Em dia com o Machado 172 (jlo)
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Então você ainda não entendeu, ignaro, que minha filosofia é muito superior a
todas as outras? Pois fique sabendo, Rubião, que sou a reencarnação de Santo
Agostinho e retornei à Terra com o exclusivo intento de lhe trazer a mais
perfeita e, consequentemente, melhor filosofia de vida que a humanidade pode
almejar: o Humanitismo.
Assim
falava Quincas Borba a Rubião, quando lhe escreveu sua derradeira carta, antes
de lhe transmitir toda a sua fortuna e lhe impor uma única condição: cuidar de
seu cachorro, também chamado Quincas Borba. Imaginava o dono que, tão logo morresse,
poderia continuar vivendo caninamente. “[...] Se eu morrer antes, como presumo,
sobreviverei no nome do meu bom cachorro. Ris-te, não?” (cap. V).
O
que eu, Machado, consegui ocultar com perfeição, até ser “desmascarado” por
Joteli, é que o Humanitismo é um neologismo criado por mim como paródia ao
Espiritismo, que ainda não conseguira entender, plenamente, em 1881 e 1991, anos
das publicações, respectivas, dos meus romances intitulados Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. Quer exemplos?
Leia,
amigo leitor e bela leitora, o que disse o personagem Quincas: “Quem sou eu,
Rubião? Sou Santo Agostinho. Sei que há de sorrir, porque você é um ignaro, Rubião;
a nossa intimidade permitia-me dizer palavra mais crua, mas faço-lhe esta
concessão, que é a última. Ignaro!” (cap. X).
Já
em conversa com Brás Cubas (cap. XLVII de Memórias
póstumas...), eu repetia: “O Humanitismo há de ser também uma religião, a
do futuro, a única verdadeira”.
Em
1878, eu já criticava o Espiritismo, que confundia com sonambulismo, juntando,
assim, efeito com causa, pois nem todo sonâmbulo é espírita e,
consequentemente... (Notas semanais, V, de 16 jun. 1978).
Mas
foi em 5 de outubro de 1885 que, ao adentrar pela fechadura, no salão de
conferências da FEB, ouvi o orador dizer que o Espiritismo substituiria todas
as religiões do passado (Balas de estalo).
Daí, em 1891 ter dito Quincas Borba que o Humanitismo é que era a religião
verdadeira.
Agora
leia o que mais escrevi com ironia numa de minhas crônicas, sobre o
Espiritismo: “Essa doutrina, eu, que algumas vezes me ri dela, venho
proclamá-la bem alto como a última e verdadeira.” (A semana, 23 set. 1894).
Como
errar é prerrogativa da juventude, Allan Kardec também, aos 30 anos, defendendo,
num de seus artigos, as aulas de ciências para as crianças, disse o seguinte: “Aquele
que houver estudado as ciências rirá, então da credulidade supersticiosa dos
ignorantes. Não mais crerá em espectros e fantasmas. Não mais aceitará fogos
fátuos por espíritos”.
Entretanto,
em 1855, após assistir aos fenômenos mediúnicos, manifestados por duas adolescentes,
na casa da Sr.ª Plainemaison, admitiu que a realidade visível é complementada
pela do invisível aos nossos sentidos normais, que somente os médiuns podem
captar, embora, de um modo geral, todos sejamos médiuns, seja por meio dos
sonhos, da intuição ou dos fenômenos chamados metapsíquicos, que ele cunhou de
mediúnicos.
Como
as obras codificadas por Kardec só começaram a ser publicadas, no Rio de
Janeiro, em 1875, traduzidas por Fortúnio, pseudônimo de Joaquim Carlos
Travassos, somente gradativamente fui tomando conhecimento da nova filosofia. Meus
conhecimentos, a partir da década de 1860, tinham por base as informações
provindas da França, que Casimir Lieutaud, poeta e educador francês,
compartilhava comigo e que eu, conhecedor das ideias iluministas francesas,
além de leitor há décadas das Escrituras Sagradas, buscava ironizar, mesmo
quando meu amigo publicou a obra com princípios espíritas intitulada Les temps sont arrivés. Para mim, os
tempos não tinham passado, presente ou futuro, como procurei simbolizar no
delírio de Brás Cubas, cap. 7, então,
como poderiam ser chegados?
Daí
o meu lento progresso na absorção da teoria espírita que, durante muito tempo,
foi confundida com curandeiria e cartomancia, práticas tidas como diabólicas ou
de comércio do sagrado e fraudes que tanto Moisés quanto Jesus condenavam.
Para
finalizar, compartilho com a amiga e amigo leitores uma síntese do método
kardequiano, muito bem elaborada pelo site:
http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/allan-kardec-espiritismo-religiao-bem-brasileira-806044.shtml:
MÉTODO CIENTÍFICO
As principais explicações de Kardec para os fenômenos psíquicos e mediúnicos |
Fraude: O pesquisador acreditava que os casos de truques
deveriam ser sempre denunciados: “O espiritismo só terá a ganhar com o
desmascaramento
dos impostores”, escreveu. Kardec dizia que médiuns que realizam espetáculos públicos pagos deveriam ser observados com suspeita redobrada. |
Alucinação: O pedagogo estabelecia critérios para
diferenciar alucinações e problemas mentais em geral de contatos legítimos
com espíritos. Por exemplo: se uma pessoa escreve mensagens em línguas que
não conhece, ou se o fenômeno físico (por exemplo, uma mesa se mexendo) foi
visto por várias pessoas.
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Influência externa: Kardec reconhecia a possibilidade da existência
de dois fenômenos psíquicos: a telepatia, que ele chamava de “reflexo do
pensamento”, e a clarividência, a percepção extrassensorial de objetos a
distância. Para ele, nenhuma das duas era resultado de contatos com o mundo
espiritual.
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Comunicação: O contato com almas desencarnadas só pode
ser considerado quando as hipóteses de fraude, alucinação e influência de
outras pessoas tiverem sido descartadas. As mensagens do além só poderiam ser
consideradas confiáveis se fossem espontâneas e confirmadas por médiuns que
não se conhecessem entre si.
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E assim, gradativamente, vamos
saindo da ignorância e do preconceito para a razão e o conhecimento da verdade,
que o Espiritismo esclarece residir não nessa ou naquela religião, ciência ou
filosofia, mas em Deus.