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sábado, 24 de outubro de 2020


ANÁLISE COMPARATIVA ESPÍRITA DE SONETOS DE CRUZ E SOUSA

 

Eternidade Retrospectiva


Eu me recordo de já ter vivido,
Mudo e só por olímpicas Esferas,
Onde era tudo velhas primaveras
E tudo um vago aroma indefinido.


Fundas regiões do Pranto e do Gemido,
Onde as almas mais graves, mais austeras
Erravam como trêmulas quimeras
Num sentimento estranho e comovido.


As estrelas longínquas e veladas
Recordavam violáceas madrugadas,
Um clarão muito leve de saudade.


Eu me recordo de imaginativos
Luares liriais, contemplativos,
Por onde eu já vivi na Eternidade!

Fonte: GERALDO, José. Cem anos com Cruz e Sousa. 2. ed. Brasília: CEUB; LGE Editora, 1998. Últimos sonetos, p. 105.

 

Noutras eras
 
Também marchei pelas estradas flóreas,
Cheias de risos e de pedrarias;
Onde todas as horas dos meus dias
Eram hinos de esplêndidas vitórias.
 
Tive um passado fúlgido de glórias,
De maravilhas de ouro e de alegrias,
Sem reparar, porém, noutras sombrias
Sendas tristes, das dores meritórias.
 
E abusei dos deveres soberanos
Sucumbindo aos terríveis desenganos
Do destino cruel, fatal e avaro;
 
Para encontrar-me a sós no mesmo horto
Que deixara, sem luz e sem conforto,
Sentindo as dores desse desamparo.
 
SOUSA, Cruz e (Espírito). Parnaso de além-túmulo. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 19. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2016.

 

Comentários 

Segundo Elias Barbosa (2016, p. 413), expressão e conteúdo são inseparáveis no estilo de Cruz e Sousa. Isso porque, "forma é fundo aparecendo", diz Barbosa (loc. cit.). Para Roger Bastide, Cruz e Sousa foi o maior poeta da escola simbolista universal e, para V. Garcia Calderón é o "maior poeta sul-americano" (id.). Nós, entretanto, compartilhamos da opinião daqueles que o vêm como um dos maiores poetas de todos os tempos, como podemos ler nos comentários críticos da obra Coleção fortuna crítica, v. 4, organizada por Afrânio Coutinho. Civilização Brasileira, 1979.

Em nosso ponto de vista, o tema aqui é o mesmo: recordação de outras existências. Se nos detivermos na comparação de ambos os sonetos, percebemos que Eternidade retrospectiva inicia de modo pessimista: "Mudo e só...; velhas primaveras; regiões do prantos e do gemido; onde as almas erravam; quimeras" são expressões e palavras que podemos recortar dos quartetos do soneto. Os  tercetos que encerram o poema, porém, expressam saudade das "estrelas longínquas; violáceas madrugadas" e " imaginativos luares liriais" e "contemplativos" de sua vida eterna.

Analisando o soneto psicografado: Noutras eras, podemos observar, agora, um posicionamento contrário do poeta desencarnado. Ele começa citando sua marcha por "estradas flóreas, cheias de risos e de pedrarias". Nelas seus dias eram plenos de hinos de vitórias "esplêndidas". Seu passado fora carregado de "glórias, maravilhas de ouro e de alegrias", quando não reparava nas "sendas tristes das dores meritórias". Esses dois versos do segundo quarteto introduzem a constatação do poeta de que o abuso dos seus "deveres soberanos" foi a causa de sua infelicidade, que o deixara "a sós no mesmo horto", antes glorioso e agora desconfortável, dorido e desamparado.

É, pois, na visão espírita, a confirmação do genial poeta, noutro plano da vida eterna, de que seus sofrimentos resultaram da chamada lei de causa e efeito. Os abusos cometidos por ele, nessa lembrança da  "Eternidade retrospectiva" explicavam sua temporária situação de solidão e dor. Agora, do plano espiritual, lembra-se do que fez "Noutras eras" e pode melhor avaliar a causa de sua vida sofrida, quando encarnado, embora toda a sua inteligência e arte incomparável na elaboração de poemas metafísicos.

 Prof. dr. Jorge Leite de Oliveira

 Brasília, 23 de outubro de 2020.

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