Em
dia com o Machado 107 (jlo)
Salut!
Aderindo ao humanitismo de Quincas Borba, Genebaldo não perdia uma só conferência do grande orador Francelino Perivaldo, depois que essa filosofia se tornou popular. Desse modo, nunca lhe esquecera a Genebaldo uma certa exortação francelina ao término de brilhante palestra deste, como de resto ocorria em suas demais apresentações. Ante lotado auditório de cerca de 501 pessoas, sendo que estava presente de fato, em espírito, apenas uma, o palestrante apelou:
Aqueles que puderem
mais, adquiram cem ou mais convites, os que puderem menos, comprem ao menos um,
e quem nada puder pagar, leve, assim mesmo, dez convites gratuitos. O
importante é divulgar nosso brilhante trabalho em prol do humanitismo.
Aplausos, vivas e
hurras foram ouvidos estridentemente nesse instante. E Jenebaldo saiu dali
refletindo em como era importante divulgar uma filosofia de vida tão bela como
aquela. Foram arrecadados trinta e três mil euros e trinta centavos.
Passou então a estudar a nova filosofia
durante os dois anos em que pôde conviver com o admirável Francelino. Em seu
entusiasmo, editou um jornalzinho, por conta própria, no qual também expunha
suas conclusões e contribuições decorrentes dos estudos feitos sobre o humanitismo,
a seu ver a mais completa filosofia já criada por alguém na Terra.
Certo dia, porém, foi
surpreendido com uma crítica severa de Perivaldo, em palestra pública deste.
Embora o tribuno não citasse nome, recriminava veementemente as pessoas “exibidas”
que buscavam a autopromoção, a pretexto de divulgar a nova filosofia.
Percebendo a indireta, Genebaldo entristeceu-se, mas não arrefeceu seu
entusiasmo. Refletiu que o que ouvira apenas expressava a fome de humanitas. E continuou a divulgar os novos princípios com redobrado amor e
humildade.
O tempo passou,
Genebaldo mudou-se para outra cidade. Ali, conheceu novo grupo de adeptos do
humanitismo coordenado por Rubião. Resolveu então participar de um estudo
organizado por seu coordenador, que estava a serviço do grande chefe da
organização local, o Palha. Já no primeiro dia de sua presença, ouviu a
recomendação do coordenador do estudo, o Rubião, para que ninguém ali tentasse
alcançar posições de destaque, haja vista que um dos princípios humanitistas é
o de que o mal não existe. Consequentemente, para o bem geral, seria necessário
que apenas o humanitas prevalecesse. E completou dizendo que havia diversas
formas de alguém buscar o destaque pessoal e trabalhar em prol da realização de
seus interesses pessoais. Todas condenáveis.
Uma delas tinha por
objetivo alcançar bens materiais; outra, ascendência sobre as pessoas; outra
ainda, bens espirituais. Todas elas estavam erradas, pois antes de mais nada
era preciso satisfazer a fome de humanitas e apenas nisso estava o nosso dom da
imortalidade.
Humanitas, como
princípio da filosofia humanitista, é a síntese do universo, e este é o homem.
Assim, pois, não existe morte nem morto, vez que o fim de uns resulta na
continuação de outros. Numa guerra por alimentos, humanitas se materializa no
vencedor. Se o alimento é um campo de batatas, não pode haver sua divisão entre
os dois povos que as disputam, porque desse modo o alimento seria escasso para
ambos os lados. Assim, a guerra se justificaria pela plena satisfação à fome de humanitas. Ao vencido, ódio ou compaixão; “ao vencedor, as batatas”.
Quarenta anos depois,
Genebaldo observou a justeza dessas colocações. O tribuno humanitista tornou-se
destaque em sua pátria, recebendo de humanitas farta provisão de alimentos, que
lhe proporcionaram adquirir outro dom: a saúde física e espiritual. O
coordenador dos estudos ascendeu a diretor de sua casa humanitista; e Genebaldo
descobriu que era insubstituível, pois assim como só existiu um Beethoven, só
existiria um Genebaldo, o bolha.
A única condição
imposta a Genebaldo por humanitas foi a de deixar as batatas ao vencedor e contentar-se em
ser bolha da água fervente que a manipula eternamente, em seu nascer e
renascer, assim como ocorreria com o próprio Quincas Borba, que nada mais era
do que a reencarnação de Santo Agostinho.
Não entendeu, amiga
leitora? Leia então meu romance Quincas
Borba e tente compreender a mensagem subliminar que ali está.
Au revoir.
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