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sexta-feira, 27 de junho de 2014

Em dia com o Machado 110 (jlo)
Fosse eu ministro da educação, neste país, proporia uma lei que obrigasse todas as escolas brasileiras a ensinar seus alunos a cultuar os deveres patrióticos e realizar estudos comparativos entre o que se ensina na História e o que contém a obra do irmão Humberto de Campos, psicografada por Chico Xavier, intitulada Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho.
As obras psicografadas por Chico Xavier abrangem, em geral, diversos gêneros textuais, mas seu objetivo principal foi o de comprovar nossa sobrevivência e comunicação espiritual. Elas buscam também confirmar o aspecto cristão do Espiritismo, uma religião sem sacerdócio organizado, sem oferendas, sem pagamentos de dízimos, sem paramentos e sem rituais.
Porém com o auxílio espiritual ou material, com a "oferenda" de mãos amigas, com as orações em benefício dos necessitados, com as mensagens  sobre o Evangelho e, principalmente, com a coordenação do Consolador concedido pelo Cristo, para ficar conosco... (Que aliteração!).
Sendo uma Filosofia de consequências morais, o Espiritismo é praticado pelos adeptos que desejam se elevar espiritualmente pelo seu esforço em amar e servir. Nesse sentido, a literatura espiritual produzida mediunicamente por Chico é de uma beleza ímpar.
— Machado, quantos livros escreveu esse médium, “O maior brasileiro de todos os tempos”, segundo votação obtida em eventos televisivos?
— A produção literária desse extraordinário médium foi de 412 obras psicografadas até o ano de sua “ressurreição” entre nós, em 2002, após ter passado quase um século na carne (92 anos), com vocês.
— Meu caro Bruxo, quais são os gêneros literários psicografados pelo Chico que são mais explorados pelos espíritos comunicantes?
— Poesia, crônica, contos,  romances e cartas.
— E quais são as obras poético-mediúnicas do Chico Xavier, Bruxo do Cosme Velho?
— São tantas que vou enumerar apenas as que, numa mirada de esguelha, consegui anotar. Muitas delas foram publicadas em livros contendo também mensagens, como Antologia da paz, Antologia da caridade, Coletânea do além, Lira imortal, Somente amor, Luz no lar e vários outros. Dentre as obras mediúnicas que trazem apenas poemas, salvo uma que outra oculta aos meus olhos espirituais, cito as seguintes:
De 56 poetas brasileiros e portugueses desencarnados: Parnaso de além-túmulo. (Alberto de Oliveira, Alphonsus de Guimaraens, Antero de Quental, Castro Alves, Cruz e Souza, João de Deus, Olavo Bilac, Raimundo Correia, etc. etc. etc.)
Do espírito Augusto dos Anjos: 31 poemas em Parnaso de além-túmulo, outros cinco em Antologia dos imortais e vários outros, dispersos em outras obras ou psicografados por outros médiuns, como os citados por Palhano Júnior e Silva Souza (1994).
Do espírito Cruz e Sousa: trinta poemas em Parnaso de além-túmulo, outros cinco em Antologia dos imortais...
Do espírito Maria Dolores, cinco livros: Alma e vida; Antologia da espiritualidade; Coração e vida; Dádivas de amor; Maria Dolores. A poesia dessa poetisa é de uma sensibilidade, singeleza e espiritualidade sublimes. São tantos e tão belos os seus poemas que não sabemos qual escolher para ler e refletir. Vai então a primeira estrofe deste, intitulado “Conversa com Jesus”:
 
Senhor! Não lastimamos tanto
Contemplar no caminho a penúria sem nome,
Porque sabemos que socorrerás
Os famintos de pão e os sedentos de paz;
Dói encontrar na vida
Os que fazem a fome.
 
As demais estrofes desse poema você pode ler na obra Antologia da espiritualidade, psicografada pelo Chico, que contém outros 37 poemas sublimes de Maria Dolores.
Na próxima crônica, abordarei as crônicas mediúnicas psicografadas por nosso amado Chico Xavier,
 que eu, se tenho em vida conhecido,
teria lido, divulgado e crido.
 
REFERÊNCIAS
MACHADO, Ubiratan. Os intelectuais e o espiritismo: de Castro Alves a Machado de Assis. 2. ed. Niterói: Publicações Lachâtre, 1996.
PALHANO JR., Lamartine; SOUZA, Dalva Silva. A imortalidade dos poetas “mortos”. Vitória (ES): Fundação Espírito-Santense de Pesquisa Espírita (FESPE),  1994.
XAVIER, Francisco Cândido; VIEIRA, Waldo. Antologia dos imortais. 4. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2002.
______. Parnaso de além-túmulo. Por diversos Espíritos. 16. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2002. Edição comemorativa.
 ______. Antologia da espiritualidade. 6. ed. Pelo Espírito Maria Dolores. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2011.

quarta-feira, 25 de junho de 2014


Comunicar é preciso XV (jlo)

 
A Linguagem e seu Estilo Espacial

 
IV – Figuras fônicas

 
Estas figuras têm relação com a exploração dos fonemas (sons representados pelas letras), em sua expressividade tanto agradável quanto desagradável.

 1 Aliteração: é a repetição seguida de uma consoante ou o encadeamento, na sequência do enunciado, de diversas consoantes. Exemplo:

Chora, menina, chora,
Chora, porque não tem
Vintém, (DC, cap. XVIII).
 
 
2. Assonância: é o som vocálico tônico repetido sistematicamente na sequência da frase. Exemplo: “— Justo; tanto falou que sua mãe acabou consentindo, e pagou a entrada aos dous...” (DC, cap. XVIII)

 
3. Paronomásia: é a semelhança de sons existente no emprego de palavras aproximadas. Exemplo: Era preciso retificar o erro cometido quando se ratificou a promessa de D. Glória.

Segundo Azeredo (2010, p. 509), ocorre a paronomásia quando há “o realce proposital do possível conflito entre a realidade do plano da expressão” e o do conteúdo. No primeiro caso, as formas aproximam-se; enquanto no segundo se afastam.

 
Na próxima semana, abordaremos os tipos de paralelismo.

 
REFERÊNCIAS
 
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2008. Redigida de acordo com a nova ortografia.

CARVALHO, Castelar de. Dicionário de Machado de Assis: língua, estilo, temas. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.

 

QUESTÕES VERNÁCULAS

 ASTOLFO O. DE OLIVEIRA FILHO
aoofilho@oconsolador.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)

 
Devemos ter um cuidado especial no uso dos vocábulos caro e barato.

Caro significa “preço elevado”. Podemos, assim, dizer: “o pão está caro”, “aluguel caro”, “roupa cara”, “os brinquedos estão caros”. Mas jamais digamos “preço caro”.

Quando tem valor de adjetivo, caro é variável: “lugares caros”, “frutas caras”, “passeio caro”. Se a função é de advérbio, ele é invariável: “O Palmeiras vendeu caro a derrota”, “Ele vendeu caro as duas casas”, “Pagamos caro os desaforos”.

Regra semelhante aplica-se ao vocábulo barato, que é variável quando na função de adjetivo e invariável quando funciona como advérbio.

Podemos dizer então: “livro barato”, “roupa barata”, “camisas baratas”. Mas diremos:  “Comprei barato estas frutas”, “Saíram barato tantos desaforos”, “João vendeu barato suas propriedades”.

E, pelo mesmo motivo mencionado com relação ao vocábulo caro, evitemos dizer “preço barato”.

Quando usarmos o vocábulo preço, digamos que ele está “baixo” ou “alto”. Aliás, é o que ocorre já há algum tempo com a gasolina, cujo preço jamais esteve tão alto como nestes dias.

sábado, 21 de junho de 2014


Em dia com o Machado 109 (jlo)

Não adianta, o povo não aceita a linguagem do povo. Ele quer é falar bonito, quando não, difícil, ainda que não entenda e nem seja entendido, ainda que desconheça o significado de todas as palavras que o dotô diga. Mas em geral há comunicação...

Dotô eu tô cuma dô de cabeça, o sinhô tem navagina pra mim dá? Disse uma paciente do interior que recebia a visita do médico em atendimento pelo Funrural (fundo de saúde que atende esporadicamente as regiões pobres do interior brasileiro).

Em seguida, outra disse ao dentista:

Meu dente dói muito dotô. O sinhô pode distraí ele?

Ao final dos atendimentos: dúzias de ovos e de bananas, sacos de laranja, galinhas caipiras, cocos eram ofertados com gratidão a enfermeiros, médicos e dentistas, seus benfeitores, por aquelas pessoas do interiorrrr.

Não faz muito tempo (apenas 141 anos), quando me referi à língua, no final de meu artigo conhecido como “Instinto de nacionalidade”, critiquei a falta da pureza da linguagem dos nossos livros.

Alguns defeitos graves relacionados por este articulista àquela época: “solecismos da linguagem comum” e o galicismo excessivo. O primeiro caracteriza-se pelos erros de concordância, de regência, de colocação pronominal, etc. O segundo é fruto do espírito acomodatício de alguns falantes do francês que, por preguiça, ou mesmo por exagero de princípio mantêm a palavra no original francófono. Exemplo: o uso da palavra francesa desencarne, em vez de desencarnação. Para muitos, pura bobagem, o que importa é a comunicação. (Primeira rima.)

E como o Brasil, parodiando a frase do meu prezado amigo Humberto de Campos, é o coração do mundo, a pátria da pureza de todas as línguas, menos da pureza da sua, o brasileirismo do meu tempo não é o do seu, meu caro leitor. Atualmente, com a influência dos estudos linguísticos, tenta-se igualar, em termos de fala ou escrita, a língua do povo com a dos doutos. Irrisão pura. Os cursinhos, concursos, livros técnicos, periódicos, escolas e academias continuam aceitando como padrão unicamente a chamada norma culta, para desespero dos linguistas, que não convencem nem mesmo os simples de que a sua é uma linguagem correta.

Posso na prática exemplificar, se o leitor exigente o desejar. (Segunda rima em dois decassílabos.)

Nem tudo, porém, está perdido. Eis que a literatura vem, contemporaneamente, resgatar o uso da linguagem do povo, coadjuvada pelas composições musicais populares. E isso é um espanto, para os puristas da linguagem. Inaceitável, gritam do alto do seu soberbo saber sacripanta. (Alta aliteração.)

Veja, nobre leitor, por exemplo, esta estrofe de “Garota na chuva”, cantada por Ednéia Macedo,  que primor:
Garota na chuva ou no verão,
Garota na chuva são as quatro “estação”,
Garota na chuva ou no verão,
Garota na chuva,
A maior sensação.


A Ednéia canta e encanta... Mas vai você escrever assim no vestibular de qualquer universidade para ver se não receberá um rotundo zero em sua redação.

Com a intolerância ou não dos conservadores, porém, eis que a literatura da pós-modernidade coloca de ponta cabeça tudo o que de antanho era considerado irretocável. E novo cânone literário surge no horizonte para ficar eternamente conosco, como também nos prometera o Profeta sobre o Espírito de Verdade (S. João, 14:16, 17).

Meu caro, se a voz do povo fosse a voz de Deus, o Cristo não seria crucificado.

Repito o que disse antes sobre a inexistência de dúvida em relação ao aumento e alteração da língua, com o uso consuetudinário e os costumes da nação. Riqueza de dizer, novas locuções entram no domínio estilístico e adquirem direito de cidadania.

Só não é aceitável que se olvidem as normas sintáticas e se descumpra o VOLP*, da ABL*, fundada e presidida por mim, tão zelosa da pureza idiomática. Afinal de contas, repito pela última vez:  

A influência popular tem um limite; e o escritor não está obrigado a receber e dar curso a tudo o que o abuso, o capricho e a moda inventam e fazem correr. Pelo contrário, ele exerce também uma grande parte de influência a este respeito, depurando a linguagem do povo e aperfeiçoando-lhe a razão. 

A não ser que esteja tratando da literatura brasileira contemporânea. Nesse caso, o buraco é mais embaixo, respeitável leitor.

Vem-me à mente os versos do heteronímico Fernando Pessoa em Mar Português: “Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena”.

Quanto ao que disse alhures sobre a pouca leitura dos clássicos, continua da mesma forma: pouca leitura, muita besteira na internet.

Outrora, afirmara que “cada tempo tem o seu estilo”.

Hoje, porém, que evoluí, participo da opinião daqueles que pensam o contrário. No mundo atual, todos os estilos têm seu lugar no espaço.

O que permanece inalterável, em minha fala, é a questão da precipitação na elaboração de textos, pelos nossos escritores contemporâneos. Por que dizer em dez páginas o que pode ser dito em dez linhas?

E, se há intenção de igualarem-se as criações do espírito com as da matéria, atualmente, com toda a autoridade de espírito liberto da matéria, afianço-lhes que isso é inconciliável. Podemos até dar a volta ao mundo em oito horas, mas para se produzir algo original e de alto interesse literário é necessário um pouco mais de tempo.

Vivo o espírito, suavidade e sublimidade sentimental, estilo gracioso aliado aos dotes de observação e crítica, gosto por vezes duvidoso, pouca reflexão e staccato, impureza eventual do idioma, intensa cor local...

Enfim,  nada disso importa mais em nossa produção literária, que desde os anos setenta do século XIX, salvo raras exceções, ingressou nesta bosta política que vemos na atualidade: o instinto de nacionalidade mistura a lei de gérson com a  mediocridade, a corrupção, a ausência de autoridade, o nepotismo e o apadrinhamento. (Últimas rimas.)

Enfim, tudo pode ser objeto da literatura, a política, principalmente.

Em “O passado, o presente e o futuro da literatura” (A Marmota, 9 e 23 abr. 1858), eu disse que “Uma revolução literária e política fazia-se necessária”.

Alguma novidade política em relação ao que era antes, leitor?

E eis que o futuro se faz presente.

Qual!

VOLP* - Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.
ABL* – Academia Brasileira de Letras.

quinta-feira, 19 de junho de 2014


 

COMUNICAR É PRECISO XIV (jlo)

“A pátria é o idioma, e só no idioma pátrio a gente pode pensar bem e dizer besteiras” (Olavo Bilac).

A linguagem e seu estilo espacial

III - Figuras de pensamento

Em conclusão às figuras de pensamento, publicaremos as quatro figuras finais.

1.: Preterição: ocorre a preterição quando o que é anunciado sugere sua negação.

Exemplo: “Não direi que assisti às alvoradas do Romantismo, não direi que também eu fui fazer poesia no regaço da Itália.” (MPBC*, cap. XXII ).

2. Prosopopeia: consiste em dar vida e características humanas a seres inanimados, sobrenaturais ou irracionais, tornando-os seus interlocutores.  Exemplo: “Um coqueiro, vendo-me inquieto e adivinhando a causa, murmurou de cima de si que não era feio que os meninos de quinze anos andassem nos cantos com as meninas de quatorze” (DC*, cap. XII). A árvore adquire o atributo de seu advogado, na imaginação de Bentinho, para quem o namoro com Capitu era lindo e legal.

3. Símile: é a figura de pensamento que compara, por assimilação, algo a outra coisa, com o uso das conjunções como, tal como, tal qual, assim como, etc. Exemplo: “A minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim” (MPBC, cap. II).

4. Sinestesia: associação de sensações de gradientes sensoriais (sentidos físicos) diversos. Na sinestesia, os sentidos estão interpenetrados. Exemplo: “Só então senti que os olhos de prima Justina, quando eu falava, pareciam apalpar-me, ouvir-me, cheirar-me, gostar-me, fazer o ofício de todos os sentidos” (DC, cp. XXII). Os gradientes dos sentidos se misturam na representação do desejo de prima Justina expresso em seu olhar, que pareciam também fazer uso do tato, da audição, do olfato e do paladar.

DC* - Dom Casmurro.
MPBC – Memórias póstumas de Brás Cubas

Na próxima postagem, concluiremos esse fascinante assunto com as figuras fônicas. Até lá amig@s.

 
QUESTÕES VERNÁCULAS

 
ASTOLFO O. DE OLIVEIRA FILHO
aoofilho@oconsolador.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)

 
Há uma leitora na cidade de Apucarana (PR) que lê esta coluna regularmente, mas o faz com o propósito sincero de se corrigir e de aprimorar seus conhecimentos a respeito da língua que falamos.
Seria bom que todos agissem assim, especialmente os que se valem da tribuna – oradores, palestrantes, expositores e dirigentes de reunião –, cujos erros de natureza gramatical costumam às vezes empanar o brilho de suas explanações. A maioria das pessoas, no entanto, não dá ao assunto maior importância...
“Palestrista”, em vez de palestrante. “Posto que”, no lugar de visto que, de porque. “Fluído”, assim mesmo: flu-í-do, em vez de fluido (flui-do), que é o correto. Essas foram algumas das barbaridades cometidas por pessoas que ocuparam a tribuna [...], o que comprova claramente o que acima dissemos.
Com respeito à locução “posto que”, vejamos a lição de Napoleão Mendes de Almeida:
Posto que – É locução conjuntiva, de sentido concessivo, e não causal; significa ainda que, bem que, embora, apesar de: “Um simples cavaleiro, posto que ilustre” – “E, posto que a luta fosse longa e encarniçada, venceram”. ‘ (Dicionário de Questões Vernáculas, p. 242.)
Uma característica dessa locução conjuntiva e de algumas conjunções concessivas é levar o verbo para o subjuntivo. Veja os exemplos: Embora estude bastante, dificilmente ele conseguirá passar.  Conquanto lute muito, sua vitória é difícil. Posto que ganhe na loteria, não será fácil pagar todas as dívidas.

sábado, 14 de junho de 2014


 

Em dia com o Machado 108 (jlo)


A esperteza de certos talentos parece ser sempre sinistra. Há quem diga que o mal não existe, que o mau é um ignorante, que o mal do mau é sentir um doentio prazer em destruir e destruir-se, em consumir e consumir-se. É o que, na relação sexual, se chama de sadomasoquismo.

“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!”, diria o Eclesiastes.

Há pessoas muitíssimo inteligentes, se é que a capacidade criativa doentia pode ser assim denominada, que engendram mefistofelicamente situações com vistas a manipular as mentes menos ativas, para não dizermos ingênuas, mas que, por sua vez, são ambiciosas.

É aí que entram os estelionatários.

De aparência humilde, simplória mesmo, voz macia, modos extremamente educados, bem vestidos, eles se infiltram, sorrateiramente, em nossas vidas, para nos fazer de trouxas na aplicação de seus golpes de mestres.

Vigarino era um deles, até ser preso e colher o que plantou.

Quando foi recolhido ao xadrez, dizem que tocou no telefone de sua empresa de fachada a música “O poderoso chefão”. Ironia das ironias, tudo é ironia! diria ele, ante a cara de riso dos policiais federais que desbaratavam seu império fajuto naquele fatídico dia.

Muita gente pensa que somente pessoas estúpidas caem nos chamados contos do vigário. Vigarino, porém, afirma que pessoas burras não têm 100 mil reais sobrando para lhe doar; só as espertas...

Não se iluda, dizia ele, sou alguém extremamente ladino ao telefone. Se desejar aplicar-lhe um golpe, nada evitará que eu lhe subtraia muita grana. Um dos meus chamarizes é a seguinte frase: “Você vai ganhar uma fortuna, se aceitar ser meu sócio”.

O mesmo posso fazer pela internet. Desde criança, sou conhecido por minha extrema capacidade de persuasão. Bonito, simpático, alegre, comunicativo e, sobretudo, altamente cínico, não tinha o menor escrúpulo em prejudicar alguém, fosse quem fosse, até minha própria mãe, para me dar bem em alguma trama maquiavélica.

Se descoberto, fazia-me de vítima de um engano, ou mesmo dava as costas para o lesado e afastava-me como se o problema não me dissesse respeito. Meu egoísmo, aliado ao poder de persuasão, era ilimitado.

Muitas empresas desonestas adoram trabalhar com pessoas como eu.

Se trabalhasse para o teatro, seria um personagem perfeito.

Empresário de empresa telefônica fraudulenta, treinei inúmeros funcionários de outras centrais telefônicas especializadas em golpes aos usuários incautos ou metidos a espertos. Exemplo: anúncios de TV com a contratação de grandes artistas que, sem saber que estavam sendo usados para golpes em clientes, aceitavam participar de nossas propagandas mentirosas.

Os clientes, ante a visão de um ídolo anunciando um produto “milagroso”, acreditavam cegamente no que era afirmado e compravam o produto.  Para eles, bastava a palavra do artista idolatrado ou da atriz famosa, a seu ver acima de qualquer suspeita.

Nossa arma é a emoção. Quanto mais tocarmos os corações dos consumidores, mais sucesso terá nosso produto.

Não usamos a lógica, apelamos para a sensibilidade da futura vítima, pois se usássemos a lógica, logo ouviríamos dela que não daria seu suado dinheiro em troco de promessas de estranhos.

Outra característica de nossas vítimas é a ganância. Nesse caso, basta a promessa de que o ganancioso vai ganhar muito dinheiro. Assim, a vítima pode estar em qualquer faixa etária.

Os idosos, como qualquer pessoa endinheirada, são nossas vítimas preferidas. Por temerem depender apenas de aposentadoria, por recearem precisar de auxílio dos filhos, que não querem incomodar... O temor da necessidade é a arma que utilizamos para lhes arrancar dinheiro.

Para finalizar, cito alguns procedimentos fraudulentos com os quais me dei bem em minha venturosa vida de estelionatário, antes de ser preso e ver meu castelo desmoronar: investimentos em inexistentes companhias de gás, oportunidades de grandes negócios mentirosos e venda de moedas de ouro, que, ao serem retiradas, já não valiam mais do que 20% do valor inicial...

Esses são apenas alguns truques que continuarão a ser utilizados por milhares de estelionatários como Vigarino e nos quais alguns deles você certamente já caiu ou cairá, meu esperto leitor, minha linda leitora.

Somente o trabalho honesto e a vida sóbria são fontes seguras da paz de consciência, morada de Deus, amigos leitores; não se esqueçam disso. Materialista não é só quem não crê em Deus; é quem faz das riquezas mundanas e prazeres da carne a finalidade básica de suas vidas e, muitas vezes, mandam os escrúpulos às favas como aquele famoso ministro da educação brasileira o fez.

Esses materialistas travestidos de cristãos são os mais visados por estelionatários como Vigarino.

Voltemos ao Eclesiastes: “E olhei eu para todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também para o trabalho que eu, trabalhando, tinha feito, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do sol".

sábado, 7 de junho de 2014



Em dia com o Machado 107 (jlo)

Salut!

Aderindo ao humanitismo de Quincas Borba, Genebaldo não perdia uma só conferência do grande orador Francelino Perivaldo, depois que essa filosofia se tornou popular. Desse modo, nunca lhe esquecera a Genebaldo uma certa exortação francelina ao término de brilhante palestra deste, como de resto ocorria em suas demais apresentações. Ante lotado auditório de cerca de 501 pessoas,  sendo que estava presente de fato, em espírito, apenas uma, o palestrante apelou:
— Queridos irmãos humanitistas, compareçam e convidem vossos amigos, parentes e conhecidos a participarem de meu seminário no dia X, às 20h, na casa Y. Na saída deste centro de convenções, recebereis convites impressos, ao módico preço de dez centavos cada um, cuja arrecadação servirá simplesmente para cobrir os gastos com divulgação e organização do evento.

Aqueles que puderem mais, adquiram cem ou mais convites, os que puderem menos, comprem ao menos um, e quem nada puder pagar, leve, assim mesmo, dez convites gratuitos. O importante é divulgar nosso brilhante trabalho em prol do humanitismo.
Aplausos, vivas e hurras foram ouvidos estridentemente nesse instante. E Jenebaldo saiu dali refletindo em como era importante divulgar uma filosofia de vida tão bela como aquela. Foram arrecadados trinta e três mil euros e trinta centavos.
Passou então a estudar a nova filosofia durante os dois anos em que pôde conviver com o admirável Francelino. Em seu entusiasmo, editou um jornalzinho, por conta própria, no qual também expunha suas conclusões e contribuições decorrentes dos estudos feitos sobre o humanitismo, a seu ver a mais completa filosofia já criada por alguém na Terra.
Certo dia, porém, foi surpreendido com uma crítica severa de Perivaldo, em palestra pública deste. Embora o tribuno não citasse nome, recriminava veementemente as pessoas “exibidas” que buscavam a autopromoção, a pretexto de divulgar a nova filosofia. Percebendo a indireta, Genebaldo entristeceu-se, mas não arrefeceu seu entusiasmo. Refletiu que o que ouvira apenas expressava a fome de humanitas. E continuou a divulgar os novos princípios com redobrado amor e humildade.
O tempo passou, Genebaldo mudou-se para outra cidade. Ali, conheceu novo grupo de adeptos do humanitismo coordenado por Rubião. Resolveu então participar de um estudo organizado por seu coordenador, que estava a serviço do grande chefe da organização local, o Palha. Já no primeiro dia de sua presença, ouviu a recomendação do coordenador do estudo, o Rubião, para que ninguém ali tentasse alcançar posições de destaque, haja vista que um dos princípios humanitistas é o de que o mal não existe. Consequentemente, para o bem geral, seria necessário que apenas o humanitas prevalecesse. E completou dizendo que havia diversas formas de alguém buscar o destaque pessoal e trabalhar em prol da realização de seus interesses pessoais. Todas condenáveis.
Uma delas tinha por objetivo alcançar bens materiais; outra, ascendência sobre as pessoas; outra ainda, bens espirituais. Todas elas estavam erradas, pois antes de mais nada era preciso satisfazer a fome de humanitas e apenas nisso estava o nosso dom da imortalidade.
Humanitas, como princípio da filosofia humanitista, é a síntese do universo, e este é o homem. Assim, pois, não existe morte nem morto, vez que o fim de uns resulta na continuação de outros. Numa guerra por alimentos, humanitas se materializa no vencedor. Se o alimento é um campo de batatas, não pode haver sua divisão entre os dois povos que as disputam, porque desse modo o alimento seria escasso para ambos os lados. Assim, a guerra se justificaria pela plena satisfação à fome de humanitas. Ao vencido, ódio ou compaixão; “ao vencedor, as batatas”.
Quarenta anos depois, Genebaldo observou a justeza dessas colocações. O tribuno humanitista tornou-se destaque em sua pátria, recebendo de humanitas farta provisão de alimentos, que lhe proporcionaram adquirir outro dom: a saúde física e espiritual. O coordenador dos estudos ascendeu a diretor de sua casa humanitista; e Genebaldo descobriu que era insubstituível, pois assim como só existiu um Beethoven, só existiria um Genebaldo, o bolha.
A única condição imposta a Genebaldo por humanitas foi a de deixar as batatas ao vencedor e contentar-se em ser bolha da água fervente que a manipula eternamente, em seu nascer e renascer, assim como ocorreria com o próprio Quincas Borba, que nada mais era do que a reencarnação de Santo Agostinho.
Não entendeu, amiga leitora? Leia então meu romance Quincas Borba e tente compreender a mensagem subliminar que ali está.
Au revoir.

 

 

quarta-feira, 4 de junho de 2014


COMUNICAR É PRECISO XIII (jlo)

A linguagem e seu estilo espacial

III - Figuras de pensamento

Hoje publicaremos outras cinco dessas figuras.

1. Gradação:  as palavras ou expressões se alinham de acordo com um sentido progressivo. Exemplo: “Este Quincas Borba [...] é aquele mesmo náufrago da existência [...], mendigo, herdeiro inopinado e inventor de uma filosofia.” (QB*, cap. IV).

2. Hipérbole: é o exagero de linguagem que visa a dar destaque especial a uma palavra ou expressão do comunicado. Exemplo: “Pois sejamos felizes de uma vez, antes que o leitor pegue em si, morto de esperar, e vá espairecer a outra parte; casemo-nos.” (DC*, cap. CI).

Aqui, o narrador em primeira pessoa assume o papel do personagem Bentinho e, em vez de dizer que o leitor poderia estar desistindo de esperar pelo desenrolar da demorada narrativa sobre o casamento do protagonista com Capitu, usa a exagerada expressão morto de esperar em substituição àquela.

3. Lítotes: ocorre quando se declara alguma coisa negando o seu oposto. Exemplo: Fulana, acredite em mim, ninguém te detesta na escola.

Embora a fulana se acredite detestada, o narrador lhe diz que pode confiar na opinião deste de que sua crença não é verdadeira. Muitas vezes essa é apenas uma forma de atenuar a realidade, pois se nem todo o mundo detesta a fulana, na escola, pode ser que algumas pessoas de lá não gostem dela.

4. Oxímoro: essa figura expressa ideias contraditórias que se combinam, como uma variação do paradoxo. Exemplo: “Deus escreve certo por linhas tortas”.

5. Paradoxo: figura que se baseia no uso de palavras ou expressões contrárias à lógica, com afirmações incoerentes ou absurdas. Costuma ser usada para exprimir ironia, o que a torna comum no texto machadiano. Exemplo: “O drama é de todos os dias e de todas as formas, e novo como o sol, que também é velho(MA)*. O reaparecimento diário do sol o torna novo, mas sua existência de bilhões de anos caracteriza sua ancianidade. Assim também ocorre com o drama, que está sempre ocorrendo em algum lugar, mas existe desde os tempos imemoriais da humanidade.

 DC* - Dom Casmurro.
MA*Memorial de Aires.

QB* -Quincas Borba.

 

QUESTÕES VERNÁCULAS

 
ASTOLFO O. DE OLIVEIRA FILHO
aoofilho@oconsolador.com.br
Londrina, Paraná (Brasil)

 
Edição nº 11

 Devemos ter bastante cuidado com o uso da locução “através de”, que normalmente utilizamos de forma errada.  É correto dizer: “Ela olhava através da janela” ou “Caminhou através de uma estrada abandonada”, textos nos quais “através de” significa “por dentro de”, “ao longo de”.

É, contudo, um equívoco usar a locução “através de” em construções como estas, com o sentido de “por”, “por meio de”, “por intermédio de” ou locução equivalente:

- Ela soube da notícia através do rádio.

- Os mudos se comunicam através de gestos.

- A questão foi decidida através de decreto.

- Esta mensagem foi psicografada através do Divaldo.

Em casos assim, no lugar de “através de”, usemos a preposição “por”, a locução “por meio de” ou algo equivalente:

- Ela soube da notícia pelo rádio.

- Os mudos se comunicam por meio de gestos.

- A questão foi decidida por decreto.

- Esta mensagem foi psicografada pelo Divaldo.

 

segunda-feira, 2 de junho de 2014


Em dia com o Machado 106 (jlo)

Aos meus habituais leitores, dou uma explicação. Em geral, apareço aos sábados, outras vezes, aos domingos... Entretanto, durmo e acordo cedo, com o canto dos passarinhos e o voo das borboletas, que aprecio enormemente em meu lar, agora noutra dimensão, junto à Carolina.
Como esta crônica só terminará na madrugada de segunda-feira, deixo-a ao encargo do meu secretário Joteli, maior responsável pelo que nela está expresso. De meu, apenas o pensamento...
Como lhes disse alhures, a profissão folhetinesca, agora tornada blogista, não é exata como os relógios, hoje mais precisos do que no século XIX, embora a profissão de relojoeiro persista.
Há relógios de pulso que destoam, ao longo de décadas, apenas poucos segundos, em relação à hora oficial de Brasília.
Mas as pirâmides do Egito e outras, calcula-se variarem somente seis milímetros entre as pedras que pesam toneladas, colocadas em sua base, e as que estão no seu topo, sem outra diferença, ao longo dos milênios.
Dizem que é porque foram feitas em sintonia com a constelação de Orion etc. etc. etc.
Já os relojoeiros não, esses continuam a trabalhar pontualmente desde que o relógio foi inventado. Repito-te, amigo bloguista, o que disse em 1º de agosto de 1864, com adaptações contemporâneas: Se é lícito ao relógio variar, não é ao blog que se deve pedir uma pontualidade do Caburaí[1] ao Chuí na Terra de Santa Cruz.
Mas por falar em tempo, relógio e relojoeiro, lembra-me Maiakovski e seu ofício de escrever poemas.
Vejo um vulto  ao meu lado e, após os cumprimentos de praxe, eis que ele me diz:
— Falar-te-ei do meu ofício, novamente; sem pretensão de ensinar a fazer poesia, mas como quem fez versos.
Repito-te, uma vez mais, de modo categórico: não te dou nenhuma regra capaz de tornar-te poeta, que elas não há, pois o poeta, como o profeta, é quem cria suas regras ou suas profecias.
Pela enésima vez, repito, o matemático submete seus cálculos às regras matemáticas; mas nem todos aqueles que calculam são matemáticos. O poeta, entretanto, nada tem a declarar. Ele simplesmente declara.
Dizíamos, antanho, que as regras antigas, de rimar e o verso alexandrino “já não convencem”.
Entretanto, como  disse aos seus íntimos Galileu Galilei, após negar o movimento dos astros, por imposição dos bispos, para não ter a cabeça decepada: “Creiam eles ou não, os astros continuam a se mover no espaço”.
Também agora te afirmo, leitor curioso: os Espíritos continuam a soprar onde quiserem, como afirmou o profeta Nazareno. E não onde quisermos.
Não te esqueças disso jamais, pois é da mais alta importância na ciência espiritual.
Dizer a mesma coisa, não é dizer do mesmo modo. Esta é a grande diferença. Escrever sobre o que tu escreves qualquer um pode fazê-lo; mas não como escreves.
Ouvi atentamente Maiakovski e, então, animei-me a repetir-lhe a estrofe de um de seus famosos poemas:

Na primeira noite eles se aproximam
                                      e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite,
já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho
em nossa casa,
rouba-nos a luz,
e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

             — Meu caro Machado, você copiou muito bem. Mas vou lhe dizer algo que milhares de internautas não sabem: esses versos não são meus.
            — Caramba, Mai, então fomos enganados?
            — Certamente, meu amigo, os versos são de outro poeta... e poeta brasileiro.
            — Não acredito! De quem são, então, Kovski?
            — Do poeta Eduardo Alves da Costa (COSTA, E. A. No caminho com Maiakovski. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985).
            — Este é que é o grande problema da internet, divulga muita mentira. Para compensar o erro, contemplo-te, Maiakovski, e aos meus leitores com meu soneto inédito, intitulado Deus e ateus:

Pregaram o ateísmo inicialmente,
Mas não me incomodei, não sou ateu.
Em seguida, disseram ser a mente
Apenas excreção cerebral. Deus

Não existe, a vida é tão simplesmente
Um casual encontro  que ocorreu
De atração celular e tão somente
As sensações explicam o tu e o eu.

Depois disseram não haver uma alma,
Que o livre-arbítrio é pura fantasia
E tudo isso aceitei na maior calma... 

Por fim disseram que o laboratório
Tem confirmado a ateia e sã teoria...
E eu me destruo por ser tão simplório. 

— Mas esse soneto não é teu, Machado.
— Então, dou-o ao meu secretário e pago-te com um piparote.
Adiós, Maiakovski; hasta la vista amiga lectora.




[1] O Monte do Caburaí, em Roraima desbancou o Oiapoque, como extremo norte do Brasil. Entretanto, se até as verdades científicas estão sempre sendo reformuladas, por que não os marcos espaciais de nossa geografia, não é mesmo, amiga leitora?

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