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terça-feira, 25 de agosto de 2015

Em dia com o Machado 172 (jlo)

— Então você ainda não entendeu, ignaro, que minha filosofia é muito superior a todas as outras? Pois fique sabendo, Rubião, que sou a reencarnação de Santo Agostinho e retornei à Terra com o exclusivo intento de lhe trazer a mais perfeita e, consequentemente, melhor filosofia de vida que a humanidade pode almejar: o Humanitismo.
Assim falava Quincas Borba a Rubião, quando lhe escreveu sua derradeira carta, antes de lhe transmitir toda a sua fortuna e lhe impor uma única condição: cuidar de seu cachorro, também chamado Quincas Borba. Imaginava o dono que, tão logo morresse, poderia continuar vivendo caninamente. “[...] Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom cachorro. Ris-te, não?” (cap. V).
O que eu, Machado, consegui ocultar com perfeição, até ser “desmascarado” por Joteli, é que o Humanitismo é um neologismo criado por mim como paródia ao Espiritismo, que ainda não conseguira entender, plenamente, em 1881 e 1991, anos das publicações, respectivas, dos meus romances intitulados Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Quer exemplos?
Leia, amigo leitor e bela leitora, o que disse o personagem Quincas: “Quem sou eu, Rubião? Sou Santo Agostinho. Sei que há de sorrir, porque você é um ignaro, Rubião; a nossa intimidade permitia-me dizer palavra mais crua, mas faço-lhe esta concessão, que é a última. Ignaro!” (cap. X).
Já em conversa com Brás Cubas (cap. XLVII de Memórias póstumas...), eu repetia: “O Humanitismo há de ser também uma religião, a do futuro, a única verdadeira”.
Em 1878, eu já criticava o Espiritismo, que confundia com sonambulismo, juntando, assim, efeito com causa, pois nem todo sonâmbulo é espírita e, consequentemente... (Notas semanais, V, de 16 jun. 1978).
Mas foi em 5 de outubro de 1885 que, ao adentrar pela fechadura, no salão de conferências da FEB, ouvi o orador dizer que o Espiritismo substituiria todas as religiões do passado (Balas de estalo). Daí, em 1891 ter dito Quincas Borba que o Humanitismo é que era a religião verdadeira.
Agora leia o que mais escrevi com ironia numa de minhas crônicas, sobre o Espiritismo: “Essa doutrina, eu, que algumas vezes me ri dela, venho proclamá-la bem alto como a última e verdadeira.” (A semana, 23 set. 1894).
Como errar é prerrogativa da juventude, Allan Kardec também, aos 30 anos, defendendo, num de seus artigos, as aulas de ciências para as crianças, disse o seguinte: “Aquele que houver estudado as ciências rirá, então da credulidade supersticiosa dos ignorantes. Não mais crerá em espectros e fantasmas. Não mais aceitará fogos fátuos por espíritos”.
Entretanto, em 1855, após assistir aos fenômenos mediúnicos, manifestados por duas adolescentes, na casa da Sr.ª Plainemaison, admitiu que a realidade visível é complementada pela do invisível aos nossos sentidos normais, que somente os médiuns podem captar, embora, de um modo geral, todos sejamos médiuns, seja por meio dos sonhos, da intuição ou dos fenômenos chamados metapsíquicos, que ele cunhou de mediúnicos.
Como as obras codificadas por Kardec só começaram a ser publicadas, no Rio de Janeiro, em 1875, traduzidas por Fortúnio, pseudônimo de Joaquim Carlos Travassos, somente gradativamente fui tomando conhecimento da nova filosofia. Meus conhecimentos, a partir da década de 1860, tinham por base as informações provindas da França, que Casimir Lieutaud, poeta e educador francês, compartilhava comigo e que eu, conhecedor das ideias iluministas francesas, além de leitor há décadas das Escrituras Sagradas, buscava ironizar, mesmo quando meu amigo publicou a obra com princípios espíritas intitulada Les temps sont arrivés. Para mim, os tempos não tinham passado, presente ou futuro, como procurei simbolizar no delírio de Brás Cubas, cap. 7, então, como poderiam ser chegados?
Daí o meu lento progresso na absorção da teoria espírita que, durante muito tempo, foi confundida com curandeiria e cartomancia, práticas tidas como diabólicas ou de comércio do sagrado e fraudes que tanto Moisés quanto Jesus condenavam.
Para finalizar, compartilho com a amiga e amigo leitores uma síntese do método kardequiano, muito bem elaborada pelo site:
http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/allan-kardec-espiritismo-religiao-bem-brasileira-806044.shtml:

MÉTODO CIENTÍFICO
As principais explicações de Kardec para os fenômenos psíquicos e mediúnicos
Fraude: O pesquisador acreditava que os casos de truques deveriam ser sempre denunciados: “O espiritismo só terá a ganhar com o desmascaramento
dos impostores”, escreveu. Kardec dizia que médiuns que realizam espetáculos públicos pagos deveriam ser observados com suspeita redobrada.
Alucinação: O pedagogo estabelecia critérios para diferenciar alucinações e problemas mentais em geral de contatos legítimos com espíritos. Por exemplo: se uma pessoa escreve mensagens em línguas que não conhece, ou se o fenômeno físico (por exemplo, uma mesa se mexendo) foi visto por várias pessoas.
Influência externa: Kardec reconhecia a possibilidade da existência de dois fenômenos psíquicos: a telepatia, que ele chamava de “reflexo do pensamento”, e a clarividência, a percepção extrassensorial de objetos a distância. Para ele, nenhuma das duas era resultado de contatos com o mundo espiritual.
Comunicação: O contato com almas desencarnadas só pode ser considerado quando as hipóteses de fraude, alucinação e influência de outras pessoas tiverem sido descartadas. As mensagens do além só poderiam ser consideradas confiáveis se fossem espontâneas e confirmadas por médiuns que não se conhecessem entre si.

            E assim, gradativamente, vamos saindo da ignorância e do preconceito para a razão e o conhecimento da verdade, que o Espiritismo esclarece residir não nessa ou naquela religião, ciência ou filosofia, mas em Deus.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015



Em dia com o Machado 171 (jlo)

Estava-se no Tribunal, quando execrável juiz lavrou sua iníqua sentença de condenação a alguns políticos, grandes baluartes da democracia brasileira atual, por pequenos deslizes praticados por esses insignes representantes do nosso povo. Começava ali a descoberta de que, todo ano, 50 bilhões de reais são desviados dos cofres públicos brasileiros, o que daria para resolver a educação de nossas crianças e jovens com melhores escolas, melhor formação e salário de seus professores, cuja classe, em países sérios, é tratada com dignidade e respeito.
Um dos jurados presentes louvou o perverso magistrado com as seguintes palavras:
— “Bema-venturados” são os sábios como Vossa Excelência...
Ao que o árbitro das trevas respondeu com humildade:
— Depois dessa, sei que nada sei...
E nós refletimos, amigo leitor:
 — Se assim é, “bema-mados” pelo fisco são os nossos contribuintes.
Sim, amiga leitora, não se pronuncia a palavra composta bem-aventurados senão como “bem” e “aventurados”, distintamente; assim também “bem” e “amados” é a pronúncia de bem-amados.
“Bem mamado” é o bebê que mamou bem no peito da mamãe. “Bema-venturado” não sei o que é.
Ignoro de onde algumas pessoas cultas, sem o mínimo de reflexão, embarcaram nessa pronúncia, mas isso virou uma praga, de uns tempos para cá, como outras elocuções populares, tais como “há anos atrás”, “elo de ligação”, encarar de frente”, “adentrar para dentro”, “sair para fora”, etc. Isso é chamado, nas figuras de linguagem, de pleonasmo, que pode ser vicioso ou não...
Certos pleonasmos servem para enfatizar a elocução. Um exemplo é a expressão de Jesus: — Lázaro, sai para fora. Sair só pode ser para fora, mas o Cristo quis enfatizar a saída do amigo. Creio mesmo que ele teria dito, como rezam as melhores traduções: “— Lázaro, vem para fora” (João, 11:43)...  
Outro exemplo é a famosa frase inscrita no Oráculo de Delfos, na Grécia, e repetida por Sócrates: — Homem, conhece-te a ti mesmo. Pura ênfase. Mas, em geral, os pleonasmos são ditos por crassa ignorância e falta de reflexão de quem os pronuncia, pois se refletissem um pouco perceberiam que não há necessidade alguma da ênfase viciosa de suas expressões.
E também não será quando você “lê” estas informações, amiga leitora, que ficará mais sábia, e, sim, quando você “ler” e praticar, sem se sentir ofendida, cada uma destas dicas, sem perder a simplicidade, a clareza e a objetividade na comunicação falada e escrita.
Por fim, peço-lhe um favor, amigo leitor: quando vir alguém maltratando a língua, não o critique publicamente. Chame-o num canto à parte e alerte-o sobre a “pedalada” linguística. Anote, confira o suposto erro em boa gramática, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, o menosprezado VOLP, e em bom dicionário, com muita atenção, para não ser cúmplice desse elemento, como dizem os policiais, e acabar assassinando a língua pátria.
Se você gostaria de estar em algum lugar, não diga que queria “está” ali, pois o que você deseja é “estar”. O verbo aqui fica no infinitivo.
Quando eu digo: “Vi com meus próprios olhos...” estou enfatizando o ato de “ver”, pela expressão “com meus próprios olhos”, embora com os olhos do leitor é que eu não poderia ver, a não ser que fosse cego e tu me transmitisses, por osmose, tua visão.
Outros pleonasmos: a) encarei o problema de frente; b) foi estabelecido um elo de ligação; c) subi para cima; e) desci para baixo... É impossível encarar sem que o seja de frente; todo elo é de ligação; subir só pode ser para cima e descer somente é possível se for para baixo.
Ouvi de um crítico a recriminação a outro, que caluniava a crença alheia: — Vamos parar com essas alegorias... Em verdade, o que ele queria dizer era: — Vamos parar com essas aleivosias. Alegorias são figuras de linguagem, simbolismo de uma narração. Já aleivosias são falsas acusações, calúnias. Era este o seu pensamento: — Vamos parar com essas aleivosias, ou seja, com essas acusações falsas.

— Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar. (Machado de Assis)

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Em dia com o Machado 170 (jlo)

Está aqui do meu lado nada mais nada menos do que Allan Kardec. Atendendo a meu convite para uma entrevista, o codificador do Espiritismo se propôs responder, sem pejo, a todos os questionamentos advindos de meu espírito sedento de esclarecimentos. Desse modo, inicio com a seguinte pergunta:
— Meu caro Allan, a previsão de seu retorno, no início do século XX, para a continuação de sua obra espírita se concretizou?
— Primeiramente, a obra não é minha, e, sim, dos Espíritos; mas, respondendo à sua pergunta, digo-lhe que sim, embora saiba você tão bem como eu desse fato contido em Obras póstumas, item Minha volta.
— É verdade, mas o leitor não sabia disso. E por que você não me permitiu comunicar por seu intermédio, uma vez que nenhum outro médium estava tão bem aparelhado como você para tal desiderato?
— Machado, E. foi contrário a essa ideia, tendo em vista a imensa responsabilidade de psicografar sua mensagem com a tinta da melancolia e com o humor irônico de sua pena.
— Para você, o que é o poder?
— É uma Hidra de Lerna voraz, que, em seu insaciável desejo de domínio, somente é vencida pelo hercúleo esforço do ser que se propõe a exercitar as qualidades do desinteresse pessoal, da abnegação e do devotamento ao próximo. Entretanto, como afirmei no primeiro capítulo d’A gênese, “infelizmente, as religiões hão sido sempre instrumento de dominação”.
— Você é contra o aspecto religioso do Espiritismo?
— De modo algum. Só deixo claro que, mais do que por qualquer religião, o ser humano somente alcançará a perfeição pela prática da caridade.
— E o que é a caridade?
Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros e perdão das ofensas, como está na questão 886 d’O livro dos espíritos.
— O Espiritismo é uma revelação divina?
— Sim, mas com o objetivo de promover um intercâmbio solidário entre os espíritos e os homens e, desse modo, contribuir para o seu aperfeiçoamento espiritual.
— Com que fim?
— Ser feliz.
 — Se é assim, presto-lhe minha homenagem com um Soneto da Felicidade:
Eu pesquisei a natureza humana
Em busca de um sentido para o ser
E, nesse intento, pus-me a descrever
Em minha obra a alma leviana.

Onde encontrar em tanta mente insana
Algum motivo que fizesse crer
Razão tamanha para se viver
Feliz na Terra triste e desumana?

Onde encontrar a paz? Na vã ciência?
Nenhuma voz ouvi que respondesse
E já perdia, um tanto, a paciência...

Foi quando ouvi a própria consciência,
Que já de mim não mais se me escondesse:
Só é feliz quem vive com decência.


terça-feira, 4 de agosto de 2015

Em dia com o Machado 169 (jlo)

— Que Deus nos ajuda a resolver os graves problemas morais desta nação! Assim começa o breve discurso daquele parlamentar, o que é para lamentar. Se ainda fosse “nos acuda”...
Mas Ele acudiu-o. Enviou-me a esclarecer-lhe que todos os verbos terminados em “ar”, na terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo, devem ser flexionados com terminação em “-e”. Exemplos: ajudar, comprar e pensar: Que Deus (ele) nos ajude; que ela compre; que ele pense...
Já os verbos com terminações –er, -ir: comer, fazer, sair, fugir, acudir, entre outros, da segunda e terceira conjugações, devem ser flexionados, na terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo, assim: Que ela coma... Que ele faça... Que ela saia... Que o Dirceu não fuja e que o Senhor nos acuda...
É nessas horas que Deus nos ajuda... Muito bem, Joteli, aqui você está usando o presente do indicativo, e não o presente do subjuntivo citado acima.
Continuando sua peroração, o deputado diz: vinte anos atrás, eu estive em Cuba... E eu monologo baixinho:
— Mas se foi “há” vinte anos, por que o “atrás”, se os gramáticos nos ensinam que o verbo haver, no sentido de tempo passado, dispensa o advérbio atrás? Bastar-lhe-ia dizer: — vinte anos, estive em Cuba... Também a própria flexão do verbo em primeira pessoa já indica quem esteve em Cuba: “eu estive”... Nesse caso, o “eu” é opcional.
Mais adiante, o membro do legislativo sai-se com esta: — Neste país, houveram muitos avanços na área da medicina...
E eu digo para o meu umbigo:
— Coitado, não aprendeu na escola que o verbo “haver” com o significado de “existir”, “ocorrer”, não se flexiona no plural; caso contrário, ele diria que houve muitos avanços... Por outro lado, se ele não está no país a que se refere, deve dizer “Naquele país”, “Nesse país”, e não “Neste país”.
Corrigindo o congressista: Nesse país (Cuba, onde ele esteve vinte anos atrás), houve muitos avanços na medicina... Percebeu, safo leitor, que, na frase entre parênteses, dispensei o e apenas mantive o atrás? É isto: quando o está presente na referência a tempo passado, não precisa do atrás; e o contrário também é certo: havendo atrás não é necessário na indicação de tempo passado. A objetividade é outra qualidade importante da comunicação, por isso, cortei o “área” na frase corrigida acima.
Outro problema de muita gente boa é com a pronúncia de certas palavras. Um juiz disse à sua secretária:
— Dona Tempesta, peça ao Dr. Epílogo para apor sua rúbrica na petição.
Como é que pode? O homem chegou a juiz, está sempre falando uma palavra usual no fórum equivocadamente e jamais o chamaram  à parte para lhe dizer: 
— Excelência, a pronúncia desta palavra não é “brica” e, sim, “rubrica”.
O promotor, para não ficar atrás do magistrado, acusou o réu com a seguinte catilinária:
— Esse cabra é um delinguente que assassinou sua vítima com “ineksorável” crueldade.
Delinquente, doutor, corrigiu-o o defensor público em público. E outra coisa, a pronúncia de “inexorável” não é com “ks”, mas sim com “z”. Escreve-se com “x”, mas pronuncia-se com “z”. Assim, ó: “inezorável”.
Amigo leitor, na dúvida da pronúncia de um vocábulo, consulte o Vocabulário ortográfico da língua portuguesa da Academia Brasileira de Letras, o quase desconhecido VOLP, ou qualquer outro dicionário atualizado do idioma pátrio. Eles trazem, entre barras, a letra indicadora da pronúncia do x, que ora pode ser /ks/, como em anexo, ora /ch/, como em xícara, ou /z/ como é o caso de inexorável.
Até aqui, tudo bem, o problema foi quando o defensor pediu ao juiz:
— Excelência, “desiguína” outra testemunha para depor... E o promotor deu-lhe o troco: — Também o nobre colega errou na pronúncia de “designa”; então, estamos quites, pois essa palavra se pronuncia /dezígna/.
Ansioso pelo fim do caso, o juiz ordenou à secretária:
Hajam vistas os graves gravames idiomáticos dessa seção, decido suspendê-la para que, somente após esclarecidos todas as dúvidas linguísticas, eu a possa concluir.  Destarte, determino à dona Tempesta que faça a revisão de nossos textos e nos encaminhe, tempestivamente, uma cópia da sentença dessa audiência.
Antes de ser demitida, a secretária entregou ao seu chefe o seguinte texto:
Haja vista a nossa ignorância, somente haverá o epílogo desta sessão quando um bom professor de língua portuguesa nos facultar que sejam esclarecidas todas as dúvidas linguísticas desta audiência.
Coitada, foi punida por ser a única que sabia escrever corretamente e com estilo.
Agora, tenta inutilmente ser contratada como professora de português naquele fórum. Porém, desde então, quem, diariamente, passa por aquela vara lê o seguinte aviso:
“Audiência só amanhã”.

  Quando o texto é escorreito (Irmão Jó)   Atento à escrita correta É o olho do revisor, Mas pôr tudo em linha certa É com o diagramador.   ...