Em dia com o
Machado 118 (jlo)
A questão da autoestima do ser
humano merece uma nota deste caramujo que gosta dos teatros, bailes dos clubes
e salões, da nobre sociedade do Paço Imperial, de uns dedos de prosa ou poesia
e de dança.
Os 49 anos do Segundo Reinado (1840 a
1889) abarcam os meus 50 junhos, pois, embora a República date de 15 de
novembro de 1889, eu nasci em 21 de junho de 1839 e, portanto, já completara 50
anos. Mas para não confundir a leitora e o leitor com datas, explico-lhes que,
até o meu desenlace físico, em 29 de setembro de 1908, para mim, todos os
acontecimentos e enredos transcorriam, predominantemente no tempo do Paço, do
Passeio Público, do Teatro, da praia do Flamengo e da Rua do Ouvidor como
centros da agitada urbe carioca.
Era tempo de festas. Uma das mais
tradicionais foi a festa da Glória, no Palácio Meriti, do marquês de Abrantes.
Daí, talvez, a expressão “Está tudo como dantes no quartel de Abrantes”.
Trocaram o palácio pelo quartel... Qual!
A Penha do meu tempo, amável leitora,
estava no auge de sua fama. Em suas festas de outubro, seus lindos fogos de
artifício eram apreciados dos quatro costados do Rio de Janeiro. Tanto é assim
que, numa de minhas crônicas comentei: “Esta festa da Glória é a Penha elegante
do vestido escorrido, da comenda do claque; a Penha é a Glória da rosca no
chapéu, garrafão ao lado, ramo verde na carruagem e turca no cérebro”.
E o que se fazia mesmo, nos salões
cariocas era dançar. Havia verdadeira febre de bailes e festas,
religiosas/profanas, na primeira metade do Segundo Império. Em 1864, afirmei,
em crônica, que o “teatro entrou propriamente no salão com pequenos provérbios
e charadas. A comédia foi-lhes no encalço. A ópera vai entrando”.
Ah! você duvida que eu seja um
saudosista do tempo da Monarquia? Então veja as datas de meus três últimos
romances. A primeira é a do início das narrativas, a segunda a do ano de sua
publicação. Vejamos Dom Casmurro. Narrativa
dos fatos iniciados em novembro de 1857, no auge do II Reinado, e livro editado
em 1900. Agora Esaú e Jacó. Início dos
acontecimentos narrados: 1871, e livro editado em 1904. Por fim, Memorial de Aires. Memórias datadas de 9
de janeiro de 1888 a 30 de agosto de 1889. Livro publicado somente em 1908, ano
do meu retorno à vida eterna.
E quando foi mesmo proclamada a República?
Em 15 de novembro de 1889, repito. Ou seja, sendo homem do meu tempo, esse
tempo não é o do novo regime, e, sim, o do mais democrático regime que houve em
nosso país, o do período em que governava o Brasil um homem extremamente culto,
tolerante, bom e amigo do povo: Dom Pedro II. Por isso fiz questão de só situar
minhas narrativas nesse tempo mágico, até o dia em que minha alma subiu ao
encontro da de Carolina e outras almas amigas.
Em meu tempo, as pessoas de cor, como eu e o André Rebouças eram tratadas com muita
dignidade, quando se destacavam profissionalmente ou no meio artístico. Cito
apenas dois casos:
No dia 4 de março de 1867, Rebouças
(engenheiro negro) narra sua felicidade em ter dançado, em sarau dançante
orquestrado e com cerca de cem convidados, com madame Taunay, com a viscondessa
de Lajes e sua sobrinha. Por fim, completa ele, “o conde d’Eu convidou-me a
dançar a segunda quadrilha de lanceiros com a Princesa Isabel”. Qual! Quanta
vaidade!
É verdade que nem sempre o renomado
engenheiro tivera a mesma sorte. Em geral, quando convidava uma delicada e alva
jovem da aristocracia para dançar, a desculpa era sempre a de que ela já tinha
par. Uma noite, penalizada dele, a própria princesa Isabel dançou com ele uma
quadrilha. Dizem também que a iniciativa da dança com a princesa fora do conde
d’Eu, que convidou Rebouças dizendo-lhe que a princesa ficaria honrada em tê-lo
como par.
Quanto reconhecimento! Mas pudera! O
negro fora o mais renomado engenheiro daquele tempo. Tanto é assim que, até hoje,
no Rio, há um túnel chamado Rebouças, em sua homenagem. Sem contar outras
homenagens...
São coisas assim que me fazem tão
saudoso da Monarquia. Volta, Imperador! Volta, Princesa! Vem viver novamente ao
meu lado.
Brindamos, pois, a leitora com esta bela
canção, de Lupicínio Rodrigues, grande compositor e cantor de minha nobre
estirpe:
Volta
Quantas noites não durmo
A rolar-me na cama
A sentir tantas coisas
Que a gente não pode explicar quando ama
O calor das cobertas
Não me aquece direito
Não há nada no mundo
Que possa afastar esse frio em meu peito
Volta
Vem viver outra vez ao meu lado
Não consigo dormir sem teu braço
Pois meu corpo está acostumado.