Páginas

sábado, 31 de outubro de 2020

12.3.3 O duelo

 

Adolfo

Bispo de Argel, Marmande, 1861

 

Verdadeiramente grande é somente quem, considerando a vida como uma viagem que tem uma meta, não se importa com as asperezas do caminho e não se deixa desviar nem por um instante do rumo certo. De olhar fixo no seu fim, pouco se importa de que os obstáculos e os espinhos da senda o ameacem; estes apenas o roçam, sem o ferirem, e não o impedem de seguir seu caminho.

Arriscar seus dias para se vingar duma ofensa é recuar diante das provas da vida; é sempre um crime aos olhos de Deus. E se vocês não estivessem tão iludidos, como estão, por seus preconceitos, essa seria também uma ridícula e suprema loucura aos olhos dos homens.

Existe crime no homicídio por duelo, a  própria legislação humana o reconhece. Ninguém tem o direito, em caso algum, de atentar contra a vida de seu semelhante. Isso é um crime aos olhos de Deus, que lhes determinou a linha de conduta a seguir. Aqui, mais que em qualquer outra situação, vocês são juízes em causa própria. Lembrem-se de que lhes será perdoado segundo tiverem perdoado. Pelo perdão vocês se aproximam da Divindade, porque a clemência é irmã do poder.

Enquanto uma gota de sangue humano correr na Terra pelas mãos dos homens, o verdadeiro Reino de Deus ainda não terá chegado aí. Esse reino de pacificação e de amor deve banir para sempre do Mundo a animosidade, a discórdia e a guerra. Então, a palavra duelo não mais existirá na sua língua, senão como uma longínqua e vaga recordação do passado. Os homens não admitirão entre eles outro antagonismo, a não ser a nobre rivalidade do bem.


12.3.4 Agostinho

Paris, 1862

 

O duelo pode, sem dúvida, em certos casos, ser uma prova de coragem física, de menosprezo pela vida, mas é também indubitavelmente uma prova de covardia moral, como o suicídio. O suicida não tem coragem de enfrentar as vicissitudes da vida; o duelista não a tem para suportar as ofensas. Cristo não lhes disse que há mais honra e coragem em oferecer a face esquerda a quem feriu sua face direita, do que em se vingar de uma injúria? Ele não disse a Pedro, no Jardim das Oliveiras: "Embainhe sua espada, pois aquele que mata pela espada perecerá pela espada"? Por essas palavras, não condenou o duelo para sempre?

Com efeito, meus filhos, que coragem é essa, que brota de um temperamento violento, sanguíneo e furioso, bramindo à primeira ofensa? Onde está a grandeza de alma daquele que, à menor injúria, quer lavá-la com sangue? Mas que ele trema, porque sempre, do fundo da sua consciência, uma voz lhe gritará: "Caim! Caim! Que você fez de seu irmão?" Ele responderá: "Foi necessário  matá-lo para salvar minha honra!" Mas a voz responderá: "Você quis salvá-la perante os homens nos breves instantes que lhe restavam na Terra, e não pensou em salvá-la perante Deus!"  Pobre louco, quanto sangue não lhe pediria então o Cristo, por todos os ultrajes que recebeu!

Vocês não somente feriram o Cristo com os espinhos e a lança, não somente o pregaram num madeiro infamante, mas ainda, em meio de sua agonia, ele pôde ouvir as zombarias que lhes prodigalizaram. Que reparações lhes pediu ele, depois de tantos ultrajes? O último grito do cordeiro foi uma prece pelos seus algozes. Oh, como ele, perdoem e orem pelos que o ofendem!

Amigos, lembrem-se deste preceito: "Amem-se uns os outros", e então ao golpe dado pelo ódio responderão com um sorriso, e ao ultraje com o perdão. O mundo sem dúvida se erguerá furioso e os tratará de covardes; ergam a fronte bem alto e mostrem, então, que sua fronte também não recearia ser coroada de espinhos, a exemplo do Cristo, mas que sua mão não quer participar de um assassinato autorizado, podemos dizer, por uma falsa aparência de honra, que nada mais é senão orgulho e amor-próprio. Ao criá-los, Deus lhes deu o direito de vida e de morte, uns sobre os outros? Não, pois só deu esse direito à Natureza, para se reformar e se reconstruir. Mas a vocês, nem sequer permitiu dispor de si mesmos.

Como o suicida, o duelista ver-se-á marcado de sangue quando comparecer perante Deus, e a ambos o Soberano Juiz reserva rudes e longos castigos. Se Jesus ameaçou com a sua justiça aqueles que dizem racca a seus irmãos, quanto mais severa não será a pena reservada àquele que comparecer diante dele com as mãos sujas do sangue de seu irmão! 

Tradução livre: prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA – II

 

De Broquéis

Siderações

Para as estrelas de cristais gelados
As ânsias e os desejos vão subindo,
Galgando azuis e siderais noivados,
De nuvens brancas a amplidão vestindo...
 
Num cortejo de cânticos alados
Os arcanjos, as cítaras ferindo,
Passam, das vestes nos troféus prateados,
As asas de ouro finamente abrindo...
 
Dos etéreos turíbulos de neve
Claro incenso aromal, límpido e leve,
Ondas nevoentas de Visões levanta...
 
E as ânsias e os desejos infinitos
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta...
 
Fonte: GERALDO, José. Cem anos com Cruz e Sousa. 2. ed. Brasília: CEUB; LGE Editora, 1998. Broquéis, p. 73.
 
De Parnaso de além-túmulo

Anjos da paz
 
Ó luminosas formas alvadias
Que desceis dos espaços constelados
Para lenir a dor dos desgraçados
Que sofrem nas terrenas gemonias!
 
Vindes de ignotas luzes erradias,
De lindos firmamentos estrelados,
Céus distantes que vemos, dominados
De esperanças, anseios e alegrias.
 
Anjos da Paz, radiosas formas claras,
Doces visões de etéricos carraras
De que o espaço fúlgido se estrela!...
 
Clarificai as noites mais escuras
Que pesam sobre a terra de amarguras,
Com a alvorada da Paz, ditosa e bela...
 
SOUSA, Cruz e (Espírito). Parnaso de além-túmulo. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016, p. 387.
 
Comentários
 
            Segundo SPITZER (2003), em sua proposta dialógica construtivista, "[...] a voz da poesia pode soar de diferentes modos em cada leitor e é preciso estar atento para não querer silenciar o outro impondo um modo de ler e entender um texto"[1].
            Podemos analisar um poema sob os seguintes aspectos: fonético, lexical, sintático, fonológico e semântico. Aqui, também proponho a análise comparativa, à luz do Espiritismo, pois já temos grande quantidade de professores doutores de alto nível com propostas para este tipo de abordagem teórica, metodológica e prática, como é o caso do prof. Silvio Chibeni[2].
            Vamos, também, observar, na análise dos sonetos, a estética da recepção proposta pela escola pós-estruturalista. Propomos um diálogo interdisciplinar entre a literatura e a ciência espírita, naquilo que couber.
            Para não nos alongarmos, por enquanto, vamos enfocar os aspectos comparativos de conteúdo que iniciamos na primeira análise, haja vista que as estruturas formais nos parecem muito claras em ambos os sonetos.
            Em Siderações, o poeta, em vida física, enfoca como "sujeito", no seu tempo, as "ânsias e os desejos". Os argumentos utilizados são os da ascensão dessas manifestações psicológicas que refletem a condição de um ser vítima de preconceitos e em luta para libertar-se desse emparedamento de quem se encontra na periferia do capitalismo. Percebe-se também uma fuga da realidade e uma busca do espiritual, do ideal de pureza tão valorizado pelo branco de sua época e que tanta angústia provocava no homem negro, filho de escravos. Então, essas ânsias, esses desejos apenas são satisfeitos quando entram em contato com "arcanjos" abrindo suas asas de ouro em "etéreos turíbulos de neve".
Turíbulos são "objetos litúrgicos, em geral de cobre,  para queimar incensos em  cerimônias religiosas". A neve aí seria a representação da cor do incenso aromal, que provoca "ondas nevoentas" das "Visões", palavra destacada com inicial maiúscula para representar os seres celestiais, que, como vemos no terceto final, formulam "ritos" que conduzem as "ânsias e desejos" sem fim, em cânticos de uma vida eterna, com E maiúsculo, como se repercutissem para sempre no espaço ocupado pelos Astros, também destacados como representação dos diversos mundos do universo para onde se dirigem os desejos ansiosos de todos os oprimidos. Ali estariam os espaços de sua libertação, não na Terra, onde são escravizados, discriminados.
            Em Anjos da paz o sujeito são os Anjos com suas formas "alvadias", ou seja, claras, que descem dos "espaços constelados" como se respondessem aos apelos das "ânsias e desejos" presentes no soneto anterior. Percebem-se, em ambos os poemas,  palavras representativas de luzes, astros (aqui nos "firmamentos estrelados"), brancura, como no caso de "carraras", metonímia do mármore branco da cidade de Carrara, na Itália. Temos, também, junto dos "anseios" (segunda estrofe), as esperanças e as alegrias. Esses anjos descem dos espaços para aliviar (lenir) "a dor dos desgraçados", ou seja, dos discriminados, rejeitados, presos às "terrenas gemonias". Gemonia é uma metáfora de suplício. Eram as escadas do Capitólio que davam para o rio Tibre, donde, em Roma, eram lançados os escravos.
           No final, um apelo aos Anjos da Paz para, do espaço fúlgido e estrelado, clarificarem as noites mais escuras de todos os oprimidos, na "terra de amarguras" em novo amanhecer de Paz, que ele destaca como bem superior, portanto, ditoso e belo.
           Então, se antes o apelo era de baixo para cima; agora, a resposta é de cima para baixo. No soneto anterior, o poeta fala de suas ânsias e desejos infinitos, ou seja, insaciados na Terra. No atual, ele evoca os "Anjos da Paz" para que venham do espaço implantar a beleza e a felicidade aqui, quando os homens saírem das trevas noturnas para a claridade de um dia de paz.  
 

 



[1] SPITZER, Leo. Três poemas sobre o êxtase. Trad. Samuel T. Júnior. São Paulo: Cosac&Naify, 2003. Apud ALVES, José Hélder Pinheiro. Contribuição da Estilística para o Ensino da Poesia. VIA ATLÂNTICA, São Paulo, n. 28, 143- 159. DEZ. 2015.

[2] Mestre em física, doutor em lógica e filosofia da ciência, com pós-doutoramento na Universidade de Paris VII, Silvio Seno Chibeni é professor titular do Departamento de Filosofia da Unicamp. 

terça-feira, 27 de outubro de 2020

 

EM DIA COM O MACHADO 442:

visita do Roberto em nosso culto do evangelho

 

Quando eu era jovem, no Rio de Janeiro, certa noite, ouvi minha irmã mais velha propor algo interessante a nossa mãe viúva, que carregou, sob suas asas carinhosas, sete filhos desde que completou 40 anos de idade. Eis a proposta de Terezinha, nossa irmã mais velha:

— Mãe, conheci um senhor casado que é excelente médium. Pessoa muito honesta, trabalha com entidades da Umbanda e nada cobra por suas sessões mediúnicas. Quem sabe ele não nos ajude a melhorar de vida?

Naturalmente, Terezinha se referia à ajuda dos Espíritos que se manifestavam pelo médium. Ouvindo isso, mamãe, mineira católica dos quatro costados, que vez por outra pedia ajuda aos espíritos de pretos-velhos, não pensou duas vezes e disse à filha para convidar aquele rapaz para ir lá em casa...

No dia seguinte, o médium Roberto apareceu lá e deu sua primeira incorporação a diversas entidades: exus, pretos-velhos e caboclos. O caboclo que mais se manifestava chamava-se Serra Negra.

Certo dia, o marido de minha irmã tanto insistiu para um exu informar-lhe os números da loteria que este acabou atendendo. Recomendou-lhe não fazer aposta muito alta e ditou-lhe várias dezenas da loteria. Na semana seguinte, tivemos a confirmação do resultado: nenhum dos números ditados pelo Espírito foi sorteado.

Uma coisa porém foi certa, após algumas semanas de manifestações desses Espíritos, conseguimos mudar de residência para uma casa melhor, e nossa situação socioeconômica prosperou. Algum tempo depois, conheci uma mocidade espírita em Rocha Miranda, cujas reuniões de estudo das obras de Allan Kardec comecei a frequentar.

Roberto parece não ter gostado muito de minhas sugestões para que ele não se limitasse aos fenômenos e estudasse o Espiritismo. Aos poucos, ele foi tornando mais escassa sua visita lá em casa...

Após dois anos, concluí um curso militar e fui transferido para Salvador. Depois disso, só nas férias de fim de ano eu voltava ao Rio.  Passados muitos anos, eu já estava casado e morava em Brasília, quando soube que Roberto havia deixado de dar sessões mediúnicas, tornara-se evangélico e falecera...

Na última semana, estive pensando no Roberto com gratidão, pois afora o caso dos números falsos da loteria, as entidades espirituais que ele incorporava ajudaram muito nossa família. Particularmente, a mim, com suas orientações e mesmo revelações de acontecimentos futuros que vieram a se realizar. Há no mínimo trinta anos que esse médium desencarnou e, se alguma vez falei sobre ele com Lourdes, minha esposa, isso faz muito tempo.

Qual não foi minha surpresa, porém, quando ao final do nosso culto do evangelho no lar, nesse último domingo, após a prece inicial, Lourdes informou-me:

        — Está presente conosco um Espírito que diz chamar-se Roberto. Ele disse que agora está ligado à mediunidade, mas trabalha, no plano espiritual, com plantas medicinais. Ele "está te mandando um abraço".

        Não vai faltar quem diga que isso foi inventado por mim, que não passa de devaneios de mente sobre-excitada. Também dirão que minha mulher, na realidade, guarda por muito tempo essas informações para, quando eu menos espero, inventar essa e outras histórias. Entretanto, como ciência de observação que é o Espiritismo, aprendi com sábios da cultura de um Alexandre Aksakof, Léon Denis, Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano e outros, do passado e do presente, além de Allan Kardec, a dizer a esses incrédulos: eu não acredito, eu sei.

 

 

 

 

 

 

sábado, 24 de outubro de 2020

 



ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA

 

Eternidade Retrospectiva


Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e só por olímpicas Esferas,
Onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.


Fundas regiões do Pranto e do Gemido,
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trêmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.


As estrelas longínquas e veladas
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarão muito leve de saudade.


Eu me recordo de imaginativos
Luares liriais, contemplativos,
Por onde eu já vivi na Eternidade!

Fonte: GERALDO, José. Cem anos com Cruz e Sousa. 2. ed. Brasília: CEUB; LGE Editora, 1998. Últimos sonetos, p. 105.

 

Noutras eras
 
Também marchei pelas estradas flóreas,
Cheias de risos e de pedrarias;
Onde todas as horas dos meus dias
Eram hinos de esplêndidas vitórias.
 
Tive um passado fúlgido de glórias,
De maravilhas de ouro e de alegrias,
Sem reparar, porém, noutras sombrias
Sendas tristes, das dores meritórias.
 
E abusei dos deveres soberanos
Sucumbindo aos terríveis desenganos
Do destino cruel, fatal e avaro;
 
Para encontrar-me a sós no mesmo horto
Que deixara, sem luz e sem conforto,
Sentindo as dores desse desamparo.
 
SOUSA, Cruz e (Espírito). Parnaso de além-túmulo. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016.

 

Comentários 

Segundo Elias Barbosa (2016, p. 413), expressão e conteúdo são inseparáveis no estilo de Cruz e Sousa. Isso porque, "forma é fundo aparecendo", diz Barbosa (loc. cit.). Para Roger Bastide, Cruz e Sousa foi o maior poeta da escola simbolista universal e, para V. Garcia Calderón é o "maior poeta sul-americano" (id.). Nós, entretanto, compartilhamos da opinião daqueles que o vêm como um dos maiores poetas de todos os tempos, como podemos ler nos comentários críticos da obra Coleção fortuna crítica, v. 4, organizada por Afrânio Coutinho. Civilização Brasileira, 1979.

Em nosso ponto de vista, o tema aqui é o mesmo: recordação de outras existências. Se nos detivermos na comparação de ambos os sonetos, percebemos que Eternidade retrospectiva inicia de modo pessimista: "Mudo e só...; velhas primaveras; regiões do prantos e do gemido; onde as almas erravam; quimeras" são expressões e palavras que podemos recortar dos quartetos do soneto. Os  tercetos que encerram o poema, porém, expressam saudade das "estrelas longínquas; violáceas madrugadas" e " imaginativos luares liriais" e "contemplativos" de sua vida eterna.

Analisando o soneto psicografado: Noutras eras, podemos observar, agora, um posicionamento contrário do poeta desencarnado. Ele começa citando sua marcha por "estradas flóreas, cheias de risos e de pedrarias". Nelas seus dias eram plenos de hinos de vitórias "esplêndidas". Seu passado fora carregado de "glórias, maravilhas de ouro e de alegrias", quando não reparava nas "sendas tristes das dores meritórias". Esses dois versos do segundo quarteto introduzem a constatação do poeta de que o abuso dos seus "deveres soberanos" foi a causa de sua infelicidade, que o deixara "a sós no mesmo horto", antes glorioso e agora desconfortável, dorido e desamparado.

É, pois, na visão espírita, a confirmação do genial poeta, noutro plano da vida eterna, de que seus sofrimentos resultaram da chamada lei de causa e efeito. Os abusos cometidos por ele, nessa lembrança da  "Eternidade retrospectiva" explicavam sua temporária situação de solidão e dor. Agora, do plano espiritual, lembra-se do que fez "Noutras eras" e pode melhor avaliar a causa de sua vida sofrida, quando encarnado, embora toda a sua inteligência e arte incomparável na elaboração de poemas metafísicos.

 Prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

 Brasília, 23 de outubro de 2020.

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

 

POESIA FRANCISCANA (BSB, 21/10/2020)

 


SAUDADE (J. F. A. Filho)


Saudade, Oh! Que saudade
Daqueles mundos distantes 
Onde por anos constantes 
Conheci felicidade. 

Consciente da verdade, 
Retorno a este Torrão 
Trazendo no coração 
Um sentimento profundo 

De paz que serena o mundo 
E do divino perdão. 
O Deus do meu coração 
Que na sua onisciência 

Concedeu-me por clemência 
O dom da força e verdade 
Pra suportar a maldade, 
As intempéries da vida, 

Ao meu irmão dar guarida 
E com verdade o amar. 
Espero um dia voltar 
Àquelas lindas pairagens 

Terra de sonho e miragens 
De sublime comungar. 
Como é saudoso lembrar 
Dos mundos evoluídos, 

Dos nossos irmãos queridos 
Que o tempo nos separou, 
Do nosso amor que ficou 
Servindo em Orbe divino. 

Segue porém seu destino 
Nessa senda evolutiva, 
Só a saudade cativa 
A nossa pura querência. 

Mas Deus, em sua clemência, 
Deu-me o consolo fecundo 
Pela evolução do Mundo, 
Também da humanidade 

Que representa a saudade 
Diante de tal contexto, 
Não representa pretexto 
Pra tolher a caminhada, 

Pois vejo a grande jornada 
Acima de tudo isso. 
Deus nunca se fez omisso 
Na sua obra divina, 

Sua presença me ensina 
Que o trabalho é constante 
Perdão, se a cada instante 
A saudade me domina. 

Comentários: 

Como disse Sílvia Leite, minha doce madrinha de Juiz de Fora, parece que Francisco já se despedia deste mundo desde o primeiro poema. A saudade do poeta faz-me recordar um verso de soneto meu e, por consequência, de todo o soneto em redondilha maior (versos com sete sílabas métricas), embora eu tenha dito, nos comentários do poema anterior de Francisco, que nunca sei de cor os poemas que escrevo. 

 

Eis o poema completo, escrito quando, pela vez primeira e última, aos vinte e poucos anos de idade, afastei-me da convivência diária com minha querida mãezinha, no Rio de Janeiro, para servir em Salvador, embora uma vez por ano a visitasse: 


Dor da saudade (Jó) 

Ah! esta dor tão pungente 
Que procura me extinguir 
Estruge-se em mim ardente 
Sem nunca me consumir. 

Esta dor de uma procura 
De algo que não sei dizer 
Quase me leva à loucura 
Sem, porém, loucura ser. 

É a dor do meu desencanto 
Que não se exprime falando 
E nem se expressa num canto. 

É sofrimento da gente 
Que vai nos aniquilando: 
Saudades que a gente sente! 


Aviso aos amigos leitores

 

Embora a promessa que fiz, há uma semana, de revezamento, nesta coluna, de poesia e artigo republicado, ao menos por enquanto, não mais postarei aqui os artigos espíritas que vinha publicando. Substituo-os por poemas de cunho espiritual e seus comentários.

A partir da próxima postagem, também postarei sonetos de Cruz e Sousa com sua análise à luz do Espiritismo.

Muito obrigado aos meus queridos leitores! 

Boa leitura!

 

 

 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 

EM DIA COM O MACHADO 441: 

Para viver seguros em nossos lares (Jó)

 


Notícia de reportagem jornalística televisiva expõe a banalização do crime em nosso país. Um jovem de 23 anos, formado em educação física, casado, vai à cozinha de sua casa pegar um alimento na geladeira. Neste momento, é atingido por uma bala no peito e morre.

Se isso acontecesse nos Estados Unidos, ou noutro país dito civilizado, teria repercussão mundial, mas foi no Brasil, precisamente, no Rio de Janeiro, onde nasci e residi até a idade de 23 anos, como a do jovem morto.

Quando saí do Rio, há 45 anos, a violência ali já era alta, mas ainda se podia viver nas suas favelas e ruas com relativa tranquilidade, sem se tornar refém de traficantes e milicianos. Onde foi que o Estado errou? Fácil de responder: na política de combate às desigualdades sociais e no investimento em educação, antes que em repressão ao crime. Não nessa educação ideológica, que mais estimula do que reprime o desejo de violência, mas na educação intelecto-moral.

Um jovem morreu. Apenas mais um número estatístico sobre consequências da guerrilha urbana que assola o país há décadas. O futuro de cidadão que muito poderia contribuir com a saúde de outros jovens foi extinto de uma hora para outra. E o que é pior: dentro de sua própria casa.

Agora, sua esposa chora, como Raquel, no relato bíblico,  chorava a perda de seus filhos, "sem querer consolação, porque estes não mais existem" (Jr., 31:15). Atualmente, outra "Raquel" chora, porque seu marido não mais existe. Essa situação é parte de triste estatística brasileira: a das famílias inocentes, brutalmente extintas pelo assassínio dos seus membros fora ou dentro do próprio lar.

Ah! que falta faz a espiritualidade na formação do ser humano. Não nesta ou naquela igreja, mas na certeza de que nenhum dos nossos atos deixa de nos trazer consequências, boas ou más, dependendo do bem ou do mal praticado por nós. Pois a lei de Deus reside em nossa consciência.

A ignorância da lei de causa e efeito, por grande parte da humanidade, aliada à falta de políticas voltadas à educação intelecto-moral e correção das desigualdades sociais respondem pelo que estamos assistindo ou sofrendo no dia a dia de nossas existências.

Ao longo de milênios, vem sendo constatado que "violência gera violência". Isso não significa que não devamos reprimir o crime, muito menos que tomemos o poder pela força, mas que precisamos educar o criminoso antes deste ser atraído para o crime. O que o sistema penal tem feito, ao longo dos milênios, é vingar-se do malfeitor, antes ignorante ou doente do que mau.

Eduquemos, pois, crianças, jovens e adultos à luz dos conhecimentos atuais da Doutrina Espírita, que não veio substituir nenhuma religião, mas confirmar as revelações divinas. Somente assim, nossa sociedade andará nos caminhos da justiça social, da segurança, da paz e da felicidade, que devem principiar dentro dos nossos lares.

sábado, 17 de outubro de 2020


12.3 Instruções dos espíritos

12.3.1 A vingança

Jules Olivier

Paris, 1862

A vingança é um dos últimos resíduos dos costumes bárbaros, que tendem a desaparecer do meio dos homens. Ela é, como o duelo, um dos últimos vestígios dos costumes selvagens sob os quais se debatia a Humanidade no começo da era cristã. É por isso que a vingança é um indício certo do atraso dos homens que a ela se entregam e dos Espíritos que ainda podem inspirá-la. Portanto, meus amigos, esse sentimento jamais deve fazer vibrar o coração de quem quer que se diga e se afirme espírita. Vingar-se é, vocês  sabem, tão contrário a esta prescrição do Cristo: "Perdoem a seus inimigos", que aquele que se recusa a perdoar, não somente não é espírita, como também não é cristão.

A vingança é uma inspiração tanto mais funesta, quanto a falsidade e a baixeza são suas companheiras assíduas. Com efeito, aquele que se entrega a essa paixão cega e fatal quase nunca se vinga a céu aberto. Quando ele é o mais forte, cai como uma fera sobre o que considera seu inimigo, pois basta vê-lo para que se inflamem sua paixão, sua cólera e seu ódio. Mas frequentemente ele assume uma atitude hipócrita, dissimulando no mais profundo do seu coração os maus sentimentos que o animam. Toma caminhos escusos, segue o inimigo na sombra, sem que este desconfie e aguarda o momento propício para feri-lo sem perigo. Esconde-se do outro e vigia-o sem cessar. Prepara-lhe ciladas odiosas, e quando surge a ocasião, derrama-lhe o veneno na taça.

Quando seu ódio não chega a esses extremos, ataca-o na sua honra e nas suas afeições. Não recua diante da calúnia, e suas pérfidas insinuações, habilmente espalhadas por toda parte vão crescendo pelo caminho. Desse modo, quando o perseguidor aparece nos meios atingidos pelo seu sopro envenenado, admira-se de encontrar semblantes frios onde outrora havia rostos amigos e benevolentes. Fica estupefato, quando as mãos que procuravam a sua agora se recusam a apertá-la. Enfim, sente-se aniquilado, quando os amigos mais caros e os parentes o evitam e se esquivam dele. Ah! o covarde que se vinga dessa forma é cem vezes mais culpado do que aquele que vai direto ao inimigo e o insulta abertamente!

Fora, portanto, com esses costumes selvagens! Fora com esses hábitos de outros tempos! Todo espírita que pretendesse hoje ter o direito de vingar-se seria indigno de figurar por mais tempo na falange que tomou por divisa: Fora da caridade não há salvação. Mas não, não posso deter-me no pensamento de que um membro da grande família espírita seja capaz, no futuro, de preferir o impulso da vingança do que o de perdoar.


quarta-feira, 14 de outubro de 2020

 Poemas franciscanos

J. F. Alves Filho foi um oficial muito meu amigo, do tempo em que trabalhei no Serviço de Saúde do Ministério do Exército. Melhor período do meu "estágio militar" de 22 anos. Depois desse tempo, fui aprovado em concurso público e dei baixa do Exército.

José Francisco Alves Filho era conhecido como Alves Filho, mas em nossa homenagem, citá-lo-ei simplesmente como Francisco. Desencarnou muito jovem, creio que com bem menos de 60 anos, mas certamente é um desses Espíritos iluminados, cuja amizade elevada jamais esquecerei. Era meu superior hierárquico, mas tratava-me como seu igual, seu irmão espiritual.

Poeta de mão cheia, ainda tenho o livro com dedicatória que ele me fez: Devaneios. Deste, começo citando abaixo o poema: 

RENASCER

Dá-me força, Senhor, pra conceber
A divina missão que Tu me deste,
Antevejo, de pronto que revestes
Minha vida de "novo alvorecer".

E percebo, que em novo renascer,
Teu querer sublime se desdobra,
Prosseguindo, comigo, Tua obra
Que fiquei de um dia oferecer.

Quão divino seria Te rever
E dizer-Te de pronto, em voz erguida:
Meu Deus, meu Senhor, missão cumprida,
Realizou-se, em mim, o teu querer.

Eu parei no caminho e não quis ver
Que parei, sem saber, tua jornada,
Perdoa se tolhi a caminhada
De Tua essência, de mim, de outro ser.

Só agora que pude perceber:
Indolência não há no Teu vernáculo;
Quero entrar outra vez em Teu oráculo
E tuas glórias, contigo, reviver.

Os poemas de Francisco eram de uma musicalidade e ritmo impressionantes, ainda quando a métrica nem sempre fosse uniforme. Ao contrário de mim, que dificilmente memorizo poema que faço, arrancado a fórceps de meus devaneios, os dele fluíam facilmente na pena e na memória. Se há alguém que posso dizer que tive a honra de conhecer como poeta, com certeza esse foi José Francisco Alves Filho, agora apenas Francisco, no meu blog e na minha lembrança.



segunda-feira, 12 de outubro de 2020

 

EM DIA COM O MACHADO 440:

Quem é Jesus e onde encontrá-lo? (Jó)


 

            Quando as autoridades farisaicas tomaram conhecimento da chegada de Jesus à cidade de Jerusalém, vendo-o acompanhado de grande multidão, foram ao seu encontro. Queriam dispersar o povo, que aclamava o Salvador, e lhe indagaram: — Quem é este homem?

            Cheios de inspiração superior, os discípulos do Mestre responderam-lhes: — Este é o que já existia antes de Adão e presidiu a criação da Terra, por concessão de Deus.

           E após os discípulos citarem os profetas Abraão, Jacó, Isaías etc., como anunciadores da vinda do Messias, João Batista aproxima-se dos doutores da lei para lhes confirmar: — Este homem é o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo.

            Do alto, ouve-se voz sublime dizer: — Este é o meu Filho Amado, em quem me comprazo. Escutai-o.

            Então, Jesus, dirigindo-se à montanha mais próxima, sentar-se-ia, ladeado por seus apóstolos. E sua voz sublime entoaria o sermão inesquecível: — Bem-aventurados os simples, pois deles é o reino dos céus; bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; bem-aventurados os mansos, pois eles herdarão a Terra....

            E quando  Jesus terminasse seu discurso, após prometer o reino dos céus aos que sofrem perseguição por causa da justiça e são injuriados, perseguidos e caluniados, por causa do seu nome, seus apóstolos e discípulos, do meio da multidão, perceberiam que o Cristo se referia a todos aqueles que renegassem as glórias mundanas e se esforçassem em seguir seus ensinamentos. Esses sempre seriam incompreendidos na existência física, mas receberiam a recompensa da fidelidade ao Senhor no mundo espiritual.

            Então, os fiéis seguidores de Jesus, ali reunidos, fariam coro à resposta de Pedro: — Este homem é o Cristo, o filho do Deus vivo!

            E Jesus, em síntese ao que o Evangelho de Mateus publicará, diria à multidão: — Bem-aventurados sois, meus irmãos, porque não foram o sangue e a carne quem vos revelou isso, mas sim meu Pai e vosso Pai, que está nos céus. Em seguida, completaria: — "Vinde a mim, todos vós que vos encontrais aflitos e sobrecarregados, que eu vos aliviarei..."

            Podemos encontrá-lo na criança faminta que nos agradece o pão doado com amor; achamo-lo nos desgraçados, que nos rogam uma palavra de esperança e auxílio; encontramos o Cristo nas visitas e orações que fazemos pelos enfermos... Em cada ação no bem realizada por nós em benefício do próximo, ali está Jesus a nos repetir estas palavras: — Amai, trabalhai, servi, perdoai e orai!

            Deus é Amor, e Jesus é seu modelo para nos guiar. Então, assim como Deus, o Cristo está dentro de nós. É em nossa consciência que Eles se aquartelam. Cabe-nos seguir sua inspiração, pois embora Eles não nos abandonem, também não podemos, como os maus soldados, desertar...

sábado, 10 de outubro de 2020

 


12.2 Se alguém o ferir na face direita, apresente-lhe a outra

 

Vocês têm ouvido o que se disse: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, digo-lhes que não resistam ao mal que lhes queiram fazer; mas se alguém  bater em sua face direita, ofereçam-lhe também a outra; e ao que quiser pleitear contra vocês, para tirar-lhes a túnica, larguem-lhe também a capa: e se alguém os obrigar a caminhar mil passos com ele, vão com ele ainda mais dois mil. Deem a quem lhes pedir e não  rejeitem os que desejam que lhes emprestem (Mateus, 5:38-42). 

Os preconceitos do mundo, a respeito daquilo que se convencionou chamar ponto de honra, produzem essa suscetibilidade sombria, nascida do orgulho e da exaltação da personalidade, que leva o homem a geralmente retribuir injúria por injúria, lesão por lesão, o que parece justo para aqueles cujo senso moral não se eleva acima das paixões terrenas. É por isso que a lei mosaica previa: Olho por olho e dente por dente, lei em harmonia com o tempo em que Moisés vivia.

Veio o Cristo e disse: "Não resistam ao mal que lhes queiram fazer. Se alguém os ferir numa face, ofereçam-lhe também a outra". Ao orgulhoso, essa máxima parece uma covardia, porque ele não compreende que há mais coragem em suportar um insulto, que em se vingar, sempre devido a sua visão ser incapaz de ir além do presente.

Devemos, entretanto, tomar essa máxima ao pé da letra? Não, da mesma maneira que aquela que manda arrancar o olho, se ele for causa de escândalo. Levada às últimas consequências, ela condenaria toda repressão, mesmo legal, e deixaria o campo livre aos maus, que nada teriam a temer. Não se pondo freio às suas agressões, bem logo todos os bons seriam suas vítimas. O próprio instinto de conservação, que é uma lei da natureza, nos diz que não devemos entregar de boa vontade o pescoço ao assassino.

Por essas palavras, Jesus não proibiu toda a defesa, mas condenou a vingança. Dizendo-nos para oferecer uma face quando formos batidos na outra, disse, por outras palavras, que não devemos retribuir o mal com o mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que tende a abater-lhe o orgulho; que é mais glorioso para ele ser ferido que ferir; suportar pacientemente uma injustiça que cometê-la; que mais vale ser enganado que enganar, ser arruinado que arruinar os outros.

Isso, ao mesmo tempo, é a condenação do duelo, que não passa de uma manifestação do orgulho. A fé na vida futura e na Justiça de Deus, que jamais deixa o mal impune, é a única que nos pode dar a força de suportar, pacientemente, os atentados aos nossos interesses e ao nosso amor-próprio. Eis porque lhes dizemos incessantemente: Lancem seus olhos adiante; quanto mais os elevarem, pelo pensamento, acima da vida material, menos serão feridos pelas coisas da Terra.

Tradução livre: prof. dr. Jorge Leite de Oliveira


quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Jorge, o sonhador: DALEOWEN E OS FATOS MEDIÚNICOS: umclássico espíri...

Jorge, o sonhador: DALEOWEN E OS FATOS MEDIÚNICOS: umclássico espíri...: DALE OWEN E OS FATOS MEDIÚNICOS:  um clássico espírita-cristão Jorge Leite de Oliveira   Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes d...


DALE OWEN E OS FATOS MEDIÚNICOS: 

um clássico espírita-cristão

Jorge Leite de Oliveira



 

Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos Céus, qual imenso exército que se movimenta ao receber as ordens do seu comando, espalham-se por toda a superfície da Terra e, semelhantes a estrelas cadentes, vêm iluminar os caminhos e abrir os olhos aos cegos – O Espírito de Verdade (In: KARDEC, 2017, prefácio).

 

            Não são poucos os pesquisadores que, desde o século XIX, vêm observando os fenômenos espíritas, e realizando experiências que confirmam sua realidade, conforme método de pesquisa proposto por Allan Kardec. Um desses notáveis teóricos, que dedicou sua vida a esse elevado trabalho, foi Robert Dale Owen. Em sua obra Região em Litígio, Owen relata-nos inúmeros fatos citados por pessoas idôneas ou observados pessoalmente por ele: comunicações mediúnicas obtidas por meio de pancadas (tiptologia), elevação sem contato de mesas de diversos tamanhos; movimentos de objetos pesados por Espíritos; escrita mediúnica direta; manifestações espontâneas de Espíritos; e dons espirituais.

            Em Nova Iorque, o autor observou fenômenos de tiptologia e outros fenômenos mediúnicos, produzidos por membros da família Fox Underhill. Em especial, na presença das irmãs Kate Fox e Leah Fox. Em algumas ocasiões, os fenômenos eram acompanhados da visão de mãos que se materializavam e luzes, com forma de cabeça que flutuava ou de punho humano que tocava o assoalho da casa como se desse marteladas. Essas manifestações respondiam a pedidos mentais feitos por Owen (2006, parte terc., cap. I). Ora ele solicitava pancada forte ora fraca, e elas aconteciam como era pedido.

            Em nova experiência na casa da família Underhill, meses depois, ocorreu a materialização de mão luminosa, que tocava Owen e se comunicava com ele e as pessoas presentes por meio de pancadas. Cerca de dois meses após, na sala da família citada, manifestou-se um Espírito homicida. Se antes os toques locais e contatos de mãos eram suaves, agora esses fenômenos eram como os de um martelo de 5 kg que batesse no soalho com força. A entidade disse chamar-se Jackson, um estalajadeiro que assassinara um coronel americano. Não foi informado como o estalajadeiro morreu, mas provavelmente tenha sido executado pelo crime cometido.

Outros fenômenos assustadores foram presenciados por Dale Owen e testemunhas, além da família Underhill, que demonstraram a presença de Espíritos, nem sempre pacíficos, quando produziam pancadas violentíssimas, sem que o móvel apresentasse qualquer avaria, ao final da sessão mediúnica (OWEN, op. cit., p. 324 – 329).

Todos esses fenômenos mediúnicos são respaldados por outros, semelhantes, narrados na Bíblia. Ao relatar os movimentos de objetos, como o em que ocorre o aumento e diminuição do  peso de uma mesa, por um poder oculto, Owen (p. 330- 332) cita 2 Reis, 6: 4 – 6, em que é narrada a submersão de um martelo caído no fundo da água do rio Jordão, que veio à tona após o lançamento ao rio de um pedaço de pau pelo profeta Eliseu.

Eis o relato de fenômeno mediúnico observado por Owen e outras testemunhas, na sala de jantar do Sr. Underhill, estando presentes este, sua mulher, Kate Fox e Chambers:

 

Achando-se a mesa suspensa e a balança indicando o peso de 55 quilos, pedimos que diminuísse seu peso. Em poucos segundos, o braço da balança teve de ser diminuído, até indicar 45 quilos [...]. Então, pedimos que aumentasse o peso e este subiu a 58 e depois a 65 quilos! (OWEN, 2006, p. 331).

 

 No capítulo seguinte, sobre a “escrita espiritual direta, é citado Daniel, 5:5, que relata o aparecimento de “[...] dedos de mão humana, escrevendo à luz do candieiro, sobre a caiadura da parede do palácio real [...]” (apud OWEN, p. 339).

O autor de Região em litígio cita o conhecimento da obra e pessoa do barão de Guldenstubbé, pesquisador russo que dedicou sua vida ao estudo dos fenômenos espirituais, cujo livro publicado em 1857 não teve a merecida divulgação. O barão obteve mais de quinhentas comunicações mediúnicas pela escrita direta, obtidas, principalmente, em templos religiosos, como “velhas catedrais” ou “residências históricas”. Desse total, compartilhou com Owen 67, que acrescenta: “Essas experiências foram testemunhadas por mais de cinquenta pessoas, dentre as quais ele publica os nomes de treze, sendo por essas testemunhas fornecido o papel para as experiências” (OWEN, 2006, p. 340). Tais pesquisas, infelizmente, foram proibidas e mesmo demonizadas pela Igreja.

Em 8 de agosto de 1861, na casa da família Fox, Owen teve a visão de mão luminosa que respondia as perguntas feitas por escrito. Após todos os cuidados tomados para evitar fraude, mesmo em condições adversas informadas pela entidade comunicante e após ter colocado seu sinete em cada folha, concluiu ser verdadeiro o fenômeno espiritual, com as frases impressas nas folhas assinadas por ele sem contato de mais ninguém. O autor cita outros exemplos de clara intervenção espiritual, que ratificam experiências obtidas por ele ou por outros pesquisadores em sua época.

Dale também testemunhou fenômenos espíritas extraordinários produzidos por Daniel Dunglas Home, como os que ocorreram na casa de Owen, na presença de sua família, do conde d’Áquila e do príncipe Luiz, irmão do rei de Nápoles. Apareceram mãos, como a da filha de Owen, falecida em tenra idade, segundo lhe foi informado, o vestido da Sr.ª Owen foi puxado com violência na direção contrária a em que estava o médium, e a mesa em que este estavam pousadas as mãos de Home elevou-se duas vezes e caminhou alguns centímetros. Na segunda vez, “[...] prendeu ao solo o vestido da Sr.ª Owen, impedindo que ela se levantasse, como o havia feito da primeira vez, e sendo preciso afastar a mesa para liberar o vestido” (OWEN, 2006, p. 361). Ainda mais impressionante foi o relato sobre o movimento de uma cadeira que pesava 20,5 quilos, situada atrás de Home, em direção à mesa, que parou a cerca de cinco centímetros (duas polegadas) desta antes de se chocarem.

Owen narra, ainda, as manifestações espontâneas dos Espíritos, como demonstração de sua realidade sem ideias preconcebidas, como a de Violeta, jovem de grande elevação espiritual, falecida há vinte anos, que se manifestou a ele em reunião sem que ele estivesse pensando nela. A emoção do autor foi grande, quando o Espírito esclareceu uma frase, inicialmente incompleta, sobre a finalidade de sua manifestação. Disse-lhe Violeta que viera: “Cumprir uma promessa escrita para me fazer lembrada, mesmo depois da morte” (OWEN, 2006, p. 400).

Informa-nos ainda o autor que, dias depois, o mesmo Espírito voltara a manifestar-se e respondeu a várias perguntas mentais que Owen lhe fizera, de “caráter privado e as verdadeiras respostas” conhecidas, então, somente por ele (op. cit., p. 401). Após considerações pessoais sobre a necessidade de muitas pessoas em vencer a relutância de narrar suas experiências com a manifestação espontânea dos Espíritos, o autor diz ser necessário “[...] um desejo ardente de servir à verdade, de fornecer um testemunho importante, de vital interesse para a Humanidade” (OWEN, 2006, p. 401).

Por fim, reforçado pelos fatos narrados nos Evangelhos sobre os dons espirituais e epístola de Paulo em I Coríntios, 12: 4 e 9, Owen cita as curas obtidas por influência dos Espíritos. Diz o autor então que

 

Quando João Batista mandou perguntar-lhe se Ele era o que tinha de vir ou se deviam esperar um outro, Jesus em resposta lhe manda anunciar o seguinte: “Os cegos veem, os coxos caminham, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e os pobres recebem o Evangelho que lhes é pregado” (OWEN, 2006, p. 478).

 

O dom de curar, reivindicado pela Igreja romana, como exclusivo de seus santos, não é seu privilégio. Em seu tempo, diz Owen (op. cit., p. 479), que a cura magnética vinha realizando prodígios. Cita, então, o caridoso marquês de Guibert, fidalgo francês que em seu hospital situado na Comuna de Tarascon, do Estado de Fontechateau, tratou gratuita e magneticamente mais de três mil e trezentos pacientes. “Cerca de três quintos desses doentes (1.948) tiveram alta por terem sido curados, e trezentos e setenta e cinco saíram muito aliviados” (OWEN, 2006, p. 479).

Em seguida, o autor narra dois casos em que não se pode negar a cura espiritual. Ambas as curas foram extraordinárias, mas, se a primeira foi de paralisia nos membros curada após vários meses de um acidente, a segunda ocorreu após 25 anos de moléstia cardíaca da Sr.ª A. Kyd. Andava com dificuldade e, para subir escadas, precisava ser carregada. Além do problema do coração, possuía diversas outras doenças crônicas, como câimbras, espasmos, prolapso do útero, mal da bexiga etc. Consultado conhecido médium, de Paris, após fortuna gasta inutilmente com consultas médicas, ficou curada com um passe dado por ele à altura do seu coração (op. cit., p. 486).

Concluindo sua bela obra, para os que têm olhos de ver, ouvidos para ouvir e buscam a verdade sem mescla, como aquela que o Cristo nos ensinou, o autor nos esclarece que o Reino de Deus e seu Espírito não está nas imposições dogmáticas ou intolerâncias religiosas. Seu Espírito, como seu Reino, estão na consciência leve, no amor ao bem pelo bem, sem ideias preconcebidas de recompensa, a não ser a da alegria de servir, perdoar e amar nosso próximo.

Das diversas reflexões expostas pelo autor dessa obra ainda pouco conhecida, após sua constatação de que a promessa de nos enviar o Consolador, realizada pelos fenômenos espíritas, atualmente mais focados na evangelização humana, atrevemo-nos a pinçar três. A primeira relaciona-se aos planos de Deus, previstos por Jesus, para que “as [...] revelações espirituais [...] viessem perenemente de um mundo mais adiantado que este [...]”; a segunda é a de que a caridade é a lei suprema, que nos exige a renúncia do apego às riquezas e poder humanos, “a pureza nos pensamento e nos atos, a resignação à vontade de Deus”; a última está no derradeiro parágrafo de Owen:

 

Com o auxílio dos Espíritos que pela triunfal transformação da morte partiram antes de nós para a feliz região sideral, com o auxílio da plácida voz que nos aconselha e do Cristo, nosso guia principal, com segurança e proveito interrogaremos o Inexplorado. Precisamos conhecer suas leis; precisamos da evidência que os seus fenômenos nos dão. Nas fronteiras dos dois mundos, encontramos influências muito mais necessárias, muito mais poderosas que qualquer das terrenas: influências benévolas, destinadas a reerguer a moral degenerada e auxiliar o progresso espiritual.

 

            Palavras que se aplicam, sem tirar nem pôr, aos nossos dias atuais. Roguemos a Deus que nos continue enviando as luzes do Alto, para que, fazendo nossa parte no incansável dever de praticar o bem, possamos atender aos objetivos Divinos de livrar a Terra da ignorância e seus maus frutos. Pois, como disse Jesus, pela árvore se reconhece seus frutos. Ainda que a nossa seja a mais pequenina do Jardim Divino, que ela se desenvolva, dia a dia, na produção de frutos maduros e saborosos.  

           

 

REFERÊNCIAS

 

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. 2. ed. – 5. imp. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Brasília, FEB, 2017.

OWEN, Robert Dale. Região em litígio: entre este mundo e o outro. 5. ed. Tradução de Francisco Raymundo Ewerton Quadros. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006.

 

(Publicado em Reformador, periódico mensal da Federação Espírita Brasileira (FEB), em abril de 2020.)

  Contador e ciência contábil (Irmão Jó)   Contador, tu não contas dor, Mas no balanço das contas O crédito há que ser superior.   Teu saldo...