível acidente náutico, em sua volta ao Brasil, que o retirou de entre os mortos.
             Acredito que muitos políticos atuais, na Terra de Santa Cruz, almejam ter um destino apoteótico como o do nosso grande poeta. Não o do naufrágio, naturalmente... Enquanto isso não é possível, barganham algumas benesses políticas em troca de favores escusos, quando a mão pesada da justiça se abate sobre eles.
            Tomei meu breakfast, saí à rua e encontrei meu fiel secretário. Então, para não perder o hábito, perguntei-lhe:
            — Que há de novo, Joteli?
        — A prisão dos Zés, os “primeiros presos políticos em pleno estado democrático de direito”, segundo eles se intitulam.
            — E de que os acusam?
            — Intrigas políticas, meu caro Machado, intrigas com cara de revanchismo militar. Naquele tempo, o primeiro Zé foi preso, levou choques, fez diversas plásticas faciais, saiu do Brasil e, saídos de cena os milicos, voltou com tudo na política.
            — Esse cara é Dirceu.
            — Exatamente...
            — E o segundo, Zé, meu caro secretário para assuntos alheios e notórios?
            — Esse tentou umas incursões guerrilheiras, antes da tomada do governo pelos cidadãos fardados, e também vazou, quando viu as coisas pretas, após ser preso e ter ficado chocado. Depois retornou, como o anterior, e foi ser líder político.
            — Esse cara é Genoíno.
            — Sim, senhor, é tão genuíno que pleiteou o privilégio de ficar preso em tratamento na casa da filha. O que vem sendo contestado pelos outros 7.682 presos da Papuda. Alega problemas cardíacos...
            — Informaram-me que o Delúbio está na mesma cela que eles.
          — Pois é, Machado, os três estão juntos: o primeiro foi ministro-chefe da Casa Civil indicado pelo PT; o outro foi presidente do PT; e o terceiro foi tesoureiro desse mesmo partido. Nada mais justo que juntá-los, né?
            — Ah, sei... Prisão de político é outra coisa... Mas o que há de novo, Joteli?
       — O Genoíno conseguiu a autorização para ficar preso na casa da filha, enquanto estiver em tratamento, mas a junta médica designada para avaliar sua saúde atestou que seu caso não é grave.
            — E o que mais há de novo?
            — O outro Zé, o Dirceu, quer cumprir a pena trabalhando num hotel de prédio situado próximo da Esplanada dos Ministérios, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional... Só ainda não sei o que fará com o salário de vinte mil reais...
            — Ah, sei... E o que mais há de novo?
            — O Papa Francisco está propondo uma reforma profunda na Igreja.
            — E ele aceita sugestões, Joteli?
            — É o que dizem...
        — Então sugiro-lhe que a Igreja continue intervindo, perante Deus, em benefício dos pobres e marginalizados, como, por exemplo, desses 7.682 presos da Papuda. Quem sabe se, com as preces do santo Papa, eles não conseguem um emprego nos hotéis da Esplanada?
            — E se eles resolverem fugir e assaltar os cidadãos incautos, Machado?
            — Eles estarão seguros, se trabalharem perto dos políticos. O Dirceu não estará ali também?
            — Sabe que nem tinha pensado nisso?
            — Comamos, então, uma pizza à bolonhesa.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Em dia com o Machadado 77 (jlo)[1]

            A revista Seleções informa-nos, neste mês, que fez um teste de honestidade, em seis cidades brasileiras, nas quais “perdeu” 72 carteiras, com cem reais e identificação do proprietário em cada carteira. Não vamos mencionar os nomes das cidades, mas constatou-se que, na mais honesta, São Paulo, setenta por cento das pessoas devolveram a bolsa, enquanto na menos honesta, o Rio de Janeiro, esse mesmo percentual a reteve.
            Lembrei-me então do meu conto “A carteira” e resolvi contar-lhe seu desdobramento, amigo leitor. Afinal, tudo muda neste mundo, até a honestidade carioca, que, em outros testes, já foi considerada uma das mais elevadas... Provavelmente, essas últimas carteiras, no meu Rio de Janeiro, estivessem no lugar e hora erradas, não é mesmo?
            A vida, meu bom amigo, é uma só; mas as existências corporais são muitas. Ou você não leu Brás Cubas, que, de nossa dimensão, narrou a saga de sua última jornada terrena?
            Pois bem, para seu melhor entendimento desta versão de “A carteira nº 2”, é preciso que leia em www.dominiopublico.gov.br a versão nº 1. A não ser que, como bom apreciador da literatura, já conheça a história anterior...
             A vida prossegue...
       Continuando aquela existência, diríamos que Honório tornara-se renomado advogado e jamais desconfiara da infidelidade de Amélia, que o traíra durante dez anos, com Gustavo, amigo do casal. Até que a febre amarela os matou, a todos, no bom ano de 1896, com a diferença de três a quatro semanas entre cada óbito.
            Sobrevivera a filha de Amélia, então com quatorze anos, que fora morar com uns parentes, casara-se e dera origem a nova geração da árvore genealógica da família. Ficara, porém, uma dúvida: Maria Clara, a filha, seria mesmo de Honório ou de Gustavo?
            É bem verdade que, cinco anos antes de Clara nascer, D. Amélia não conseguira engravidar, o que somente ocorrera após o estreitamento da amizade que o casal passara a ter com Gustavo, o qual, desde então, costumava ser visto a sós com a esposa de Honório na ausência deste. Em geral, Amélia, que gostava de tocar ao piano músicas alemãs, tocava para o amigo, que embevecido não se cansava de aplaudi-la e elogiá-la.
            Mas o tempo passara e, como dissemos acima, o triângulo amoroso foi ajustar contas na terra dos pés juntos. Para não confundir o leitor, manteremos, em sua “repaginação”, os mesmos nomes de nossos personagens que se encontram em “A carteira” de 15 mar. 1884.
            Eis que, passados quarenta anos, no umbral [região trevosa do plano espiritual], o trio reencarnou no Rio de Janeiro. Amélia retornou ao corpo físico como vizinha dos pais de Honório, o marido traído na existência pregressa. Moravam, agora, na Glória. Gustavo, o amante de outrora, voltara à nova existência perto dali, no Leblon, como neto de Clara e filho de um advogado famoso, que muita influência teria em sua vocação para a advocacia.
            Os três ficaram amigos, na escola de ensino médio, frequentada por eles, de nome Irmandade da Trindade Universal, dirigida por um padre franciscano. Concluídos os estudos secundários, ainda adolescentes, Gustavo começou um namoro firme com Amélia, sob as vistas complacentes de Honório, que mantinha uma relação amorosa secreta com a amiga.
            O tempo passou, e casou-se Gustavo com Amélia; mas agora, o pianista era ele, que também se formara em Direito e passara a advogar sem muito sucesso na profissão; a provedora-mor da casa era a esposa. Foram residir no Leblon, em apartamento doado pelos pais de Gustavo.
            Amélia graduara-se em relações internacionais e fora aprovada no concurso do Instituto Rio Branco. Tornara-se diplomata, ganhava muito bem e trabalhava muito também.
            Teve filhos gêmeos: um loiro e alto, como Gustavo; o outro, moreno e baixo, como Honório. Por essa época, as crianças estavam com quatro anos, e nada lhes faltava em casa.
            Quanto a Honório, tornara-se comerciante em Botafogo, onde também passara a residir. Sua loja ia de vento em popa, desde que Amélia se lhe associara informalmente, haja vista que sua função pública a impedia de assumir qualquer outra atividade remunerada.
            Eis que, um belo dia, de repente, Gustavo olhou para o chão e viu, meio oculta, uma carteira caída à frente do balcão da loja do amigo, quando em visita a este, no final do expediente comercial. Em instantes, abaixou-se, apanhou-a e, sob os olhares de um homenzinho que já fechava a porta da loja, e ninguém mais era do que seu amigo Honório, ouviu este lhe dizer, sorrindo, enquanto Amélia, pálida, aparecia por detrás do balcão:
            — Rapaz, que bom que você achou minha carteira. Amélia estava ajudando-me a procurá-la, pois a féria do dia está toda guardada aí e já estávamos imaginando que algum larápio a roubara.
            Ao que respondeu Gustavo, entregando-lhe a bolsa, orgulhoso da douta e prestimosa esposa:
            — Muito bem, querida, ajudar os amigos é mais do que um favor, é obrigação. Ainda mais quando se é sócio, completou rindo bastante. Mas agora vocês me desculpem, tenho que ir voando à casa de vovó, Maria Clara, tomar um chazinho com ela, pois vamos comemorar minha primeira vitória importante na vara de família.
             — É mesmo, amor? – pergunta-lhe a esposa, já refeita do susto inicial — E qual foi a causa que ganhaste?
            — Coisa simples. Uma separação litigiosa em favor do marido traído; algo que jamais ocorrerá conosco, não é mesmo, amor da minha vida?
            — O amor de vocês é tão lindo – acrescenta Honório —, que nada no mundo vai separá-los.
            — Claro — conclui Amélia — lindo e único! Parabéns, querido, depois, os três comemoramos mais esta sua vitória jurídica, quando você tocará para nós, ao piano, uma sinfonia alemã. Mas agora que está tudo bem, vou para casa descansar um pouco, pois hoje precisei auxiliar o embaixador num processo de concessão de asilo a um político corrupto e adúltero. E isso me deixou exausta e indignada...
            — Quer que a deixe em casa, amor? Estou de carro...
            — Não é preciso, querido, também estou de carro; e vou conferir com Honório a féria do dia. Às 21 horas, estaremos lá.
            Gustavo sai. Honório, de posse da carteira, retirou de seu interior um bilhetinho, que o outro não tivera tempo de “ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor”.
            Mais tarde, os três inseparáveis amigos comemoraram, na casa do casal, a causa ganha por Gustavo que, ao piano, tocou a 9ª sinfonia de Beethoven.
            Ao centro, voltado para o teclado, o advogado, feliz, tocava divinamente ladeado por Honório e Amélia que cantavam, com ele, a letra musical em português. De repente, silenciaram, se abraçaram emocionados e choraram copiosamente, após recitarem esta estrofe:

Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!



[1] Esta é uma obra de mimese literária. Qualquer referência a Machado de Assis não passa de ficção, e qualquer semelhança com a psicografia é mera coincidência. Jorge Leite (jlo).

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Em dia com o Machado 76

I
              Admiro muito a dupla de apresentadores do jornal Hoje, da rede Globo de televisão. Antes, porém, de sua entrada no ar, há, no jornal local, o DFTV, um quadro intitulado “Sem noção”.
              Desta vez, porém, com todo o respeito à apresentadora do Hoje, vi e ouvi, perplexo, a reportagem, narrada por ela, e filmada pela Globo, de uma dupla de assaltantes, no Paraná, que abordou um automóvel, no qual se encontrava, no banco traseiro, uma idosa.
              Explico minha perplexidade ao leitor, ao tempo em que lhe narro o fato. A apresentadora estava indignada por que um dos assaltantes tirou a velhinha do carro e jogou-a na rua, com bengala e tudo, antes de fugir com a arma na mão...
              — Que covardia — comentou Sandra – para, em seguida, explicar que o carro fora recuperado depois, e os ladrões continuavam foragidos.
              — E a velhinha? Pergunta-me o amigo que me lê.
              — Coitadinha, teve alguns arranhões, mas está muito bem de saúde e manda um abraço para o leitor.
II
             
              Amigo leitor, você conhece o “Jaque”? Não? Então manda fazer uma reforma, por exemplo, em seu lar e faz um contrato que, à primeira vista, é excelente para ambas as partes.
              Começa a reforma e é um tal de “Jaque” pra cá, “Jaque” pra lá, que torra a paciência de muito pedreiro, eletricista, encanador, etc.
              Você manda consertar a pia, mas “Jaque” a torneira está velha, troca-a por uma nova. A tampa do vaso sanitário precisa ser trocada, mas “Jaque” sua esposa gostou muito de um vaso novo que viu, há dias, na loja, troca também o vaso. As paredes da casa foram pintadas, mas “Jaque” sobrou bastante tinta, pinta também a garagem... E por aí vai o “Jaque”.
              Conclusão: o “Jaque” é uma figura que não deveria existir em matéria de reparos caseiros, mas “Jaque” existe, não custa nada adotar “medidas cautelares”.
              Um empresário esperto acrescentou ao contrato de serviços de reformas imobiliárias a seguinte cláusula: “Fica decidido que, toda vez que o “Jaque” se intrometer no serviço contratado, será cobrado o valor correspondente à nova obra; “Jaque” não é possível prever quantos “Jaques” estão ocultos na reforma a ser executada.
              O “Jaque” mete-se em tudo nesta vida. E “Jaque” sou amigo do torcedor de um time de futebol, vamos ver quantos “Jaques” estão jogando em seu time.  
              Começou o campeonato local, mas, “Jaque” alguns bons jogadores foram vendidos e outros estão machucados, o clube promoveu alguns juvenis e completou o time com eles.
              Terminou o torneio regional, porém, “Jaque” o clube vem atrasando o pagamento mensal dos jogadores, o time se desmotivou e perdeu todos os “clássicos”.
              Teve início o campeonato nacional, todavia, “Jaque” os jogadores campeões do ano passado não ouvem nem falar em pagamento da justa premiação, adeus, motivação.
              “Jaque” contratamos novo técnico, recomendado pelo patrocinador, que é torcedor fanático do nosso clube, vamos mantê-lo até o fim do torneio, mesmo que o time não vença há oito jogos.
              “Jaque” o técnico fez um planejamento para a disputa vitoriosa dos últimos seis jogos, “Jaque” o time concorrente está perdendo, e, “Jaque” estamos no primeiro desses jogos, vamos tentar administrar o resultado do empate e esquecer essa história de “time de guerreiros”.
              “Jaque” um jogador do nosso time cometeu pênalti no fim do jogo, “Jaque” nosso time perdeu novamente, “Jaque” o concorrente venceu e “Jaque” o substituímos na zona de rebaixamento, vamos substituir, também, mais esse técnico.
              “Jaque” o time foi rebaixado, há uma década, e não disputou a “segundona”, se formos rebaixados novamente, vamos fazer bonito, como os demais times grandes, e ser também campeões da série B.

              “Jaque” escrevi tanto “Jaque” até aqui, “Jaque” espero não ser o profeta do decesso tricolor e “Jaque” no meu tempo nem se pensava nesse assunto, não falemos mais de futebol...

sábado, 9 de novembro de 2013

Em dia com o Machado 75 (jlo)

            Havia sessenta anos que eu estivera no Campo São João Batista, no Rio de Janeiro, para ali beijar minha meiga Carola e abraçar os amigos e parentes queridos. Mas se também fosses ao local, amigo leitor, só encontrarias farelos de ossos, pois, no local, apenas trocáramos a veste física pela do espírito, bem mais formosa e higiênica...
            A quilômetros dali, do seu lar, pouco abaixo da bucólica igreja da Penha, um adolescente, dia a dia, ouvia tocar, no rádio, um cantor excepcional. Naquela ocasião, já havia TV em preto e branco, mas esse era um luxo desfrutado por poucas pessoas. Estávamos, portanto, em 1968, e Joteli completara dezesseis verões (homem não faz primavera, e, sim, verão; pois é do verão que surge o varão).
            Aquele, porém, seria um dia especial, pois o grande comunicador Sílvio Santos apresentaria, na TV Record, um programa sobre o artista citado. E Joteli descera o morro para assisti-lo, da janela, de uma das casas de rua abaixo.
            Com a complacência da família burguesa, o filho de proletários viu e ouviu, na TV, o então jovem e já excelente apresentador, por longo tempo, defender o cantor das acusações levianas a este atribuídas. Entre outras coisas, dizia Sílvio que aquele rapaz, presente e calado, estava sendo injustamente acusado de ser perversor da juventude, pois usava colares, roupas coloridas e era cabeludo.
            E ainda mais: acusavam-no de, por suas atitudes antissociais e afeminadas, ser mau exemplo para a família e nefasta liderança para a juventude... Mas, segundo o expositor, isso não era verdade.
            O acusado não passava de um jovem sem jeito para ser líder; triste no olhar, com seu modo tímido e simples, apenas queria cantar suaves músicas românticas e estar na moda. Não estava ali, portanto, para reivindicar nada; desejava apenas cantar e cativar a todos, com sua bela voz.  
            Além disso, sonhava casar-se e constituir uma família exemplar.
            Diziam que plagiava João Gilberto — continuou —, mas quem não imitava o João ou qualquer outro grande cantor? O próprio Paulo Sérgio, que começara a cantar com voz semelhante à do acusado, já assumira um estilo próprio, como ocorrera com o inocente moço.
            O apresentador se retira, ao final de sua eloquente defesa, ante um cabisbaixo e mudo cabeludo, apoiado por todos os presentes — jurados e plateia —, que o inocentaram unanimemente.
            No dia seguinte, a imprensa repercutiria favoravelmente o programa. Pouco tempo depois, o título de rei da música popular brasileira foi dado, definitivamente, a Roberto Carlos.
            É isso mesmo, caro leitor, no Brasil já houve tempo em que usar cabelo comprido era considerado coisa de efeminado. Essa moda, porém, viera da Inglaterra, com os Beatles e hippies. Roberto apenas usava uma estratégia de marketing para ganhar popularidade.
            O tempo e os hippies passaram. Outras modas surgiram, como a do brinco numa das orelhas do jovem, depois nas duas, a tatuagem e outras atitudes como a do ficar.
            Na minha época, quando um homem olhava para outro, insistentemente, na rua, era briga certa. Casal namorando em praça pública, nem pensar. Atualmente, tornou-se comum ver, beijando-se na boca, em qualquer lugar, dois jovens... do mesmo sexo.
            No meu tempo, era excitante ler, nos romances, alusões a certas partes do corpo feminino, como “uns braços”. Hoje, belas moças desfilam de minissaia sem que alguns rapazes lhes deem a mínima...
            A jovem de antigamente corava de vergonha ao lhe ser pedido um beijo. Casamento, só com o consentimento paterno. Com o advento da TV, as novelas atingiam seu clímax quando o casal (homem e mulher), finalmente, se beijava.
            Atualmente, enquanto o drama se desenrola em relação à paternidade de uma criança, por exemplo, os personagens principais e secundários já foram para a cama inúmeras vezes. E, após o relacionamento sexual, é comum iniciar-se um bate-boca com xingamentos e até mesmo agressões.
            Acabou o romantismo. Já não se sabe quem vai se dar bem, no fim da história, se é o vilão ou o “bom moço”, a megera ou a mocinha que a persegue com seu ódio implacável e desejo de vingança.
            Por enquanto, ainda não há novela em que, no final, o “casal” viva feliz para sempre: ela com ela, ele com ele. Por enquanto...
            Num programa televisivo sobre sexo, ontem, a proposta era de um casal ir chupando, cada um, a ponta de um macarrão, até que, ao final, suas bocas se encontrassem, num ardente beijo. De repente, sob olhares curiosos da apresentadora, convidados e plateia, apresentaram-se para a chupeta dois jovens... do sexo masculino.
            Virei de costas e retirei-me.
            Estou agora com o firme propósito de continuar a escrever romances destinados, exclusivamente, à vida no plano espiritual.
            Pelo menos aqui, cada um assume o que é... mas no corpo certo...

  Um grande teatrólogo brasileiro (Irmão Jó) Arte de interpretar o sentimento, surgiu na Grécia antiga sua peça como eficaz e útil instrumen...