Em dia com o
Machado 169 (jlo)
—
Que Deus nos ajuda a resolver os
graves problemas morais desta nação! Assim começa o breve discurso daquele
parlamentar, o que é para lamentar.
Se ainda fosse “nos acuda”...
Mas
Ele acudiu-o. Enviou-me a esclarecer-lhe que todos os verbos terminados em
“ar”, na terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo, devem ser
flexionados com terminação em “-e”. Exemplos: ajudar, comprar e pensar: Que Deus (ele) nos ajude; que ela compre; que ele pense...
Já
os verbos com terminações –er, -ir: comer,
fazer, sair, fugir, acudir, entre outros, da segunda e terceira
conjugações, devem ser flexionados, na terceira pessoa do singular do presente
do subjuntivo, assim: Que ela coma... Que ele faça... Que ela saia... Que o Dirceu não fuja e que o Senhor nos acuda...
—
É nessas horas que Deus nos ajuda... Muito
bem, Joteli, aqui você está usando o presente do indicativo, e não o presente
do subjuntivo citado acima.
Continuando
sua peroração, o deputado diz: Há
vinte anos atrás, eu estive em
Cuba... E eu monologo baixinho:
—
Mas se foi “há” vinte anos, por que o “atrás”, se os gramáticos nos ensinam que
o verbo haver, no sentido de tempo
passado, dispensa o advérbio atrás?
Bastar-lhe-ia dizer: — Há vinte
anos, estive em Cuba... Também a
própria flexão do verbo em primeira pessoa já indica quem esteve em Cuba: “eu
estive”... Nesse caso, o “eu” é opcional.
Mais
adiante, o membro do legislativo sai-se com esta: — Neste país, houveram
muitos avanços na área da medicina...
E
eu digo para o meu umbigo:
—
Coitado, não aprendeu na escola que o verbo “haver” com o significado de “existir”,
“ocorrer”, não se flexiona no plural; caso contrário, ele diria que houve muitos avanços... Por outro lado, se ele não está no país a que se refere,
deve dizer “Naquele país”, “Nesse país”, e não “Neste país”.
Corrigindo
o congressista: Nesse país (Cuba,
onde ele esteve vinte anos atrás), houve muitos avanços na medicina...
Percebeu, safo leitor, que, na frase entre parênteses, dispensei o há e apenas mantive o atrás? É isto: quando o há está presente na referência a tempo passado, não precisa
do atrás; e o contrário também é
certo: havendo atrás não é
necessário há na indicação de tempo passado. A objetividade é outra
qualidade importante da comunicação, por isso, cortei o “área” na frase
corrigida acima.
Outro
problema de muita gente boa é com a pronúncia de certas palavras. Um juiz disse
à sua secretária:
— Dona Tempesta, peça ao Dr. Epílogo para apor sua rúbrica na petição.
Como
é que pode? O homem chegou a juiz, está sempre falando uma palavra usual no fórum equivocadamente e jamais o
chamaram à parte para lhe dizer:
— Excelência, a pronúncia desta palavra não é “rúbrica” e, sim, “rubrica”.
— Excelência, a pronúncia desta palavra não é “rúbrica” e, sim, “rubrica”.
O
promotor, para não ficar atrás do magistrado, acusou o réu com a seguinte catilinária:
—
Esse cabra é um delinguente que assassinou sua vítima com “ineksorável” crueldade.
—
Delinquente, doutor, corrigiu-o o
defensor público em público. E outra coisa, a pronúncia de “inexorável” não é com
“ks”, mas sim com “z”. Escreve-se com “x”, mas pronuncia-se com “z”. Assim, ó:
“inezorável”.
Amigo
leitor, na dúvida da pronúncia de um vocábulo, consulte o Vocabulário ortográfico da língua portuguesa da Academia Brasileira
de Letras, o quase desconhecido VOLP, ou qualquer outro dicionário atualizado
do idioma pátrio. Eles trazem, entre barras, a letra indicadora da pronúncia do
x, que ora pode ser /ks/, como em anexo,
ora /ch/, como em xícara, ou /z/ como é o caso de inexorável.
Até
aqui, tudo bem, o problema foi quando o defensor pediu ao juiz:
—
Excelência, “desiguína” outra testemunha para depor... E o promotor deu-lhe o
troco: — Também o nobre colega errou na pronúncia de “designa”; então, estamos quites,
pois essa palavra se pronuncia /dezígna/.
Ansioso
pelo fim do caso, o juiz ordenou à secretária:
Hajam vistas os graves gravames idiomáticos dessa
seção, decido suspendê-la para que, somente após esclarecidos todas as dúvidas linguísticas, eu a possa concluir. Destarte, determino à dona Tempesta que faça a
revisão de nossos textos e nos encaminhe, tempestivamente, uma cópia da
sentença dessa audiência.
Antes
de ser demitida, a secretária entregou ao seu chefe o seguinte texto:
Haja vista a nossa ignorância, somente haverá o epílogo desta sessão quando um bom professor de
língua portuguesa nos facultar que sejam
esclarecidas todas as dúvidas linguísticas desta audiência.
Coitada,
foi punida por ser a única que sabia escrever corretamente e com estilo.
Agora,
tenta inutilmente ser contratada como professora de português naquele fórum. Porém, desde então, quem,
diariamente, passa por aquela vara lê o seguinte aviso:
“Audiência
só amanhã”.
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