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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Em dia com o Machado 118 (jlo)

            A questão da autoestima do ser humano merece uma nota deste caramujo que gosta dos teatros, bailes dos clubes e salões, da nobre sociedade do Paço Imperial, de uns dedos de prosa ou poesia e de dança.
Os 49 anos do Segundo Reinado (1840 a 1889) abarcam os meus 50 junhos, pois, embora a República date de 15 de novembro de 1889, eu nasci em 21 de junho de 1839 e, portanto, já completara 50 anos. Mas para não confundir a leitora e o leitor com datas, explico-lhes que, até o meu desenlace físico, em 29 de setembro de 1908, para mim, todos os acontecimentos e enredos transcorriam, predominantemente no tempo do Paço, do Passeio Público, do Teatro, da praia do Flamengo e da Rua do Ouvidor como centros da agitada urbe carioca.
Era tempo de festas. Uma das mais tradicionais foi a festa da Glória, no Palácio Meriti, do marquês de Abrantes. Daí, talvez, a expressão “Está tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Trocaram o palácio pelo quartel... Qual!
A Penha do meu tempo, amável leitora, estava no auge de sua fama. Em suas festas de outubro, seus lindos fogos de artifício eram apreciados dos quatro costados do Rio de Janeiro. Tanto é assim que, numa de minhas crônicas comentei: “Esta festa da Glória é a Penha elegante do vestido escorrido, da comenda do claque; a Penha é a Glória da rosca no chapéu, garrafão ao lado, ramo verde na carruagem e turca no cérebro”.
E o que se fazia mesmo, nos salões cariocas era dançar. Havia verdadeira febre de bailes e festas, religiosas/profanas, na primeira metade do Segundo Império. Em 1864, afirmei, em crônica, que o “teatro entrou propriamente no salão com pequenos provérbios e charadas. A comédia foi-lhes no encalço. A ópera vai entrando”.
Ah! você duvida que eu seja um saudosista do tempo da Monarquia? Então veja as datas de meus três últimos romances. A primeira é a do início das narrativas, a segunda a do ano de sua publicação. Vejamos Dom Casmurro. Narrativa dos fatos iniciados em novembro de 1857, no auge do II Reinado, e livro editado em 1900. Agora Esaú e Jacó. Início dos acontecimentos narrados: 1871, e livro editado em 1904. Por fim, Memorial de Aires. Memórias datadas de 9 de janeiro de 1888 a 30 de agosto de 1889. Livro publicado somente em 1908, ano do meu retorno à vida eterna.
E quando foi mesmo proclamada a República? Em 15 de novembro de 1889, repito. Ou seja, sendo homem do meu tempo, esse tempo não é o do novo regime, e, sim, o do mais democrático regime que houve em nosso país, o do período em que governava o Brasil um homem extremamente culto, tolerante, bom e amigo do povo: Dom Pedro II. Por isso fiz questão de só situar minhas narrativas nesse tempo mágico, até o dia em que minha alma subiu ao encontro da de Carolina e outras almas amigas.
Em meu tempo, as pessoas de cor, como eu e o André Rebouças eram tratadas com muita dignidade, quando se destacavam profissionalmente ou no meio artístico. Cito apenas dois casos:
No dia 4 de março de 1867, Rebouças (engenheiro negro) narra sua felicidade em ter dançado, em sarau dançante orquestrado e com cerca de cem convidados, com madame Taunay, com a viscondessa de Lajes e sua sobrinha. Por fim, completa ele, “o conde d’Eu convidou-me a dançar a segunda quadrilha de lanceiros com a Princesa Isabel”. Qual! Quanta vaidade!
É verdade que nem sempre o renomado engenheiro tivera a mesma sorte. Em geral, quando convidava uma delicada e alva jovem da aristocracia para dançar, a desculpa era sempre a de que ela já tinha par. Uma noite, penalizada dele, a própria princesa Isabel dançou com ele uma quadrilha. Dizem também que a iniciativa da dança com a princesa fora do conde d’Eu, que convidou Rebouças dizendo-lhe que a princesa ficaria honrada em tê-lo como par.
Quanto reconhecimento! Mas pudera! O negro fora o mais renomado engenheiro daquele tempo. Tanto é assim que, até hoje, no Rio, há um túnel chamado Rebouças, em sua homenagem. Sem contar outras homenagens...
São coisas assim que me fazem tão saudoso da Monarquia. Volta, Imperador! Volta, Princesa! Vem viver novamente ao meu lado.
Brindamos, pois, a leitora com esta bela canção, de Lupicínio Rodrigues, grande compositor e cantor de minha nobre estirpe:
Volta
Quantas noites não durmo
A rolar-me na cama
A sentir tantas coisas
Que a gente não pode explicar quando ama

O calor das cobertas
Não me aquece direito
Não há nada no mundo
Que possa afastar esse frio em meu peito

Volta 
Vem viver outra vez ao meu lado
Não consigo dormir sem teu braço
Pois meu corpo está acostumado.

sábado, 16 de agosto de 2014


Em dia com o Machado 117 (jlo)

 
         Volta à ordem do dia a questão capital. Veja leitora amiga que já em 22 de janeiro de 1893 este articulista abordara o assunto.
         Houve tempo no qual não se falava de outra cousa a não ser a mudança da capital federal para nova cidade. A ideia era a de não ser a nova cidade um prolongamento da Rua do Ouvidor.
Já se dizia do sonho visionário de Dom Bosco e se previra, na constituição, um espaço na região central do país. A ideia legislativa, entretanto, era Teresópolis, mas Vassouras não queria ficar atrás (Vai, vassouras!...).
Outras candidatas eram Petrópolis e Nova Friburgo. Niterói, ex-capital do Rio, nada reivindicava... Mas além-fronteira, havia Minas Gerais e sua Ouro Preto, que acabou cedendo a vez a Belo Horizonte como capital... mineira.
O certo é que a vida, sendo tão curta e a morte tão certa, acabei morrendo sem ver a nova capital ser transferida para o Centro-Oeste. O Rio de Janeiro continuou com seu Cristo Redentor, o Corcovado, as praias de Copacabana, Ipanema, Prainha, Grumari e outras sete praias maravilhosas. Além, é claro, dos teatros, do Passeio Público, da Rua do Ouvidor...

*

Agora, sim, temos uma cidade ampla, espaçosa, com largas avenidas e residências destinadas às famílias das mais variadas classes sociais. Todas as ocupações profissionais, aqui, são valorizadas e bem remuneradas.
O investimento em educação e a valorização do professorado, nesta cidade, é algo invejável; parece cousa de primeiro mundo...
O trânsito é absolutamente seguro, pois, embora não sejam vistos, os agentes rodoviários e policiais estão prontos para agir em casos de acidentes, roubos e assaltos. Qualquer ocorrência nas vias públicas é imediatamente atendida por duas ou três viaturas policiais e agentes bem preparados...
Há amplos mercados, diversos shopping centers, bares e restaurantes noturnos, amplamente frequentados. Córregos, parques e pistas para caminhadas ou corridas ladeiam os condomínios com facilidade de acessos laterais, suficientemente afastados, cujas entradas são guardadas por seguranças atentos, providos de amplos recursos para acionar imediatamente as forças policiais, caso haja necessidade...
Quase não se vê policiais nas ruas... fardados; mas se alguém tentar bancar o engraçadinho com uma jovem ou senhora, se outrem ousa bater a carteira de um cidadão incauto, se pugilistas resolvem fazer dos locais públicos rings, imediatamente aparecem de todas as partes, como num passe de mágica, dezenas de agentes da segurança, à paisana e até mesmo fardados, para dar voz de prisão ao fora da lei desavisado.
A honestidade e a disciplina aqui caminham de mãos dadas. Caso a amiga leitora ou o caro leitor necessitem trocar um produto em qualquer loja da cidade, basta-lhes entregar o produto na recepção, escolher o novo produto e acertar a diferença na saída do estabelecimento.
As pessoas idosas são tratadas com respeito e dispõem de vantagens especiais, como a do desconto de 40% na compra de um imóvel para sua moradia.  Prioridades, somente para deficientes físicos ou enfermos...
A qualquer hora do dia ou da noite, você pode passear tranquilo nas ruas, pedalar sua bicicleta, frequentar o teatro ou o parque de diversões sem medo de ser assaltado. Aqui, a cidadania é respeitada e as infrações à lei são rigorosamente punidas.
— Mas e se os agentes policiais abusarem de sua autoridade? Será que tanto poder não leva à sensação de impunidade? Pergunta-me o curioso leitor.
— De jeito nenhum. O policial ou qualquer outra autoridade que se comportar inadequadamente é submetido de imediato a um conselho de justiça e, além de ser afastado de suas funções, é rigorosamente punido, sem subterfúgios de recursos protelatórios aos julgamentos. E ai do político que sair da linha... Prison for him!
— Mas Machado, você tem certeza de que está falando de Brasília?
— Claro que não, amiga leitora; refiro-me a um dos 50 estados mais pobres dos Estados Unidos da América do Norte, a Flórida.
         Sobre a capital do Brasil falaremos outro dia. All right now!

terça-feira, 5 de agosto de 2014


Em dia com o Machado 116 (jlo)
Mui cara leitora e estimado leitor, vocês não têm ideia de onde estive, após ter despertado do ilusório "sono eterno" há algumas décadas. Pois não se espantem, passei, certa noite, pelo lar de Chico Xavier, em Uberaba, MG.
E o que vi ali que tanto me impressionou? Havia uma sala simples, com cerca de trinta cadeiras e, ao redor de uma mesa retangular, de cerca de quatro metros de comprimento por um metro de largura, estavam treze pessoas reunidas. Uma delas era Chico, que se sentara à cabeceira da mesa, à frente duma parede branca, com uma estreita porta, à sua esquerda, a qual dava para um quartinho, nos fundos. Sobre uma mesinha desse quarto, além de moringa com água e de copos plásticos, estava um caderno para anotações de pedidos de preces em benefício de encarnados e desencarnados...
Para minha felicidade, eu adentrara, pela vez primeira, a casa do médium mineiro em pleno culto do evangelho. Eram exatamente 20 horas do dia 21 de junho de... Presente de aniversário que ganhei de Carola.
Após a prece inicial do Chico, seu filho adotivo, Eurípedes, abriu uma página do Evangelho segundo o Espiritismo e pediu às demais pessoas sentadas à mesa para comentar cada parágrafo dessa obra magistral. Nesse mesmo instante, vi um senhor alto, vestido à la romana, toga branca dos senadores da época de Nero, que após cumprimentar-me gentilmente e se apresentar como Emmanuel, dirigiu-se ao médium Xavier, o qual, munido de várias folhas em branco e não menos de vários lápis, passou a escrever, celeremente, sob a influência daquele Espírito de altíssima elevação.
A luz irradiada por Emmanuel era tão intensa que, embora a sala estivesse, até então, em penumbra, foi tomada de tal claridade que cheguei a imaginar a plena noite de Lua cheia tornar-se Sol do meio dia.
Ao final dos comentários dos integrantes da mesa, Chico já havia psicografado belíssima mensagem para nossa reflexão intitulada "Tolerância e perdão". O mais surpreendente é que tudo que fora escrito pelo médium representava fielmente as palavras de Emmanuel dirigidas a mim, que lhe fazia algumas perguntas a respeito do tema lido e comentado pelos doze participantes da mesa: Amai os vossos inimigos, cap. XII do citado Evangelho.
Embora alguma implicância do crítico literário Sílvio Romero, que tomou uma crítica nossa às suas primeiras produções literárias, como ataque pessoal, nunca tive inimigos em minha última reencarnação. Tanto é assim que a mim não me importaram muito seus comentários irônicos sobre minha literatura de "estilo gago", no seu entendimento venenoso.
À época, não faltou quem me defendesse dos apodos gratuitos do doutor Romero.
Então, pedi orientação a Emmanuel sobre como reparar as nossas ofensas, muitas vezes irrefletidas, às pessoas. E ele respondeu-me que devemos emitir vibrações mentais equilibradas em benefício de tais pessoas, buscando lembrar os favores, as gentilezas que elas porventura hajam nos proporcionado. Acrescentou, também, que devemos nos abster de qualquer referência negativa sobre o ofendido e, para reconquistar sua simpatia, ser amáveis com seus familiares e amigos.
— Mas isso não seria bajulação, meu caro Emmanuel? – perguntei-lhe.
— Não, Machado, é preciso envolver a pessoa a quem desejamos reconquistar ou cativar a simpatia com o nosso maior respeito. Todavia, nossas palavras de paz devem emergir do nosso interior, reconhecendo que a inimizade e o antagonismo, mesmo que pareçam justos, precisam ser erradicados de nossas almas.
Então, perguntei-lhe:
— E se o erro ou a agressão foram dirigidos a nós?
— É preciso consultar a própria consciência, sem autocomiseração, para que descubramos ter sido os próprios causadores da agressividade alheia. Somente assim estaremos libertos do mal.
Para finalizar, o elevado Espírito que já está entre vós, com a idade atual de quatorze anos, e renasceu em São Paulo, brindou-nos à época com esta frase magistral, registrada pelo lápis do médium mineiro e que lhes passo em primeira mão, amados leitores: 
Existem companheiros e companheiras que terão sofrido golpes tão grandes que se acreditam incapazes de qualquer iniciativa para a pacificação com as criaturas que se fizeram instrumentos da amargura que lhes marcam os dias. Entretanto, lembremo-nos de que o brilhante atirado à lama, não deixará de ser brilhante, porque esteja nessa penosa e transitória condição. E, pensando nisso, entenderemos que Deus tem recursos para retirar essa preciosidade do lixo humano, fazendo-a brilhar de novo ao domínio da luz. 
                   Agradeci a Emmanuel tão belos ensinamentos, abracei-o, junto com Chico Xavier, inspirei uma prece a Eurípedes, em benefício de todos os encarnados e desencarnados, presentes e necessitados, e saí dali volitando, direto para a nave espacial que me aguardava. Entrei na nave e parti ao encontro de Carolina, que, sob um pseudônimo qualquer, retornava de um trabalho mediúnico voltado à inspiração da mineira Carolina Maria de Jesus, futuramente famosa por sua obra literária produzida enquanto catava lixo próximo à favela onde morava: Quarto de despejo.
                Leitora amiga, amigo leitor, o certo é que, ya lo creo!
                Ai nostri monti ritorneremo (De volta às nossas montanhas. AS).

           

  Brasil (Irmão Jó)   Surfando mares bravios, Saíram de Portugal 1500 navios Comandados por Cabral. Em 22 de abril Do ano de 1500 Foi descob...